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História Halo (Camren) - O Desafio a Lei da Gravidade


Escrita por: lmfs13

Capítulo 14 - O Desafio a Lei da Gravidade


Passei a semana inteira pensando no luau. Tinha medo do que eu planejava fazer, mas ao mesmo tempo era estranho como eu estava empolgada. Quando a decisão foi tomada, foi como se tirassem um peso enorme das minhas costas. Depois de passar tanto tempo remoendo o assunto, me senti surpreendentemente segura de mim. Várias vezes ensaiei mentalmente as palavras que eu usaria para contar a verdade a Lauren, fazendo ajustes sutis a cada repetição. 

Lauren agia como se fôssemos namoradas, o que eu estava adorando. Isso fazia com que tivéssemos nosso mundinho exclusivo a que ninguém mais tinha acesso. Significava que levávamos a sério a nossa relação e achávamos que tínhamos um futuro. Não era uma paixonite que provavelmente iríamos esquecer. Assumíamos um compromisso uma com a outra. Toda vez que pensava nisso, eu não conseguia deixar de abrir um sorriso. Obviamente, eu me lembrava do aviso de Ally e Normani e da convicção delas de que não havia chance de um futuro para nós, mas de certa maneira isso não importava mais. Sentia-me como se nem mesmo o fim do mundo fosse capaz de apagar o sorriso do meu rosto. Esse era o efeito que ela provocava em mim: uma explosão de felicidade no meu peito que se espalhava como pequenas borbulhas, fazendo meu corpo todo estremecer e formigar. 

Uma vida com Lauren era cheia de esperanças. Mas será que ela ainda ia me querer quando lhe revelasse minha identidade?

Tentei esconder minha euforia de Ally e Normani. Elas tinham demorado bastante a se recuperar da minha última aventura com Lauren, e eu achava que não conseguiriam enfrentar mais uma. Sempre que me sentava com elas, sentia-me como um agente duplo e ficava me perguntando se meu rosto poderia me trair. Mas só porque minhas irmãs conseguiam decifrar as mentes humanas não significava que conseguiam decifrar a minha. E minhas habilidades de atriz devem ter melhorado, porque meu entusiasmo passou sem comentários dessa vez. Fiquei impressionada por ter finalmente entendido a expressão "calmaria antes da tempestade". Tudo parecia ir às mil maravilhas, mas eu sabia que as aparências às vezes enganavam. Havia uma explosão prestes a acontecer. Tensão, raiva e culpa borbulhavam sob a superfície de nossa representação de família feliz, apenas esperando o momento em que Ally e  Normani descobrissem minha traição para irromper. 

— Um dos meus alunos me perguntou hoje se o limbo existia — disse Normani certa noite, na hora do jantar. 

Achei irônico que a conversa tivesse se voltado para a punição de pecados. 

Ally pousou o garfo. 

— E o que você disse? 

— Disse que ninguém sabe. 

— Por que não disse que sim? — perguntei. 

— Porque as boas ações têm que ser espontâneas — explicou minha irmã. — Se uma pessoa tiver certeza de que será julgada, ela vai agir de acordo com isso. 

Não tinha como contestar aquilo. 

— O que é o limbo, afinal? 

Eu sabia bastante sobre o Céu e o inferno, mas ninguém jamais me contara sobre o eterno ponto intermediário. 

— Ele aparece de várias formas diferentes — disse Ally. — Pode ser uma sala de espera, uma estação de trem... 

— Algumas almas dizem que é pior que o inferno — acrescentou Normani. 

— Que afirmação ridícula — caçoei. — O que pode ser pior? 

— O vazio eterno — respondeu Ally. — Ano após ano de espera por um trem que nunca chega, aguardando alguém chamar o seu nome. As pessoas começam a perder a noção do tempo. O tempo se funde numa extensão sem fim. As almas imploram para ir para o Céu, tentam se jogar no inferno, mas não há saída. Elas vagam sem rumo. E isso não acaba nunca, Camila. Podem se passar séculos na Terra e elas ainda estarão lá. 

— Ah — foi tudo o que me ocorreu dizer. 

Queria saber se um anjo podia ser exilado no limbo. 


Terça-feira, na hora do almoço, fiquei pegando sol com Dinah e as garotas sentada no gramado. A nossa volta, brotos verdes começavam a aparecer nas pontas dos galhos das árvores, trazendo tudo de volta à vida. O imponente prédio principal da Bryce Hamilton assomava atrás de nós, fazendo sombra nos bancos dispostos em círculo ao redor de um carvalho antigo com hera enroscada no tronco, lhe dando um abraço amoroso. Se olhássemos para o oeste, tínhamos uma vista do oceano ao longe estendendo-se até o horizonte, com nuvens passando preguiçosamente no Céu. As garotas se espreguiçavam na grama bem-cuidada, deixando o sol aquecer seus rostos. Sentia-me um pouco ousada e me aventurei a puxar a saia acima dos joelhos. 

— É isso aí, querida! 

As garotas aplaudiram meu progresso, comentando que eu estava me tornando "uma delas", e em seguida caindo na rotina de sempre de fofocar sobre amigas e professores ausentes. 

— A Srta. Lucas é uma chata — queixou-se Taylor. — Me obrigou a refazer meu trabalho sobre a Revolução Russa porque achou que estava muito fraco. O que isso quer dizer? 

— Acho que quer dizer que você fez o trabalho meia hora antes do prazo — disse Hayley. — O que esperava? Um dez? 

Taylor deu de ombros. 

— Acho que ela simplesmente está com inveja porque é peluda como um macaco. 

— Você devia escrever uma carta de reclamação — disse uma garota chamada Nina, num tom sério. — Não há dúvida de que ela está de marcação com a sua cara. 

— Concordo que ela implica demais com você — começou Dinah, calando-se de repente, vidrada numa figura atravessando o gramado. 

Virei-me para identificar a fonte de sua fixação e vi Normani indo em direção ao centro de música, mais ou menos perto de onde estávamos. Tinha um aspecto solitário com o olhar distante e um estojo de violão pendurado no ombro. Já fazia algum tempo que vinha ignorando o que dizia o protocolo da escola sobre o traje dos professores, e hoje estava com um jeans rasgado e uma blusa branca por baixo de um camisa xadrez. Nenhuma autoridade da escola se atrevera a questionar aquilo. Não eram loucos. Normani era tão popular que causaria um alvoroço entre os alunos se pedisse demissão. Vi que Mani parecia muito à vontade com o ambiente à sua volta. Andava com desenvoltura, e seus movimentos eram fluidos. Parecia estar vindo em nossa direção, o que fez Dinah corrigir a postura e ajeitar freneticamente os cachos revoltos. Mas de repente Normani tomou outra direção. Absorta em seus pensamentos, ela sequer olhara para o nosso lado. Dinah pareceu abatida. 

— O que podemos dizer da Srta. Kordei? — especulou Veronica quando a viu, ansiosa para retomar aquele que já era o esporte favorito delas. Eu tinha passado tanto tempo calada, concentrada na minha fantasia de estar numa ilha isolada em algum lugar do Caribe ou presa num navio pirata, aguardando Lauren vir me resgatar, que parecia que elas tinham se esquecido temporariamente da minha presença. Do contrário, poderiam ter pensado melhor antes de discutir sobre  Normani na minha frente. 

— Nada — disse Dinah na defensiva. — Ela é uma lenda. 

Quase dava para ver coraçõezinhos piscando na cabeça dela. Eu sabia que seu fascínio por Normani crescera ultimamente, alimentado pela indiferença dela. Não queria que Dinah sofresse a rejeição que, mais cedo ou mais tarde, decorreria dessa paixonite. Normani era feita de pedra; os sentimentos de Dinah nunca seriam correspondidos. Ela era desligada da vida humana assim como o Céu é desligado da Terra. Quando olhava para a humanidade, só via almas em perigo, nem ao menos fazendo distinção entre homens e mulheres. Eu via que Dinah tinha a ilusão de que Normani era como as outras pessoas que ela conhecia: cheias de hormônios e iincapazes de resistir à encantos se a garota ou  garoto em questão fizesse a coisa certa. Mas Dinah não tinha a menor ideia do que era Normani. Ela podia até ter assumido a forma humana, mas, diferentemente de mim, estava a quilômetros de distância de tudo que era humano.

— Ela é meio certinha — disse Nina. 

— Não é! — disse  Dinah secamente. — Você nem conhece a Normani. 

— E você conhece? 

— Bem que eu queria. 

— E vai continuar querendo. 

— Ela é professora — interrompeu Ariana — e está na faixa dos vinte. 

— Os professores de música vivem meio à margem — disse Dinah com otimismo. 

— Sim, à margem do corpo docente— disse Veronica. — Esquece, Dinah, ela não é para nós. 

Dinah apertou o olhar como se lhe tivesse sido lançado um desafio. 

— Não acho isso, não — disse. — Prefiro pensar que ela é apenas diferente. 

De repente, elas se lembraram da minha presença e houve um silêncio desconcertante. O assunto foi rapidamente abandonado. 

— Então — disse Nina, num tom forçadamente alegre. 

— Sobre o baile... 


Quando Lauren me deixou em casa naquela tarde, encontrei Ally assando bolinhos. Estava com o nariz sujo de farinha e os olhos brilhando como se estivesse encantada com todo o processo. Tinha enfileirado os ingredientes em xícaras de medidas sortidas e estava confeitando cada bolinho de modo a formar desenhos perfeitamente simétricos. Era algo que a mão humana não seria capaz de conseguir. Os bolinhos pareciam antes mini obras de arte do que algo destinado a ser comido. Ela me mostrou um assim que entrei. 

— Estão com uma cara maravilhosa — opinei. — Posso falar com você sobre uma coisa? 

— Claro. 

— Acha que há alguma chance de Normani me deixar ir ao baile da escola? 

Ally parou o que estava fazendo e ergueu os olhos. 

— Lauren convidou você, não foi? 

— E se tiver convidado? — De repente fiquei na defensiva. 

— Calma, Camila — disse minha irmã. — Ela ficaria muito bonita em um terninho feminino, ou então em um vestido. 

— Quer dizer que não vê problema nisso? 

— Não, acho que vocês formariam um lindo par. 

— Pode ser, se eu conseguir ir. 

— Não seja tão negativa — repreendeu Ally. — Teremos que ver o que Normani acha, mas é um evento escolar, e seria uma pena perder. 

Eu estava impaciente para ouvir o veredicto. Arrastei Ally para fora de casa, e procuramos Normani na praia, onde ela estava caminhando. De um lado, a linha costeira seguia fazendo uma curva até a praia principal, onde ficavam os surfistas pegando onda e vans de sorvete estacionadas embaixo das palmeiras. Do outro, se sua vista alcançasse, ficavam os penhascos acidentados da Costa do Naufrágio, onde o mar era muito mais agitado e havia uma pedreira conhecida como o Precipício. A região era famosa por seus ventos violentos, pelo mar revolto e pelas armadilhas traiçoeiras. De vez em quando a área atraía mergulhadores à procura de destroços dos muitos navios que haviam afundado ali ao longo dos anos, mas em geral os únicos visitantes eram as gaivotas, voando baixo e tocando inofensivamente a água. 

Vimos Normani sentada numa rocha proeminente, olhando o mar. Com o sol refletido na camisa branca, ela parecia envolta numa aura de luz. Estava muito longe para que eu visse seu rosto, mas imaginei-a com uma cara de quem desejava muito algo. Às vezes havia uma tristeza inexprimível em Normani que ela tentava esconder. Pensei que talvez fosse devido ao peso do conhecimento que não podia ser dividido. Ela era mais sábia que Ally e eu, e esse fardo não devia ser fácil de carregar sozinha. Conhecia todos os horrores do passado, e eu imaginava que ela podia ver tragédias que ainda estavam para acontecer. Não é de se admirar que fosse taciturna. Não havia ninguém em quem ela pudesse confiar. Seu serviço ao Criador do Universo resultava no próprio isolamento. Isso lhe dava um jeito austero que incomodava quem não a conhecia. Os jovens a adoravam, mas os adultos sempre tinham a sensação de que estavam sendo julgados. 

Percebendo que estava sendo observada, Normani virou o rosto na nossa direção. Dei um passo para trás, sentindo que estávamos invadindo seu momento de solidão, mas tão logo nos viu, a expressão carregada sumiu de seu rosto e ela fez sinal para irmos ao seu encontro. 

Quando a alcançamos, ela nos ajudou a subir nas pedras e ficamos ali sentadas por alguns momentos. Parecia estar à vontade de uma forma que não se sentia há muito tempo. 

— Por que sinto que estão aqui numa emboscada? — brincou Normani. 

— Por favor, posso ir ao baile de formatura? — pedi. 

Normani balançou negativamente a cabeça achando graça. 

— Não percebi que você queria ir. Achei que não se interessaria. 

— É que todo mundo vai — disse eu. — As meninas só falam nisso há meses. Ficariam muito desapontadas se eu faltasse. Isso significa muito para elas. — Dei uns tapinhas de leve no braço dela. — Não me diga que está planejando não ir. 

— Adoraria, mas me pediram para ir e supervisionar — respondeu ela, não parecendo muito satisfeita com a ideia. — Não sei como inventam essas coisas. Acho tudo isso uma extravagância e um desperdício de tempo e dinheiro. 

— Mas faz parte da vida escolar — disse Ally. — Por que a gente não considera a coisa toda como uma pesquisa? 

— Exatamente — acrescentei. — Vamos estar onde as coisas acontecem. Se quiséssemos observar de fora, seria melhor termos ficado no Reino. 

— Isso não quer dizer que eu vou ter que me aprontar toda, quer? — perguntou Normani. 

— De jeito nenhum! — disse eu com uma voz chocada. — Bem, talvez só um pouquinho. 

Ela suspirou. 

— Bem, é só por uma noite. 

— E você estará lá observando tudo — acrescentei. 

— Ally, eu esperava que você me acompanhasse — disse Normani. 

— Claro. — Minha irmã bateu palmas. Ela sempre ficava empolgada quando se chegava a um consenso. — Vai ser ótimo! 


A noite de sábado estava clara e agradável, perfeita para um luau. O céu parecia um veludo azul, e uma brisa suave do sul balançava as árvores, como se estivessem reverenciando umas às outras. Eu deveria estar uma pilha de nervos, mas, na minha cabeça, tudo fazia sentido. Estava prestes a consolidar minha ligação com  Lauren unindo os nossos mundos opostos. 

Dei atenção especial ao que deveria vestir naquela noite e escolhi uma saia fluida e uma blusa de camponesa bordada na gola. Normani e Ally estavam na sala de estar quando desci. Mani lia as letrinhas minúsculas de um texto religioso com a ajuda de uma lupa. Era uma cena tão inusitada dado o seu físico jovem que tive que conter o riso. Ally tentava em vão treinar Fish a obedecer comandos básicos. 

— Senta, Fish — disse com aquela voz melosa que as pessoas geralmente usam com os bebês. — Senta para a mamãe. 

Eu sabia que Fish não obedeceria enquanto ela falasse naquele tom. Era um cão muito inteligente e não gostava de ser tratado como bobo. Para mim, a expressão dele era de desdém. 

— Não demore muito — advertiu Normani. 

Ela sabia que eu ia tirar uma noite para caminhar na praia com Dinah e uns amigos e também sabia que  Lauren estaria entre eles. Não fizera objeção a isso, e achei que ela devia estar ficando mais tranquila com relação à minha vida social. O peso da nossa missão significava que, às vezes, cada um de nós simplesmente precisava dar uma fugidinha. Ninguém protestava quando ela saía sozinha para correr nem quando Ally se trancava na casa de hóspedes só com seu caderno de desenho. Portanto, não havia por que eu não ter direito à mesma regalia quando precisava de um tempo para mim. 

Elas confiavam em mim o suficiente para não fazer muitas perguntas, e eu me odiava por estar prestes a trair essa confiança. Mas não havia possibilidade de voltar atrás — eu queria convidar Lauren para entrar no meu mundo secreto, eu desejava essa intimidade. Aliado à minha determinação estava um medo persistente de que uma contravenção dessas resultasse num castigo sério. Mas tirei a preocupação da cabeça e coloquei a imagem do rosto de Lauren em seu lugar. Depois dessa noite, enfrentaríamos tudo juntas. 

Não pretendia ficar muito tempo fora de casa, só o suficiente para contar meu segredo a Lauren e enfrentar a reação dela, fosse ela qual fosse. Por várias vezes já tinha considerado mentalmente os possíveis desfechos e, por fim, eles se resumiam a três. Ela poderia ficar encantada, chocada ou assustada. 

Será que pensaria que meu lugar era num museu? Será que sequer acreditaria na verdade quando eu finalmente tomasse coragem para dizê-la em voz alta ou acharia que era uma grande gozação? Eu já ia descobrir. 

— A Camila é bastante capaz de tomar conta de si mesma — disse Ally. — Senta, Fish! Senta! 

— Não é com a Camila que me preocupo. É com o resto do mundo — disse Normani. — Já vimos algumas das tolices que acontecem. Tenha cuidado e abra o olho. 

— Vou fazer isso! — disse eu, batendo continência para ela e ignorando a culpa que apertava meu peito. 

 Normani custaria a perdoar o que eu estava prestes a fazer. 

— Senta, Fish! — sussurrou Ally. — Sentado! 

— Ah, francamente! —  Normani largou o livro e apontou o dedo para Fish. — Senta — ordenou com uma voz grave. 

Fish pareceu envergonhado e sentou-se sem pensar duas vezes. 

Ally franziu o cenho frustrada. 

— Fiquei o dia inteiro tentando fazê-lo me obedecer! Como fez isso?

Desci correndo os degraus estreitos até a trilha cheia de mato que levava à praia. Às vezes havia rastros de cobra na areia, e um ou outro lagarto atravessava o caminho chispando. Gravetos quebravam debaixo dos meus pés, e as árvores cresciam tão cerradas que em alguns pontos as copas se encontravam, formando uma cobertura que só as réstias do sol poente conseguiam atravessar. Uma orquestra de cigarras abafava todos os outros sons, exceto o do oceano. Sabia que, se me perdesse, poderia seguir o barulho do mar. 

Cheguei à areia branca e macia da praia, que fazia ruído enquanto eu caminhava. O local escolhido para o luau era perto dos penhascos, porque todo mundo sabia que estaria deserto. Fui andando pela praia pensando em quão mais acidentada a paisagem parecia à noite. Não havia ninguém por ali a não ser um pescador solitário jogando sua linha ao mar. Observei-o puxar a linha e inspecionar a presa se debatendo no anzol antes de devolvê-la às ondas. Reparei que o mar variava de cor: anil no ponto mais profundo, onde se encontrava com o horizonte; um tom quase água-marinha no meio; e um verde-claro cristalino próximo das ondas que quebravam na praia. Ao longe, havia um cabo se projetando com um farol branco no topo. De onde eu estava, tinha a impressão de que era do tamanho de um dedal. 

Já estava escurecendo. Mais à frente, ouvi vozes e depois vi vultos amontoando papéis e outros materiais inflamáveis para acender a fogueira. Não havia música alta nem um formigueiro de gente como na festa de Dinah. Em vez disso, havia uma rodinha de pessoas sentadas na areia, tomando cerveja no gargalo e dividindo cigarros amassados. Dinah e suas amigas ainda não haviam chegado.

Lauren estava sentada num tronco de madeira parcialmente enterrado na areia. Usava jeans, um moletom largo azul-claro e o crucifixo em volta do pescoço. Segurava uma garrafa meio vazia e ria de um garoto que imitava alguém. A luz do fogo dançando no seu rosto deixava-a mais encantadora do que nunca. 

— Ei, Mila — chamou alguém, e os outros me receberam com acenos e movimentos de cabeça. 

Será que as pessoas finalmente tinham parado de nos tratar como "notícia" e simplesmente aceitado que onde um estava o outro vinha como parte do pacote? Sorri timidamente para todos, e entrei logo na roda sentando ao lado de Lauren, onde me sentia segura. 

— Você está com um cheiro muito bom — disse Lauren quando abaixou para beijar o alto da minha cabeça. 

Alguns de seus amigos assoviavam e a cutucavam ou reviravam os olhos. 

— Vamos. — Ela me ajudou a levantar. 

— Já vão embora? — brincou um deles. 

— Só vamos dar uma volta — disse Lauren bem-humorada. — Se vocês permitirem, claro. 

Alguns assovios nos seguiram enquanto nos afastávamos do grupo e do calor da fogueira que começava a queimar. Como vinham dos amigos mais próximos de Lauren, eu sabia que não tinham intenção de ofender. Logo suas vozes viraram apenas um murmúrio distante. 

— Lauren, não posso demorar muito. 

— Já imaginava. 

Ela passou o braço em volta dos meus ombros despreocupadamente, enquanto subíamos a praia em silêncio na direção dos penhascos acidentados, àquela hora nada mais que vultos pontiagudos contra o céu da meia-noite. A pressão quente do braço de Lauren me dava uma sensação de segurança, como se estivesse protegida de tudo. Sabia que, assim que a deixasse, voltaria a me sentir gélida e insegura. 

Cortei o pé numa concha afiada, e Lauren insistiu em me carregar no colo. Ainda bem que, no escuro, ela não pôde ver o corte fechar sozinho. Embora a dor no meu pé tivesse passado, continuei agarrada a ela, curtindo sua atenção. Relaxei o corpo, permitindo que praticamente nos fundíssemos. No entusiasmo de chegar perto dela, sem querer, esbarrei o cotovelo no seu olho. Sentia-me estabanada como uma colegial inexperiente, quando devia ser graciosa e elegante como um anjo. Não parava de pedir desculpas. 

— Tudo bem, eu tenho outro — brincou ela, com o olho lacrimejando por causa da cotovelada. 

Ela piscava e apertava o olho, tentando se recuperar do impacto. 

Ela me pôs no chão quando chegamos numa enseada à sombra do penhasco. As rochas recortadas formavam um arco, como um portal para outro mundo, e o luar dava à areia uma tonalidade azul-perolada. Um caminho íngreme com degraus levava ao alto do penhasco, que oferecia a melhor vista do farol. Na água, formações rochosas esparsas erguiam-se como monólitos. As pessoas não costumavam se aventurar para esse lado, exceto um ou outro grupo de turistas. A maioria se contentava em ficar em torno da praia principal, a alguns passos dos cafés e das lojas de suvenir. O ponto onde estávamos era completamente isolado — não havia nada nem ninguém à vista. O único som era o do mar batendo, que parecia com vozes falando uma língua misteriosa. 

Lauren sentou-se apoiando as costas na rocha fria. Fiquei rondando em volta dela, sem querer adiar mais o inevitável, mas sem a menor ideia de como começar. Ambas sabíamos por que tínhamos vindo; eu tinha algo para desabafar. Imaginei que Lauren tinha pensado naquilo assim como eu, mas ela não sabia o que a aguardava. 

Ficou esperando que eu falasse, mas eu tinha a boca seca. Devia ser o meu momento. Tinha planejado lhe revelar minha verdadeira identidade naquela noite. Tinha passado a semana com a sensação de que o tempo se arrastava, as horas rastejando como lesmas. Mas, chegado o momento, a sensação era de que eu estava tentando ganhar tempo. Eu parecia um ator que esquece a fala, apesar de o ensaio ter sido impecável. Sabia o que devia dizer, mas esquecera como, que gestos usar, a hora certa de falar. Fiquei andando de um lado para o outro na areia, torcendo as mãos e me perguntando por onde começar. Apesar da temperatura agradável da noite, eu tremia. Minha hesitação começava a incomodar Lauren. 

— Seja o que for, Camz, fale logo. Eu enfrento. 

— Obrigada, mas é um pouco mais complicado que isso. Eu tinha repetido a cena mentalmente mais de cem vezes, mas as palavras murchavam na minha língua. 

Lauren se levantou e pôs as duas mãos nos meus ombros tentando me tranquilizar. 

— O que quer que você tenha para me contar não vai mudar minha opinião sobre você. Isso é impossível. 

— Por quê? 

— Não sei se você reparou, mas sou louca por você. 

— É mesmo? — disse eu, feliz com a declaração, que me desviou do assunto. 

— Vai me dizer que você não tinha notado? Isso não é bom. Vou ter que ser mais explícita no futuro. 

— Isso se você ainda quiser que a gente tenha um futuro depois dessa noite. 

— Quando me conhecer melhor você vai saber que não sou de fugir. Custo a me decidir sobre alguém, mas, quando me decido, não desgrudo mais. 

— Mesmo quando percebe que tomou a decisão errada? 

— Não acho que eu esteja errada em relação a você. 

— Como pode dizer isso quando não sabe o que estou para lhe contar? — murmurei. 

Lauren abriu os braços, como se me convidando a dizer a verdade. 

— Então deixa eu provar para você. 

— Não posso — disse eu com a voz embargada. — Estou com medo. E se você nunca mais quiser me ver? 

— Isso não vai acontecer, Camz — disse ela com mais contundência. Baixou o tom de voz e falou num tom sério. — Sei que é difícil para você, mas vai ter que confiar em mim. 

Olhei nos olhos dela e vi que ela estava certa. Confiei nela. 

— Primeiro me diga uma coisa. Qual foi a situação mais assustadora pela qual você já passou? 

Lauren pensou um pouco. 

— Bem, estar no alto de uma descida de rapel de trinta metros foi bem apavorante, e, numa viagem com o time oficial sub-14 de polo aquático, quebrei uma das regras, e o treinador Benson me tirou da piscina. Ele é um cara bastante assustador quando quer, e me deu a maior bronca. Fiquei suspensa do jogo contra Creswell no dia seguinte. 

Pela primeira vez, fiquei impressionada com a inocência humana de Lauren. Se essa era sua definição de experiência assustadora, quais eram as chances de ela sobreviver à bomba que eu estava prestes a jogar.

— Só isso? — perguntei. As palavras saíram num tom mais áspero do que eu pretendia. — Esse foi o seu momento mais apavorante? 

Ela me olhou nos olhos. 

— Bem, acho que posso incluir a noite em que recebi um telefonema dizendo que minha namorada tinha morrido num incêndio. Mas não estou muito a fim de falar nisso... 

— Sinto muito. 

Olhei para o chão. Não podia acreditar que tinha sido tão burra a ponto de me esquecer de Lucy. A perda, o luto e a dor que Lauren conhecia eram totalmente desconhecidos para mim. 

— Não sinta. — Ela pegou minha mão. — Apenas me escute. Vi a família dela depois do acontecido; estavam todos em pé parados na rua, e por um momento achei que estava tudo bem. Esperei ver a Lucy com eles. Estava pronto para consolá-la. Mas quando vi a expressão da mãe dela, como se ela já não tivesse razão para viver, percebi. Não era só a casa deles que tinha ido embora: Lucy também tinha. 

— Que coisa terrível — murmurei, sentindo os olhos cheios d'água. 

Lauren afastou as lágrimas com o polegar. 

— Não estou contando isso para angustiar você — disse. — Estou contando porque quero que saiba que você não vai me assustar. Pode me contar qualquer coisa. Não vou fugir. 

Então respirei fundo e comecei o discurso que mudaria nossas vidas para sempre. 

— Quero que saiba que, se ainda me quiser depois dessa noite, nada vai me deixar mais feliz. — Lauren sorriu e fez menção de se aproximar de mim, mas eu a detive. — Deixe primeiro eu terminar. Vou tentar explicar da melhor maneira possível. 

Ela fez que sim com a cabeça, cruzou os braços e prestou total atenção. Por uma fração de segundo, eu a vi como uma aluna aplicada na primeira carteira, aguardando as instruções e ansiosa para agradar o professor. 

— Sei que isso pode parecer loucura — disse eu — mas quero que você me observe enquanto ando. 

Vi que ela ficou um pouco confusa, mas não questionou. 

— Tudo bem. 

— Mas não olhe para mim, olhe para a areia sob os meus pés. 

Sem tirar os olhos do seu rosto, andei devagar descrevendo um círculo em volta dela. 

— O que notou? — perguntei. 

— Você não deixa pegadas — respondeu Lauren, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Legal esse truque, mas você provavelmente precisa comer mais. 

— Por enquanto, tudo bem — ela não se surpreendia com facilidade. Dei um sorriso sombrio e sentei-me ao seu lado, virando o pé para ela poder ver a sola. A pele macia cor de pêssego estava intacta. 

— Cortei o pé ainda há pouco... 

— Mas não tem nenhum corte — disse Lauren, franzindo a testa. — Como isso... 

Antes que ela pudesse terminar, peguei sua mão e a coloquei na minha barriga. 

— Percebe a diferença? — perguntei, num tom levemente brusco. 

Os dedos dela percorreram delicadamente o meu abdome. Sua mão parou quando chegou ao centro, e ela apertou de leve, o polegar procurando o meu umbigo. 

— Você não vai achar — disse eu, antes que ela pudesse falar. — Eu não tenho. 

— O que aconteceu com você? — perguntou Lauren. Ela deve ter imaginado que eu sofrerá algum acidente do qual nunca me recuperara por completo. 

— Nada aconteceu comigo; essa é quem eu sou. 

Quase dava para vê-la tentando encaixar as peças na sua cabeça. 

— E quem é você? — Falou quase num sussurro. 

— Já vou lhe mostrar. Se importa de fechar os olhos? E só abra quando eu disser. 

Quando tive certeza de que ela estava com os olhos bem fechados, subi de três em três os degraus íngremes da face do penhasco. Fui andando na ponta dos pés até chegar à borda do precipício, com Lauren lá embaixo. O chão era acidentado e irregular, mas consegui me equilibrar. Era um salto de mais ou menos trinta metros, mas a altura não me intimidou. Só torcia para conseguir executar meu plano. Sentia o coração palpitando, quase dando cambalhotas no meu peito. Ouvia duas vozes gritando uma com a outra na minha cabeça. 

"O que está fazendo?", gritava uma. "Perdeu a cabeça? Desça já e vá para casa! Não é tarde demais para fazer a coisa certa!" A outra voz tinha idéias diferentes. "Já chegou aqui", dizia, "não pode recuar agora. Sabe o quanto quer — você nunca ficará com ela se não fizer isso. Ótimo, seja covarde e vá embora, deixe que ela siga em frente e a esqueça de uma vez. Espero que curta a solidão eterna."

Tapei a boca com a mão para me impedir de gritar de frustração. Não adiantava estender aquilo ainda mais. Já tinha tomado minha decisão. 

— Pode abrir os olhos — gritei para Lauren. 

Quando abriu, olhou em volta surpresa de não me achar, e então virou o pescoço para cima. Acenei quando ela me viu. 

— O que está fazendo aí em cima? — Ouvi um tom de pânico na sua voz. — Camz, isso não tem graça. Desça já, antes que se machuque. 

— Não se preocupe, vou descer — disse eu. — Do meu jeito. 

Dei um passo à frente, de modo a ficar na beiradinha do precipício, e me equilibrei na ponta dos pés. A rocha irregular arranhava minha pele, mas eu mal podia notar. Já tinha a sensação de estar voando e, mais que tudo, queria sentir o vento nos cabelos novamente. 

— Pare com isso, Camz! Não se mexa, vou aí pegar você! — ouvi Lauren gritar, mas já não prestava atenção ao que ela dizia. Quando o vento agitou minhas roupas, abri os braços e deixei meu corpo cair do penhasco. 

Se fosse humana, sentiria o estômago subir até a garganta, mas a queda só fez meu coração disparar e meu corpo vibrar de euforia. Mergulhei rumo ao chão, me deleitando com o ar batendo no rosto. Lauren gritou e correu para me apanhar, mas seus esforços foram em vão. Esta era uma hora em que eu não precisava ser socorrida. A meio caminho do chão, abaixei os braços e deixei a transformação ocorrer. Uma luz ofuscante disparou de dentro de mim, iluminando todos os meus poros e fazendo meu corpo brilhar como metal em brasa. Vi  Lauren proteger os olhos e recuar. Senti as asas irromperem de trás dos meus ombros. Elas atravessaram minha blusa, arrebentando o tecido leve. Totalmente abertas, lançavam uma longa sombra na areia, como se eu fosse uma espécie de pássaro majestoso. 

Lauren se agachara, e eu sabia que a luz pulsante a estava cegando. Senti-me exposta e nua pairando ali, com as asas batendo para me segurar, mas ao mesmo tempo estava estranhamente eufórica. Sentia os tendões que ligavam as asas ao meu corpo se esticarem, pedindo para serem exercitados. Elas tinham passado muito tempo apertadas debaixo das minhas roupas. Resisti ao impulso de voar mais alto e mergulhar nas nuvens. Fiquei pairando um pouco antes de pousar delicadamente na areia. A incandescência ardente que me rodeava diminuiu no momento em que meus pés tocaram novamente a terra firme. 

Lauren esfregou os olhos e piscou, tentando recuperar a visão. Finalmente, me viu. Deu um passo para trás, aturdida, com as mãos caídas ao longo do corpo como se não soubesse o que fazer com elas. Fiquei parada na frente dela, a pele ainda brilhando. Os vestígios da minha camisa pendiam como tentáculos, e das minhas costas saía um par de asas altas, leves como uma pluma, mas que insinuavam um poder enorme. Meu cabelo ondulava atrás de mim, e sabia que a auréola luminosa acima da minha cabeça estava mais brilhante do que nunca. 

— Deus do Céu, o que foi isso?! — exclamou Lauren. 

— Será que dá para não dizer nome santo em vão? — pedi com delicadeza. Ela ficou me olhando, tentando achar as palavras certas. — Eu sei. — Suspirei. — Aposto que por essa você não esperava. — Fiz um sinal com a mão na direção da praia. — Pode ir embora agora se quiser. 

Lauren ficou imóvel, me lançando um olhar esbugalhado. Então me rodeou lentamente, e senti seus dedos tocarem muito de leve as minhas asas. Embora parecessem pesadas, elas eram finas como pergaminho e não pesavam quase nada. 

Dava para ver pela expressão dela que ela estava maravilhada com as plumas brancas e as minúsculas membranas frágeis que eram visíveis por baixo da pele translúcida. 

— Uau! — exclamou ela, sem saber o que dizer. — Isso é tão... 

— Estranho? 

— Incrível — disse ela. — Mas o que você é? — Não pode ser... 

— Um anjo? — disse eu. — Acertou em cheio. 

Lauren esfregou o nariz como se tentando processar a informação. 

— Isso não pode ser real — acabou dizendo. — Não entendo. 

— Claro que não — confirmei. — Entre o seu mundo e o meu há uma distância incomensurável. 

— Seu mundo? — perguntou ela incrédula. — Isso é loucura. 

— O quê? 

— Isso é tudo fantasia. Simplesmente não acontece na vida real! 

— Isso é real. Eu sou real. 

— Eu sei — retrucou ela. — A parte mais assustadora é que acredito em você. Desculpe, preciso de um minuto... 

Ela sentou na areia, o rosto contraído como se estivesse tentando solucionar um enigma impossível. Tentei imaginar o que estaria se passando em sua cabeça. Devia ser caótico. Ela devia ter muitas perguntas. 

— Está zangada? — perguntei. 

— Zangada? — repetiu ela. — Por que deveria estar zangada? 

— Porque não lhe contei antes. 

— Só estou tentando entender tudo isso — disse ela. 

— Eu sei que não é fácil. Leve o tempo que precisar. 

Ela ficou um bom tempo calada. O movimento convulsivo do seu peito subindo e descendo levava a crer que ela estava travando uma luta interna. Ela levantou e então passou lentamente a mão acima da minha cabeça. Sabia que seus dedos sentiriam o calor emitido pelo meu halo. 

— Tudo bem, então anjos existem — cedeu ela, por fim, falando devagar, como se tentasse explicar as coisas para si. — Mas o que você está fazendo aqui na Terra? 

— Neste momento, há milhares de nós com o aspecto humano espalhados por todo o mundo — respondi. — Fomos enviados numa missão. 

— Uma missão para alcançar o quê? 

— É difícil explicar. Estamos aqui para ajudar as pessoas a se ligarem umas às outras, a se amarem. — Como Lauren pareceu confusa, tentei aprofundar a explicação. — Há muita raiva no mundo, muito ódio. Isso está despertando e agitando as forças das trevas. Quando elas se desencadeiam, é quase impossível controlá-las. É nosso trabalho tentar neutralizar essa negatividade e evitar que um desastre maior aconteça. Este lugar já foi bastante afetado. 

— Então você está dizendo que as coisas ruins que aconteceram aqui são decorrentes das forças das trevas? 

— Em grande parte. 

— E por forças das trevas você se refere ao diabo? 

— Bem, aos representantes dele, pelo menos. Lauren fez menção de que ia rir, mas depois se conteve. 

— Isso é loucura. Quem enviou você nessa missão? 

— Achei que essa parte era óbvia. Lauren me olhou incrédula. 

— Você não quer dizer... 

— Quero. 

Lauren parecia abalada, como se o vento a tivesse levado pelos ares e jogado de novo contra o chão. Seus dedos coçavam o cabelo da nuca. 

— Está me dizendo que Deus existe mesmo? 

— Não sou autorizada a falar sobre isso — respondi, achando melhor cortar a conversa antes que ela fosse adiante. — Algumas coisas estão além da compreensão humana. Eu teria muitos problemas se tentasse explicar isso. Não devíamos sequer pronunciar o nome Dele. 

Lauren fez que sim com a cabeça. 

— Mas existe vida após a morte? — perguntou. — Um paraíso? 

— Sem dúvida. 

— Então... — Ela esfregou o queixo pensativamente. — Se existe um paraíso, pela lógica... deve também existir... 

Terminei o raciocínio dela. 

— Sim, isso existe também. Mas, por favor, chega de perguntas por ora. 

Lauren massageou as têmporas como se tentasse imaginar a melhor maneira de processar aquelas informações. 

— Sinto muito — disse eu. — Sei que isso deve ser massacrante. 

Ela ignorou minha preocupação, mais concentrada em organizar as ideias de forma mais convincente. 

— Veja se entendi direito — disse ela. — Vocês são anjos numa missão para ajudar a humanidade e foram incumbidos de vir para Venus Cove? 

— Você é a única pessoa que sabe disso. Não pode pensar em dizer uma palavra sequer para ninguém. 

— Para quem eu contaria? — perguntou ela. — Quem acreditaria em mim, afinal? 

— Boa pergunta. 

Ela riu. 

— Minha namorada é um anjo — disse ela, depois repetindo isso mais alto, mudando a ênfase e testando o som das palavras. — Minha namorada é um anjo.

—Lauren, fale baixo — alertei. 

Dito em voz alta, aquilo parecia tão chocante e, no entanto, ao mesmo tempo, tão simples que eu não pude deixar de rir também. Para qualquer outra pessoa, o emprego da palavra anjo soaria como nada mais do que a manifestação de carinho de uma adolescente apaixonada. Só nós duas entendíamos de outra forma, e agora ambas tínhamos um segredo — um segredo perigoso que nos aproximava mais do que nunca. Era como se tivéssemos acabado de selar o laço entre nós, como se tivéssemos eliminado a distância e tornado nosso vínculo definitivo. 

— Estava com muito medo de que você não quisesse me conhecer quando descobrisse. — Suspirei, aliviada. 

— Está brincando? — Lauren pegou uma mecha do meu cabelo e a enrolou no dedo. — Devo ser a pessoa mais sortuda do mundo. 

— Por quê? 

— Não é óbvio? Tenho meu próprio pedacinho do Céu aqui mesmo. 

Ela me envolveu nos braços, me puxando mais para perto dela. Encostei o nariz no seu peito, sentindo seu cheiro. 

— Pode me prometer não fazer muitas perguntas? 

— Se você responder a pelo menos uma — respondeu Lauren. — Acho que isso faz de nós um grande... 

Terminou a frase agitando o dedo e estalando a língua. Fiquei feliz de ver que o choque passara e ela estava agindo de modo um pouco mais natural. 

— Não só grande — disse eu. — O maior. 

— Não se preocupe, Camz. Adoro um desafio.



Notas Finais


Daqui a pouco posto o próximo
O que acharam?
Normani vai ficar puta sim, claro ou com certeza?!


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