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História Halo (Camren) - A Palavra Com S


Escrita por: lmfs13

Capítulo 22 - A Palavra Com S


No fim de semana, Dinah foi pela primeira vez à Byron. Há algum tempo ela vinha fazendo insinuações disfarçadas de que queria aparecer por lá, então finalmente cedi e a convidei. Não demorou para Dinah se sentir à vontade. Desabou no sofá macio, apoiando os pés na mesinha de centro. 

— Este lugar é o máximo – comentou. – Você podia dar uma festa e tanto aqui. 

— Acho difícil isso acontecer – discordei. 

Ignorando a minha falta de entusiasmo, Dinah levantou-se de um salto para examinar mais de perto uma obra de arte pendurada sobre a lareira. Era um quadro abstrato, retratando uma imensidão branca com um símbolo circular no meio. Círculos azuis concêntricos ampliavam-se à volta, esmaecendo à medida que se aproximavam das extremidades da tela. 

— O que é isso? – indagou Dinah, em dúvida. 

Olhei para os círculos azuis contra o fundo branco, e uma série de ideias sobre o significado daquele quadro me veio à cabeça. Tive a impressão de que a imagem expressava uma realidade maior, que retratava o papel do Nosso Criador no Universo, a fonte e o núcleo de todas as coisas. Dele partia a teia da vida, mas tudo se ligava de forma absoluta a Ele. Os círculos podiam representar a extensão da Sua soberania, e o branco podia ser uma alegoria do tempo e do espaço. Seu poder, Seu próprio, ser ampliado até as extremidades da tela, num indício de que ia além, preenchendo todos os espaços. Não apenas o mundo Lhe pertencia, mas também o Universo. Tratava-se da representação do infinito e do que ficava além dele. A única verdadeira realidade impossível de negar era Ele. 

Claro que eu não tentaria explicar nada disso a Dinah. Não que eu me sentisse superior e achasse que a compreensão humana não seria capaz de captar tal explicação, mas a verdade é que os humanos temiam a vida fora do seu próprio mundo e, embora alguns questionassem o que existia fora dele, jamais chegavam sequer perto de entender esse conceito. A vida humana acabaria, e um dia a própria Terra chegaria ao fim. A existência, porém, continuaria. 

Dinah perdeu o interesse pelo quarto e então pegou o violão, que estava encostado numa cadeira, segurando-o com cuidado. 

— É da Normani? 

— É, e ela adora esse negócio – esclareci, na esperança de que ela o largasse. 

Olhei furtivamente à volta, para me assegurar de que Normani e Ally não estivessem à espreita, mas ambas tinham sido delicadas o suficiente para nos dar um pouco de privacidade. Dinah passou os dedos, cautelosamente, pelas cordas esticadas, com uma expressão de absoluto fascínio. 

— Como eu queria ter talento para música. Toquei piano quando pequena, mas jamais tive disciplina para praticar. Parecia trabalhoso demais. Adoraria ouvir sua irmã tocar. 

— Ora, a gente pode pedir a ela quando voltar. Quer fazer um lanche? 

A ideia da comida a distraiu, e levei-a à cozinha, onde Ally havia deixado para nós uma variedade de bolinhos e um prato de frutas. Minhas irmãs finalmente tinham se recuperado do incidente da festa e aceitado Dinah como minha amiga. Na verdade, não lhes restavam muitas alternativas, pois aparentemente eu vinha desenvolvendo uma vontade própria. 

— Uau! – exclamou Dinah, dando uma mordida em um bolinho de amora e revirando os olhos para enfatizar sua admiração pelo talento culinário de Ally. De repente, ela congelou e fez uma expressão preocupada. 

— Isso não conta como salada, conta? 

Naquele exato momento, Normani surgiu na porta dos fundos carregando uma prancha de surfe, com a blusa úmida grudada ao corpo perfeito. Fazia algumas semanas que tinha adotado o surfe como passatempo para descarregar a tensão. Obviamente, não precisara ter aulas. Qual a necessidade delas, já que as próprias ondas cumpriam suas ordens? Normani era muito ativa em sua forma humana. Necessitava de atividade física, como natação, corrida a fim de relaxar e ficar menos inquieta. 

Quando viu Normani, Dinah discretamente largou no prato o bolinho, comido pela metade.

— Oi, Dinah – saudou minha irmã. 

Nada jamais lhe escapava, e sua atenção foi atraída pelo resto do bolinho deixado no prato. Deve ter se perguntado o que tinha feito para tirar o apetite de Dinah. 

— Camila, será que Dinah não prefere comer outra coisa? – indagou com a maior educação. – Parece que ela não gostou dos bolinhos de Ally. 

— Imagine! Estão deliciosos – Interveio Dinah. 

— Não se preocupe, Mani – respondi, rindo. – Dinah está fazendo regime para a festa de formatura. 

 Normani balançou a cabeça. 

— Regimes radicais são ruins para a saúde de garotas da idade de vocês – alertou. – Além disso, no seu caso, Dinah, eu não recomendaria que emagrecesse. É totalmente desnecessário. 

Dinah encarou-a durante um momento, antes de responder. 

— Você só está sendo gentil. Eu bem que podia perder uns quilinhos – insistiu ela, segurando a pele na região da cintura para enfatizar o que dizia. 

Normani encostou-se à bancada da cozinha e a estudou. 

— Dinah – disse ela, afinal - o corpo humano é bonito, independente do tamanho ou da forma que tenha, e um dia você vai entender isso. 

— Mas algumas formas são mais bonitas que outras, não? – indagou ela. —Como as das modelos, por exemplo? 

— Nada é mais encantador do que uma jovem com uma admiração saudável por comida – disse Normani. 

O comentário me surpreendeu, pois jamais ouvira minha irmã expressar qualquer opinião sobre o que era atraente nas mulheres. Ela costumava ser totalmente imune a qualquer tipo de encanto feminino. Não prestando a mínima atenção nisso. 

— Concordo plenamente! – disse Dinah, voltando a mordiscar o bolinho. 

Normani deu a impressão de ficar satisfeita com o fato de tê-la convencido e se virou para sair da cozinha. 

— Espere! Você vai à festa de formatura? – perguntou Dinah enquanto ela saía. 

Normani olhou-a com uma expressão quase de divertimento cintilando em seus olhos. 

— Vou. Infelizmente, meu cargo exige. 

— Talvez você se divirta – sugeriu Dinah, sem graça. 

— Veremos. 

A despeito da natureza indiferente da resposta de Mani,  Dinah se mostrou imensamente satisfeita. 

— A gente se vê lá, então – concluiu ela. 

Passamos o restante da tarde folheando revistas e pesquisando no Google do laptop de Dinah idéias para penteados. Ela resolvera usar o cabelo preso, ou num coque banana ou como uma coroa de cachos. Eu ainda não sabia o que queria, mas com certeza Ally teria alguma ideia. 

— Andei pensando no que você falou sobre Lauren e... Hã... A parte física do nosso relacionamento – desembuchei de repente, enquanto Dinah imprimia uma foto da Gwyneth Paltrow como Emma Woodhouse. 

— Meu Deus! — Gritou Dinah. – Conte-me tudo. Como foi? Você curtiu? Se não gostou, não faz mal. Nem sempre a primeira vez é boa. Melhora com a prática. 

— Não. Não aconteceu nada – respondi. – Fiquei pensando se devo tocar no assunto com Lauren. 

— Tocar no assunto? Para quê? 

— Para saber o que ela acha. 

— Se estivesse insatisfeita, ela já teria falado com você. Para que se estressar? 

— Bom, quero saber o que ela quer, o que espera, o que a deixaria feliz... 

— Mila, você não tem que fazer coisa alguma só para satisfazer uma pessoa – disse Dinah. – Se não está pronta, deve esperar. Bem que eu queria ter esperado. 

— Mas quero falar disso com ela. Não quero parecer uma criancinha. 

— Mila – insistiu Dinah, saindo do site que estava visitando e se virando e se virando para me olhar com uma expressão séria de amiga conselheira. – Esse é um assunto que os casais acabam tendo que conversar mais cedo ou mais tarde. O melhor é agir com honestidade, não fingir ser quem a gente não é.

Assenti, calada. 

— Então, isso é bom, não vai haver nenhuma surpresa. Você só precisa dizer que anda pensando nisso e gostaria de saber como ela se sente. Aí, as duas vão descobrir em que pé estão. 

— Obrigada – agradeci com um sorriso. — Você é o máximo. 

Dinah riu. 

— Sei disso. Por falar nesse assunto, cheguei a mencionar que bolei um plano incrível? 

— Não. Plano para quê? 

— Chamar a atenção de Normani. 

Gemi por dentro. 

— Ai, Dinah, de novo? Já falamos sobre isso. 

— Eu sei, mas nunca conheci ninguém como ela. E as cosas estão diferentes... Eu estou diferente. 

— Como assim? 

— Bom, percebi uma coisa – respondeu ela, sorrindo. – O único jeito de conseguir fazer Normani gostar de mim é me transformar em uma pessoa melhor. Por isso... Resolvi adotar uma consciência social, sabe, mostrar mais participação comunitária

— Como, exatamente, planeja fazer isso? 

— Sendo voluntaria no lar para idosos. Você tem que admitir que é uma ótima estratégia.

— A maioria das pessoas não faz trabalho voluntário por uma questão estratégica, sabia? Você não deveria fazer isso por puro interesse. Mani não gostaria nem um pouco. 

— Ora, ela não sabe, sabe? De todo jeito, estou agindo pelos motivos certos. Sei que, agora, ela não me vê do jeito que eu a vejo, mas, um dia, quem sabe? Não posso esperar que do nada ela mude de ideia. Preciso mostrar que mereço. 

— Mas como vai mostrar isso a ela fingindo? – perguntei. 

— Talvez eu queira mudar de verdade. 

— Dinah... 

Ela me interrompeu. 

— Não tente me fazer desistir. Quero ir até o fim e ver no que dá. Preciso tentar. 

― Não vai dar em nada. Não pode dar em nada — pensei, recordando os avisos que recebera não muito tempo antes. 

— Você não sabe nadinha sobre a Normani – insisti. – Ela não é o que parece. Tem tanto sentimento quanto aquele anjo de pedra no jardim. 

— Como você pode falar assim? – exclamou Dinah. – Todo mundo tem sentimentos, mas algumas pessoas demora mais para serem conquistadas. Não me incomodo de esperar. 

— Está perdendo seu tempo com ela. Mani não sente as coisas como as outras pessoas.

— Se você tem certeza disso, então vou deixar para lá. 

— Desculpe. Não estou querendo te deixar chateada, mas também não quero que se iluda para mais tarde se magoar. 

— Sei que é arriscado gostar dela – reconheceu Dinah - mas esse é um risco que me disponho a correr. Além disso, é tarde demais para voltar atrás agora. Como vou gostar de alguém depois dela? 

Olhei para ela com atenção. Seu rosto transmitia tamanha franqueza que não me restou outra coisa senão acreditar. Seus olhos brilhavam de desejo. 

— Ela não deu nenhum motivo para você achar que alguma coisa pode acontecer, deu? 

— Ainda não – concordou Dinah. – Continuo esperando um sinal. 

— Por que você gosta tanto assim dela? É porque ela é bonita? 

— No princípio, era – admitiu Dinah. – Mas tem algo mais. Sempre que encontro com ela, tenho essa sensação estranha de já ter estado com ela antes. É meio assustador, mas ao mesmo tempo incrível. Às vezes parece que eu sei o que ela vai dizer ou fazer. 

Ela balançou os cachos, decidida. 

— Então, vai me ajudar? 

— O que mais eu posso fazer? – perguntei. 

— Me ajudar com o plano. Me levar da próxima vez que for a Fairhaven. 

Será que o interesse de Dinah pelo lar de idosos fazia parte do plano divino? Estávamos tentando estimular um espírito caridoso, ainda que a motivação fosse questionável. 

— Acho que isso eu posso fazer, mas prometa que não vai criar expectativas exageradas.

Quando chegou a hora de Dinah ir embora, já estava escurecendo. Normani, educadamente, ofereceu-se para levá-la de carro. 

— Não precisa – disse ela, não querendo ser um estorvo. – Vou a pé mesmo. Não é longe. 

— Não posso permitir isso – respondeu Normani, pegando a chave do jipe. – A rua não é lugar para uma jovem a esta hora da noite. 

Normani não o era do tipo de pessoa com quem dava para discutir, então Dinah apenas piscou e me deu um beijo de despedida. 

— Um sinal! – sussurrou no meu ouvido, antes de seguir  Mani até o carro, caminhando da maneira mais recatada possível em se tratando de Dinah. 

Lá em cima, no meu quarto, tentei continuar me dedicando ao poema da aula de literatura, mas descobri que estava sofrendo de um grave bloqueio. Não surgia uma única idéia na minha cabeça. Rabisquei algumas coisas, mas tudo parecia tão banal que acabava indo parar na lata de lixo. Como MGK tinha começado, eu me sentia como se o poema não fosse meu, e nada do que vinha à cabeça combinada com ele. Acabei desistindo e desci para ligar para Lauren. 


No fim das contas, minha falta de criatividade não foi um problema. 

— Tomei a liberdade de redigir o restante da primeira estrofe – anunciou MGK, quando nos sentamos juntos no fundo da classe de literatura no dia seguinte — Espero que não se importe. 

— Não, até agradeço. Posso ouvir? 

Num floreio, ele abriu a agenda na página certa. Com uma voz líquida, começou a ler: 



Ela tinha o rosto de um anjo

Em seus olhos vi espelhos

Éramos um único e mesmo ser, ela e eu.

Que da mentira nasceu. 



Ergui lentamente os olhos, incerta sobre o que eu mesma esperava. A expressão de MGK continuava amigável. 

— Muito ruim? – indagou. 

Seus olhos percorreram meu rosto em busca de uma reação. Podia jurar que eram azuis da última vez que os vi, mas hoje estavam negros como carvão. 

— Está bom – respondi debilmente. – Você tem jeito para a coisa. 

— Obrigada. Tentei me imaginar como Heathcliff escrevendo sobre Cathy. Ninguém jamais foi tão importante para ele quanto para ela. Ele a amou tanto que não sobrou para mais ninguém. 

— É um amor avassalador – concordei. 

Baixei os olhos, mas MGK pegou minha mão e, com o dedo, começou a desenhar espirais em torno do meu pulso. Seus dedos eram quentes, e os senti queimarem minha pele. Era como se ele estivesse tentando me enviar uma mensagem sem precisar falar comigo. 

— Você é linda – murmurou. – Nunca vi pele tão delicada, como uma flor. Mas suponho que você ouvi isso o tempo todo. 

Puxei minha mão. 

— Não. Nunca ouvi isso antes. 

— Gostaria de falar muito mais, se você me desse a oportunidade – disse MGK, quase em transe. – Podia lhe mostrar o que realmente é estar apaixonado. 

— Eu estou apaixonada. Não preciso da sua ajuda. 

— Podia fazer você sentir coisas que jamais sentiu. 

— Lauren me dá tudo o que quero – rebati. 

— Eu podia lhe dar prazer numa escala que você jamais imaginou – persistiu MGK, num tom hipnotizador. 

— Acho que Lauren não gostaria disso – observei com frieza. 

— Pense no que você gostaria, Camila. Parece que você conta coisas demais a Lauren. Se fosse você, passaria apenas as informações necessárias. 

Fiquei chocada com a intromissão dele. 

— Só que não sou você, e não é assim que eu faço as coisas. Meu relacionamento com Lauren se baseia na confiança, algo que aparentemente você desconhece – retruquei, na tentativa de enfatizar o abismo que nos separava em termos de moral. 

Afastei minha cadeira e me levantei. Um punhado de outros alunos virou-se para me encarar num misto de curiosidade e expectativa. Até a Srta. Castle ergueu os olhos da pilha de trabalhos que corrigia. 

— Não se zangue comigo, Mila – disse MGK, de repente suplicante. – Por favor, sente-se.

Com relutância, voltei a me sentar, mas apenas porque não queria chamar atenção e alimentar as fofocas da Bryce Hamilton. 

— Acho que não quero continuar a fazer este trabalho com você – falei. – Aposto que a Srta. Castle irá entender. 

— Não faça isso. Sinto muito. Não podemos simplesmente esquecer o que eu disse? 

Bufei, irritada, e cruzei os braços, mas a inocência estampada no rosto de MGK não era páreo para mim. 

— Preciso que você seja minha amiga – disse ele. – me dê mais uma chance. 

— Só se você prometer nunca mais me dizer nada parecido. 

— Tudo bem, tudo bem – concordou erguendo as mãos e admitindo a derrota. – Prometo. Nem mais uma palavra. 

Quando encontrei Lauren depois da aula, não mencionei a conversa com MGK. Imaginei que isso só a deixaria zangada e acabaria gerando uma discussão. Além disso, Lauren e eu já tínhamos muito em que pensar. Por que adicionar MGK à pauta? Ainda assim, esconder alguma coisa dela me causava desconforto. Mais tarde, olhando em retrospecto, percebi que era precisamente o efeito desejado por MGK. 


— Posso conversar com você sobre uma coisa? — perguntei a Lauren, enquanto estávamos deitadas na areia depois da aula. 

Pretendíamos ir direto para casa a fim de estudar para as provas do penúltimo trimestre, mas acabamos sendo desviadas pela idéia tentadora de tomar sorvete. Compramos casquinhas e pegamos o caminho mais longo para casa, margeando a praia, andando de mãos dadas. Como era de se esperar, quis molhar os pés no mar, e, quando nos demos conta, já estávamos correndo uma atrás da outra, até que Lauren me pegou e desabamos na areia. 

Lauren rolou de lado para me encarar, limpando os grãos de areia do meu nariz. 

— Você pode conversar comigo sobre o que quiser. 

— Bom... – comecei sem graça. – Não sei como abordar este assunto... E não quero que soe mal... 

Lauren sentou-se e afastou o cabelo dos olhos, assumindo uma expressão séria. 

— Você está pensando em terminar comigo? — indagou. 

— O quê? — perguntei — Claro que não. Pelo contrário. 

— Ah bom — disse ela, voltando a deitar-se e abrindo um sorriso preguiçoso. — Então, deve estar pensando em me pedir em casamento. Sabe, não estamos num ano bissexto... 

— Você não está facilitando as coisas – queixei-me. 

— Desculpe — disse ela, me olhando atentamente. — Do que você quer falar? 

— Quero saber o que você acha... Como se sente com relação a... 

Fiz uma pausa a baixei a voz. 

— À palavra que começa com S. 

Lauren apoiou o queixo na mão. 

— Sou péssima com adivinhações. Você precisa ser mais clara. 

Mudei de posição, constrangida, sem querer me expressar em voz alta. 

— Qual é a segunda letra? – perguntou Lauren, rindo e tentando me ajudar a prosseguir. 

— E — respondi —, seguido de X. 

— Você quer falar de sexo? 

— Falar, não. Só quero saber se... Bom, se você pensa nisso. 

— De onde saiu essa ideia? – perguntou Lauren com delicadeza. — Não parece coisa sua. 

— Andei falando com a Dinah, e ela achou estranho a gente nunca ter... Você sabe, nunca ter feito nada.

Lauren fez cara feia. 

— Você acha mesmo necessário contar a Dinah todos os detalhes do nosso relacionamento?

— Você não pensa em mim desse jeito? – perguntei, sentindo, de repente, uma tensão no peito. Essa possibilidade não tinha passado pela minha cabeça. — Tem algo de errado comigo? 

— Ora, claro que não! — exclamou Lauren, estendendo o braço e pegando a minha mão. — Camz, para muitos sexo é a única coisa que segura um relacionamento, mas não somos assim. Temos muito mais. Nunca toquei no assunto com você porque nunca achei necessário — disse ela, me encarando. — Garanto que você vai se surpreender, mas amo você pelo que você é, não pelo que pode me oferecer. 

— Você e Lucy tinham um relacionamento físico? – perguntei, mal tendo ouvido o que ela disse. 

— Meu Deus! – exclamou Lauren, desabando novamente na areia. — De novo não. 

— Tinham ou não? 

— Isso importa? 

— Responda! 

— Sim, tínhamos. Satisfeita? 

— Está vendo? Essa é a outra coisa que ela podia dar a você e eu não posso. 

— Camz, um relacionamento não se baseia só nisso – respondeu ela, calmamente. 

— Mas a parte física faz parte dele – protestei. 

— Claro, mas não é o mantém duas pessoas juntas ou separadas. 

— Será que não tem... necessidades? – indaguei em voz baixa. 

Lauren riu. 

— Quando conhecemos uma família de mensageiros celestiais, em geral nos esquecemos das nossas necessidades e nos concentramos no contexto mais amplo. 

— E se eu lhe dissesse que tenho vontade? – perguntei, subitamente, surpresa de ouvir as palavras saírem da minha boca. 

O que eu tinha na cabeça? Será que fazia ideia de onde estava me metendo? Tudo o que eu sabia era que amava Lauren mais do que qualquer coisa neste mundo, e ficar longe dela me causava dor física. Odiava a ideia de que houvesse alguma parte dela desconhecida para mim, uma parte dela a que eu não tivesse acesso. Queria conhecê-la do direito e do avesso, memorizar seu corpo e gravá-lo na memória. Queria me aproximar dela o máximo possível fisicamente, me fundir a ela de corpo e alma. 

— E então? — perguntei baixinho. — Você concordaria? 

— De jeito nenhum. 

— Por quê? 

— Porque acho que você não está preparada. 

— Não acha que essa decisão cabe a mim? — insisti, teimosa. — Você não pode me impedir. 

— Acho que você vai descobrir que uma andorinha só não faz verão — argumentou Lauren, afagando meu rosto. — Camz, eu adoro você e nada me faz mais feliz do que estar ao seu lado. Você é inebriante. 

— Então...? 

— Então, se quiser mesmo ir em frente, sou mais do que a favor, mas não antes de pensarmos no assunto com muito cuidado. 

— Quando?

— Quando você estiver realmente pronta para refletir e quando não estiver sob a influência da Dinah. 

Soltei um suspiro. 

— Isso não tem nada a ver com a Dinah. 

— Camz, você já pensou nas consequências de uma coisa dessas? 

— Acho que sim... 

— E não mudou de idéia? Isso é loucura. 

— Você não entende? – perguntei baixinho. – Não me importo mais. 

Ergui a cabeça para o Céu. 

— Meu lar não é mais lá. Meu lar é você. 

Lauren me envolveu nos braços e me puxou para perto de si. 

— E o meu é você. Mas eu jamais faria alguma coisa que pudesse magoá-la. Temos que obedecer às regras. 

— Não é justo. Não quero que eles governem a minha vida. 

— Sei disso, mas no momento não há nada a fazer. 

— Podíamos fazer o que tivermos vontade. 

Tentei me refrear, mas as palavras saíam descontroladas, palavras que, me dei conta, eu vinha reprimindo fá muito tempo. 

— Podíamos no mudar, podíamos esquecer que os outros existem. Podíamos nos esconder, e ninguém jamais nos encontraria. 

— Eles nos encontrariam, sim, e não estou disposto a perder você, Camz – disse Lauren, decidida. - E se isso significa obedecer às regras deles, paciência. Sei que você está zangada, mas quero que reflita sobre o que sugeriu. Pense um pouquinho. 

— Tipo uns dois dias? 

— Uns dois meses. 

Suspirei, mas Lauren se mostrou irredutível. 

— Não vou permitir que você faça, sem pensar, alguma coisa de que se arrependa depois. Vá com calma. Precisamos ter paciência e juízo. Pode fazer isso por mim? 

Encostei a cabeça em seu peito e senti a raiva reprimida abandonar meu corpo. 

— Por você, posso fazer qualquer coisa. 


— O que aconteceria se um anjo e um humano fizessem amor? — perguntei a Ally naquela noite enquanto me servia de uma caneca de leite. 

Ela me olhou atentamente. 

— Por que está me perguntando isso, Camila? Não me diga que você... 

— Claro que não — interrompi. — Só estou curiosa. 

— Bem... — começou minha irmã, pensativa. — A finalidade da nossa existência e servir a Deus ajudando os homens, não nos misturando a eles. 

— Já aconteceu alguma vez? 

— Já, com consequências desastrosas. 

— Como assim? 

— Humano e divino não devem se fundir. Se acontece, creio que o anjo perde sua divindade. Não poderia haver redenção depois de uma transgressão como essa. 

— E o humano? 

— O humano jamais poderia voltar a ter uma existência normal. 

— Por quê? 

— Porque o ato superaria todas as experiências humanas – explicou Ally 

— Ele ficaria prejudicado para toda a vida? 

— Isso mesmo. Diria que essa é uma das maneiras de interpretar a questão. Acho que seria uma crueldade, como dar a um humano um vislumbre de uma outra dimensão e depois negar-lhe acesso a ela. Os anjos existem fora do tempo e do espaço e podem viajar livremente entre os mundos. Nossa existência é praticamente incompreensível para os humanos. 

Embora o conceito fosse complexo e estivesse pouco claro para mim, de uma coisa eu sabia; não poderia ma apressar em fazer nada com Lauren, por mais que tivesse vontade. Uma união dessas era perigosa e proibida. Faria com que o Céu e a Terra se unissem de forma antinatural, provocando uma colisão de dois mundos.E pelo que Ally dissera, o impacto poderia ser potencialmente devastador. 


— Lauren e eu decidimos esperar — contei a  Dinah quando ela me encheu de perguntas na cantina da escola. 

Às vezes me dava a impressão de que ela tinha um interesse doentio pela minha vida amorosa. Eu não podia explicar o que Ally dissera, razão pela qual lhe dei o melhor motivo que me ocorreu. 

— Não precisamos fazer coisa alguma para provar o que sentimos uma pela outra. 

— Mas você não tem vontade? – perguntou Dinah. – Não está curiosa? 

— Acho que sim, mas não estamos com pressa. 

— Cara, vocês realmente vivem em outra época – observou Dinah, rindo. – Não tem quem não queira fazer isso sempre que aparece a oportunidade. 

— Fazer o quê? – indagou Veronica, surgindo por trás de Dinah chupando um pirulito. 

Balancei a cabeça para indicar que devíamos mudar de assunto, mas Dinah me ignorou. 

— Partir para o rala e rola – disse ela. 

— Nossa, está querendo sentir os dedinhos da Jauregui? – perguntou Veronica, sentando-se ao nosso lado. Devo ter ficado com uma cara assustada, porque Dinah desatou a rir. 

— Relaxe, meu bem, Vero é confiável. Talvez possa ajudar você. 

— Se tive alguma dúvida sobre sexo, sou a pessoa certa para esclarecer – garantiu Veronica.

Hesitei. Eu confiava em Dinah, mas as amigas delas tinham uma língua comprida e eram pouco discretas. 

— Tudo bem – disse eu - não é nada de mais. 

— Quer um conselho? – indagou Vero, aparentemente não se importando em saber se seu conselho era ou não bem-vindo. – Não faça isso com alguém que você ame. 

— O quê? – perguntei, encarando-a. ela havia jogado por água abaixo todas as minhas crenças com meras palavrinhas. – Você não quis dizer justo o oposto? 

— Ai, Vero, não vá dizer aquilo a ela – interveio Dinah. 

— É sério – disse Veronica, balançando um dedo diante do meu nariz. – Se você perder a virgindade com alguém que ama, vai tudo para o espaço. 

— Por quê? 

— Porque, quando acabar, você terá dado a essa pessoa algo realmente especial, e não vai poder pedir de volta. Se você tiver dado sua virgindade a alguém que não signifique nada, vai ficar menos magoada. 

— E se não acabar? – perguntei, sentindo um bolo desagradável se formar na minha garganta. 

— Acredite em mim, Camz – disse Veronica num tom solene. – Tudo acaba. 

Nesse momento fui tomada de súbito por uma vontade incontrolável de sair dali e ficar o mais afastada delas quanto fosse possível. 

— Camz, não dê atenção a ela – disse Dinah, quando me levantei. – Viu? Você assustou a garota! 

— Não estou assustada – menti, tentando manter a voz firme. – Tenho um compromisso. Vejo vocês mais tarde. Obrigada pelo conselho, Veronica. 

Apressei o passo assim que saí da cantina. Precisava encontrar Lauren. Precisava que ela me abraçasse para conseguir respirar de novo e para que seu perfume e seu toque me livrassem das violentas ondas de náuseas que irrompiam dentro de mim. Encontrei-a junto ao seu armário prestes a seguir para o treino de pólo aquático e trombei com ela, tamanha a minha ansiedade de conforto. 

— Não vai acabar, vai? — Afundei o rosto em seu peito. – Prometa que você não vai deixar que a gente acabe. 

— Camz, o que houve? – indagou Lauren, me afastando com firmeza, porém carinhosamente, e me fazendo olhar nos seus olhos. – O que aconteceu? 

— Nada – respondi com uma voz hesitante. – É que Veronica disse... 

— Camz – murmurou Lauren — quando você vai parar de dar ouvidos a essas garotas? 

— Ela disse que tudo acaba – sussurrei, sentindo os braços de Lauren ficarem tensos em torno de mim e percebendo que a idéia era tão dolorosa para ela quanto para mim. - Eu não aguentaria se isso acontecesse conosco. Tudo viria abaixo, não haveria motivo para viver. Se nós terminarmos, será o fim. 

— Não fale desse jeito – disse Lauren. – Estou aqui, e você também. Nenhuma de nós vai a lugar algum. 

— E você nunca vai me abandonar? 

— Não enquanto eu estiver viva. 

— Como vou saber se isso é verdade? 

— Porque, quando olho para você, vejo meu mundo. Não pretendo ir embora, não pretendo ir embora, não sobraria nada para mim. 

— Mas por que me escolheu? – perguntei. Eu conhecia a resposta, sabia o quanto ela me amava, mas precisava ouvir da sua boca. 

— Porque você me deixa mais próxima de Deus e de mim mesma – respondeu Lauren. – Quando estou com você, entendo coisas que jamais imaginei entender, e meus sentimentos por você parecem dominar tudo. O mundo podia desabar na minha cabeça, e eu não daria a mínima, se ainda tivesse você. 

— Quer ouvir uma coisa maluca? – sussurrei. – Às vezes, de noite, consigo sentir sua alma ao meu lado. 

— Isso não tem nada de maluco – disse ela, sorrindo. 

— Vamos criar um lugar – sugeri, colando meu corpo ao dela. – Um lugar só nosso, um lugar onde a gente possa sempre se encontrar, se as coisas derem errado um dia.

— Como nos penhascos da Costa do Naufrágio? 

— Não. Um lugar em nossa mente – respondi. – Que a gente possa visitar, caso estejamos perdidas ou distantes ou simplesmente se precisarmos entrar em contato uma com a outra. Será o único lugar onde ninguém irá nos procurar. 

— Acho ótimo – disse Lauren. – Por que não o batizamos de Ponto Branco?

— Perfeito.


Notas Finais


Até o próximo cap 😊


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