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História Halo (Camren) - A Aliança


Escrita por: lmfs13

Capítulo 15 - A Aliança


— Então, o que acontece agora? — perguntou Lauren. 

— Como assim? 

— Agora que sei sobre você? 

— Honestamente, não sei. Nunca tivemos uma situação assim antes — admiti. 

— Então ser anjo não significa... — Ela hesitou. 

— Não significa que eu tenha resposta para tudo — concluí por ela. 

— Só presumi que isso poderia ser uma das vantagens. 

— Infelizmente não. 

— Bem, me parece que, desde que ninguém saiba, você não corre perigo. E quando se trata de segredos, sou um túmulo. Pergunte aos meus amigos. 

— Sei que posso confiar em você. Mas tem mais uma coisa que você precisa saber. — Fiz uma pausa. 

Esta era a parte mais difícil — mais difícil do que tudo o que eu acabara de fazer. 

— Tudo bem... 

Lauren pareceu estar se preparando dessa vez. 

— Você tem que entender que, mais cedo ou mais tarde, essa missão vai terminar, e vamos voltar para casa. 

— Por casa você quer dizer... — Ela olhou para o céu. 

— Exatamente. 

Embora ela já devesse esperar a resposta, seu rosto de repente ficou tenso. Seus olhos verdes escureceram, e sua boca se contraiu como se estivesse zangada. 

— Se for embora, você volta algum dia? — perguntou ela com a voz embargada. 

— Acho que não — respondi calmamente. — Mas, se voltar, não é provável que seja logo e nem para o mesmo lugar. 

Seu corpo inteiro se contraiu ao meu lado. 

— Então você não tem escolha? — disse ela com uma voz incrédula. — O que aconteceu com o livre-arbítrio? 

— Esse direito foi concedido à humanidade, lembra? Não vale para nós. Escute, se tem um jeito de eu ficar, ainda não descobri qual é. Quando vim para cá, sabia que não seria definitivo, que um dia teríamos que ir embora. Mas não esperava encontrar você, e agora que encontrei... 

— Bem, você não pode ir — disse Lauren simplesmente. 

Pelo seu tom ela poderia estar dando a previsão do tempo: Hoje haverá pancadas de chuva ao fim do dia. Falava com uma confiança que desafiava qualquer um que contestasse a decisão. 

— Sinto a mesma coisa — disse eu, pressionando os dedos nos seus ombros numa tentativa de aliviar sua visível tensão — mas não depende de mim. 

— É a sua vida — argumentou Lauren. 

— Não, isso não é totalmente verdade. Estou mais ou menos emprestada. 

— Então só teremos que renegociar os termos do empréstimo. 

— E como acha que dá para fazer isso? Não é como dar um telefonema. 

— Deixe eu pensar no assunto. 

Tinha que admitir que a determinação dela era impressionante e tipicamente humana. Cheguei mais perto para me aconchegar nos seus braços. 

— Não vamos falar mais nisso esta noite — sugeri, tentando não estragar o momento discutindo coisas que não podíamos mudar. Por ora, era suficiente ela querer que eu ficasse e se preparar para desenvolver poderes que não tinha para fazer isso acontecer. — Estamos aqui juntos, agora, não vamos nos preocupar com o futuro. Certo? 

Lauren fez que sim com a cabeça e correspondeu quando encostei os lábios nos dela. Pouco depois, a tensão pareceu se desvanecer e nos deitamos na areia. Eu sentia os contornos dos nossos corpos se encaixando perfeitamente. Os braços dela envolviam minha cintura enquanto eu corria os dedos por seu cabelo macio e afagava seu rosto. Nunca tinha beijado ninguém antes dela, e era como se outro ser tivesse se apossado do meu corpo — um ser que sabia exatamente o que fazia. Inclinei a cabeça para cobri-la de beijos, da mandíbula, passando pela nuca e indo até seu ombro. Ela parou de respirar um instante. Suas mãos vieram segurar meu rosto, acariciando meu cabelo e colocando-o atrás das minhas orelhas. 

Eu não sabia ao certo quanto tempo ficamos daquele jeito, enroscadas na areia, ora abraçadas, ora olhando a lua ou os penhascos. Tudo o que eu sabia era que, quando me dei conta da hora, havia passado mais tempo do que eu pensara. Levantei-me, limpando a areia da roupa e do corpo. 

— Está ficando tarde — disse eu. — Tenho que ir para casa. 

A pose de Lauren, esparramado na areia, com o cabelo despenteado e um meio sorriso sonhador nos lábios, era tão encantadora que fiquei tentada a deitar ao lado dela novamente. Mas consegui me conter e virar para voltar pelo mesmo caminho pelo qual tínhamos vindo. 

— Ei, Camz — disse Lauren se levantando. — Talvez você queira, hã... se cobrir. 

Custei um pouco a perceber que as asas ainda estavam aparecendo por baixo da blusa rasgada. — Ah, certo, obrigada! 

Ela me jogou seu moletom, que enfiei pela cabeça. Era grande demais para mim, batia nas coxas, mas era quente, confortável e tinha o cheiro delicioso dela. Quando afinal nos separamos, fui correndo pelo resto do caminho até em casa, como se ela continuasse ao meu lado. Eu sabia que dormiria com o moletom naquela noite e ficaria com o cheiro na memória. 

Quando cheguei ao quintal invadido pelo mato da Byron, passei os dedos apressadamente pelo cabelo e endireitei a roupa, tentando dar mais a impressão de ter feito um passeio inocente com amigos do que tendo um encontro amoroso secreto ao luar. Então, joguei-me no pesado balanço de madeira, que rangeu com meu peso. Encostei o rosto na corda áspera presa no galho nodoso do carvalho e olhei para a casa. Pela janela, dava para ver a sala, onde minhas irmãs estavam sentados com a luz acesa, Ally tricotando um par de luvas e Normani dedilhando o violão. Olhando para elas, senti o gelo da culpa tomar meu peito. 

Era lua cheia, e uma luz azulada inundava o jardim, iluminando uma estátua caindo aos pedaços que havia no meio da grama crescida. Era de um anjo severo, olhando para o céu, as mãos juntas no peito num gesto de devoção. Normani a considerava uma réplica medíocre e um tanto ofensiva, mas Ally dizia que era simpática. 

Particularmente, eu sempre a achara meio sinistra. Não sabia ao certo se era a luz me pregando uma peça ou apenas minha imaginação, mas, quando olhei para a estátua no escuro, julguei ter visto seus dedos se contraírem num gesto de acusação e seus olhos se virarem para mim. 

A ilusão durou só um segundo, o suficiente para eu saltar do balanço, que bateu no tronco da árvore fazendo barulho. Antes que pudesse tornar a examinar o anjo para avaliar meu estado de sanidade, fui distraída pelo barulho das portas de vidro se abrindo. Ally saiu para o deque parecendo um fantasma. O luar iluminava sua pele alva, destacando as veias azuladas dos seus braços e do seu peito. 

— Camila, é você? — A voz dela era doce, e a expressão no seu rosto, dolorosamente confiante. Meu estômago se contorceu, e fiquei enjoada. Ela viu metade do meu corpo coberto pela sombra da árvore. — O que está fazendo aí? Venha para dentro. 

Tudo era tranquilizadoramente familiar na casa: a luz amarela do abajur refletia no assoalho, a cama de Fish com estampa de patas estava no lugar de sempre, ao lado do sofá, e a seleção de livros de arte clássica e revistas de decoração cuidadosamente organizada por Ally estava sobre a mesa de centro. 

Normani ergueu os olhos quando entrei. 

— A noite foi boa? — perguntou com um sorriso. 

Tentei sorrir de volta, mas estava com os músculos da face paralisados. Tinha a sensação de que o peso do que eu fizera me pressionava, como uma onda quebrando em cima de mim, forçando minha cabeça a mergulhar na água e não me deixando respirar. Quando estava com Lauren, era fácil esquecer que havia qualquer outro lugar no mundo, que devia fidelidade a qualquer outra pessoa. 

Não me arrependi de revelar a verdade a ela, mas odiava subterfúgios, especialmente envolvendo minha família. Tinha medo da reação das minhas irmãs quando descobrissem o que eu havia feito. Será que teriam a capacidade de entender por que eu fizera aquilo? Mas, acima de tudo, eu temia que os poderes no Céu encerrassem nossa missão ou ordenassem a minha volta imediata. De uma forma ou de outra, eu seria afastada da Terra, afastada da pessoa que mais importava para mim. 

Normani deve ter reparado que eu usava o moletom de Lauren, mas não fez nenhum comentário. Embora parte de mim quisesse confessar tudo no ato, me forcei a ficar calada. Pedi desculpas pelo atraso, disse que estava cansada e pedi licença para ir deitar, recusando o leite com chocolate e os biscoitos que Ally fizera naquela tarde. 

Quando cheguei ao pé da escada, Normani me chamou, e esperei enquanto ela vinha a mim. Meu coração palpitava no peito. Minha irmã era assustadoramente observadora, e eu tinha certeza de que ela notara que eu estava diferente. Esperava que ela examinasse o meu rosto, fizesse perguntas constrangedoras ou alguma acusação, mas tudo o que ela fez foi pôr a mão com os anéis frios de metal na minha bochecha e me dar um beijo na testa. Seu rosto perfeito parecia tranquilo naquela noite. Seus olhos tinham perdido um pouco da severidade, e ela me olhava com amor fraternal. 

— Estou orgulhosa de você, Camila — disse. — Você progrediu em pouquíssimo tempo e está aprendendo a tomar decisões melhores. Leve Fish para cima com você. Ele estava nervoso com a sua ausência. 

Usei toda a minha determinação para conter as lágrimas. 

Já deitada com o corpo quente de Fish ao meu lado, deixei as lágrimas rolarem. Jurava que podia sentir as mentiras deslizando pelo corpo como cobras, se enroscando em mim e me apertando. Senti que espremiam o ar para fora dos meus pulmões, e apertavam meu coração. Além da culpa que corria em minha corrente sanguínea como um veneno, havia também um medo terrível. Será que, quando acordasse, continuaria na Terra? Não sabia. Quis rezar, mas não consegui. Estava muito envergonhada para falar com Nosso Pai após os pecados que eu cometera. Só tinha guardado o segredo por algumas horas e já estava esgotada. 

Junto com a culpa e a vergonha, eu sentia uma raiva latente da ideia de não ser dona do meu próprio destino. Lauren pusera isso na minha cabeça. Alguém decidiria minha relação com ela, e o pior era que eu não sabia quando isso aconteceria. Meu tempo na Terra vinha com data de validade desconhecida. E se nem ao menos eu conseguisse me despedir dela? Joguei longe as cobertas, mesmo me sentindo gelada. Não conseguiria imaginar uma existência sem Lauren. Não queria imaginar. 

Horas depois, minha cabeça ainda fervilhava com pensamentos, e tudo continuava na mesma, a não ser por meu travesseiro encharcado de lágrimas. Meu sono ia e voltava. Às vezes, me sentava na cama, procurando no escuro pelo sinal de algo ou de alguém que tivesse vindo infligir meu castigo. A mim pertence a vingança; eu retribuirei, diz o Senhor. Houve um momento em que acordei e vi uma figura encapuzada que imaginei ter vindo em busca de vingança, mas depois vi que era só meu casaco pendurado num cabide ao lado da porta. Fiquei com medo de fechar os olhos depois disso, como se fosse ficar mais vulnerável se o fizesse. Era irracional me sentir daquele jeito. Sabia que, se viessem me buscar, não faria a menor diferença eu estar dormindo ou acordada. Eu continuaria absolutamente impotente. 

Quando amanheceu, vi que, psicologicamente, eu estava em frangalhos. Quando lavei o rosto e me olhei no espelho, constatei que fisicamente também. Minha pele estava pálida, e minhas olheiras mais fundas. Naquele estado, eu até me parecia, em parte, com um anjo caído em desgraça. 

Quando encontrei a cozinha vazia, vi logo que havia alguma coisa errada. Não me lembrava de uma manhã sequer em que Normani não estivesse à minha espera com o café já sendo preparado. Eu lhe dissera várias vezes que podia prepará-lo eu mesma, mas, como uma irmã coruja, ela insistia que gostava de fazer isso. Hoje a mesa estava vazia, e a cozinha, em silêncio. Eu disse a mim mesma que aquilo nada mais era senão um pequeno desvio da rotina. Fui à geladeira para pegar um copo de suco de laranja, mas minhas mãos tremiam tanto que derramei metade na bancada. Peguei uma toalha de papel e limpei a bagunça, lutando contra o medo que apertava minha garganta. 

Senti a presença de Ally e  Normani antes de ouvi-las entrar. As duas estavam juntas paradas no portal, unidas numa condenação silenciosa, com os rostos imóveis e sem expressão. Eu não precisava que elas dissessem as palavras em voz alta. Elas sabiam. Teria sido minha agitação que me traíra? Eu já devia ter esperado aquela reação, mas ainda assim ela doía como um tapa no rosto. Por vários minutos, não consegui dizer uma palavra. Queria correr e esconder o rosto na camisa de Normani, implorar por perdão e sentir seus braços em volta de mim; mas sabia que não encontraria consolo ali. Embora os anjos fossem vistos como infinitamente amorosos e misericordiosos, eu sabia que havia outro lado, que podia ser severo e implacável. O perdão era reservado aos humanos. Eles sempre eram isentos das responsabilidades. Tínhamos propensão a infantilizá-los, a concluir que os "pobres coitados" não sabiam o que faziam. Mas de mim se esperava mais. Eu não era humana, era um deles, e não havia desculpa. 

Não se ouvia nenhum ruído, a não ser os pingos da torneira na pia e minha respiração descompassada. Não conseguia aguentar o silêncio. Teria sido mais fácil se elas tivessem esbravejado diretamente, me censurado ou me expulsado de casa; qualquer coisa, menos aquele silêncio ensurdecedor. 

— Sei como isso deve parecer para vocês, mas tive que contar a ela! — desabafei. 

A expressão de Ally se congelou numa máscara de horror, mas a de Normani estava impassível. 

— Sinto muito — continuei. — Não posso evitar sentir o que sinto por ela. Ela significa muito para mim. 

Ninguém disse nada. 

— Por favor, digam alguma coisa — implorei. — O que vai acontecer agora? Vamos ser chamados de volta ao Reino? Nunca mais vou vê-la?

Desatei a soluçar sem derramar lágrimas e me agarrei à bancada para me apoiar. Nenhuma das minhas irmãs fez menção de me consolar. Eu não as culpava. Foi Normani quem quebrou o silêncio. Voltou aqueles olhos escuros, incandescentes, em minha direção. Quando falou, dava para ouvir a raiva que inundava sua voz. 

— Tem alguma ideia do que você fez? — perguntou. — Percebe o perigo em que nos colocou? 

A raiva dela estava aumentando, os sinais eram evidentes. Lá fora, um vento forte começou a soprar, chacoalhando as vidraças das janelas e derrubando um copo da bancada, fazendo-o quebrar em pedacinhos. Ally pôs as mãos nos ombros de Normani. Seu toque fez ela voltar um pouco a si, e Normani deixou que Ally a conduzisse para a mesa, onde se sentou de costas para mim. Seus ombros subiam e desciam enquanto ela tentava controlar a raiva. Onde estava sua paciência infinita? 

— Por favor — disse eu, num tom pouco acima de um sussurro. — Isso não justifica, mas acho... 

— Não diga isso. — Ally virou-se para mim com uma expressão de advertência. — Não diga que a ama. 

— Quer que eu minta para vocês? — perguntei. — Já tentei não me sentir assim, tentei mesmo, mas ela não é igual aos outros humanos. É diferente... ela entende. 

— Entende? —Normani tinha a voz trêmula, muito diferente de sua calma habitual. Eu sempre achara que nada poderia tirá-la do sério. — Pouquíssimos mortais ao longo da história chegaram perto de entender o divino. Está sugerindo que sua amiga de escola é uma delas? 

Eu me encolhi. Nunca ouvira Normani falar naquele tom antes. 

— O que posso fazer? — perguntei baixinho, as lágrimas correndo soltas pelo rosto. — Estou apaixonada por ela. 

— Pode até estar, mas seu amor é inútil — disse Normani, inflexível. — É seu dever mostrar compreensão e compaixão por toda a humanidade, mas seu carinho exclusivo por essa garota é errado. Vocês são de mundos diferentes. É inadmissível. Você pôs em risco a sua vida e a dela. 

— A dela? — perguntei, em pânico. — Como assim? 

— Calma, Normani — disse Ally. Ela apertou seu ombro. — Essa situação surgiu e tem que ser enfrentada. 

— Preciso saber o que vai acontecer! — exclamei. — Será que vão nos chamar de volta ao Reino? Por favor, tenho o direito de saber. 

Eu odiava ser vista tão desesperada, tão completamente fora de controle, mas sabia que, se quisesse evitar que meu mundo desmoronasse, Lauren teria que continuar nele.

— Me parece que você renunciou a quaisquer direitos que tivesse. Só há uma coisa que pode ser feita — disse Normani. 

— O quê? — perguntei, tentando conter a histeria. 

— Preciso falar com a Aliança. 

Eu sabia que ela se referia ao círculo de arcanjos que eram chamados para intervir só nas situações mais extremas. Eles eram os mais sábios e mais poderosos da nossa espécie, abaixo apenas do Nosso Criador. Normani obviamente sentia que precisava de reforços. 

— Vai explicar como aconteceu? — perguntei. 

— Não vai ser preciso — respondeu Normani. — Eles já vão saber. 

— Então, o que vai acontecer? 

— Eles darão o veredicto, e nós obedeceremos. 

Sem dizer mais nada, ela saiu imponentemente da cozinha, e, pouco depois, ouvimos a porta de entrada se fechar atrás dela. 


A espera foi excruciante. Ally preparou xícaras de chá de camomila e sentou-se comigo na sala, mas parecia que uma nuvem negra tinha descido sobre nós. Estávamos na mesma sala, mas um oceano nos separava. Fish também ficou incomodado, sentindo que as coisas não estavam certas, e enterrou o focinho no meu colo. Tentei bloquear a ideia de que, dependendo do veredicto, também poderia nunca mais vê-lo. 

Não sabíamos aonde Normani tinha ido, mas Ally disse que o mais provável é que fosse algum lugar desolado e ermo onde pudesse se comunicar com os arcanjos sem interferência humana. Era quase como usar internet sem fio — a gente tinha que encontrar o melhor lugar para se conectar e, quanto menor o número de humanos em volta, melhor a conexão. Normani precisava de algum canto onde pudesse meditar facilmente e entrar em contato com as forças no Universo. 

— O que acha que eles vão dizer? — perguntei a Ally pela quinta vez suspirando. 

— Honestamente não sei, Camila. — A voz dela soava distante. — Recebemos instruções claras de não nos expor. Como ninguém esperava que essa regra fosse quebrada, as consequências nunca foram discutidas. 

— Você deve me odiar — disse eu baixinho. 

Ela olhou para mim. 

— Não posso fingir entender o que você estava pensando — retrucou ela. — Mas você ainda é minha irmã. 

— Sei que não posso justificar o que fiz. 

— Sua encarnação é diferente da nossa. Você sente tudo com muito afinco. Para nós, Lauren é como qualquer outro ser humano; para você, é uma coisa completamente diferente. 

— Ela é tudo. 

— Isso é errado. 

— Eu sei.

— Fazer de uma pessoa o centro do seu mundo sempre acaba em desastre. Há muitos fatores que não podem ser controlados. 

— Eu sei — repeti com um suspiro. 

— Há alguma chance de você renunciar aos seus sentimentos? — perguntou Ally. — Ou isso está fora de questão? 

Fiz que não com a cabeça. 

— É tarde demais. 

— É o que achei que você diria. 

— Por que sou tão diferente? — perguntei um instante depois. — Por que tenho esses sentimentos? Você e Mani podem mandar no que sentem. Já eu pareço não ter o menor controle. 

— Você é jovem — disse Ally lentamente. 

— Não é isso. — Torci as mãos. — Deve haver mais alguma coisa. 

— Sim — concordou minha irmã. — Você é mais humana que qualquer anjo que já tenha conhecido. Se identificou muito com a Terra. Sua irmã e eu sentimos falta do nosso mundo. Este lugar é estranho para nós. Mas você... você se encaixa nele. É como se seu lugar sempre tivesse sido aqui. 

— Por quê? — perguntei. 

Minha irmã balançou a cabeça. 

— Não sei. 

Por um momento, captei um olhar nostálgico em seu rosto, e me perguntei se, no fundo, ela desejava poder entender meu amor ardente por Lauren. Mas o olhar desapareceu antes que eu pudesse me fixar nele. 

— Acha que Normani algum dia vai me perdoar? 

— Nossa irmã habita um plano de existência diferente — explicou Ally, — Não está acostumada a lidar com o erro. Acha que as falhas que você cometeu se tornam as dela. Vai considerar isso um fracasso dela, não seu. Consegue entender isso? 

Assenti com a cabeça e não me dei ao trabalho de fazer outras perguntas. Não havia nada a fazer senão aguardar, e isso podíamos fazer em silêncio. 

Os segundos passavam lentamente, e os minutos viravam horas. Meu medo aumentava e desaparecia em intervalos variados, como ondas num oceano. Eu sabia que, se voltasse ao Reino, estaria novamente com meus irmãos, mas ao mesmo tempo sozinha, com o resto da eternidade para desejar o que tivera na Terra. Isso se eu fosse readmitida no Reino. Nosso Criador, apesar de generoso e amoroso, não reagia bem a desafios. Havia uma chance de eu ser excomungada. Recusava-me a imaginar como poderia ser o Inferno. Já tinha ouvido histórias, e isso era o suficiente. Dizia a lenda que os pecadores eram pendurados pelas pálpebras, queimados, torturados, esquartejados e costurados novamente. Diziam que o lugar fedia a carne tostada e cabelo chamuscado e que os rios eram de sangue. Obviamente, eu não acreditava em nada daquilo, mas a ideia me dava arrepios. 

Eu sabia que muita gente na Terra não acreditava que existisse um lugar como o Inferno, mas essas pessoas não tinham noção de como estavam enganadas. Anjos como eu não faziam ideia de como era o Inferno, mas eu sabia que não queria descobrir. Normani sabia mais sobre o reino das trevas, mas era proibida de tocar no assunto. 

Dei um pulo quando ouvi a porta da frente bater, e meu coração disparou. Dentro de instantes Normani estava parada diante de nós, com os braços cruzados no peito e o rosto aflito, mas impenetrável como sempre. Ally se levantou e foi para o seu lado, não demonstrando estar ansiosa para ouvir o veredicto. 

— O que foi decidido? — perguntei, não suportando mais o suspense. 

— A Aliança lamenta ter indicado Camila para essa missão na Terra — disse Normani, com os olhos penetrantes focados em mim. — Esperava-se mais de um anjo desse escalão. 

Comecei a tremer. Pronto: estava tudo acabado. Eu ia voltar para o lugar de onde viera. Considerei sair correndo, mas era inútil. Não havia um canto sequer da Terra em que pudesse me esconder. Fiquei de pé, inclinei a cabeça e segui em direção à escada. 

Normani apertou o olhar. 

— Aonde pensa que vai? 

— Vou me preparar para partir — respondi, tentando encontrar forças para olhá-la nos olhos. 

— Partir para onde? 

— Para casa. 

— Camila, você não vai para casa. Nenhuma de nós vai — disse ela. — Você não me deixou terminar. O desapontamento com seus atos é grande, mas a sugestão da Aliança de abortar a missão foi recusada. 

Fiquei perplexa. 

— Por quem? 

— Por um poder superior. 

Agarrei-me com toda força a esse raio de esperança. 

— Quer dizer que vamos ficar? Não vão me levar embora? 

— Parece que o investimento nessa missão foi muito grande para permitir que ela seja encerrada devido a um contratempo menor. Portanto, a resposta é sim, vamos ficar. 

— E Lauren? — perguntei. — Estou autorizada a vê-la?

Normani pareceu irritada, como se a decisão tomada a esse respeito fosse absolutamente irrelevante. 

— Está autorizada a continuar saindo com a garota enquanto estivermos aqui. Como ela já sabe da nossa identidade, proibir você de vê-la poderia complicar ainda mais as coisas. 

— Ah, obrigada! — comecei, mas  Normani me interrompeu. 

— A decisão não foi minha, então não mereço nenhum agradecimento. 

Ficamos caladas por vários minutos, até que me aventurei a quebrar o silêncio. 

— Por favor, não fique zangada comigo, Mani. Na verdade, você tem todo o direito de estar zangada, mas pelo menos entenda que não fiz isso por mal. 

— Não estou interessada em ouvir o que você tem a dizer, Camila. Você tem a sua namorada, se dê por satisfeita. 

Ela virou as costas para mim. Em seguida, senti o toque reconfortante de Ally em meus ombros. Em instantes, passei de um estado de espírito cataclísmico a outro nada mais que rotineiro, o que confirmava, mais categoricamente do que qualquer coisa que Normani pudesse dizer, que continuaríamos na Terra. 

— Preciso ir ao supermercado — disse Ally. — Uma ajudinha seria boa. 

Olhei para Normani esperando a aprovação. 

— Vá ajudar Ally — disse ela num tom mais agradável, com uma ideia vindo à cabeça. — Vamos ser quatro para jantar hoje.


Notas Finais


Clima meio tenso entre Mani e a Camila...
E que venha o jantar hahaha


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