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História Halo (Camren) - Rebelde


Escrita por: lmfs13

Capítulo 10 - Rebelde


Ignorar o convite de Lauren se mostrou uma tarefa mais fácil do que eu esperava, já que ela passou a semana seguinte inteira sem aparecer na escola. Após fazer algumas indagações discretas, descobri que ela estava numa colônia de remo. Sem correr o risco de topar com ela, fiquei mais relaxada. Não sabia ao certo se teria coragem de desistir do encontro se ela estivesse bem na minha frente, o cabelo preto jogado de lado e aqueles límpidos olhos verdes. Para dizer a verdade, não sabia se seria capaz sequer de dizer muita coisa, tendo em vista minhas tentativas passadas de conversa. 

Na hora do almoço, eu sentava com Dinah e suas amigas no pátio, ouvindo sem muito entusiasmo aquela ladainha de reclamações sobre a escola, os garotos, as garotas e os pais. As conversas em geral eram sempre iguais, e eu achava que já sabia as falas de cor. Hoje o baile de formatura era o tema da discussão — nenhuma surpresa. 

— Ai, meu Deus, tanta coisa para resolver... — disse Dinah, alongando-se no chão como uma gata. Suas amigas estavam espalhadas em volta dela, umas também no chão e outras nos bancos do jardim, as saias levantadas para maximizar o impacto do sol do início da primavera. Eu estava sentada de pernas cruzadas ao lado de Dinah, puxando a saia timidamente para cobrir os joelhos. 

— Ai, meu Deus, eu sei! — concordou Ariana. Ela tornou a deitar a cabeça no colo de Hayley e puxou a blusa para cima a fim de expor a barriga ao sol. — Ontem à noite, comecei a fazer uma lista de coisas a fazer. — Ainda deitada, ela abriu a agenda, onde colara etiquetas de estilistas como enfeite. — Vejam isso — prosseguiu ela, lendo uma página com o canto dobrado. — Marcar unhas à francesa. Procurar sapatos sexy. Comprar bolsa. Decidir que joias usar. Descobrir penteado de uma celebridade para copiar. Decidir entre bronzeador Crepúsculo Havaiano e Champanhe. Reservar limusine. E a lista continua... 

— Você esqueceu a coisa mais importante: o vestido — disse Hayley. 

As outras riram da omissão. 

Eu não entendia bem como elas podiam discutir com tantos detalhes um evento que estava tão longe, mas achei melhor não comentar. Duvidava que minha contribuição seria apreciada. 

— Vai custar os tubos — suspirou Veronica. — Vou acabar estourando meu orçamento e gastando cada dólar que ganhei naquela porcaria de padaria. 

— Eu tenho a grana — disse Dinah com orgulho. — Andei economizando o que ganho na loja desde o ano passado. 

— Meus pais vão pagar tudo — gabou-se Taylor. — Eles concordaram em pagar tudinho desde que eu passasse em todas as provas. Até um ônibus para a festa eles prometeram se a gente quiser.

As garotas estavam visivelmente impressionadas. 

— Seja lá o que você faça, não leve bomba em nenhuma matéria — disse Dinah. 

— Ei, ela não faz milagres. — Hayley riu. 

— Alguém já tem par? — perguntou uma outra. 

Algumas das garotas tinham, e as que tinham namorado não precisavam se preocupar quanto a isso. As demais continuavam esperando desesperadamente que alguém as convidasse. 

— Me pergunto se Normani vai — refletiu Dinah, virando-se para mim. — Todos os professores estão convidados. 

— Não tenho certeza — disse eu. — Ela costuma evitar esse tipo de coisa. 

— Você devia convidar Siope — sugeriu Hayley a Dinah — antes que ele se comprometa com alguém. 

— É, os bons são sempre os primeiros a conseguir um par — concordou Veronica.

Dinah pareceu ofendida. 

— A norma é essa, Hayley — disse. — O cara tem que fazer o convite. 

Veronica bufou. 

—  E se não for um cara? Boa sorte com isso. - falou.

— Dinah, você às vezes é muito burra — suspirou Hayley. — Siope tem um metro e noventa, é imponente, bonito e joga lacrosse. Ele pode até não ser a última bolacha do pacote, mas, mesmo assim, o que está esperando? 

— Quero que ele me convide — disse Dinah amuada. 

— Talvez ele seja tímido — sugeriu Taylor. 

—Você sabe mesmo de quem estamos falando? — Veronica revirou os olhos. — Duvido que ele tenha problemas de auto-estima. 

Um debate sobre vestidos compridos versus vestidos passeio completo se seguiu. A conversa ficou tão banal que eu precisava encontrar uma forma de sair dali. Resmunguei alguma coisa em relação a ir à biblioteca para ver se um livro havia chegado. 

— Ihhh, Mila, só o pessoal caído frequenta a biblioteca — disse Veronica. — Alguém pode te ver. 

— E já temos que passar o quinto tempo lá para terminar aquela pesquisa idiota — gemeu Taylor. 

— Sobre o que era mesmo? — perguntou Hayley. — Algo a ver com política no Oriente Médio? 

— Onde fica o Oriente Médio? — perguntou uma menina chamada Ashlee, que sempre usava o cabelo castanho amontoado no alto da cabeça como uma coroa de dreads. 

— É uma região inteira perto do Golfo Pérsico — disse eu. — Pega o sudoeste da Ásia. 

— Acho que não, Mila — riu Veronica. — Todo mundo sabe que o Oriente Médio é na África. 

Desejei encontrar Ally, mas ela estava ocupada trabalhando na cidade. Tinha entrado para um grupo da igreja e já recrutava novos membros. Fizera emblemas promovendo o comércio justo e imprimira panfletos que pregavam sobre a injustiça das condições de trabalho no Terceiro Mundo. Dada a sua posição de deusa em Venus Cove, os números do grupo da igreja estavam aumentando. Os rapazes da cidade adquiriram o hábito de procurá-la e comprar muito mais emblemas do que qualquer um poderia usar na esperança de serem recompensados com o número de telefone dela ou apenas um tapinha agradecido nas costas. Ally assumira a missão de fazer o papel de Mãe Terra em Venus Cove — queria trazer as pessoas de volta para a natureza. Acho que podíamos chamar isso de mentalidade ambientalista — comida orgânica, espírito comunitário e a força do mundo natural sobre as coisas materiais. 

Portanto, me encaminhei para o prédio de música, à procura de Normani. 

A ala de música ficava na parte mais antiga da escola. Ouvi uma cantoria vindo do salão principal, então abri suas pesadas portas de painel. O salão era amplo, com um pé-direito alto e paredes cobertas de retratos de diretores com expressões taciturnas. Normani estava diante de um atril regendo o coro do terceiro ano. Todos os coros tinham ganhado popularidade desde a chegada de Normani; na verdade, havia tantas novatas no coro do terceiro ano que o ensaio tinha que ser no auditório. 

Normani estava ensinando um de seus hinos preferidos com uma harmonia quartal, acompanhado pela aluna representante de música, Lucy Hale, ao piano. Minha entrada interrompeu o canto fazendo Normani se virar para saber o motivo da distração. 

Acenei para ela e fiquei ouvindo o coro recomeçar a cantar. 


Aqui estou, Senhor. Sou eu, Senhor?

Ouvi-O chamando na noite.

Irei, Senhor, se me conduzir.

Levarei Seu povo em meu coração. 


Mesmo com alguns dos cantores desafinando e a acompanhante num tom um pouco elevado, a pureza das vozes era extasiante. Fiquei até a sineta sinalizar o fim do almoço. A essa altura, eu sentia que, em boa hora, era como se aquilo fosse um lembrete da situação geral das coisas. 

Os dias seguintes foram se emendando uns nos outros, e, quando vi, já era sexta-feira, e mais uma semana terminava. Segundo o que se falava pela escola, as pessoas que foram na colônia de remo tinham voltado depois do almoço, mas eu não vira nenhum sinal deles e presumira que foram direto para casa. Fiquei me perguntando se Lauren teria entendido que eu me desinteressara dela, já que não a procurara. Ou será que ela ainda aguardava minha ligação? A ideia de que ela pudesse estar aguardando uma ligação que não viria me incomodava. E eu nem teria chance de me explicar. 

Enquanto arrumava a mochila, vi que alguém tinha encaixado um rolinho de papel numa das frestas de ventilação metálicas que ficavam no alto do meu armário. O rolinho caiu no chão quando abri a porta. Peguei-o e li a mensagem. 


Caso mude de ideia, estarei no Cinema Mercury sábado às 9h. Beijo. 


Li aquilo várias vezes. Até por meio de um pedaço de papel, Lauren conseguia ter o mesmo efeito atordoante sobre mim. Manuseei o bilhete com todo cuidado, como se fosse uma relíquia antiga. Ela não desistia facilmente; eu gostava disso nela. Então essa é a sensação de ser perseguida, pensei. Queria pular por ali de tão empolgada, mas consegui manter a calma. No entanto, eu continuava com um sorriso no rosto quando encontrei Normani e Ally. Parece que eu não conseguia obrigar os músculos da face a adotar uma máscara de serenidade. 

— Você parece satisfeita consigo mesma — disse Ally quando me viu. 

— Me dei bem num teste de francês — menti. 

— Esperava outra coisa? 

— Não, mas mesmo assim é bom ver o resultado por escrito. 

Surpreendeu-me a facilidade com que eu podia mentir. Eu devia estar melhorando nisso, o que não era bom. 

Normani pareceu satisfeita de ver que eu estava mais animada. Eu sabia que ela andara se sentindo culpada. Odiava ver tristeza, que dirá ser a causa dela. Eu não a censurava por sua severidade; ela não tinha culpa de não conseguir entender o que eu estava vivendo. Estava focada em supervisionar nossa missão, e eu não conseguia imaginar a tensão que deve acompanhar uma tarefa como essa. Ally e eu dependíamos dela, e os poderes do Reino confiavam em sua sabedoria. Era natural ela tentar evitar complicações, e isso era exatamente o que ela temia que o contato com LLaure pudesse trazer. 

A euforia por ter recebido o bilhete de Lauren durou o resto da tarde e a noite. Mas, quando chegou sábado, eu já estava em conflito com minha própria consciência em relação ao que fazer. Queria desesperadamente ver Lauren, mas sabia que era um desejo imprudente e egoísta. Normani e Ally eram a minha família e confiavam em mim. Eu não podia intencionalmente fazer nada que pudesse comprometer a posição delas. 

A manhã de sábado foi relativamente tranquila. Fiz algumas tarefas domésticas e levei Fish para correr na praia. Quando cheguei em casa e olhei para o relógio, vi que já estava quase no meio da tarde e comecei a ficar nervosa. Consegui esconder minha agitação durante o jantar, e depois Ally cantou para nós com sua voz melodiosa, acompanhada por Normani num violão antigo. A voz de Ally poderia levar às lágrimas o criminoso mais cruel. Quanto a Normani, cada nota que ela tocava era macia e cantarolada como se tivesse vida. 

Por volta das oito e meia, subi para o meu quarto e tirei tudo de dentro do armário para fazer uma arrumação. Por mais que tentasse, não conseguia tirar Lauren da cabeça, e sua imagem tinha o impacto de um trem desgovernado nos meus pensamentos. As cinco para as nove, tudo o que eu conseguia pensar era nela à minha espera, com os minutos se passando. Visualizei o momento em que ela percebia que eu não ia chegar. Imaginei-a dando de ombros, saindo do cinema e tocando a vida para a frente. A dor desse pensamento era difícil de aguentar, e, quando dei por mim, já tinha pegado a bolsa, aberto as portas da sacada e descido pela treliça em direção ao jardim. Fui vencida por um desejo ardente de ver Lauren, ainda que não falasse com ele. 

Segui aos tropeções pela rua escura, virei à esquerda e continuei andando, na direção das luzes da cidade. Algumas pessoas viravam-se dentro dos carros que passavam para me olhar: uma garota um pouco pálida, com um ar fantasmagórico, correndo pela rua, os cabelos ao vento como flâmulas. Julguei ter visto a Sra. Henderson olhando pelas venezianas da sua sala de estar, mas não fiquei pensando nisso. 

Levei dez minutos para encontrar o Cinema Mercury. Passei por um café chamado The Fat Cat, que parecia lotado de estudantes. A música saía de uma jukebox e havia uma garotada sentada em sofás acolchoados, bebendo milk-shake ou dividindo tigelas de nachos. Alguns dançavam na pista quadriculada. 

Passei pelo The Terrace, um dos restaurantes mais luxuosos da cidade, localizado no primeiro andar de um velho hotel vitoriano. As melhores mesas ficavam na varanda que pegava toda a frente do prédio, e eu avistei velas cintilando nos castiçais. Passei depressa pela padaria nova e pelo armazém onde encontrara Alice e Fish havia poucas semanas. Quando cheguei ao cinema, eu ia tão depressa que passei a entrada e tive que voltar quando vi que tinha chegado ao fim da rua. 

O cinema datava dos anos 1950 e fora reformado recentemente, sendo mantida a moda da época. Era cheio de móveis e objetos retro. Os pisos eram de linóleo preto e branco encerado; havia sofás de vinil em tons de laranja queimado com pés de cromo, e luminárias que se pareciam com discos voadores. Eu me vi no espelho que ficava atrás do balcão das balas. Mal conseguia respirar de tanta empolgação e tinha uma expressão agitada devido à corrida. 

O vestíbulo estava vazio quando cheguei, e não havia ninguém circulando perto do bar. Os cartazes dos filmes anunciavam uma maratona Hitchcock. Já devia ter começado. Ou Lauren tinha entrado sozinha, ou já tinha ido embora. 

Ouvi pigarrearem forçadamente atrás de mim, como se faz para chamar atenção. Virei-me. 

— Quando a gente perde o filme, já não é mais um atraso elegante. — Lauren estava usando seu sorriso irônico, shorts jeans azul-marinho e uma camisa preta com uma estampa escrito The Beatles. 

— Não posso ficar — disse eu ofegante. — Só vim para lhe dizer isso. 

— Não precisava ter vindo correndo até aqui para me dar essa notícia. Podia ter ligado. 

Lauren tinha um olhar brincalhão. Fiz força para pensar numa resposta que não parecesse ridícula. Meu primeiro impulso foi dizer que tinha perdido seu telefone, mas não quis mentir para ela. 

— Já que está aqui — continuou —, que tal um café? 

— E o filme? 

— Posso assistir depois. 

— Tudo bem, mas não posso ficar muito tempo. Ninguém sabe que saí — confessei. 

— Tem um lugar a apenas dois quarteirões daqui, se não se incomodar de andar. 

O café se chamava Sweethearts. Lauren encostou nas minhas costas para me fazer entrar, e senti o calor da mão dela passar para a minha pele. Uma quentura estranha borbulhava dentro de mim até me dar conta de que sua mão estava bem no lugar onde minhas asas ficavam cuidadosamente dobradas. Afastei-me rapidamente com uma risada nervosa. 

— Você é uma garota estranha — disse ela, parecendo desconcertada. 

Fiquei agradecida quando ela pediu um lugar reservado, pois eu não queria ficar exposta a olhares curiosos. Tínhamos chamado bastante atenção simplesmente ao andar juntas na rua. Dentro do café, havia alguns rostos que reconheci da escola, mas, como eu não conhecia os alunos pessoalmente, não se exigia que eu cumprimentasse ninguém. Vi Lauren acenando com a cabeça em várias direções antes de nos sentarmos. Seriam amigos dela? Eu me perguntava se nossa saída alimentaria os boatos na segunda-feira. 

O lugar era acolhedor, e comecei a me sentir mais relaxada. A iluminação era fraca, e as paredes, cobertas de cartazes de filmes antigos. O cardápio oferecia uma variedade de milk-shakes, cafés, bolos e sundaes. Uma garçonete usando um par de tênis preto e branco anotou nosso pedido. Pedi um chocolate quente, e Lauren pediu um latte. A garçonete lhe deu um sorriso sedutor enquanto escrevia no bloco. 

— Espero que tenha gostado do lugar — disse ela, quando a moça foi embora. — Venho sempre aqui depois dos treinos. 

— É simpático. Você treina muito? 

— Por duas tardes e em quase todos os fins de semana. E você? Já se envolveu em mais alguma coisa? 

— Não, ainda estou decidindo. 

Lauren respondeu com um gesto de cabeça. 

— Essas coisas demoram. — Cruzou os braços confortavelmente no peito e recostou-se na cadeira. — Então, me fale de você. 

Era o momento que eu temia. 

— O que gostaria de saber? — perguntei com cautela. 

— Primeiro, por que escolheu Venus Cove? Não é exatamente uma cidade em evidência. 

— Exatamente por isso — respondi. — Pode-se dizer que foi uma decisão de estilo de vida. Estávamos cansados de viver para lá e para cá, queríamos nos instalar em algum lugar sossegado. — Eu sabia que aquela era uma resposta aceitável; não faltavam famílias que tinham se mudado por motivos semelhantes. — Agora me fale de você. 

Acho que ela percebeu que eu tentava evitar mais perguntas, mas não tinha importância. Lauren se sentia bem falando e não precisava de estímulo. Diferentemente de mim, ela não via problema em mencionar informações pessoais. Contou anedotas sobre familiares e me deu uma versão abreviada da história da família Jauregui. 

— Venho de uma família de seis irmãos e sou a segunda mais velha. Meu pai e minha mãe são médicos. Ela é clínica geral, e ele, anestesista. Claire, a mais velha, segue os passos dos meus pais e está no segundo ano de medicina. Mora na faculdade, mas vem para casa todos os fins de semana. Acabou de ficar noiva do namorado, Luke. Eles já estão juntos há quatro anos. Depois vêm as três irmãs mais novas: Taylor, com 15 anos, Jasmine, de oito, e Madeline, que acabou de fazer seis. O caçula é Chris, com quatro anos. Já está entediada? 

— Não, é fascinante. Por favor, continue — insisti. 

Achei os detalhes de uma família humana normal intrigantes e estava louca para ouvir mais. Será que eu estava com inveja da vida dela? 

— Bem, estou na Bryce Hamilton desde o jardim de infância porque minha mãe insistiu em me pôr numa escola católica. Ela é conservadora. Está com meu pai desde que tinham 15 anos. Pode acreditar nisso? Eles praticamente cresceram juntos. 

— Devem ter uma relação muito forte. 

— Já tiveram seus altos e baixos, mas nunca houve nada que eles não conseguissem enfrentar. 

— Parece uma família unida. 

— É, nós somos, embora minha mãe possa ser um pouco super protetora. 

Imaginei que os pais de  Lauren deviam ter grandes aspirações para a filha mais velha. 

— Vai fazer medicina também? 

— Provavelmente. — Ela deu de ombros. 

— Não parece muito entusiasmada com isso. 

— Bem, eu cheguei a me interessar por design por uns tempos, mas isso foi, digamos, desencorajado. 

— Por quê? 

— Não é considerada uma carreira séria, é? A ideia de ter investido tanto dinheiro na minha educação para eu acabar desempregado não empolga os meus pais. 

— E quanto ao que você quer? 

— Às vezes os pais sabem mais das coisas. 

Ela parecia aceitar de bom grado as decisões dos pais, feliz em ser guiado por suas esperanças. Sua vida parecia já ter sido mapeada, e eu não a imaginava se desviando do curso estabelecido. Em relação a isso, nossas histórias eram parecidas: minha experiência humana vinha com limites e diretrizes estritos, e sair da linha não seria visto com bons olhos. Felizmente para Lauren, seus erros não provocariam a ira dos Céus. Em vez disso, seriam assumidos como experiência positiva. 

Quando estávamos na metade das bebidas, Lauren decidiu que precisávamos de uma "injeção de açúcar" e pediu bolo de chocolate, que veio em uma fatia grossa com camadas de creme de chantilly e frutas vermelhas num prato branco e grande, com duas colheres compridas. Apesar da sua insistência para eu "avançar", fui comendo com delicadeza pelas beiradas. Quando terminamos, Lauren fez questão de pagar a conta e pareceu ofendida quando tentei pagar minha parte. Afastou minha mão e deixou uma nota dentro de um vidro com um rótulo em que estava escrito BOM CARMA antes de sairmos. 

Só quando estávamos na rua me dei conta da hora. 

— Eu sei, é tarde — disse Lauren entendendo a minha expressão — mas que tal uma pequena caminhada? Ainda não quero levá-la para casa.

— Já estou mais do que em apuros. 

— Nesse caso, mais dez minutinhos não vão fazer diferença. 

Eu sabia que devia encerrar a noite; Ally e Normani certamente perceberam que eu tinha saído e deviam estar preocupadas comigo. Não que eu não ligasse — eu simplesmente não conseguia me separar de Lauren um segundo antes do que eu era obrigada a fazê-lo. Quando eu estava perto dela, minha felicidade era tão intensa que o resto do mundo passava a não ser mais que um ruído de fundo. Era como se estivéssemos trancadas dentro de uma bolha particular que só um terremoto seria capaz de romper. 

Eu queria que a noite durasse para sempre. 

Caminhamos até o fim da pista em direção à água. Quando chegamos, vi uma quermesse sendo montada numa passarela de madeira — uma atividade popular para famílias com crianças agitadas que precisavam variar um pouco as coisas depois de um inverno confinadas em casa. Uma roda-gigante girava ao vento, e víamos carrinhos de bate-bate espalhados em volta da pista. Um pula-pula amarelo em forma de castelo brilhava à luz do crepúsculo. 

— Vamos dar uma olhada — disse  Lauren com entusiasmo infantil. 

— Acho que ainda nem abriu — retruquei. — Não vamos conseguir entrar. — Havia uma espécie de atmosfera cansada naquela quermesse que me fez relutar em explorá-la mais. — Além disso, já está quase escuro. 

— Cadê o seu senso de aventura? Sempre podemos pular a grade. 

— Não me importo em dar uma olhadinha, mas não vou pular grade nenhuma. 

Como logo descobrimos, não havia grade alguma para pular, e entramos direto. Não havia muito o que ver. Alguns homens arrastando cordas e máquinas nos ignoraram. Uma mulher bronzeada fumava sentada nos degraus de um reboque. Usava um vestido colorido e pulseiras que chacoalhavam até os cotovelos, tinha rugas fundas em volta dos olhos e da boca, e seu cabelo preto era grisalho nas têmporas. 

— Ah, amor jovem — disse ela ao nos ver. — Sinto muito, mocinhas, mas estamos fechados. 

— Nos enganamos — disse  Lauren delicadamente. — Já vamos embora. A mulher deu uma longa tragada no cigarro. 

— Gostariam que eu lesse a sorte de vocês? — perguntou. — Já estão aqui mesmo... 

— A senhora é vidente? — perguntei. 

Eu não sabia se me intrigava com aquilo ou se ficava cética. Era verdade que alguns humanos tinham uma consciência mais desenvolvida e eram capazes de ter o que poderíamos chamar de premonições, mas não passava disso. Alguns humanos podiam ver espíritos ou sentir a presença deles, mas o termo vidente me parecia um pouco presunçoso. 

— Com certeza — disse a mulher. — Angela Messenger a seu dispor. — O nome dela me desconcertou um pouco. A semelhança com anjo era inquietante. — Vamos entrando, é de graça — acrescentou. — Pode ser que isso anime um pouco noite. 

O trailer recendia a comida comprada pronta. Havia velas cintilando nas mesas e tapeçarias franjadas penduradas nas paredes. Angela fez sinal para que sentássemos. 

— Você primeiro — disse a Lauren, pegando a mão dela e começando a estudá-la atentamente. A cara dela me dizia que ela estava achando aquilo tudo uma piada. — Bem, sua linha do coração é curva, o que significa que você é romântica. A linha curta da cabeça significa que você é objetiva e diz o que pensa. Estou sentindo uma forte energia azul vindo de você, o que indica que o heroísmo está no seu sangue, mas também que você está destinada a passar por um grande sofrimento. De que tipo, não posso ter certeza. Mas você deve ficar preparada para isso, porque não está muito distante. 

Lauren tentou dar a impressão de que levava a sério o conselho dela. 

— Obrigada — agradeceu. — Foi muito revelador. Sua vez, Camz. 

— Não, prefiro não tentar. 

— O futuro não é para ser temido, mas, sim, enfrentado — disse Angela. 

O jeito como ela falou fez aquilo soar quase como um desafio. 

Estendi a mão com relutância em sua direção. Apesar dos dedos ásperos e calejados, ela não tinha um toque desagradável. No instante em que abriu a minha mão, pareceu se contrair ligeiramente. 

— Vejo branco — disse ela, os olhos fechados como se em transe. — Sinto uma felicidade indescritível. — Ela abriu os olhos. — Que aura incrível você tem. Deixe-me ver suas linhas. Aqui temos uma linha do coração forte e inteira, o que indica que você só vai amar uma vez na vida... Depois, vamos ver. Meu Deus! — Ela endireitou meus dedos e empurrou-os para trás para esticar a pele. 

— O quê? — perguntei alarmada. 

— É a sua linha da vida — disse a mulher, arregalando os olhos assustada. — Nunca vi nada parecido antes. 

— O que tem a minha linha da vida? — perguntei impacientemente. 

— Minha querida — o tom de voz da mulher virou um mero sussurro —, você não tem. 

Voltamos para o carro de Lauren caladas e constrangidas. 

— Bem, foi estranho — disse ela finalmente, quando abriu a porta e eu entrei. 

— Foi mesmo — concordei, tentando soar alegre. — Mas quem acredita em videntes? 

Lauren tinha acabado de tirar carteira de motorista e dirigia o seu presente de Natal, um conversível azul-celeste de 1956 reformado. Ligou o motor e engrenou o carro antes de sintonizar numa estação de rádio comercial. Os tons melodiosos do locutor davam as boas-vindas aos ouvintes do seu programa, Jazz após o anoitecer. Vi que o carro de Lauren tinha um cheiro gostoso — uma combinação de bancos de couro e um perfume de madeira seco que devia ser da colônia dela. 

Como só andara rapidamente em nosso jipe híbrido, não estava preparada para o ronco do motor antigo dando partida e me espremi contra o banco do carona. Lauren olhou para mim e ergueu as sobrancelhas. 

— Tudo bem aí? 

— Tem certeza de que esse carro é seguro? 

— Acha que eu sou barbeira? — Ela deu uma risadinha. 

— Confio em você. Só não sei se confio nos carros. 

— Se estiver preocupada com segurança, talvez queira seguir o meu exemplo e colocar o cinto. 

— Colocar o quê? 

Lauren balançou a cabeça incrédula. 

— Você me preocupa — murmurou. 



— Você vai ter problemas? — perguntou ela quando paramos em frente à minha rua. 

Vi que tinham deixado a luz da varanda acesa e deviam ter notado minha fuga. 

— Não me importo muito — respondi. — Eu me diverti. 

— Eu também. 

O crucifixo no pescoço dela reluziu rapidamente ao luar. 

— Lauren... — comecei hesitante. — Posso lhe perguntar uma coisa? 

— Claro. 

— Bem, eu só estava pensando... por que você me convidou para sair? É que Dinah me contou sobre... bem... sobre... 

— A Lucy? — suspirou Lauren. — O que ela disse? — Um tom defensivo tinha se insinuado na voz dela. — As pessoas simplesmente não conseguem deixar isso para lá, não é? Esse é o problema das cidades pequenas. Todo mundo adora uma fofoca.

Achei difícil encarar o olhar dela. Senti que tinha atravessado uma fronteira e que não podia voltar atrás. 

— Ela disse que você nunca quis muito sair com nenhuma outra garota. Então acho que só estou curiosa... por que eu? 

— A Lucy não era só minha namorada — disse Lauren. 

— Era a minha melhor amiga. A gente se entendia, e é difícil explicar isso. Nunca conseguirei substituí-la. Mas quando conheci você... — Ela deixou a frase no ar. 

— Sou parecida com ela? 

Ela riu. 

— Não, em nada. Mas com você tenho a mesma sensação que tinha com ela. 

— Que tipo de sensação? 

— Às vezes a gente conhece uma pessoa e simplesmente encaixa. A gente se sente bem com ela, como se a conhecesse a vida inteira, e não precisa fingir ser o que não é. 

— Acha que a Lucy se importaria? — perguntei. — Que você se sinta assim comigo? 

Lauren sorriu. 

— Onde quer que esteja, ela gostaria de me ver feliz. 

Eu sabia exatamente onde ela estava, mas achei melhor não dividir essa informação com Lauren naquela hora. Já tinha sido esquisito o suficiente eu ter tido dificuldade com o cinto de segurança e a minha mão não ter a linha da vida. Achei que essas surpresas talvez já fossem o bastante por uma noite. 

Ficamos em silêncio por alguns minutos, nenhuma de nós querendo quebrar o clima. 

— Você acredita em Deus? — acabei perguntando. 

— Você é a primeira pessoa que me pergunta isso — disse Lauren. — Quase todo mundo acha que religião é uma questão de estilo. 

— Então acredita? 

— Acredito numa força superior, numa energia espiritual. Acho a vida muito complexa para ser um mero acaso, não concorda? 

— Totalmente. 

Saí do carro de Lauren naquela noite com a certeza de que o mundo tal como eu o conhecia mudara irrevogavelmente. Tudo no que eu conseguia pensar enquanto subia os degraus para a porta de entrada não era o sermão que me aguardava, mas quanto tempo faltava para eu tornar a vê-la. Havia muito que conversar com ela.


Notas Finais


Daqui a pouco posto o próximo
O que estão achando?


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