Por mais que eu tentasse, não conseguia aceitar a sugestão de Normani de aguardar orientação divina. Não era da natureza dela reagir com tanta cautela, o que me dizia tudo que eu queria saber: que MGK representava uma ameaça séria, e eu não podia cruzar os braços enquanto Dinah estava em suas garras.
Dinah foi a primeira amiga que fiz em Venus Cove. Me pôs debaixo da sua asa, confiou em mim e se esforçou para me ver aceita. Se Normani - logo ela - não se sentia segura para agir sozinha, então algo estava muito errado. Por isso, não pensei duas vezes. Sabia exatamente o que fazer.
— Vou ao armazém — avisei a Normani, tomando cuidado para manter uma expressão impassível para que ela não detectasse a mentira.
Minha irmã franziu a testa.
— Não é preciso. Ally fez compras ontem.
— Bem, preciso distrair a cabeça de toda essa situação com MGK — argumentei, tentando uma tática diferente. Normani me lançou um olhar fixo, com uma expressão séria e os olhos desconfiados. Contar mentiras a ela nunca era fácil.
— Preciso sair um pouco de casa.
— Então vou com você — disse ela. Não quero você sozinha na rua nas atuais circunstâncias...
— Não vou sozinha — insisti. — Lauren vai comigo. Além disso, volto logo, no máximo em dez minutos
Senti-me péssima mentindo descaradamente para ela, mas não havia alternativa.
— Não se preocupe tanto - disse Ally para Mani, dando uma palmadinha em seu braço. Ela confiava em mim com mais facilidade. — Um pouco de ar fresco fará bem às duas.
Normani estalou a boca e entrelaçou as mãos atrás da cabeça.
— Está certo. Mas voltem direto para casa.
Dei a mão a Lauren e a empurrei em direção à rua. Ela ligou o carro sem falar nada. Pedi que virasse à esquerda no final da rua.
— Você tem um péssimo senso de direção — brincou ela, dando um sorriso que não condizia com seu olhar.
— Não estamos indo ao armazém.
— Sei disso. E acho que você é louca.
— Preciso fazer algo — confessei baixinho. — Vidas já foram perdidas por causa de MGK. Jamais nos perdoaríamos se Dinah fosse a próxima.
Lauren não se convenceu.
— Camz, você acha realmente que vou levá-la ao encontro de um assassino? O sujeito é perturbado. Você ouviu o que o sua irmã disse.
— Não se trata mais de mim. Não estou preocupada.
— Pois eu, sim! Será que não percebe o risco que está correndo?
— Mas é minha obrigação! Por que acha que me mandaram para cá? Não foi para vender adesivos e trabalhar no sopão. A hora é esta, este é o nosso desafio! Não posso vacilar por excesso de medo.
— Talvez Normani tenha razão. Às vezes o medo é um bom conselheiro.
— E às vezes você precisa pegar o touro à unha — insisti.
Lauren se irritou.
— Escute aqui, eu vou ao cemitério e trago a Dinah. Você fica aqui.
— Ótima ideia — observei com sarcasmo. — Se há uma pessoa que MGK odeia mais que a mim, é você. Venha comigo ou volte para casa. Seja como for, eu vou ajudar a Dinah. Vou entender se você não quiser participar...
Lauren fez uma curva abrupta na esquina seguinte e continuou dirigindo, em silêncio. À nossa frente havia um trecho reto da estrada. Reparei que as casas ficavam mais escassas à medida que seguíamos.
— Aonde você for, vou junto — disse ela.
O cemitério ficava no final de uma estrada larga e comprida, na saída da cidade. Paralelamente, corria uma ferrovia desativada, com vagões abandonados e corroídos pelo tempo. Os únicos prédios vizinhos eram velhas mansões caindo aos pedaços, com varandas cobertas de mato e janelas tapadas com tábuas.
O cemitério era da época em que a cidade começara a ser ocupada, mas tinha crescido bastante desde então, refletindo a chegada de ondas de imigrantes. A ala mais nova continha monumentos de mármore e santuários, todos meticulosamente conservados. Em vários dos santuários havia fotos dos mortos cercadas de velas que tremeluziam em vidros foscos, assim como pequenos altares, crucifixos e imagens de Jesus Cristo e da Virgem Maria com as mãos unidas em oração.
Lauren estacionou o carro do outro lado da rua, ligeiramente afastado do portão principal, para não chamar atenção. A essa hora do dia, os portões ficavam abertos, então atravessamos a rua e entramos. À primeira vista, o lugar parecia tranquilo. Vimos um visitante solitário e uma mulher idosa vestida de preto, cuidando de uma das sepulturas mais recentes. Ela limpava o revestimento de vidro e substituía as flores já murchas por um ramo de crisântemos frescos, aparando os caules com uma tesoura. Estava tão absorta em sua tarefa que mal notou nossa presença. No mais, o lugar parecia deserto, a não ser por um ou outro corvo voando em círculos no céu e o suave zumbido de abelhas em torno dos arbustos de lilases. Embora não houvesse qualquer movimento humano, senti a presença de várias almas perdidas que assombravam o lugar onde haviam sido enterradas. Gostaria de parar e ajudá-las em sua jornada, mas tinha coisas mais urgentes na cabeça.
— Sei onde poderemos encontrá-los — disse Lauren, seguindo à minha frente para a parte mais antiga do cemitério.
Ali, uma cena diferente nos aguardava. Os túmulos eram velhos e abandonados, seus arremates de ferro batido cobertos de ferrugem. Um emaranhado de hera, com o passar do tempo, sufocara qualquer outra vegetação que possa ter havido ali e crescia indomado, enroscando as gavinhas obstinadas nas hastes de ferro, como se fossem cordas. Esses túmulos eram mais modestos e ficavam no chão. Alguns não ostentavam senão uma placa para identificar seu ocupante. Vi um trecho de grama cheio de pequenos cata-ventos e brinquedos de borracha que há muito tinham perdido o aspecto brilhoso e me dei conta de que se tratava da ala infantil. Parei para ler uma das lápides:
“Amelia Rose, 1949-1949, aos cinco dias de vida”.
Pensar nessa alminha que alegrou a Terra durante meros cinco dias me encheu de uma tristeza indescritível.
Lauren e eu seguimos caminhando em meio às lápides em ruínas. Poucas se encontravam intactas. A maioria afundara na grama, com as inscrições já desbotadas e quase ilegíveis. Outras não passavam de um emaranhado de pedras quebradas e mato. De vez em quando, topávamos com a escultura de um anjo, algumas enormes, outras pequenas, mas todas com semblante sombrio e braços abertos, como se dessem as boas-vindas.
Enquanto caminhava, eu estava ciente dos corpos que havia debaixo daquelas camadas de pedras lascadas. Minha pele formigava. Não eram os seres adormecidos sob nossos pés que me perturbavam, e sim o que poderíamos descobrir cada vez que virávamos uma esquina. Pude sentir o arrependimento de Lauren quanto à decisão de vir comigo, mas ela não demonstrava qualquer sinal de medo.
Paramos de súbito ao ouvir o som de vozes. Pareciam entoar algum tipo de lamento fúnebre. Prosseguimos um passo após o outro, até que o volume das vozes aumentou e nos escondemos atrás de um enorme vidoeiro. Espreitando por entre os galhos, avistamos um pequeno grupo. Calculei que devia haver umas 25 pessoas ali. MGK estava de pé sobre um túmulo coberto de musgo diante delas, as pernas afastadas e as costas retas como uma tábua. Vestia um casaco de couro preto e tinha um pentagrama invertido preso a um cordão no pescoço. Na cabeça, usava um chapéu de feltro cinza. Reconhecia aquele chapéu de algum lugar. Sua imagem despertou uma lembrança guardada no meu subconsciente. Então, atinei: a figura estranha e solitária no jogo de rúgbi. Ele surgira nas laterais, com o rosto encoberto, e, depois que Lauren se machucou, desapareceu como fumaça. Isso significava que MGK orquestrara a coisa toda! A ideia de que ele tentara ferir Lauren fez com que uma raiva ardente pulsasse em meu corpo, mas tentei abafá-la. Mais do que nunca, era preciso manter o sangue-frio.
Atrás de MGK, havia um anjo de três metros de altura feito de pedra. Acho que era uma das coisas mais assustadoras que eu já tinha visto na minha estada na terra. Apesar de se parecer com um anjo, transmitia uma sensação sinistra. Seus olhos eram pequenos, e ele tinha enormes asas negras que se destacavam majestosamente nas costas de um corpo imponente, que parecia capaz de esmagar qualquer coisa ou pessoa. Uma longa espada de pedra se encontrava presa à cintura musculosa. MGK estava sob sua sombra, como se o anjo o protegesse.
O grupo formava um semicírculo à sua volta. Seus componentes usavam roupas estranhas, alguns com capuzes que lhes encobriam totalmente o rosto e outros com trajes de renda preta esfarrapada e correntes, as faces brancas como giz e os lábios pintados de vermelho-sangue. Não davam a impressão de interagir, mas se aproximavam de MGK, um por um, faziam uma reverência e depositavam uma oferenda a seus pés. Era um espetáculo deplorável no meio da tarde, sob a claridade suave do sol. Perguntei-me como e com que tipo de promessas MGK afastara esses jovens de suas atividades normais para se juntarem a ele aqui e perturbar os que já se foram.
MGK ergueu as mãos, e o grupo ficou imóvel. Ele jogou o chapéu para o lado, parecia quase um selvagem. Quando falou, sua voz deu a impressão de sair do próprio anjo de pedra.
— Bem-vindos ao lado negro — disse ele, soltando uma gargalhada macabra. — Embora eu prefira imaginá-lo como o lado divertido. — Ouviram-se murmúrios de admiração entre os seguidores. — Posso garantir a vocês que nada é mais gratificante do que o pecado. Por que não nos voltarmos para o prazer, se a vida nos trata com tamanha indiferença? Estamos aqui, todos nós, porque queremos nos sentir vivos!
Ele passou a mão magra na pedra áspera da coxa do anjo e voltou a falar, com a voz escorrendo como uma substância pegajosa.
— Dor, sofrimento, destruição e morte são como música para nossos ouvidos, como doce para nosso paladar. É o que nos nutre, o que alimenta nossas almas. Vocês precisam aprender a rejeitar uma sociedade que promete tudo e não dá nada. Estou aqui para lhes mostrar como construir um significado próprio, por meio do qual irão se libertar dessa prisão onde todos se encontram acorrentados como animais. Vocês foram criados para governar, mas se tornaram tolos e fracos. Reivindiquemos nosso poder sobre a Terra!
Ele olhou para o grupo e sua voz tornou-se, repentinamente, aduladora como a de um pai persuadindo um filho. Sua mão agarrou o punho da espada de pedra do anjo.
— Vocês estão indo bem até agora, e estou satisfeito com esse progresso. Mas chegou a hora de dar adeus aos passos de formiga. Incito vocês a fazerem mais, a serem mais e a se livrarem dos grilhões que os prendem à sociedade bem-comportada. Invoquemos os espíritos perturbados da noite para nos ajudarem.
Suas palavras provocaram uma espécie de transe nos seguidores, como se eles tivessem se submetido a uma hipnose em massa. Jogando a cabeça para trás, eles começaram a dizer coisas incoerentes para o ar, alguns sussurrando, outros urrando. Era um som cheio de dor e vingança.
MGK deu um sorriso de aprovação e, em seguida, consultou seu relógio de ouro.
— Não temos muito tempo. Vamos ao trabalho. — Examinou, então a multidão. — Onde estão? Tragam-nos a mim.
Duas figuras foram empurradas, caindo aos pés de MGK. Ambas usavam casacos com capuz. MGK agarrou a mais próxima e tirou-lhe o capuz, revelando o rosto comum de um garoto que reconheci da escola, um aluno bastante reservado, que era discreto e fazia parte do clube de xadrez. Não tinha olheiras, e seus olhos eram verde-claros, e não pretos, como os dos demais. Apesar da aparência saudável, ele parecia abalado.
MGK pôs a mão na cabeça do garoto.
— Não tenha medo — ronronou numa voz sedutora. — Estou aqui para ajudá-lo.
Lentamente começou a desenhar sinais em espiral no ar, acima do garoto ajoelhado. De onde eu estava agachada, vi o garoto seguir os movimentos da mão de MGK e examinar os rostos de seus seguidores, obviamente tentando avaliar a gravidade da situação. Talvez estivesse se perguntando se aquele não seria apenas um trote mais elaborado, um rito de iniciação que precisava ser enfrentado para obter a aceitação do grupo. Temi que se tratasse de algo bem mais sinistro.
Então, um dos seguidores entregou um livro a MGK. Era encadernado em couro preto e tinha as páginas amareladas.
MGK ergueu o livro em reverência e o deixou cair, aberto. Na mesma hora, uma rajada de vendo balançou as árvores e levantou poeira em torno das lápides atarracadas. Reconheci o livro pelas aulas a que assisti em meu outro lar.
— Não! — murmurei.
— O quê? — Lauren também ficou alarmada quando pôs os olhos no livro. — O que é aquilo?
— Um grimório — respondi. — Um livro de magia negra. Contém instruções para invocar espíritos e ressuscitar os mortos.
— Você só pode estar brincando. — Lauren parecia a ponto de se beliscar para tentar acordar do pesadelo em que caíra inesperadamente. Fiquei chocada com a sua inocência e quase morri de culpa por tê-la arrastado até ali. Mas não era hora de perder a cabeça.
— Este é um mau sinal — comentei. — Os grimórios são muito poderosos.
Ainda sobre o túmulo, o peito de MGK começou a arfar quando a cantoria cresceu em ritmo e veemência, à medida que ele lia o livro. Abrindo os braços, exortou:
— Exorior meus atrum amicitia quod vindicatum is somes.
Aquilo era latim, mas não se assemelhava a nada que eu já tivesse ouvido antes; fora alterado, e, não sei como, eu sabia que era a línguagem do submundo.
— Is est vestri pro captus - entoou MGK, com as mãos contraidas no ar.
— O que ele está dizendo? — sussurrou Lauren.
Fiquei surpresa ao descobrir que podia traduzir perfeitamente aquelas palavras.
— Aproxima-te, amigo sombrio, e reivindica este corpo. Ele é teu, toma-o.
Os seguidores o observavam prendendo a respiração. Ninguém se mexia, ninguém emitia um som, sem ousar interromper qualquer que fosse o processo sobrenatural em curso.
Lauren estava tão hipnotizada a meu lado que precisei tocar sua mão para me assegurar de que ela continuava consciente. Ambas demos um salto quando um som como o de uma pedra se partindo encheu o ar e tivemos que resistir ao impulso de tapar os ouvidos. Era um ruído estridente, como o de unhas arranhando um quadro-negro. O barulho cessou de repente, e uma nuvem de fumaça negra saiu da boca do enorme anjo de pedra. A fumaça desceu na direção de onde MGK estava e pareceu sussurrar em seu ouvido. MGK agarrou a cabeça do garoto e a inclinou para trás, obrigando-o a abrir a boca.
— O que você está fazendo? — perguntou o rapaz.
A nuvem negra pareceu rodopiar por um instante no ar antes de mergulhar na boca aberta do garoto e lhe descer pela garganta. MGK soltou-o, e o menino imediatamente emitiu um urro gutural. Agarrou a própria garganta e enfiou as unhas no corpo enquanto sofria uma convulsão, caído no chão. Seu rosto contorceu-se como se estivesse em profunda agonia. A meu lado, senti o braço de Lauren estremecer de raiva.
O garoto ficou deitado imóvel e, um instante depois, sentou-se e olhou à volta, com a expressão desnorteada transformando-se numa de prazer. MGK estendeu-lhe a mão e o pôs de pé. O garoto flexionou o corpo como se o descobrisse pela primeira vez.
— Seja bem-vindo de volta, amigo — disse MGK, e, quando o garoto se virou, vi que seus olhos verdes estavam negros como piche.
— Não acredito que eu não tenha percebido isso antes — me recriminei, pondo a cabeça entre as mãos. — Fiz amizade com ele, quis ajudá-lo... Eu devia ter pressentido que era um demônio.
Lauren pôs a mão no meu ombro.
— A culpa não é sua. — Seus olhos percorreram a congregação reunida aos pés de MGK. — São todos demônios?
Balancei a cabeça.
— Acho que não. MGK parece estar invocando espíritos vingativos para possuírem seus seguidores.
— Isso vai de mal a pior — murmurou Lauren. — De onde vêm esses espíritos? São os corpos enterrados nestas covas?
— Acho difícil — respondi. — Provavelmente são as almas dos amaldiçoados do submundo, bem diferentes dos demônios. Um demônio é uma criatura criada pelo próprio Lúcifer, e só adora a ele. É o mesmo que acontece com os anjos do Céu. Existem milhões de almas que vão para o Céu, mas elas não se tornam anjos. Anjos e demônios jamais foram humanos. Pertencem a uma classe diferente.
— Esses espíritos ainda são perigosos? — indagou Lauren. — O que acontece às pessoas que eles possuem?
— O maior objetivo deles é causar destruição. Quando se apoderam do corpo de um humano, são capazes de obrigar essa pessoa a fazer qualquer coisa. É como se duas almas ocupassem o mesmo corpo. A maioria pode sobreviver, a não ser que o espírito tenha a intenção de danificar seu corpo. Eles não representam grande ameaça para nós, pois nosso poder é muito maior que o deles. MGK é o único que devemos temer.
Lauren e eu nos calamos quando MGK recebeu a vítima seguinte. Mas eu não estava preparada para o que iria acontecer. Quando MGK baixou o capuz da figura à sua frente, vi uma familiar cascata de cachos e um par de olhos esbugalhados e temerosos.
— Não se preocupe, minha querida — disse MGK, descendo lentamente o dedo pelo pescoço de Dinah até o peito. — Não vai doer muito.
Agarrei o braço de Lauren.
— Precisamos detê-lo. Não podemos deixar que faça mal a Dinah!
O rosto de Lauren estava pálido.
— Também quero acabar com MGK, mas, se interrompermos agora, não teremos como ganhar de todos eles. Precisamos das suas irmãs — disse ela, balançando a cabeça.
Percebi que Lauren finalmente reconhecera que não poderia derrotar MGK sozinha. Dominada pelo ciúme e pelo desejo, uma das seguidoras de MGK atirou-se no chão e começou a se debater, com os olhos revirados, de forma que era possível ver suas pupilas, e a boca se abrindo e fechando. Identifiquei-a na mesma hora. Era Alexandra, da minha turma de literatura. MGK se abaixou e fez cessar sua agitação agarrando-a pelos cabelos com uma das mãos. Correu um dedo, sugestivamente, pelo pescoço exposto até a boca, onde parou. Ela respirava de forma pesada, e seu corpo arqueou-se contra o dele em êxtase, mas MGK se afastou e usou a ponta da bota para traçar uma linha de cima a baixo no corpo dela.
— Vamos embora — sussurrou Lauren. — Não dá mais para aguentar isso.
— Não posso ir sem a Dinah.
— Camz, MGK não pode saber que estamos aqui.
— Não posso deixá-la, Lauren.
Ela soltou um suspiro.
— Está bem, acho que tive uma ideia para resgatá-la, mas você terá que confiar em mim e me ouvir. Um movimento errado pode custar a vida dela.
Fiz que sim com a cabeça e esperei que Lauren prosseguisse, mas um grito de gelar o sangue chamou minha atenção. Dinah estava de joelhos, com a mão de MGK agarrando com força a parte de trás do pescoço dela. A nuvem negra saía da boca do anjo de pedra. O rosto de Dinah estava pálido de dor e perplexidade, mas seus olhos continuavam fixos em MGK. Não consegui continuar olhando. Saí aos tropeços de trás da árvore, ignorando o grito de protesto de Lauren.
— O que está fazendo? — gritei. — Pare, MGK! Solte a Dinah!
Quando olhei para MGK, seu rosto estava contorcido de fúria. Senti a presença de Lauren a meu lado. Ela se interpôs protetoramente entre mim e MGK.
Ao vê-la, a raiva de MGK pareceu dissipar-se e ele cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha, numa expressão de quem estava se divertindo.
— Ora, ora. O que temos aqui? O Anjo da Misericórdia e sua...
— Dinah, desça daí — gritou Lauren, e ela obedeceu sem dizer uma palavra, atônita demais para esboçar qualquer tipo de reação. MGK fechou a cara.
— Não se mexa — ordenou, e Dinah congelou.
— Você! - Apontei um dedo para MGK. — Sabemos o que você é.
Ele bateu palmas de forma lenta e zombeteira.
— Muito bem, nota dez. Você é uma detetive de primeira linha.
— Não vamos deixar que você se safe — disse Lauren. — Somos quatro, e você é um só.
MGK soltou uma gargalhada, apontando para o grupo em torno de si.
— Na verdade, existem muitos de nós, e o número cresce a cada dia — corrigiu, rindo. Ao que tudo indica, sou muito popular.
Fitei-o horrorizada, percebendo que o pouco de otimismo que me restara se esvaía por completo.
— Vocês e suas boas ações não têm chance alguma — ameaçou MGK. É melhor desistirem.
— Nem pensar — rosnou Lauren.
— Que gracinha! — rebateu MGK. — A garota humana acha que pode defender o anjo.
— Acredite. Eu posso e vou.
— Você acha, realmente, que é capaz de me fazer algum mal? — indagou MGK.
— Tente feri-la e você vai descobrir — respondeu Lauren. Os lábios de MGK se contraíram, revelando dentes pequenos e afiados.
— É bom saber que está brincando com fogo — alertou.
— Não tenho medo de me queimar — provocou Lauren.
Os dois se encararam durante um bom tempo, como se um estivesse desafiando o outro a agir primeiro. Dei um passo à frente.
— Solte a Dinah — pedi. — Não há necessidade de machucá-la. Você não tem nada a ganhar com isso.
— Posso soltá-la de bom grado — concordou MGK sorrindo —, com uma condição...
— E qual é? — quis saber Lauren.
— Ficar com Mila no lugar dela.
O corpo de Lauren se enrijeceu de ódio, e seus olhos verdes faiscaram.
— Vá para o inferno!
— Pobre humana impotente — zombou MGK. — Você já perdeu um amor e agora vai perder outro.
— O que você disse? — perguntou Lauren, estreitando a vista. — Como você sabe isso?
— Ora, eu me lembro muito bem dela — respondeu MGK, sorrindo de um jeito doentio. — Lucy, não é mesmo? Você nunca estranhou o fato de toda a família sobreviver, menos ela?
Lauren parecia prestes a vomitar. Agarrei sua mão, enquanto MGK prosseguia.
— Foi facílimo... Bastou amarrá-la à cama, enquanto a casa era consumida pelas chamas. Todo muito achou que ela morreu dormindo, ninguém a ouviu gritar por causa do barulho do fogo ardendo.
— Seu filho da puta!
Lauren foi na direção de MGK, mas não foi muito longe. MGK sorriu com arrogância e seus dedos se contraíram. Antes que pudesse alcançá-lo, Lauren dobrou-se de dor, apertando o estômago. Tentou se endireitar, mas MGK atirou-a no chão com um movimento do pulso.
— Lauren! — gritei, correndo até ela. Senti seus ombros estremecerem de dor. — Deixe-a em paz! implorei a MGK. — Pare, por favor!
Mentalmente, tentei invocar a ajuda de Deus recitando, silenciosamente, uma prece.
— Pai Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra, livrai-nos do mal. Enviai Vosso espírito para nos ajudar e convocai os anjos da salvação. Pois Vosso é o reino, o poder e a glória para sempre...
Os poderes de MGK, porém, encobriram a minha prece como se uma névoa negra e espessa se abatesse sobre mim, obrigando as palavras a grudarem em minha mente até eu ficar com a cabeça a ponto de explodir. MGK se alimentava de sofrimento e dor, e eu sabia que não seria capaz de derrotar alguém como ele sozinha. Lauren tinha razão. Quisera eu tê-la ouvido. Já que ninguém viria em meu socorro, só havia um jeito de ajudar Lauren e Dinah.
— Fique comigo! — gritei, abrindo os braços.
— Não! — exclamou Lauren, fazendo grande esforço para ficar de pé. Infelizmente, ela não era páreo para a força maléfica de MGK e voltou a desabar no chão.
Não hesitei. Corri e me atirei no meio do círculo. O grupo se fechou em torno de mim, entoando os cânticos numa voz enlouquecida, até MGK erguer a mão ordenando que recuassem.
Estendi a mão para Dinah e consegui empurrá-la para longe das garras de MGK.
— Corra! — gritei, quase sem fôlego.
Senti o ar me fugir dos pulmões quando MGK me alcançou. A névoa negra me envolveu, e caí no chão, batendo forte com a cabeça na quina da base de pedra da estátua do anjo. Devo ter me cortado, pois senti um filete de sangue quente escorrer pela sobrancelha. Tentei me levantar, mas meu corpo se recusou a obedecer. Era como se a energia tivesse sido drenada de mim até a última gota. Abri os olhos e vi MGK de pé ao meu lado.
— Minhas irmãs jamais deixarão você se safar dessa — murmurei.
— Acho que já me safei — rosnou MGK. — Dei a você a oportunidade de se juntar a mim, e você, boba, rejeitou.
— Você é maligno. Jamais me juntaria a você.
— Ah, ser travesso pode ser tão bom... — gargalhou MGK.
— Prefiro morrer.
— E de fato vai.
— Afaste-se dela — gritou Lauren, com a voz embargada de dor. Continuava ferida no chão e incapaz de se mexer. — Não ouse tocá-la!
— Ora, cale a boca! — cortou MGK. — Seu rostinho bonito não pode salvá-la agora.
A última coisa de que me lembro, antes de tudo escurecer, é do brilho ávido nos traiçoeiros olhos azuis de MGK e da voz de Lauren a me chamar.
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