1. Spirit Fanfics >
  2. Harpia >
  3. XII - Conversando

História Harpia - XII - Conversando


Escrita por: monecasssa

Notas do Autor


Boa leitura!

Capítulo 12 - XII - Conversando


Narrador

   A menina sentia todo o seu corpo pesado, mas nem isso a impediu de abrir os olhos, verificando que não estava na casa dos Frozzo, tampouco no lugar mágico, calmo e ao mesmo tempo sombrio; então... Onde estaria?

   Luna piscou os olhos um par de vezes e se sentou na ponta da cama onde estava deitada, observando que já era noite. Ao seu redor, um dos  quartos da casa de Filippo servia de aposento para a harpia e a moça, vendo que tinha uma varanda, se levantou e caminhou até lá para absorver todo o ar gelado da noite calma mas totalmente escura devido as nuvens rosadas que denunciavam a quantidade de chuva que estaria por vir. Certamente não seria uma noite para voar.

   - Ah? Voar? - repetiu em voz alta, se assustando logo de seguida - Eu não estou transformada! - ela rolou os olhos por toda a extensão do próprio corpo, com sua mente num misto de êxtase e surpresa. – Afinal, onde eu estou?

   - Na minha casa. - o mago se materializou bem próximo a ela, de modo a que Luna sentia a respiração congelante no seu ombro.

   Assustada, rapidamente se afastou, olhando para trás e vendo-o com sua expressão autoritária e fria. Tudo na sua vida tinha que envolver esse homem?

   - Porque estou aqui? Não me lembro de ter vindo parar na sua casa. - buscou pelas recentes memórias. - Eu estava... Eu estava num lugar diferente... Nem parecia pertencer a esse mundo. - seus olhos perderam o foco enquanto se lembrava perfeitamente da onda de visões perturbadoras, porém logo se recompôs ao sentir o par de mãos grandes segurando seus ombros. A jovem ergueu as esferas escuras para ele e pôde ver sua expressão zangada mas com um resquício de preocupação. Filippo culpava intensamente Saar por ter ativado o poder da dor silenciosa em sua criança. - O que aconteceu? - ela quis saber, após se recuperar.

   - Te encontrei desmaiada na floresta e achei melhor cuidar de você pela noite.

   - E você acha que uma mentira dessas vai me fazer confiar em você?

   O soldado a pegou ao colo, sentando-a na cama.

   - Você estava delirando, como posso garantir alguma coisa se tudo o diz estava apenas em sua mente?

   - Eu já estou meia que cansada desses joguinhos, Filippo. - sem perceber, ela usou o primeiro nome dele, que conseguiu esconder o leve tremor de sua pele. A maneira como ela se refere a mim...  - Já te vi desaparecer e aparecer na minha frente por duas vezes, já vi a magia de seus olhos e sei que anda me observando, caso contrário não teria me salvado na floresta e no lago d’Averno, matando aquele crocodilo. Eu sei que você é um bruxo e, estar aqui com você depois das grandes árvores me levarem para algum lugar completamente desconhecido, comprova tudo o que eu disse. - se levantou da cama, dando dois passos até estar de frente para ele. - E um detalhe muito importante, - acrescentou - Está de noite, no entanto eu estou na minha forma humana... – ele inclinou a cabeça, sorrindo pela rapidez de raciocínio da sua criança - Seria completamente insano achar que, o feiticeiro que me amaldiçoou, me deu uma noite como humana? Retirando a maldição para que pudesse “cuidar de mim”?

   O moreno não respondeu de imediato. Era a hora ideal para assustá-la e cumprir com aquilo que sempre quis: levar a pequena à loucura devido as confusões sobre a própria vida, porém, Filippo não estava mais com essa vontade mas sim curioso por saber como uma simples humana mortal pudera entrar no universo místico sem ao menos precisar do portal dos magos. E ainda tinha as palavras de Saar... Seria Luna aquilo por que a tanto tempo esperavam? Não, ela era só uma pobre humana amaldiçoada.

   - Você vai confirmar o que eu disse? - ela insistiu, tirando o mago de seus pensamentos.

   - Já parou para pensar no quão ridícula você parece, criança?

   A garota sorriu pelo nariz, completamente sem humor nenhum. Ela estaria mesmo desafiando-o?

   - Ridículo é você. Eu tenho nojo de você. - a garota rematou, mas imediatamente teve seus músculos imobilizados pelas mãos sólidas. Luna tentou se mexer mas não foi capaz de mover um milímetro que fosse, seu corpo tinha se travado totalmente. Isso só podia ser mais um truque de magia.

   - Você tem que aprender a me respeitar. Se você ao menos se comportasse... - ele aproximou, encostando os lábios no ouvido feminino para a seguir sussurrar. - Caso contrário eu não vejo outra alternativa a não ser te matar.

   Luna arregalou os olhos. Claro que ele poderia fazer isso! Se ele lhe retirou os movimentos, o que custava lançar-lhe um feitiço que retirava a capacidade de respirar?

   Filippo entendeu o assombro pelo brilho assustados dos olhos da criança. Ele poderia divertir-se com isso mas não o faria.

   O homem se afastou da moça e lhe devolveu os movimentos. Completamente desiquilibrada, a romana caiu aos pés do misterioso, agradecendo e praguejando ao mesmo tempo.

   - Odeio você. - sussurrou baixinho, ainda no chão.

   - Vá para a cama dormir.

   A harpia se levantou, olhando para o leito onde a minutos atrás estava. Ela não queria obedecê-lo, nem iria, apenas trataria de ficar mais calma para evitar que o seu fim fosse breve.

   O mago a observou, tentanto descobrir o quê de tão especial ela tinha. A moça não passava de uma simples e mortal humana, porquê ele simplesmente não conseguia acabar com alguém tão teimoso e desafiador? Já o fizera antes, porquê simplesmente não conseguia agora?

   Contudo, sua atenção foi focada quando ela passou pela cama e andou até a varanda. A jovem apoiou as mãos na barra de ferro e baixou a cabeça; imediatamente seus olhos se umideceram e gotinhas caíram nas costas das mãos apoiadas.

   Tanta coisa nova estava acontecendo, tudo na sua vida mudara desde quando o viu pela primeira vez no centro de Nápoles. Em poucos meses ela tinha encontrado um homem grego que seria seu futuro marido, tinha visto a mulher que a pôs no mundo, tinha sofrido uma tentativa de estupro, tinha conhecido uma harpia como ela, tinha visto a magia bem de perto, tinha desejado um homem pela primeira vez, tinha ido a um local completamente mágico – mesmo que sua mente doesse até agora por se lembrar, e o mais extraordinário: estava vivendo a primeira noite como humana.

   Um sorriso emoldurou os lábios em meio a lágrimas. O mago observava calado porém com os pensamentos a mil: nenhuma pessoa havia mexido tanto com o seu psicológico como essa humana.

   - Foi você. - ela quebrou o silêncio. Sua voz embargada o fez aproximar mais. - Aquela mulher pediu a você que... – a mais nova se virou, encontrando os olhos tão distintos dele. - Porquê você não me matou? Teria sido tão mais simples...!

   - Se tivesse matado aquela criança, eu teria vindo a arrepender-me depois.

   Ela se deixou cair de joelhos, seus dedos se amaranharam no cabelo castanho solto. - O que você quer comigo? O que eu tenho seu?

   - Na verdade, - o homem se apoiou no ferro da varanda, olhando para o horizonte escuro. - Eu que tenho algo seu.

   - Então fique com isso! Não me devolva! Apenas lance um feitiço e apague as memórias que tenho de você! - a pequena fungou. - Eu não consigo ter paz depois do dia que te conheci. Você está sempre ocupando a minha mente! Apenas... Pare.

   O pescoço dele virou na direção da que estava no chão. O estado dela era no mínimo lastimável e ainda assim triste para uma jovem, mas ela pertencia-lhe e Filippo era egoísta para deixá-la ir depois de tanto tempo se sentido incompleto.  

   - Lamento. Você é minha. - murmurou enquanto se curvava na frente dela, tocando com a ponta dos dedos no rosto avermelhado. Luna ergueu seu olhar, admirada pelo mago ter limpado uma lágrima que escorria em sua bochecha. - Você nasceu para ser minha. E nada vai te tirar de mim.

   A moça fechou os olhos; seu coração palpitava mais depressa ao sentir a respiração fria do mago em seu rosto. Entretanto surpreendeu-se quando ele tomou suas mãos.

   - Vem. - ele a segurou nos braços e a deitou na cama, cobrindo. - Durma, Luna. Apenas durma.

   A moça respirou fundo e olhou uma última vez para ele. A seguir se aninhou nos travesseiros, fechou os olhos e se acalmou até adormecer.

 

Filippo

   A respiração dela estava suave e baixa, com certeza já tinha adormecido.

   Enchi até a metade do meu copo com alguma bebida forte e me sentei na espreguiçadeira de vime na varanda. A noite agradavelmente fria embalava os meus pensamentos abarrotados da lembrança que ela me dava; aquela pele morena pelo sol e os olhos escuros eram um fascínio para mim.

   Luna se incrustava cada vez mais na minha mente e de uma maneira assustadora. Nunca na vida pensei em uma mulher com a intensidade como penso nela. A garota era a primeira que eu sentia a necessidade de algo mais a não ser apenas o corpo.

   Suspirei e bebi mais um gole da mistura alcoólica. Uma corrente de ar mais frio varreu a minha varanda e junto com ela, as complicações da minha mente. Respirando profundamente, fechei os olhos por uns segundos. Contudo, a minha audição captou a respiração próxima de alguém. Era ela. Porém não abri os olhos: a romana estava ali me observando.

   Senti seus passos cautelosos em minha direção e, quando estava próxima, uma de suas mãos retirou o copo das minhas.

   Mantive os meus olhos fechados ainda, apenas atento em cada movimento da pequena.

   Demorou uns segundos até a minha pele ser coberta por uma manta de lã quente. A mulher consertou o tecido em minhas pernas e depois o puxou para me cobrir o peito; o rosto feminino estava próximo ao meu porque eu sentia perfeitamente a respiração um pouco mais alterada bater em minha pele.

   Quando verificou que eu já estava aquecido, houve um momento em que a senti totalmente parada, como se estivesse absorta olhando para alguma coisa, e eu sabia que ela estava me observando. Seus olhos deveriam estar brilhando com alguma emoção mágica e sua face em tons avermelhados. Pelo menos era assim que eu a imaginava.

  O que aconteceu a seguir me surpreendeu: os pequenos dedos tocaram o lado direito do meu rosto, num carinho tão puro que eu nunca na vida poderia merecer.  

  A paz e a leveza de espírito dela invadiram a minha alma escura e quebrada. Era algo tão simples e tão piedoso que eu não pude absorver mais daquilo. Afinal, como a amaldiçoada transmitiu tudo isso em um toque?

   Afundei a pergunta em minha mente e abri os olhos.

   A jovem rapidamente retirou sua mão de mim e deu um passo para trás, assustada.

   -- Eu não queria acordar você.

   -- Você não acordou. -- respondi. -- Mas porquê está de pé?

   -- Fiquei sem sono. -- moveu seus olhos escuros para as montanhas. -- É a primeira noite que eu não estou transformada e a última coisa que quero é gastá-la a dormir.

   Soltei um riso pelo nariz.

   -- Então o que você quer fazer?

   -- Conversar. -- envergonhada, a criança encontrou o meu rosto. -- Eu quero saber mais. Eu preciso saber mais. Há tanta coisa acontecendo que eu acho que vou ficar doente da cabeça e, no momento, só você tem as respostas para mim.

   Demorei um momento a decidir se sim ou se não. Mas infelizmente Luna tinha razão: ela tinha visto mais do que aquilo que se podia permitir. Seria simples consertar esse erro: matando a pobre garota e pronto; Saar teria todo o prazer em fazê-lo, mas... Mas eu não queria, nem iria permitir. Ainda mais agora depois da entrada no meu mundo sem nem ao menos precisar de um mago.

   Decidido, puxei a manta de cima de mim e entrei no quarto. - Venha.

   A morena me seguiu. Apontei para que se sentasse na cama e a seguir peguei mais uma dose de bebida e sentei na ponta do leito. Bebi um gole e olhei para ela.

   - Converse.

   - Está certo. É... Então, você... - levantei minha sombrancelha mostrando impaciência mas rapidamente ela continuou. - Porque você diz que tem uma coisa minha?

   - Porque eu tenho.

   - E o que é?

   - Talvez a sua alma. - dei um mais um gole.

   - Eu não acredito. - ela sorriu se lembrando de alguma coisa. -- Se fosse verdade eu não me sentiria tão viva e tão cheia de esperança como às vezes me sinto. Mesmo com toda a dor de ter a vida desfeita, eu sinto algo dentro de mim.

   -- E por acaso você não sente mais quando está comigo?

   -- Claro que... -- a romana se interrompeu. Eu vi ela buscando memórias, suas feições se tornaram tensas. -- Na verdade... -- o rosto moreno se curvou para baixo, e por fim balbuciou: -- Sim, tem razão.

   -- É normal porque eu também. -- beberiquei meu copo, vendo-a levantar o rosto em assombro. -- Os seus fragmentos se unem e você fica preenchida de espírito. E eu, tendo parte de sua alma, também me sinto como você.

   -- Então...  O que sinto...?

   -- Não são sentimentos. -- Garota ingênua!

   A respiração da pequena ficou um pouco ofegante, mas ela própria se controlou, fazendo a próxima pergunta.

   -- Foi você que me amaldiçoou?

   -- Eu pensei que já tinha a resposta disso.

   -- Porque fez isso?

   -- Também acho que sabe.

   -- Porque me persegue?

   Revirei os meus olhos e me levantei da cama. Eu realmente pensei que fosse uma boa ideia apagar com as dúvidas da harpia, só que pelos vistos me enganei seriamente.

   -- Eu não te persigo. Não te vi por dois meses seguidos até aquele dia quando você invadiu o meu barraco para se esconder da chuva. E de qualquer forma, -- olhei o fundo dos seus olhos escuros. -- Com você, a angústia da metade da sua alma roubada é menor em mim.

   -- Isso quer dizer que irá ficar comigo debaixo do seu olho?

   -- Até eu me cansar de você. Então quando isso acontecer mudarei de província para garantir que não nos encontremos.

   Caminhei até a mesinha onde estava o vaso com a minha bebida preferida. A mistura alcoólica de cereais fermentados e vinho  era a melhor amiga no combate aos meus problemas.

   -- Irá se cansar rapidamente. -- suspirou. -- Eu sou naturalmente aborrecida.

   -- Aí é que se engana. A minha vida ficou um tanto mais divertida desde quando senti o seu olhar em meu corpo, a uns meses, no centro da cidade.

   Luna mudou a direção do seu olhar. Estava notavelmente tímida pelas minhas palavras e ela sabia muito bem que eu estava falando a verdade, e essa simples atitude me roubou um infantil contentamento.

   - Continuando... - mudou de assunto. - Como você aprendeu tão novo a dominar as artes mágicas?

   - O que quer dizer com «tão novo»?

   - Bem, nós devemos ter quase 5 anos de diferença e aquela aristocrata me levou a você quando eu ainda era bebê, então presumo que era apenas uma criança...

   Quase não pude controlar a careta da minha face, muito menos a vontade avassaladora de gargalhar até conseguir um ataque cardíaco. Contudo, respirei um par de vezes e ingeri todo o conteúdo do meu copo: a ardência do álcool em minha garganta acalmaria um pouco o meu comportamento, e foi exatamente isso que aconteceu.

   - Quão simplória você é por acreditar que uma criança de 5 anos te transformou, plebéia? Acha mesmo que isso seria possível? Ou que sua mãe, com toda a riqueza e sabedoria aristocrata, iria confiar a sua bebê em alguém que não soubesse segurar uma espada?!

   Raivosa, ela só debateu.

   - Se a mulher que você designa por minha mãe fosse sábia, não teria condenado a vida da própria filha. Mas então, se foi você que me transformou e isso ocorreu quando deveria ter menos de 10 anos, por acaso não recorreu às suas magias para tomar a aparência de um adulto?

   - Não. Não recorri a magias para ficar com essa aparência.

   - Então, como aconteceu? Será que você é mais velho do que aquilo que acho?

   Andei até as velas acesas, soprando no pequeno candelabro e fazendo o quarto cair em escuridão. Eu não iria dizer a verdade, não agora.

   - Descanse, faltam poucas horas para amanhecer.

   - Espere! - interrompi meus passos em direção a porta ao ouvi-la. - Fique comigo. - incrédulo, virei o meu pescoço na direção da cama. O luar iluminava parcialmente o quarto pelo que só pude ver o vulto dela. - Quando eu fecho os olhos, - continuou. - Ouço vozes que me atormentam, que me causam dor e que me dão vontade de acabar com a minha própria vida... Por favor, fique. Somente até eu adormecer. Na sua presença as vozes se calam.

   Maldita sejas, Saar. - praguejei em pensamentos.

   Girei meus pés e me sentei na cama, encostando as costas na cabeceira e esticando minhas pernas sobre o colchão. Peguei o pergaminho na mesinha de cabeceira e comecei a ler.

   - Está tão escuro, como você consegue ler? - ela quis saber, mas eu apenas ignorei, continuando a ler os símbolos celtas. - Deixa para lá... - a criança se deitou, aninhando nas almofadas de penas e nas grossas mantas de lã. - Obrigada, Filippo.

   Ao fim de longos minutos a respiração feminina se tornou suavemente pacífica. Suas costas subiam e desciam calmamente, denunciando que a mesma tinha conseguido dormir.

   Perdi um minuto olhando para o pequeno corpo e suspirei, fechando o livro. Deitei-me na ponta do leito e fechei meus olhos pesados, me lembrando do seu agradecimento. Com um múrmurio, deixei escapar:

   - De nada, criança.


Notas Finais


Beijinhos!


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...