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História Halo (Camren) - Apenas Humana


Escrita por: lmfs13

Capítulo 24 - Apenas Humana


O tempo nublou no dia do enterro de Alice. O céu estava cinza, e a grama amanhecera molhada por causa da leve garoa que caíra durante a noite. Apenas um punhado de pessoas compareceu ao funeral, entre elas funcionários de Fairhaven e o padre Mel, que oficiou a cerimônia. O túmulo ficava numa colina gramada à sombra de uma árvore, e imaginei que ela gostaria de saber que sua última morada uma bela vista. 

O falecimento de Alice mexeu comigo. Fez com que me focasse novamente no propósito da nossa missão, incentivando-me a aumentar a quantidade de horas dedicadas ao serviço comunitário. Foi um gesto bem pequeno diante do contexto maior das coisas, e me senti meio tola com ele, visto que nosso objetivo era salvar a Terra das forças das trevas e dos decaídos, mas a decisão me convenceu de estar contribuindo para a nossa causa e me concentrando no que realmente importava. Lauren me acompanhava com frequencia. Sua família prestava serviço voluntário na igreja há anos, e nada disso era novidade para ela. 

— Você não precisa vir sempre comigo – disse a ela uma noite, enquanto esperávamos o trem que nos levaria ao sopão dos necessitados em Point Circe. 

— Sei disso. Eu quero ir. Fui criada acreditando na importância da comunidade. 

— Mas você já tem muita coisa para se preocupar. Não quero acrescentar mais pressão. 

— Não se preocupe. Sei administrar o meu tempo. 

— Você não tem prova oral de francês amanhã? 

— Não. Nós temos prova oral de francês amanhã. Por isso, eu trouxe isto aqui – disse ela, tirando um livro da mochila. – Podemos estudar no caminho. 

Aos poucos eu vinha me habituando aos trens, e a companhia de Lauren ajudava muito. Encontramos lugares num vagão vazio, salvo por um senhor encarquilhado que cochilava babando na cozinha. Havia uma garrafa num saco de papel entre seus pés. Abrimos o livro, e, logo após começarmos a ler, Lauren ergueu os olhos. 

— O Céu deve ser bem grande – disse ela, em voz baixa, razão pela qual não lhe pedi que evitasse aquele assunto, já que estávamos em público. – Quanto espaço seria necessário para acomodar todas essas almas? Acho que a minha cabeça não consegue entender o conceito de infinito. 

— Na verdade, existem sete reinos no Céu – retruquei de repente, querendo partilhar meu conhecimento com Lauren, embora soubesse que isso era contra as nossas regras. 

Lauren deu um suspiro e afundou no assento. 

— Logo agora que achei que estava começando a entender! Como assim, sete? 

— No primeiro Céu há apenas um trono. E os anjos que pregam a palavra do Senhor. O Pai, o Filho e o Espírito Santo habitam o sétimo Céu, que é o Reino máximo. 

— Mas por que isso? 

— Cada reino tem uma função. É como se você se esforçasse para subir até o nível do presidente da empresa. 

Lauren massageou as têmporas. 

— Tenho muito que aprender, não é? 

— É que existem inúmeras regras para memorizar – respondi. – O segundo Céu é tão distante da terra quanto o primeiro, e os anjos da direita são sempre mais gloriosos que os da esquerda. A entrada do sexto Céu é bastante complicada, e sei que tudo isso parece confuso, mas você vai acabar sabendo diferenciar por que os Céus inferiores são mais escuros se comparados ao brilho do sétimo... 

— Chega – pediu Lauren. – Pare antes que meu cérebro exploda. 

— Desculpe – disse eu, percebendo o quão rápido tinha ido. – Acho que é muita coisa para registrar.

Lauren sorriu para mim. 

— Tente lembrar que sou apenas humana. 


Lauren me convidou para assistir a seu time de rúgbi a última partida da temporada. Eu sabia que era importante para ela, então combinei de ir com Dinah e suas amigas, as Líderes de torcida habituais da Bryce Hamilton. O que algumas chamavam de espírito de equipe para mim mais parecia uma desculpa para admirar as garotas de short correndo suadas em volta de um campo. Elas sempre faziam questão de estar a postos para oferecer bebidas geladas nos intervalos, na esperança de serem recompensadas com um elogio ou, melhor ainda, um convite para sair. 

Era um jogo em casa, por isso me dirigi para o campo com Dinah e as outras meninas. O time já estava lá quando chegamos, fazendo aquecendo e usando os uniformes listrados de preto e vermelho. O adversário, a equipe da Escola Preparatória Middleton, ocupava o outro lado do campo e vestia as cores verde e amarela. 

Ouviam atentamente o treinador já vermelho como um pimentão, mas parecendo à beira de um derrame. Lauren fez um breve aceno quando me viu e continuou se aquecendo. Antes do inicio do jogo, o time da Bryce Hamilton fez uma roda e entoou uma espécie de mantra motivador sobe o poderoso exercito vermelho e preto. Correram sem sair do lugar e se abraçaram enquanto aguardavam o apito do árbitro. 

— Impressionante... — murmurou Dinah.

Assim que a partida começou, me dei conta de que nunca seria uma fã de rúgbi. Era um esporte agressivo demais, que consistia, basicamente, de jogadores trombando uns nos outros na tentativa de arrancar a bola das mãos do adversário. Vi uma das companheiras de Lauren correr pelo campo com a bola debaixo do braço. Escapou de duas jogadores da Middleton que a perseguiam obstinadas e, quando estava a poucos metros do gol, atirou-se no chão, com os braços esticados acima da cabeça. As mãos, segurando com força a bola, ultrapassavam um tantinho a linha. Uma das jogadoras da Middleton, que tinha se jogado na esperança de detê-la, aterrissou sobre ela. O time da Bryce Harnilton irrompeu em gritos e aplausos, ajudando sua jogadora a ficar de pé e lhe dando tapinhas nas costas enquanto ela cambaleava de volta ao centro do campo. 

Eu estava com os olhos tapados para evitar ver a trombada de duas jogadoras, quando Dinah me cutucou. 

— Quem é aquele cara? — perguntou, apontando para uma figura em pé do lado oposto. Era um jovem com um casaco de couro comprido. Não dava para ver seu rosto, em boa parte coberto por um chapéu de feltro e um longo cachecol. 

— Não sei — respondi. — Talvez seja o pai de alguém. 

— Um pai muito esquisito, não? — perguntou Dinah. — Por que ficar ali sozinho? 

Logo esquecemos o sujeito estranho e voltamos a assistir ao jogo. Meu nervosismo aumentava à medida que a partida prosseguia. As garotas da Middleton eram impiedosas e quase todas pareciam uns tanques. Meu coração e a minha respiração se aceleravam toda vez que uma delas se aproximava de Lauren, o que, devido à natureza do jogo, acontecia com frequência, e não era do feitio de Lauren ficar parada. Ela queria estar sempre no calor da ação, competitiva como o restante da equipe. Tive de admitir que, apesar de eu não gostar do esporte, Lauren era uma jogadora talentosa. Rápida, forte e, o mais importante, jogava limpo. Vi quando disparou na direção do gol e bateu com a bola no chão. Sempre que uma das outras a agarrava e derrubava, Lauren se punha de pé em questão de segundos. Nada tirava sua garra. Acabei relaxando e perdendo o medo de eventuais arranhões e hematomas, parando de temer por sua segurança. Comecei a sentir orgulho dela e a gritar e sacudir no ar os pompons de Dinah toda vez que a bola estava em suas mãos. 

No intervalo, a Bryce Hamilton liderava por três pontos. Lauren correu até a lateral, e fui até lá para encontrá-la. 

— Obrigada por ter vindo — agradeceu, ofegante. — Sei que essa não é a sua praia — reconheceu, me dando seu encantador meio sorriso enquanto despejava uma garrafa de água na cabeça. 

— Você foi fantástica em campo — elogiei, afastando do seu rosto o cabelo molhado que grudara em sua testa. — Mas você precisa ter cuidado. Essas garotas da Middleton são enormes. 

— Talento conta mais que tamanho — disse ela. 

Olhei, agoniada, para o corte comprido que Lauren tinha no braço. 

— Como isso aconteceu? 

— É só um arranhão — respondeu ela, rindo da minha preocupação. 

— Para você, pode ser um arranhão, mas é um arranhão no meu braço, que, por acaso, não quero ver danificado. 

—Quer dizer que tudo está tomado como propriedade de Camila Cabello, ou só o braço? 

— Cada centímetro seu. Por isso, é bom ter cuidado. 

— Entendido, treinadora. 

— Estou falando sério. Espero que você se dê conta de que nunca mais vai poder pegar no meu pé por eu não ser cuidadosa — disse eu. 

— Benzinho, os ferimentos são inevitáveis. Faz parte do jogo. Você pode dar uma de enfermeira depois, se quiser — completou, piscando para mim por cima do ombro, ao mesmo tempo que soava o sinal para o reinício do jogo. - Não se preocupe, sou invencível. 

Observei-a caminhar apressada ao encontro das companheiras e percebi que o rapaz do casaco de couro continuava de pé na lateral oposta, com as mãos enfiadas nos bolsos. Ainda não dava para ver seu rosto. 

Faltando dez minutos para o final da partida, a vitória parecia certa para os jogadores da Bryce Hamilton. O treinador adversário não parava de balançar a cabeça e enxugar o suor da testa, enquanto seus comandados se mostravam furiosos e desesperados. Não demorou para que começassem a apelar para táticas desonestas. Lauren segurava a bola e corria pelo campo, quando duas jogadoras da Middleton investiram contra ela como trens de carga, pelos dois lados. Lauren desviou, tentando evitar a colisão, mas as outras desviaram também e chegaram mais perto. Gritei quando uma delas esticou a perna e pegou Lauren pelo tornozelo. O choque a lançou à frente, cambaleante, com a bola escapando de suas mãos. Vi sua cabeça bater no chão e os olhos se fecharem de dor. As companheiras da Bryce Hamilton protestaram enfurecidas, e o juiz apitou marcando a falta, mas já era tarde demais. 

Duas jogadoras correram para ajudar Lauren. Ela tentou se levantar, mas o tornozelo esquerdo se projetava num ângulo estranho, e, ao apoiar o peso do corpo sobre o pé, Lauren fez uma careta de dor e escorregou. As companheiras a levaram a um banco, e o enfermeiro se aproximou para examinar o tamanho do estrago. Lauren parecia zonza, como se estivesse prestes a desmaiar. 

De onde eu estava, não conseguia ouvir o que diziam. Vi o enfermeiro olhar com uma lanterninha dentro dos olhos de Lauren e balançar a cabeça para o treinador. Lauren cerrou os dentes e baixou a cabeça, frustrada. Tentei passar pelas garotas para chegar até ela, mas Dinah me impediu. 

— Não, Mila, eles sabem o que estão fazendo. Você só vai atrapalhar. 

Antes que eu pudesse discutir, Lauren foi posta numa maca e levada para a ambulância, que estava de prontidão na lateral para o caso de um acidente. Permaneci ali, congelada, vendo o jogo recomeçar, passado o momento de crise. A ambulância partiu. Percebi vagamente, em meio ao meu pânico, que o rapaz na lateral do campo não estava mais lá. 

— Para onde vão levá-la? — indaguei. 

— Para o hospital, é claro — respondeu Dinah, a expressão se suavizando ao ver meus olhos se encherem de lágrimas. — Olha, não parecia muito sério, provavelmente é só uma torção. Vão enfaixar o tornozelo e mandá-la para casa. Veja — exclamou, apontando para o placar — mesmo assim vamos ganhar por seis pontos! 

Mas eu não tinha coisa alguma para comemorar, então me desculpei e parti para casa ao encontro de Normani e Ally para lhes pedir que me levassem ao hospital. Fiz contato mental enquanto corria, para o caso de não estarem em casa. Estava tão preocupada com Lauren que acabei dando um encontrão em MGK no estacionamento. 

— Nossa, alguém aqui está com pressa! — exclamou ele, me ajudando a levantar e limpando a terra do meu casaco. — O que aconteceu? 

— Lauren sofreu um acidente durante o jogo de rúgbi — expliquei, esfregando os olhos com os punhos, como uma criança. Àquela altura, eu não estava nem aí para a minha aparência. Precisava ver se Lauren estava bem. 

— Sério? Que pena. É grave? 

— Não sei — respondi, com a voz embargada. — Foi levada para o hospital para ser examinada. 

— Entendi. Garanto que vai dar tudo certo. Faz parte do jogo. 

— Eu devia ter adivinhado... — murmurei zangada, mais para mim mesma do que para ele. 

— Adivinhado o quê? — indagou MGK, observando meu rosto de perto. — Não é culpa sua. Não chore... 

Deu um passo à frente e me apertou nos braços. Seu abraço não se parecia nem um pouco com o de Lauren. Ele era magro para ter um abraço reconfortante, mas solucei rosto colado em sua camisa assim mesmo e deixei que abraçasse. Quando tentei me afastar, percebi que seus braços me apertavam forte e tive dificuldade para me soltar deles. 

— Desculpe — disse MGK, com um olhar estranho. — Só quero ter certeza de que você está bem. 

— Obrigada, MGK, mas realmente preciso ir — insisti, as lágrimas me ardendo nos olhos e as palavras se atropelando. 

Subi correndo a escadaria principal da escola e atravessei o corredor central, agora deserto, onde avistei com enorme alívio Ally e Normani vindo na minha direção. 

— Ouvimos você chamar — disse Ally, quando abri a boca para lhe contar a história. 

— Sabemos o que houve. 

— Preciso ir agora para o hospital. Posso ajudá-la! — gritei. 

Normani impediu que eu passasse e me segurou pelos ombros. 

— Camila, acalme-se! Você não pode fazer isso agora. Ela já está sendo atendida.

— Por que não? 

— Pense, Camila! — exclamou Ally, exasperada. — Ela já foi levada para o hospital, os pais dela já foram chamados. Se o ferimento sarar miraculosamente, que reação você acha que as pessoas vão ter? 

— Mas ela precisa de mim! 

— Ela precisa que você tenha juízo e aja com bom senso — disse Normani. — Lauren é jovem e saudável. Seu ferimento será curado naturalmente, sem levantar suspeitas. Se você quiser apressar o processo depois, tudo bem, mas no momento tente manter a cabeça fria. Ela não corre perigo. 

— Posso ao menos ir vê-la? — indaguei, odiando o fato de elas terem razão, o que significava que a recuperação de Lauren levaria mais tempo. 

— Pode. Iremos as três. 

Não gostei do hospital da cidade. Era cinzento e inóspito, e os sapatos das enfermeiras rangiam no chão de linóleo. Pude sentir o sofrimento e o sentimento de perda no ar assim que atravessei as portas automáticas. Sabia que havia aqueles que não se recuperariam, vítimas de acidentes de carro ou de doenças incuráveis. A todo momento, alguém poderia perder a mãe ou o pai, o marido, o irmão ou o filho. Dava para sentir a dor aprisionada entre aquelas paredes como se fosse um tapa no rosto. Esse era o lugar de onde muitos embarcavam na viagem para o Céu. Lembrei-me das várias almas cuja transição fui capaz de amenizar. É impressionante o número de pessoas que recuperam a fé em seus últimos dias na Terra. Existem muitas almas com uma necessidade desesperada de orientação, de conforto, e é meu dever atendê-las. Porém, como de hábito, no momento em que vislumbrei mentalmente o rosto de Lauren, quaisquer noções de responsabilidade ou culpa sumiram, e só conseguia pensar em encontrá-la. 

Segui Ally e Normani a passos largos pelo amplo corredor com iluminação fluorescente e mobília hospitalar. Lauren ocupava um quarto no quinto andar. Quando chegamos, toda a sua família estava de saída, enchendo o corredor. 

— Mila! — exclamou Clara ao me ver. 

Imediatamente fui cercada pelos membros da família de Lauren, todos eles fornecendo informações sobre seu estado de saúde. Normani e Ally observavam, curiosas. 

— Obrigada por ter vindo, querida — disse Clara. — Saiam de cima dela! Lauren está bem, Mila, não se preocupe tanto. Um pouco de ânimo vai fazer bem a ela. 

Lançando um olhar inquiridor para Normani e Ally,  Clara comentou. 

— Estas devem ser suas irmãs. 

Estendeu-lhes a mão, e minhas irmãs retribuíram o cumprimento. 

— Estamos de saída. Entre, Mila. Ela vai gostar de vê-la — completou ela. 

Uma cama estava vazia e a outra tinha as cortinas fechadas. 

— Toc, toc — disse baixinho. 

— Camz? - indagou Lauren lá de dentro. — Entre! 

Ela estava recostada em travesseiros, usando uma pulseirinha azul em volta do pulso. 

— Por que demorou tanto? — perguntou, os olhos se iluminando ao me verem. 

Corri até a cama, segurei seu rosto nas mãos e a examinei. Mani e Ally esperavam lá fora, sem querer se intrometer. 

— Invencível, hein? Como está seu tornozelo? 

Ela ergueu uma bolsa de gelo para mostrar o tornozelo extremamente inchado. 

— Tiraram radiografias e viram que está quebrado. Vão ter que engessar assim que o inchaço passar. Parece que vou andar de muleta durante algum tempo. 

— Bom, isso é ruim, mas não o fim do mundo. Vou ter a oportunidade de cuidar de você, para variar. 

— Vou ficar boa — disse Lauren. — Vou ter que passar a noite aqui em observação, mas terei alta pela manhã. Só não posso pôr o pé no chão durante algumas semanas...

— Que ótimo! — comentei, radiante. 

— Tem mais uma coisa. 

Lauren fez uma expressão constrangida, quase envergonhada de admitir uma fraqueza. 

—O que é?

— Aparentemente, tenho uma concussão — disse ela, enfatizando a palavra "aparentemente", como se não levasse a coisa a sério — Disse que estou bem, mas eles não quiseram me ouvir. Preciso ficar na cama alguns dias por ordem médica. 

— Parece sério — comentei. — Você está bem? 

— Estou ótima, a não ser por uma dor de cabeça bem forte. 

— Tudo bem, eu cuido de você. Não me importo. 

— Camz, você está se esquecendo de uma coisa. 

— Eu sei, eu sei. Você não gosta de se sentir uma inválida. Mas esse é o resultado quando se entra num jogo violento como... 

— Não, Camz, você não está entendendo — interveio Lauren balançando a cabeça, frustrada. — A festa de formatura é na sexta-feira. 

Senti um aperto no estômago. 

— Não ligo a mínima! — exclamei, com uma falsa animação. — Eu não vou. 

— Você tem que ir. Está esperando essa festa há semanas, Ally fez o seu vestido, as limusines foram alugadas, e todo mundo espera que você vá. 

— Mas só quero ir se for com você. Do contrário, a festa tem graça nenhuma. 

— Lamento que isso tenha acontecido — disse Lauren, cerrando o punho. — Sou uma idiota. 

— Lauren, a culpa não foi sua. 

— Eu devia ter sido mais cuidadosa. 

A raiva desapareceu do seu rosto, e sua expressão se suavizou. 

— Por favor, não deixe de ir. Para eu não me sentir tão culpada. Não quero que você perca a festa por minha causa. Embora não estejamos juntas, ao menos você vai poder se divertir. Esse é o acontecimento do ano, e quero que você me conte cada detalhe depois. 

— Não sei... 

— Por favor, faça isso por mim. 

Revirei os olhos. 

— Bom, com essa chantagem emocional, não posso me recusar. 

Eu sabia que Lauren se sentiria culpada pelos próximos cinco anos se eu faltasse à festa de formatura por sua causa. 

— Então, estamos combinadas? 

— Tudo bem, mas saiba que vou pensar em você a noite toda. 

Ela sorriu. 

— Não se esqueça de tirar fotos. 

— Promete passar lá em casa no dia, antes da festa? Para me ver com o vestido? 

— Eu não perderia isso por nada no mundo. 

— Detesto largar você aqui, sem ninguém para lhe fazer companhia — queixei-me, afundando na cadeira ao lado da cama. 

— Vou ficar bem sozinha — tranquilizou-me. — E se conheço a minha mãe, ela provavelmente vai trazer um colchonete e passar a noite aqui. 

— Mas você tem que se ocupar com alguma coisa. 

Lauren apontou com a cabeça para a mesinha de cabeceira, onde um livro grosso de capa preta com letras douradas se encontrava aberto. 

— Posso ler a Bíblia e saber mais sobre a danação eterna. 

— Essa é a sua ideia de diversão? — perguntei com sarcasmo. 

— É uma história um bocado dramática. O bom e velho Lúcifer apimentando um pouquinho as coisas. 

— Você conhece a história toda? — indaguei. 

— Sei que Lúcifer era um arcanjo — respondeu ela, enquanto eu erguia uma sobrancelha, surpresa. — Ele saiu feio da linha. 

— Isso quer dizer que você prestou atenção ao catecismo — comentei, brincando. — O nome dele significa "doador da luz". No Reino, era o favorito do Nosso Pai, Foi criado para ser o máximo da beleza e da inteligência; era consultado quando havia problemas e adorado pelos outros anjos. 

— Mas não estava satisfeito — acrescentou Lauren. 

— Não. Tornou-se arrogante e ressentido com os humanos, não entendia por que Nosso Pai achava que eles eram Sua maior criação. Acreditava que apenas os anjos deviam ser exaltados e começou a achar que podia desbancar Deus. 

— Foi aí que levou um chute. 

— Isso. Nosso Pai ouviu seus pensamentos e o expulsou, juntamente com seus seguidores, que se tornaram demônios. Lúcifer conseguiu o que queria e tornou-se a contraparte do Nosso Pai, governante do Mundo Inferior, e todos os outros anjos caídos viraram demônios. 

— Você sabe como é lá embaixo? — indagou Lauren. 

— Não, mas Normani sabe. Ela conheceu Lúcifer. Eram irmãos, mas ela jamais toca no assunto. 

A conversa foi abruptamente interrompida quando Normani e Ally puxaram a cortina para ver como a paciente estava. 


— Você está falando sério? — perguntou Dinah, horrorizada. — Achei que a ida dela para o hospital fosse só por precaução. Ela teve mesmo uma concussão? Isso é uma catástrofe! Você vai ter que ir à festa de formatura sozinha! 

Comecei a me arrepender de ter dado a notícia. A reação de Dinah não era animadora. A festa de formatura deveria ser uma noite mágica, partilhada com Lauren e planejada por mim para jamais ser esquecida. Agora, estava arruinada. 

— Eu não queria ir. Só vou porque Lauren me pediu. 

Ela deu um suspiro. 

— Que gracinha. 

— Também acho, e por isso não ligo de ir desacompanhada. 

— Vamos pensar em alguma solução — disse Dinah para me tranquilizar. — Deve haver alguém para substituí-la de última hora. Deixe comigo. 

Captei o que ela estava pensando. No começo da festa quando os casais entrassem juntos, seriam fotografados por profissionais. Chegar sozinha, para ela, seria o equivalente a um suicídio social. 

Na verdade, Dinah não precisava ter se preocupado em encontrar uma solução, pois ela se apresentou naquela mesma tarde. 

Eu estava sentada com MGK em nosso lugar habitual, no fundo da classe de literatura. Ele rabiscava em sua agenda, calado, enquanto eu tentava me concentrar na estrofe final do nosso poema. 

— Isso é um bocado difícil, já que você começou. — queixei-me. 

— Minhas sinceras desculpas — respondeu MGK com o exagero de costume. — Mas sinta-se livre para adotar uma certa licença criativa. Não leve uma eternidade, Mila. Nem estou ligando para essa tarefa. Vamos acabar logo para poder falar de assuntos mais interessantes. 

— Não posso ser pressionada — repliquei num tom rude. — Não sei quanto a você, mas eu quero me sair bem neste trabalho. 

— Por quê? Você não está precisando de nota. 

— Como assim? Por que não? 

— Sair-se bem é um dom. A Srta. Castle gosta de mim — disse ele, com um sorriso superior e ignorando a minha pergunta, antes de voltar a escrever em sua agenda. Não perguntei o que estava escrevendo, e ele não se ofereceu para dar qualquer informação. 

A sugestão feita por ele libertou minha imaginação, e foi bem mais fácil compor o verso seguinte, já que podia escrever sobre Lauren. Bastou fazer um retrato mental do seu rosto, e as palavras fluíram como se a caneta tivesse vida própria. Na verdade, a estrofe de quatro versos que me cabia acabou parecendo pouco. Senti como se pudesse encher todos os cadernos do mundo com meus pensamentos sobre Lauren. Poderia preencher páginas e mais páginas descrevendo sua voz, seu toque, seu cheiro e todos os outros detalhes. Assim, antes que pudesse perceber, meu texto fluente já enchia a folha logo abaixo da caligrafia rebuscada de MGK: 


Ela tinha o rosto de um anjo

Em seus olhos vi espelhos

Éramos um único e mesmo ser, ela e eu,

Que da mentira nasceu.

Nela vi meu futuro

Nela vi um anjo

Nela vi meu destino

Vi meu início e meu fim. 


— Funciona — disse MGK. — Talvez haja um lado poeta em você no fim das contas. 

— Obrigada — agradeci. — O que você anda tão ocupado escrevendo? 

— Comentários... Observações — respondeu MGK. 

— O que observou até agora? 

— Que as pessoas são muito ingênuas e muito previsíveis. 

— Isso é uma crítica? 

— Acho patético — disse ele, de um jeito tão amargo que cheguei a me encolher. — Avaliá-las é tão fácil que sequer é um desafio. 

— As pessoas não existem para diverti-lo — protestei. — Elas não são um passatempo. 

— Para mim, são. A maioria é um livro aberto... Menos você. Você me confunde. 

— Eu? Indaguei, fingindo rir. — Não há nada em mim para confundi-lo. Sou exatamente igual a todo mundo. 

— Não exatamente. 

Lá estava MGK sendo enigmático de novo. Começava a ficar perturbador. 

— Não sei do que você está falando — insisti, mas tive que virar o rosto para que ele não visse minhas bochechas ficarem vermelhas. 

— Se você pensa assim... — concluiu MGK, deixando o assunto morrer. 

Alicia e Alexandra se aproximaram e esperaram que ele as cumprimentasse. 

— O que foi? — perguntou MGK, ao perceber que as duas não faziam menção de ir embora. Eu nunca o vira usar um tom tão ríspido. 

— A gente vai se ver hoje à noite? — sussurrou Alicia. 

MGK fitou-a, exasperado. 

— Vocês não viram a minha mensagem? 

— Vimos. 

— Então, qual é o problema? 

— Nenhum — respondeu Alicia, com uma expressão mortificada. 

— Então encontro as duas mais tarde — disse ele calmamente. 

As meninas trocaram sorrisos velados e voltaram a seus lugares. MGK deu de ombros em resposta ao meu olhar inquisidor, como se dissesse que estava tão atônito quanto eu com a atenção das duas. 

— Ansiosa para sexta-feira? — perguntou, mudando de assunto. — Soube que, devido a um pequeno percalço esportivo, perdeu sua companhia. É uma pena ela deixar você na mão. 

Seus olhos escuros brilharam, e ele arreganhou levemente os dentes, sarcástico. 

— As notícias correm rápido por aqui — comentei num tom neutro, optando por ignorar sua gozação. Agora que estava mais preocupada do que animada com a festa, o lembrete não era bem-vindo – Quem você vai levar? – perguntei por educação. 

— Também vou fazer um voo solo. 

— Por quê? E o seu fã-clube? 

— Fãs são aceitáveis apenas em pequenas doses. 

Inconscientemente, suspirei fundo. 

— A vida é injusta, não é? 

Estava me esforçando ao máximo para encarar a situação de forma positiva, mas aparentemente não ia funcionar. 

— Não precisa ser desse jeito — disse MGK. — Sei que todo mundo espera comparecer a uma festa dessas de braço dado com pessoa amada, mas às vezes é preciso ser pragmático, principalmente quando a pessoa amada pertence a outra pessoa. 

Seu discurso exagerado conseguiu me fazer sorrir. 

— Assim está melhor — disse ele. — Tristeza não lhe cai bem — comentou, ajeitando-se na cadeira. — Camila, sei que não sou sua primeira opção, mas você me daria a honra de ser seu acompanhante na festa de modo a ajudá-la a contornar seu infortúnio momentâneo? 

Talvez fosse uma generosidade genuína, mas não me senti bem em aceitar. 

— Não sei — respondi. — Obrigada por se prontificar, mas preciso conversar sobre isso com Lauren. 

MGK assentiu. 

— Claro. Mas saiba que o convite está de pé, caso decida aceitá-lo.


Quando abordei o assunto com Lauren ela não hesitou. 

— É claro que você deve ir com outra pessoa. 

Ela estava recostada no sofá, de frente para a televisão. Seu tédio era visível. Para alguém tão ativa, assistir à televisão de tarde era uma alternativa muito ruim. Vestia um moletom cinza e estava com o tornozelo apoiado numa almofada. Parecia inquieta e não parava de mudar de posição. Não se queixava, mas eu sabia que sua cabeça ainda latejava devido ao impacto da trombada. 

— É um baile. As pessoas vão para dançar — prosseguiu com um sorriso animador. — Você vai precisar de um par, já que estou inutilizada. 

— Está bem — concordei, falando devagar. — E o que acha de o meu par ser MGK? 

— Sério? — indagou, deixando de sorrir e apertando o olhar quase imperceptivelmente. — Algo não me agrada naquele cara. 

— Bem, foi ele quem me convidou. 

Lauren deu um suspiro. 

— Camz, qualquer um agarraria a chance de acompanhar você. 

— Mas MGK é meu amigo. 

— Tem certeza? — perguntou Lauren. 

— O que quer dizer com isso? 

— Nada, é que você o conhece há pouco tempo. Alguma coisa nele não cheira bem. 

— Lauren... — Peguei a mão dela e a encostei no meu rosto. — É só uma noite. 

— Sei disso, Camz. E quero que você aproveite ao máximo a festa de formatura. Só preferia que fosse com outra pessoa... Qualquer outra. 

— Não importa com quem eu vá. Vou pensar em você o tempo todo. 

— Muito bem, me convença com elogios — disse Lauren, sorrindo novamente. — Se tem certeza sobre MGK, vá com ele. Só não se comporte como se estivesse comigo. 

— Como se alguém pudesse se comparar a você! 

Ela se inclinou para me beijar e, como sempre, um beijo não foi o bastante. Desabamos no sofá, deslizei minhas mãos em seus cabelos, e ela me envolveu pela cintura. Nossos corpos se colaram. Na mesma hora, nós duas percebemos o tornozelo engessado projetando-se num ângulo estranho e caímos na gargalhada.


Notas Finais


Camila indo ao baile com o MGK
Lauren machucada...
Estranho não?


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