1. Spirit Fanfics >
  2. Halo (Camren) >
  3. De Cabeça Para Baixo

História Halo (Camren) - De Cabeça Para Baixo


Escrita por: lmfs13

Capítulo 11 - De Cabeça Para Baixo


Nem foi preciso eu bater para a porta abrir. Ally estava ali parada, com cara de preocupação. Normani estava sentada na sala com uma expressão glacial. Poderia ser uma figura num quadro, de tão imóvel que estava. Normalmente, isso provocaria um remorso avassalador em mim, mas eu continuava ouvindo a voz de Lauren e me lembrando da mão forte dela nas minhas costas enquanto entrávamos no Sweethearts e do cheiro fresco da colônia dela. 

No fundo, quando desci da sacada, sabia que Normani sentiria a minha ausência quase imediatamente. Ela também adivinharia onde eu fora e com quem eu estava. Eu sabia que a ideia de ir me procurar lhe teria passado pela cabeça, só para ser descartada logo em seguida. Nem ela, nem Ally iam querer chamar atenção sobre nós tão publicamente. 

— Vocês não deviam ter esperado acordadas, eu não corria perigo nenhum — disse eu. Sem querer falei num tom mais agressivo do que arrependido. — Sinto muito se preocupei vocês — acrescentei, pensando melhor. 

— Não, não sente, Camila — disse Normani brandamente. Ela ainda não tinha levantado a cabeça. — Se sentisse, não teria feito o que fez. 

Odiei o fato de ela não olhar para mim. 

— Mani, por favor — comecei, mas ela me calou erguendo sua mão em protesto. 

— Eu estava apreensiva quanto a você vir conosco nessa missão, e você demonstrou ser totalmente inconstante. — Pela expressão dela, parecia que as palavras tinham lhe deixado um gosto ruim na boca. — Você é jovem e inexperiente. Sua aura é mais quente e mais humana do que a de qualquer outro anjo que já conheci, e mesmo assim você foi escolhida. Senti que teríamos problemas com você, mas os outros acharam que tudo daria certo. Mas vejo que já tomou a sua decisão. Optou por dar prioridade a um capricho em detrimento da sua família. 

Ela se levantou bruscamente. 

— Será que não podemos pelo menos conversar sobre isso? — perguntei. 

Aquilo tudo estava soando muito dramático, e eu tinha certeza de que, se eu conseguisse fazer com que Normani compreendesse, não precisava ser assim. 

— Agora não. É tarde. O que quer que você queira dizer pode esperar até amanhã de manhã. 

E, com isso, ela nos deixou. 

Ally me olhou, com os olhos arregalados e tristes. Odiei terminar a noite com aquele tom azedo, especialmente levando em conta que, minutos antes, eu estava explodindo de felicidade. 

— Gostaria que Normani não fizesse esse discurso de profeta do apocalipse — disse eu. 

Ally de repente pareceu cansada. 

— Ah, Camila, não fale assim! O que você fez hoje foi errado, mesmo que ainda não consiga ver isso. Talvez não entenda o nosso conselho agora, mas o mínimo que pode fazer é analisar o seu comportamento antes que as coisas fujam do controle. Você vai se dar conta de que isso não passa de uma paixonite. Seus sentimentos por essa menina vão passar. 

Ally e Normani falavam em enigmas. Como esperavam que eu enxergasse um problema, se elas mal conseguiam articulá-lo? Eu sabia que minha saída com Lauren era um pequeno desvio dos planos, mas que mal havia naquilo? O que adiantava estar na Terra e ter experiências humanas se fôssemos fingir que elas não importavam? Independentemente do que minhas irmãs julgassem melhor, eu não queria que meus sentimentos por Lauren passassem. Isso dava a impressão de que ela era como um vírus que acabaria saindo do meu organismo. Eu nunca experimentara um desejo tão ardente pela presença de alguém. Um dizer que lera em algum lugar me passou pela cabeça: "O coração quer o que o coração deseja." Não me lembrava de onde vinha essa máxima, mas quem quer que a tivesse escrito estava certo. Se Lauren era uma doença, eu não queria ficar boa. Se a minha atração por ela constituía uma ofensa que poderia provocar uma represália divina, que assim fosse. Que o Céu caísse na minha cabeça. Eu não me importava. 

Ally subiu para o quarto e fiquei sozinha com Fish, que parecia saber instintivamente do que eu precisava. Chegou perto de mim e meteu o focinho atrás dos meus joelhos, sabendo que isso me obrigaria a abaixar para afagá-lo. Pelo menos um habitante da casa não me odiava. 

Subi e me despi, largando as roupas amontoadas no chão. Não tinha sono; em vez disso, estava abatida, me sentindo presa numa armadilha. Entrei no chuveiro e deixei a água quente massagear meus ombros e relaxar os músculos contraídos. Embora tivéssemos concordado em nunca fazer isso em casa pensando na hipótese de podermos ser vistos, soltei um pouco as asas até elas colarem no vidro do boxe. Elas estavam dormentes depois de tanto tempo fechadas, e senti seu peso dobrar à medida que absorviam água. Inclinei a cabeça para trás, deixando a água escorrer pelo rosto. Ally me pedira para pensar no que eu estava fazendo, mas, pela primeira vez, eu não queria pensar, só queria ser. 

Sequei-me apressadamente e, com as asas ainda molhadas, me joguei na cama. A última coisa que eu queria era magoar minhas irmãs, mas meu coração parecia virar pedra sempre que eu pensava em nunca mais tornar a ver Lauren. Desejei que ela estivesse no meu quarto naquele momento. Eu sabia o que eu lhe pediria: me acompanhar na saída da minha prisão. E sabia que ela não hesitaria. Na minha imaginação, eu era a donzela amarrada aos trilhos do trem, e o rosto da minha algoz ora era o de Normani, ora o de Ally. Percebi que eu estava sendo irracional, transformando a situação num melodrama, mas era mais forte que eu. Como poderia explicar à minha família que Lauren era muito mais que uma garota de quem eu estava gostando? Tivéramos apenas alguns encontros rápidos e tínhamos saído juntas uma vez, mas isso era irrelevante. Como eu podia fazê-los enxergar que um encontro semelhante era improvável mesmo se eu passasse mil vidas na Terra? Eu ainda tinha a minha sabedoria celestial e sabia disso com a mesma certeza que sabia serem numerados os meus dias nesse planeta verdejante. 

O que eu não conseguia prever, e não ousava perguntar, era o que aconteceria quando os poderes do Reino ficassem cientes da minha transgressão. Não imaginava que a reação fosse branda. Mas será que era pedir demais um pouco de compaixão e compreensão? Eu não merecia isso tanto quanto qualquer ser humano, que seria perdoado sem se pensar duas vezes? Perguntava-me o que aconteceria depois. Será que eu seria chamada de volta em desgraça? Senti um arrepio passar pelo corpo só de pensar nisso, mas então a lembrança do rosto de Lauren me aqueceu mais uma vez. 

A questão não foi levantada na manhã seguinte nem durante o resto do fim de semana. Na segunda-feira de manhã, Normani executou o ritual de preparar o café em silêncio. E o silêncio continuou até chegarmos aos portões da Bryce Hamilton e nos separarmos. 

Dinah e suas amigas foram uma distração bem-vinda. Deixei a conversa delas entrar por um ouvido e sair pelo outro; assim eu não pensava. Hoje a diversão delas era dissecar os últimos deslizes na moda dos professores menos apreciados. Segundo as meninas, o cabelo do Sr. Phillips parecia ter sido cortado com uma máquina de cortar grama; a Srta. Pace usava umas saias que funcionariam melhor como tapete; e a Sra. Weaver, com o cós das calças de alfaiataria metido embaixo dos peitos, fora apelidada de "Harry Calça-Alta". Quase todas elas viam os professores como alienígenas, que não mereciam ser tratados com educação, mas, apesar das risadas delas, eu sabia que suas brincadeiras não tinham maldade; elas só estavam entediadas. 

Logo a conversa se voltou para questões mais importantes. 

— Animem-se, porque vamos fazer compras em breve! — disse Hayley. — Estamos pensando em ir de trem à cidade olhar as butiques na Punch Lane. Dinah, você vem? 

— Conte comigo — respondeu Dinah. — E você, Mila? 

— Eu nem sei se vou ao baile — respondi. 

— Por que você sequer pensaria em perder esse baile?  Dinah parecia horrorizada, como se só o apocalipse fosse uma desculpa plausível para não ir. 

— Bem, em primeiro lugar, não tenho ninguém para ir comigo. 

Não confessei isso a Dinah, mas vários garotos já tinham tocado no assunto quando me encontravam sozinha no intervalo das aulas. Esquivara-me de todos eles com respostas evasivas. Disse a todos os que me convidaram que não tinha certeza se iria, o que não era de todo mentira. Estava tentando ganhar tempo e, no fundo, torcendo para que Lauren me convidasse. 

Uma garota chamada JoJo revirou os olhos. 

— Não se preocupe com isso. O vestido é muito mais importante. Na hora do desespero, você sempre encontra alguém. 

Estava prestes a dizer alguma coisa sobre verificar minha agenda quando senti um braço forte envolver meus ombros. 

O grupo ficou petrificado, os olhares fixos no espaço acima da minha cabeça. 

— Oi, meninas, não se importam se eu roubar a Camz um minuto, se importam? — perguntou Lauren. 

— Bem, a gente estava no meio de uma conversa importante — retrucou Dinah. 

Apertou os olhos desconfiada e me lançou um olhar de expectativa. 

— Vou trazê-la de volta já, já — disse Lauren. 

Havia uma certa intimidade na maneira como ela me tratava que elas não deixaram de perceber. Apesar de ter gostado, fiquei ao mesmo tempo constrangida por ser de repente o centro das atenções. Lauren me conduziu a uma mesa vazia. 

— O que está fazendo? — murmurei. 

— Parece que estou adquirindo o hábito de socorrer você — respondeu ela. — Ou queria passar o resto do almoço falando de bronzeadores e aplique de cílios.

— Como você sabe dessas coisas? Não parece se importar muito.

— Irmãs — respondeu ela. 

Ela se sentou confortavelmente à mesa, ignorando os olhares de rabo de olho que vinham de todos os lados da cantina em nossa direção. Alguns pareciam sentir inveja, outros estavam simplesmente curiosos. Lauren escolhera sentar-se comigo quando quase todas ali a teriam recebido de braços abertos e cobiçado sua companhia. 

— Parece que estamos chamando atenção — comentei, dando uma risadinha. 

— As pessoas gostam de fofocar, não podemos evitar isso. 

— Por que não está com os seus amigos? 

— Você é mais interessante. 

— Não tenho nada de interessante — disse eu, um tom de pânico se insinuando em minha voz. 

— Discordo. Até sua reação ao ser chamada de interessante é interessante. 

Fomos interrompidas por dois meninos mais novos se aproximando da nossa mesa. 

— Oi, Lauren. — O mais alto deles a cumprimentou com um respeitoso movimento de cabeça. — O torneio de natação foi incrível. Ganhei quatro de seis eliminatórias. 

— Boa, Troy — disse Lauren, assumindo com facilidade seu papel de representante e mentora da escola. — Sabia que íamos dar um pé na bunda da Westwood. 

O garoto riu orgulhoso. 

— Acha que consigo entrar no nacional? — perguntou ansioso. 

— Não me espantaria. O treinador estava bem satisfeito. Só não perca o treino da semana que vem. 

— Deixa comigo! — disse o garoto. — Vejo você quarta-feira! 

Lauren fez que sim com a cabeça e um tocou o punho do outro. 

— A gente se vê, garoto. 

Vi imediatamente que Lauren sabia lidar com as pessoas; era afável sem alimentar intimidade. Quando o garoto foi embora, ela tornou a ficar com uma expressão concentrada, como se o que eu tinha a dizer fosse muito importante. Aquilo me deixou arrepiada, com os cantos da boca se contraindo num sorriso. Sentia um rubor me subindo no peito e se espalhando até meu rosto... 

— Como você faz isso? — perguntei para disfarçar meu constrangimento. 

— O quê? 

— Falar com as pessoas com tanta facilidade. 

Lauren deu de ombros. 

— É o que se espera. Ei, quase esqueci, arrastei você até aqui para devolver uma coisa. — Ela puxou do bolso da jaqueta uma pluma branca comprida e iridescente com pontinhos cor-de-rosa. — Achei isso no meu carro ontem à noite depois que levei você em casa. 

Peguei rapidamente a pluma da mão dela e deslizei-a para dentro da minha agenda. Não tinha idéia de como ela fora parar no carro de Lauren. Minhas asas estavam devidamente guardadas. 

— Amuleto de sorte? — perguntou Lauren, os olhos verdes observando meu rosto com curiosidade. 

— Mais ou menos isso — respondi com cautela. 

— Você parece preocupada; algum problema? 

Fiz que não com a cabeça rapidamente e desviei o olhar. 

— Sabe que pode confiar em mim. 

— Na verdade, ainda não sei. 

— Você vai ver à medida que passarmos mais tempo juntas — disse ela. — Sou uma pessoa bastante leal. 

Eu não a escutava. Estava muito ocupada examinando os rostos no amontoado de gente que nos observava, pensando na hipótese de algum deles pertencer a Normani. Os temores da minha irmã não pareciam tão infundados agora. 

— Não me assombre com seu entusiasmo. 

Lauren riu. As palavras dela me trouxeram de volta à realidade com um sobressalto. 

— Sinto muito — disse eu. — Estou um pouco preocupada hoje. 

— Posso ajudar em alguma coisa? 

— Acho que não, mas obrigada por perguntar. 

— Guardar segredo não é saudável para um relacionamento sério, sabia? 

Lauren cruzou os braços confortavelmente no peito e se recostou na cadeira. 

— Quem falou em relacionamento? Além disso, a gente não tem que dividir tudo; não é como se fôssemos casadas. 

— Quer casar comigo? — perguntou Lauren, fazendo alguns rostos curiosos se virarem para nós. — Tinha pensado que começaríamos devagar para vermos como as coisas iam acontecer, mas caramba! 

Revirei os olhos. 

— Fale baixo, ou serei obrigada a lhe dar um peteleco. 

— Ah — caçoou ela. — A pior ameaça. Acho que nunca levei um peteleco antes. 

— Está sugerindo que não consigo machucar você? 

— Pelo contrário, acho que você tem o poder para fazer um grande estrago. 

Olhei para ela confusa e depois corei profundamente quando a ficha caiu. 

— Muito engraçado — disse eu secamente. 

O braço dela pousado na mesa encostou no meu. Algo dentro de mim despertou. 


Não havia nada que eu pudesse fazer quanto a isso. Minha ligação com Lauren foi instantânea e abrasadora. De repente, minha vida antiga parecia distante. Eu estava certa de que não almejava o Céu como sabia que faziam Normani e Ally. Para elas, a vida na Terra era um lembrete diário das limitações da carne. Para mim, era um lembrete das maravilhas de ser humana. 

Fiquei craque em disfarçar meus sentimentos por Lauren na frente das minhas irmãs. Sabia que elas estavam cientes do que eu sentia, mas, se desaprovavam isso, deviam ter feito um pacto para manter a desaprovação entre elas. Por isso, eu estava agradecida. Sentia uma distância entre nós que não existia antes. Nossa relação parecia mais frágil, e havia silêncios desconfortáveis à mesa de jantar. Toda noite, eu adormecia enquanto elas conversavam em voz baixa e eu tinha certeza de que minha desobediência era o tema da discussão. Optei por não fazer nada em relação à distância crescente entre nós, mesmo sabendo que poderia me arrepender depois. 

Por ora, eu tinha outras coisas para pensar. De repente, aguardava com ansiedade a hora de me levantar de manhã e pular da cama, sem precisar que Ally me despertasse. Ficava na frente do espelho, fazendo experiências diferentes com o cabelo, tentando analisar minha aparência com os olhos de Lauren. Mentalmente, eu repassava trechos de conversa, tentando determinar a impressão que eu causara. Por vezes, ficava satisfeita com um comentário espirituoso que eu fizera; em outras, eu me censurava por ter dito ou feito algo desajeitado. Inventei o passatempo de pensar em ditados afiados e os memorizava para uso futuro. 

Eu invejava Dinah e sua turma. O que elas consideravam natural eu nunca poderia ter: um futuro neste planeta. Elas teriam suas próprias famílias, suas carreiras para explorar e uma vida de lembranças para dividir com os parceiros que escolhessem. Eu era apenas uma turista vivendo um tempo emprestado. Isso por si só me dava a consciência de que deveria conter meus sentimentos por Lauren ao invés de deixá-los aflorar ainda mais. Mas se eu havia aprendido algo sobre romance adolescente, era que a duração não ditava a intensidade. Três meses eram a norma, seis meses marcavam um ponto de virada, e, se chegasse a um ano, o casal estava praticamente noivo. Não sabia quanto tempo eu tinha na Terra, mas, quer fosse um mês ou um ano, não estava disposta a desperdiçar um único dia. Afinal, cada minuto passado com Lauren formaria a base de recordações de que eu precisaria para me sustentar pela eternidade. 

Colecionar tais recordações não se mostrou uma tarefa difícil porque logo não se passava um dia sem que eu tivesse alguma forma de interação com ela. Sempre procurávamos uma a outra na escola quando tínhamos um tempo livre. As vezes, nosso contato não passava de uma conversa rápida perto dos armários ou de um almoço em que sentávamos juntas. Quando não estava em aula, ficava em estado de alerta, olhando para trás, tentando vê-la saindo do vestiário, aguardando o momento em que ela subia ao palco nas assembléias ou apertando os olhos para identificá-la entre as jogadoras no campo de futebol. Dinah sarcasticamente sugeriu que eu poderia precisar de óculos. 

Nas tardes em que não tinha treino, Lauren me acompanhava até em casa, insistindo em levar minha mochila. Não perdíamos a chance de prolongar a caminhada pegando um desvio pela cidade e parando no Sweethearts, que logo passou a ser o "nosso lugar". 

Às vezes, conversávamos sobre o nosso dia; às vezes, ficávamos confortavelmente caladas. Eu me satisfazia só de olhar para ela, coisa que eu nunca cansava de fazer. Era capaz de ficar hipnotizada por seu cabelo macio, seus olhos verdes penetrantes, seu hábito de erguer uma sobrancelha. Seu rosto era tão encantador quanto uma peça de arte. Com meus sentidos aguçados, aprendi a identificá-la por seu cheiro característico. Sempre sabia quando ela estava perto, antes mesmo de enxergá-la, pelo seu perfume no ar. 

Às vezes, em tardes ensolaradas, eu olhava em volta furtivamente, esperando uma represália celestial. Imaginava que olhos ocultos me observavam, reunindo provas da minha má conduta. Mas nada acontecia. 

Foi principalmente por causa de Lauren que, de forasteira, passei a fazer parte da vida da Bryce Hamilton. Devido à minha ligação com ela, descobri que a popularidade era contagiosa. Se as pessoas podiam ser culpadas por associação, também por associação podiam ganhar reconhecimento. Quase da noite para o dia, passei a ser aceita simplesmente por estar entre os amigos de Lauren Jauregui. Até Dinah, que no início havia desencorajado meu interesse por ela, parecia ter aceitado a ideia. Quando estávamos juntas, Lauren e eu sempre recebíamos olhares, mas agora as pessoas olhavam mais por admiração do que por surpresa. Eu notava a diferença mesmo quando estava sozinha. As pessoas acenavam simpaticamente para mim quando passava por elas no corredor, batiam papo comigo na sala de aula enquanto o professor não chegava e perguntavam como eu tinha me saído no último teste. 

Meu convívio com Lauren na escola era limitado pelo fato de que, em geral, fazíamos matérias diferentes. Do contrário, eu correria o risco de andar atrás dela como um cachorrinho. Além da aula de francês, que fazíamos juntas, o forte dela era matemática e ciência, enquanto eu era atraída pelas artes. 

— Literatura é minha matéria preferida — anunciei-lhe um dia na cantina, como se aquela fosse uma descoberta vital. Estava com meu manual de termos literários e o abri aleatoriamente numa página. — Aposto que você não sabe o que é enjambement.

— Não sei, mas deve doer — disse Lauren. 

— É quando a frase de um verso corre para o verso seguinte. 

— Não seria mais fácil seguir se a gente simplesmente colocasse pontos? 

Esta era uma das coisas de que eu gostava em Lauren, sua visão do mundo tão prática. Achei engraçado. 

— Talvez, mas poderia não ser tão interessante. 

— Honestamente, do que você gosta tanto em literatura? — perguntou ela com um interesse genuíno. — Odeio o fato de não haver resposta certa ou errada. Tudo é aberto à interpretação. 

— Bem, gosto do modo como cada pessoa pode ter uma compreensão completamente diferente da mesma palavra ou da mesma frase — disse eu. — A gente pode passar horas discutindo o significado por trás de um poema e no fim não chegar a nenhuma conclusão. 

— E isso não frustra você? Não quer saber a resposta? 

— Às vezes é melhor parar de tentar entender o sentido das coisas. A vida não é totalmente nítida, sempre há áreas um pouco turvas. 

— Minha vida é nítida — disse Lauren. — A sua não? 

— Não — disse eu com um suspiro, pensando no conflito contínuo com minhas irmãs. — Meu mundo é confuso. Fica cansativo às vezes. 

— Talvez eu tenha que mudar o seu mundo — retrucou Lauren. 

Entreolhamo-nos em silêncio por alguns momentos e tive a sensação de que seus olhos verdes brilhantes podiam enxergar o que estava na minha cabeça e arrancar meus pensamentos e sentimentos mais íntimos. 

— Sempre dá para identificar os alunos de literatura — prosseguiu ela rindo. 

— É mesmo? Como? 

— São os que andam de boina com aquela cara de sei-uma-coisa-que-você-não-sabe. 

— Isso não é justo! — contestei. — Eu não sou assim. 

— Não, você é muito autêntica para isso. Não mude nunca, e sob hipótese alguma comece a usar boina. 

— Vou fazer o possível — disse eu, rindo. 

A sineta tocou, sinalizando o início da próxima aula. 

— O que você tem agora? — perguntou Lauren. 

Acenei alegremente com meu glossário de termos literários bem diante de seu nariz como resposta. 

Sempre gostava de ir para a aula de literatura com a Srta. Castle. Era uma turma eclética, embora fôssemos apenas 12 alunos. Havia duas garotas góticas de cara emburrada, que usavam delineador preto e com os rostos tão empoados de branco que parecia que elas nunca tinham visto o sol. Havia um grupo de garotas estudiosas de fita no cabelo e com estojos de lápis bem-equipados que eram obcecadas por notas e, como não paravam de fazer anotações, não conseguiam contribuir para as discussões em sala. Havia apenas dois garotos; Ben Carter, que era pretensioso mas astuto, usava um corte de cabelo alternativo e adorava uma discussão; e Tyler Jensen, um jogador de rúgbi musculoso, que invariavelmente chegava atrasado e passava a aula toda sentado com uma expressão atordoada sem dizer uma palavra. Sua presença na turma era um mistério para todos. 

Devido ao tamanho da turma, tínhamos sido relegados a uma sala de aula apertada na parte antiga da escola junto às as salas da administração. Como a sala não era usada para nenhum outro fim, tínhamos autorização para mudar os móveis de lugar e pregar cartazes. Meu preferido era um de Shakespeare retratado como pirata usando um brinco. A única vantagem da sala era a vista do gramado da frente e da rua ladeada de palmeiras. Diferentemente de outras matérias, o clima na aula de literatura nunca poderia ser descrito como monótono. Em vez disso, o próprio ar parecia repleto de idéias competindo para serem ouvidas. 

Eu sentava ao lado de Ben e o observava procurar suas bandas preferidas no laptop, um hábito que ele mantinha mesmo depois de começada a aula. A Srta. Carter chegava trazendo uma caneca de café e braçadas de folhas. Era uma mulher alta e esguia de uns quarenta e poucos anos, com uma basta cabeleira escura e cacheada e olhos sonhadores. Sempre usava óculos de aro pesado pendurados num fino cordão vermelho no pescoço e blusas em tons pastéis. A julgar por sua postura e por sua maneira de falar, ela se sentiria melhor num romance de Jane Austen, em que as mulheres andavam de carruagem e os comentários espirituosos atravessavam os salões como fagulhas. Ela era apaixonada pela linguagem e, independentemente do texto que estivéssemos estudando, sempre se identificava com a heroína. Sua aula era tão animada que as pessoas às vezes paravam para olhar a nossa sala, onde viam a Srta. Castle esmurrando a mesa, disparando perguntas ou gesticulando loucamente para ilustrar um argumento. Não me surpreenderia se entrasse na sala um dia e a encontrasse de pé em cima da mesa ou se balançando nas luminárias. 

Começamos o semestre estudando Romeu e Julieta, em conjunto com os sonetos de amor de Shakespeare. Depois ficamos encarregados da tarefa de escrever nossos próprios poemas de amor, que seriam recitados para a turma. As garotas estudiosas, que nunca tinham precisado usar a imaginação antes, entraram em pânico. Isso era algo que elas não podiam procurar na internet. 

— Não sabemos sobre o que escrever! — gemeram. — É muito difícil. 

— Limitem-se a pensar um pouco no assunto — disse a Srta. Castle, com seu tom de voz tipicamente otimista. 

— Nada de interessante acontece conosco. 

— Não tem que ser pessoal — induziu ela. — Pode ser algo totalmente fictício. 

As garotas continuavam sem inspiração. 

— Pode nos dar um exemplo? — insistiram. 

— Passamos o semestre inteiro vendo exemplos — disse a Srta. Castle num tom abatido. Então teve a ideia para um bom ponto de partida. — Pensem nas qualidades que acham atraentes num garoto ou numa garota. 

— Bem, acho que inteligência é muito importante — disse uma menina chamada Bianca. 

— Obviamente, ele deve gostar de dar presentes — disse sua amiga, Hannah, com uma voz aflautada. 

A Srta. Castle parecia não saber o que dizer. A contribuição de um grupo diferente poupou-lhe a obrigação de comentar. 

— As pessoas só são interessantes se são sinistras e perturbadas — disse Alicia, uma das góticas. 

— A menina não deve falar demais — disse Tyler, do fundo da sala. 

Era a primeira coisa que o ouvíamos dizer em todo o semestre, e a Srta. Castle estava magnanimamente preparada para não levar em conta sua natureza depreciativa. 

— Obrigada, Tyler — agradeceu com um sarcasmo subjacente. — Você acaba de provar que a busca por um parceiro é algo muito individual. Alguns dizem que não podemos escolher por quem nos apaixonamos; que o amor nos escolhe. Às vezes as pessoas se apaixonam pela antítese completa de tudo o que julgam estar procurando. Mais algumas idéias? 

Ben Carter, que passara a discussão inteira revirando os olhos com cara de mártir, apoiou o rosto nas mãos. 

— As grandes histórias de amor têm que ser trágicas — disse eu de repente. 

— Continue — encorajou a Srta. Castle. 

— Bem, vamos tomar Romeu e Julieta como exemplo: é o fato de terem sido separados que torna o amor deles mais forte. 

— Grande coisa. Eles acabam mortos — bufou Ben. 

— Eles acabariam divorciados se continuassem vivos — anunciou Bianca. — Alguém mais notou que Romeu levou cinco minutos para trocar Rosalina por Julieta? 

— Isso é porque ele sabia que Julieta era a pessoa certa desde o momento em que a conheceu — respondi. 

— Faça-me o favor — retrucou Bianca. — Não dá para saber que você ama alguém depois de dois minutos. Ele só queria levá-la para a cama. Romeu é igualzinho a qualquer outro adolescente com tesão. 

— Ele não sabia nada sobre ela — disse Ben. — Só elogia os atributos da moça: "Julieta é o sol" e blá-blá-blá. Ele simplesmente a acha uma gata. 

— Acho que é porque, depois que ele conheceu Julieta, todas as outras pessoas passaram a ser insignificantes — disse eu. — Ele soube na mesma hora que ela seria tudo para ele. 

— Ah, meu Deus — gemeu Ben. 

A Srta. Castle me deu um sorriso expressivo. Sendo uma romântica incurável, ela não podia deixar de ficar do lado de Romeu. Diferentemente da maioria dos professores da Bryce Hamilton, que competiam para ver quem chegava primeiro no estacionamento depois do toque do último sino, ela não era blasée. Era uma sonhadora. Eu desconfiava que, se lhe contasse que era um ser celestial numa missão para salvar o mundo, ela sequer ficaria chocada.


Notas Finais


Postarei mais um ainda
Estão gostando?


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...