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História Halo (Camren) - Pequenos Milagres


Escrita por: lmfs13

Capítulo 5 - Pequenos Milagres


Com o jantar terminado e a louça lavada, Normani levou um livro para a varanda embora a luz do dia já estivesse se esvaindo, enquanto Ally continuava a limpar a casa, passando pano em superfícies já imaculadas. Ela começava a ficar obsessiva em sua mania de limpeza, mas isso poderia ser simplesmente o jeito que ela encontrara de se sentir mais perto de casa. Olhei em volta da cozinha procurando algo que eu pudesse fazer. No Reino, o tempo não existia, e portanto não precisava ser preenchido. Encontrar coisas para fazer era muito importante na Terra. Era o que dava sentido à vida. 

Normani deve ter notado minha inquietação, porque pareceu mudar de ideia quanto à leitura e sua cabeça apareceu pela porta. 

— Por que não saímos todos para dar uma volta e ver o pôr do sol? — sugeriu. 

— Grande ideia. — Na mesma hora fiquei mais animada. — Você vem, Ally? 

— Não antes de ir lá em cima pegar algo mais quente para vestirmos — disse ela. — Fica muito frio à noite. 

Revirei os olhos por sua demonstração de cautela. Eu era a única que sentia frio e já tinha vestido o casaco. Ally e Normani tinham treinado seus corpos para manter a temperatura normal em visitas anteriores, mas eu ainda tinha um longo caminho a percorrer. 

— Você nem vai sentir o frio — contestei. 

— A questão não é essa. Podemos ser vistas não sentindo frio e chamar atenção. 

— Ally está certa — disse Mani. — É melhor não arriscar. 

Ela subiu e voltou com dois casacos pesados. 

Nossa casa ficava no alto da colina, e tínhamos que descer serpeando uma série de degraus de madeira cheios de areia antes de chegar à praia. Os degraus eram tão estreitos que era preciso andar em fila indiana. Não pude evitar pensar quão mais conveniente seria se pudéssemos simplesmente abrir as asas e num voo rasante descer na areia. Não articulei meu pensamento para Normani nem para Ally, certa do sermão que se seguiria se eu o fizesse. Eu sabia quão perigoso era voar naquelas circunstâncias, um modo certo de acabar com nosso disfarce. Então descemos todos aqueles 107 degraus mortais antes de chegar à praia. 

Tirei os sapatos para apreciar a sensação dos grãos macios sob meus pés. Havia tantas coisas para perceber na Terra... Até a areia era complexa, de cor e textura varáveis e bastante iridescente onde o sol batia. Além da areia, vi que a praia guardava outros pequenos tesouros, conchas peroladas, cacos de vidro arredondados pelo movimento da água, uma ou outra sandália meio enterrada ou uma pá abandonada, e minúsculos sirizinhos brancos que corriam para dentro e para fora de buracos do tamanho de uma ervilha nas piscinas formadas pelas pedras. Estar tão perto do oceano era um prato cheio para os sentidos — o mar parecia rugir como algo vivo enchendo minha mente com o barulho que diminuía e tornava a aumentar inesperadamente. O ruído feira meus ouvidos, e o ar penetrante e salgado irritava minha garganta e meu nariz. O atrito do vento deixava meu rosto rosado e ardendo. Mas por fim eu estava amando cada momento da experiência de ser humana. Em cada parte dessa experiência havia uma novidade. 

Caminhamos pela praia, perseguidos pelas ondas espumosas da maré crescente. Apesar da minha decisão de manter o autocontrole, não consegui resistir ao impulso súbito de jogar água em Ally com o pé. Prestei atenção para ver se ela ficara irritada, mas ela apenas se certificou de que Normani estava distante de nós o suficiente para não notar antes de retaliar com um chute na minha direção, levantando um arco de água que se dispersou como jóias acima da minha cabeça. Nossa risada chamou a atenção de Normani, e ela balançou a cabeça admirada com nossas palhaçadas. Ally piscou para mim e apontou para ela. Eu sabia o que ela tinha em mente e estava felicíssima de obedecer. Normani mal notou o peso extra quando pulei nas suas costas e abracei seu pescoço. Aguentando meu peso com facilidade, ela começou a ccorre pela praia tão depressa que o vento assobiava no meu ouvido. Nas costas dela, eu me sentia mais próxima de como eu era antes. Sentia-me mais perto do Céu e quase conseguia acreditar que estivesse voando. 

Normani parou bruscamente, e eu a larguei, caindo com um baque na areia molhada. Ela pegou umas tiras pegajosas de algas e atirou-as em Ally, acertando-a em cheio no rosto. Ela cuspiu quando sentiu o gosto amargo e salgado dos sargaços na boca. 

— Espere só — cuspiu ela. — Você vai se arrepender disso! 

— Acho que não — provocou Normani. — Primeiro você teria que me pegar. 

Durante o pôr do sol, ainda havia algumas pessoas na praia principal, aproveitando o retinho da luz do dia antes que o vento gelado chegasse, exatamente como Ally previra, ou calmamente curtindo um piquenique. Ali perto, mãe e filha guardavam suas coisas. A menina, que tinha no máximo cinco ou seis anos, correu toda chorosa para a mãe. Tinha um calombo no bracinho gorducho, provavelmente em consequência de uma picada de inseto, que ficara mais irritado depois que ela coçara. A menina chorava cada vez mais, enquanto a mãe procurava uma pomada na bolsa, sem poder acudir a filha. Pegou um tubo de gel de babosa, mas não conseguiu acalmar a menina. Ela se contorcia tanto que não deixava a mãe aplicar o gel. 

A mãe pareceu agradecida quando Ally se abaixou para consolar a menina. 

— É uma picada feia — disse baixinho. 

A voz de Ally na mesma hora acalmou a menina, que ficou olhando para ela como se uma velha conhecida estivesse à sua frente. Ally destampou o tubo e passou gel na pele irritada. 

— Isso deve ajudar — disse. 

A menina olhava para ela assombrada, e vi seus olhos piscarem para o espaço acima da cabeça de Ally, onde estava o halo. Normalmente, só nós conseguíamos ver o halo. Seria possível que a garotinha, com uma consciência infantil mais desenvolvida, tivesse pressentindo a aura de Ally? 

— Melhorou? — perguntou Ally. 

— Bastante — respondeu a menina. — Você usou alguma mágica? 

Ally riu. 

— Eu tenho um toque mágico. 

— Obrigada pela ajuda — disse a jovem mãe, observando confusa enquanto a vermelhidão e o inchaço no braço da filha sumiam diante dos seus olhos, até não haver mais nada senão a pele macia e perfeita. — Esse gel é realmente bom. 

— Não tem de quê — disse minha irmã. — Incrível o que a ciência é capaz de fazer hoje em dia. 

Sem perder tempo, prosseguimos pela praia em direção à cidade. 

Quando chegamos à rua principal, já eram nove horas, mas ainda havia gente circulando, embora fosse um dia de semana. O centro da cidade era um lugar pitoresco, cheio de lojas antigas e cafés que serviam chá e bolos confeitados em peças de porcelana descombinadas. As lojas estavam todas fechadas, exceto pelo único pub que havia ali e pela sorveteria. Mal tínhamos caminhado alguns metros quando ouvi uma voz estridente chamando, por sobre os acordes da cantora que tocava banjo na esquina. 

— Mila! Aqui! 

A princípio, eu sequer me dera conta de que a pessoa estava me chamando. Ninguém jamais me chamara de Mila. O nome que eu recebera no Reino nunca forma modificado; sempre foi Camila. Havia uma intimidade em “Mila” que me agradou. Ally e Normani pararam simultaneamente. Quando me virei, vi Dinah com um grupo de amigos sentada num banco em frente à sorveteria. Ela usava um vestido de frente única que era completamente inadequado para o clima, e estava no colo um garoto de cabelo queimado pelo sol e bermuda tropical. As mãos largas do garoto afagavam as costas nuas dela com movimentos longos e ritmados. Dinah acenava freneticamente, me chamando. Olhei insegura para Ally e Normani. Elas não pareciam felizes. Este era exatamente o tipo de interação que queriam evitar, e vi Ally se contrair diante do alvoroço que Dinah estava fazendo. Mas tanto ela quanto Mani sabiam que ignorar Dinah dessa forma seria um desrespeito às regras da cortesia. 

— Não vai nos apresentar à sua amiga, Camila? — perguntou Ally. 

Ela pôs a mão no meu ombro e me guiou até onde Dinah e seus amigos estavam sentados. O surfista pareceu irritado quando Dinah se desvencilhou dele, mas logo se distraiu olhando descaradamente boquiaberto para Ally e Normani, reparando na simetria de seus corpos. Quando Dinah viu minhas irmãs de perto, seu rosto assumiu exatamente a mesma expressão de assombro que eu vira o dia inteiro na escola. Esperei que ela dissesse algo, mas ela não disse. Em vez disso, abria e fechava a boca como um peixe, antes de se controlar o suficiente para me dar um sorriso amarelo. 

— Dinah, essas são Ally e Normani, minhas irmãs — disse depressa. 

Os olhos de Dinah iam do rosto de Normani ao de Ally, e ela só conseguiu gaguejar um "oi" antes de desviar o olhar envergonhada. Aquilo me surpreendeu bastante. Eu a observara o dia inteiro falando livremente com os garotos e garotas na escola, jogando charme para atraí-los e depois se afastando como uma borboleta exótica. 

Normani cumprimentou Dinah da mesma maneira que cumprimentava todas as pessoas que lhe eram apresentadas — com uma polidez impecável e uma expressão que era simpática, mas ao mesmo tempo distante. 

— Prazer em conhecê-la — disse, abaixando ligeiramente a cabeça em reverência. 

Ally foi mais calorosa e abriu um sorriso simpático para Dinah. A pobre menina parecia ter acabado de ser atingida por uma tonelada de tijolos. 

Gritos estridentes vindos de fora da nossa roda puseram fim ao constrangimento. A confusão era causada por um grupo de rapazes corpulentos saindo do pub, tão embriagados que ou não tinham consciência do barulho que faziam, ou simplesmente não ligavam. Dois andavam em círculos encarando um ao outro com os punhos cerrados e os rostos contraídos, e ficou claro que uma briga estava prestes a começar. Algumas pessoas que curtiam um café ao ar livre entraram no pub em busca de segurança. Normani deu um passo à frente, de modo que Dinah, Ally e eu ficássemos protegidas atrás dela. Um dos homens, barbado e com uma cabeleira preta desgrenhada, tentou acertar o outro. Ouviu-se um estalo quando um punho acertou uma mandíbula. O outro investiu, derrubando o adversário, enquanto o resto da roda lhes dava gritos de apoio. 

Uma expressão de repulsa passou pelo semblante, em geral impassível, de Normani. Alguns curiosos estavam confusos, perguntando-se o que ela estava fazendo no meio da briga. Normani agarrou o homem de cabelos pretos e o fez ficar em pé sem dificuldade, apesar do peso dele. Levantou o outro, cujo lábio já estava inchado e sangrando, e ficou entre os dois. Um deles tentou bater em Normani, que interceptou o soco no ar com uma expressão impassível. Irritados com a intromissão, os dois uniram forças e dirigiram sua raiva combinada contra ela. Tentaram furiosamente bater nela, mas nenhum soco atingia o alvo. Ainda assim, Normani mal se mexera. Por fim, os dois se cansaram e desabaram no chão, com o peito arfando devido ao esforço. 

— Vão para casa — disse Normani, com a voz ecoando como um trovão. Era a primeira vez que ela falava com eles, e a autoridade em sua voz fez com que adquirissem rapidamente uma postura mais sóbria. Eles continuaram ali por mais um instante, como se tivessem avaliando as opções, depois saíram cambaleando, amparados pelos amigos e ainda resmungando e xingando baixinho. 

— Uau, isso foi incrível! — Exclamou Dinah, entusiasmada quando Normani voltou para perto de nós. — Como fez isso? Você é faixa preta em caratê ou algo assim? 

Normani dispensou a atenção. 

— Sou uma pacifista. Não há honra alguma na violência. 

Dinah tentou encontrar uma resposta adequada. 

— Bem... quer ficar aqui com a gente? — perguntou afinal. — O sorvete de menta com flocos daqui é uma loucura de tão bom. Toma, Mila, prova... 

Antes que eu pudesse recusar, ela se debruçou e meteu a colher na minha boca. Imediatamente algo frio escorregadio começou a se dissolver na minha língua. Parecia estar mudando de forma — passando de uma consistência sólida aveludada para uma líquida que ia escorrendo pela garganta. O frio me deu dor de cabeça, e engoli o mais depressa que pude. 

— É ótimo — admiti. 

— Eu disse. Deixa eu pegar um para você... 

— Acho que temos que ir para casa — interrompeu Normani bruscamente. 

— Ah... certo, claro — disse Dinah. 

Vi que ela tentava esconder o desapontamento e senti pena. 

— Talvez uma outra hora — sugeri. 

— Claro — disse ela mais otimista, dando as costas para os amigos. — Vejo você amanhã, Mila. Ei, espere, já ia me esquecendo. Eu trouxe uma coisa para você. — Ela tateou o interior da bolsa e sacou um tubo de brilho para os lábios Sorvete de Melão, igual ao que eu experimentara na escola. — Você disse que tinha gostado, então comprei um. 

— O-obrigada, Dinah — gaguejei. Eu acabara de receber meu primeiro presente terreno e estava comovida com a consideração dela. — Você foi um amor. 

— Não foi nada. Espero que goste. 

Não houve um comentário sequer sobre a minha nova amizade com Dinah na volta para casa, embora visse Ally e Normani trocarem olhares expressivos algumas vezes. Estava cansada demais para tentar decifrar o que queriam dizer. 

Quando me preparei para deitar naquela noite, me olhei no espelho que ia de um lado ao outro da parede do banheiro. Precisei me acostumar a ver minha própria imagem. No Reino, víamos os outros, mas nunca a nós mesmos. Às vezes, víamos nosso reflexo nos olhos de alguém, mas ainda assim era uma imagem indistinta, como o esboço rudimentar de um artista que ainda carece de cor e detalhes. 

Adquirir a forma humana significava dar uma forma de carne e osso ao esboço. Eu via cada fio de cabelo, cada poro com toda a clareza. Comparada às outras garotas de Venus Cove, eu sabia que devia parecer estranha. Tinha a pele branca enquanto elas exibiam um grande bronzeado. Meus olhos eram grandes e castanhos; minhas pupilas, muito dilatadas. Dinah e suas amigas pareciam nunca se cansar de mexer e experimentar com os cabelos, mas eu usava os meus simplesmente repartidos no meio, caindo em ondas castanhas naturais. Eu tinha uma boca carnuda em um tom coral que, mais tarde ficaria sabendo, podia dar a impressão de que eu estava emburrada, mesmo eu sendo uma grande palhaça.

Suspirei, dei um nó no cabelo no alto da cabeça e vesti meu pijama de flanela com estampa em preto e branco de vacas dançando. Mesmo com uma experiência limitada do mundo, eu tinha dúvidas de que qualquer outra garota em Venus Cove pudesse ser flagrada usando algo tão brega. Ally o comprara para mim, e era a roupa mais confortável que eu possuía. Mani ganhara um semelhante, com uma estampa de barcos a vela, mas eu ainda não a vira vestido com ele. 

Fui para o meu quarto, satisfeita com sua elegância simples. Eu gostava especialmente das portas-janelas estreitas que davam para a pequena sacada, de abri-las um pouco e me deitar embaixo do toldo de musselina, ouvindo os barulhos do mar. Era sossegado ali, com o cheiro de maresia e o som do piano que Normani tocava lá embaixo. Eu sempre adormecia ouvindo os acordes de Mozart, ou o rumor da voz das minhas irmãs. 

Espreguicei-me, deleitada com a textura dos lençóis novos. Fiquei surpresa ao descobrir quão convidativa era a perspectiva do sono, já que não tínhamos muita necessidade de dormir. Eu sabia que Ally e Normani só iam para a cama de madrugada. Mas eu achara o dia exaustivo e cheio de interações novas e desconhecidas. Bocejei e me encolhi de lado, com a cabeça ainda rodando, cheia de idéias e perguntas que meu corpo exausto optou por ignorar. 

Enquanto tentava pegar no sono, imaginei uma estranha entrando de mansinho no meu quarto. Senti seu peso quando ela sentou na beira da cama, calada. Estava certa de que ela me observava dormir, mas não me atrevia a abrir os olhos porque sabia que ela demonstraria ser um produto da minha imaginação, e eu queria que a ilusão continuasse mais um pouco. A garota esticou a mão para tirar uma mecha de cabelo dos meus olhos e depois se inclinou para beijar minha testa. O beijo dela era como ser tocada pelas asas de uma borboleta. Não me alarmei; eu sabia que poderia confiar minha vida a essa estranha. A ouvi se levantar para fechar as portas da sacada antes de se virar para sair. 

— Boa noite, Camila — sussurrou a voz rouca de Lauren Jauregui, — Tenha bons sonhos. 

— Boa noite, Lauren — eu disse com voz sonhadora, mas, quando abri os olhos, vi que o quarto estava vazio. A essa altura minhas pálpebras estavam muito pesadas para se abrirem, e a luz fraca do abajur e o barulho do mar se desvaneceram quando um sono profundo e tranquilo me venceu.


Notas Finais


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