Narrador
A felicidade era algo momentâneo. Não era preciso estudos ou leituras greco-latinas que confirmasse isso, apenas bastava rever o quanto se sofria na vida para desfrutar de míseros minutos sorrindo. Parecia brincadeira, mas era a mais pura das verdades.
Enquanto que, em algum lugar daquela floresta, escondidos numa bolha mágica, Filippo ensinava Luna a controlar o novo poder que adquirira, à quilômetros dali, Saar observava uma certa loira grega.
Os olhos escuros da maga do fogo captavam atentamente cada movimento da mãe de Fahran, sorrindo confiante a cada vez que a mulher demonstrava um certo ódio pela nora. Luna era intimamente odiada por Helena, pelo simples facto de que a mesma não era a pessoa mais indicada para ter se casado com o filho.
− Acho que está na minha hora de aparecer. – murmurou Saar saindo de trás de uma árvore e caminhando delicadamente até o portão da enorme casa grega. Rapidamente um dos criados se aproximou da entrada, curvando e querendo saber em que poderia ajudar a linda mulher que agora possuía longos cabelos ruivos. – Quero falar com Helena.
− Λυπάμαι*perdão. – ele pronunciou em grego. − Δεν το καταλαβαίνω*não entendo.
A feiticeira revirou seus olhos e recomeçou o diálogo na língua que o servo entendia. O mesmo se apressou em atendê-la e notificar a visita inesperada para sua senhora, e assim, depois de poucos minutos, Saar já estava dentro dos salões principais da mansão da mãe de Fahran.
Helena tinha inclinado o cenho ao saber que alguém estrangeiro queria falar consigo. Mil e uma coisas passaram em sua mente, inclusive a possibilidade de que fosse uma notícia da morte de Luna... Mas seria bom de mais para ser verdade.
Suspirando, a loira se levantou do luxuoso assento e desceu as escadas, na companhia de uma escrava. Ao erguer os olhos para a desconhecida, sua feição se tornou confusa. Eu nunca vi essa mulher antes, o que ela quererá de mim?
− Καλημέρα*boa tarde.
− Καλημέρα. – a bruxa respondeu no mesmo tom. – Μιλάτε λατινικά?*fala latim? – a dona da casa encarou a ruiva por mais uma vez, de cima a baixo e então respondeu na língua que a estranha queria. – Quod bene*que bom.
– Quem é você e o que quer de mim?
– Nossa, eu sabia que não seria má ideia vir falar com você, Helena.
– E sobre o que quer falar comigo?
– Luna. Luna Frozzo, ou não será melhor dizer Luna Anthes?
Helena fez uma careta ao ouvir o nome que mais detestava e isso não passou despercebido pela maga que deu uma pequena gargalhada. - Definitivamente você pode me ajudar muito.
Desconfiada, a mãe de Fahran estreitou os olhos. - Ajudar em quê?
- Oras, não vai me convidar para sentar?
A loira continuava sem entender o que aquela ruiva folgada e misteriosa queria de si. O que Luna teria a ver e porque logo Helena poderia ajudá-la?
- Sente-se. - depois de confortadas, a anfitriã continuou. - Então, em que quer a minha ajuda?
- Quero matar Luna Frozzo. - a ruiva respondeu sucinta. - Sei que você a odeia e irá me ajudar, assim seu filho poderá se casar novamente, dessa vez com uma mulher digna do sobrenome Anthes.
Helena piscou os olhos por algumas vezes. A oportunidade para matar aquela garota surgia como um presente diante de si, era a ocasião perfeita para desaparecer de vez com a morena que manchava o nome da família rica. Aos poucos um sorriso cresceu nos lábios avermelhados da grega. Claro que ela aceitaria e de muito bom grado.
- Qual é o seu plano?
- Uma morte simples não seria boa o suficiente. Eu gostaria imenso de me divertir vendo a plebeia sofrendo... - Saar alisou as unhas.
- Já que fala nisso, creio que minha nora nunca foi ao Coliseu de Roma. - a mãe de Fahran soltou, sorrindo maldosa com a sua ideia. Todos sabiam que as lutas entre gladiadores se davam no coliseu, e não só entre gladiadores mas sim novos cristãos, feiticeiros, assassinos e outros. Certamente Luna não iria para lá afim de ver alguma luta e sim lutar até a morte com algum animal selvagem.
- Que bela ideia! Poderemos levá-la a conhecê-lo, não acha?
- Concordo absolutamente.
Por mais um extenso tempo elas se mantiveram conversando. Os detalhes do plano estavam sendo estrategicamente elaborados pela ruiva e pela loira, as duas sugeriam os mais sórdidos e minuciosos aspectos que não poderiam faltar no maquiavélico plano.
Ao anoitecer, quando Saar ia saindo, ouviu sua cúmplice lhe exigir.
- Apenas não toque no meu filho para você não se machucar antes que Luna morra.
A feiticeira não entendeu o que a grega quis dizer com esse alerta, mas resolveu deixar de lado, afinal como uma maga do fogo se machucaria por causa de um mero humano?
Adentrando na floresta densa, a mesma sorriu confiante no fim da protegida de Filippo. Um assassinato nunca pareceu tão doce quanto agora já que a raiva, o ódio e a cólera que nutria pela harpia era tamanho; o corpo da ruiva tremia, se alguém aparecesse ali naquele momento, Saar não hesitaria em queimar essa pessoa até virar cinzas sopradas pelo vento.
- Kain é meu e você vai pagar por querer tomá-lo de mim. Vai pagar por ter usado seu maldito poder e me ter feito parar de respirar naquela noite. Vai pagar pelo simples motivo de existir. - os olhos da mulher mudaram a tonalidade para vermelho vivo e uma luz no mesmo tom circulou suas mãos fechadas num punho. - Você vai pagar por aparecer no meu caminho. Vai pagar com o seu sangue. Com a sua vida. Com a sua alma. Eu vou fazer você implorar por minha misericórdia até perder as forças e depois te jogarei naquela arena do coliseu para ver seu último estado patético até um leão arrancar sua preciosa cabecinha e mastigá-la como se fosse uma pequena folhinha de hortelã. - a bruxa gargalhou, exalando destruição. - Eu vou te matar, Luna Frozzo.
*
- Se concentre, criança! Eu estou mesmo na sua frente!
- É fácil falar "se concentre, se concentre" mas fazer isso é difícil!
A morena gritava de volta notavelmente chateada. Filippo estava afastado alguns metros, esperando que Luna o atacasse com magia. Era parte do treinamento, pelo menos ela teria que controlar melhor seu novo poder e o mago teria se disponibilizado para servir de cobaia e ao mesmo tempo de instrutor. Mas como poderia ensinar alguma coisa se ela apenas conseguia fazer com que a luz esbranquiçada somente surgisse na pontas dos dedos? O feiticeiro estava quase perdendo a paciência, então lembrou de algo.
Ela só funcionaria com algum impulso. Talvez se ele ameaçasse alguém... Ou um animal indefeso, então a plebeia iria sentir dor e forçaria certamente a magia.
- Você está sendo fraca, Luna! Não está me dando outra opção.
- Outra opção? Opção de quê?
O homem rodopiou os dedos no ar em um singelo símbolo celta e no mesmo instante um filhote veado surgiu, seu pelo castanho ainda brilhava e os olhinhos grandes encaravam tanto quem o formou quanto a garota a cerca de dez metros que sorria para o mamífero.
- Oh, que lindo! De onde você o trouxe? - ela quis saber, dando três passos na direção do filhote. Contudo seus passos foram interrompidos pela própria ao ver o feiticeiro rodeando os finos dedos no ar, fazendo com que grossas raízes surgissem do chão e prendessem o animal, enroscando no pescoço do bicho, o fazendo ter dificuldades em respirar. - Pare! - ela ordenou aflita. - Pare com isso! Vai matá-lo!
O veado iniciou um chorinho aflito e isso foi capaz de partir o coração da mais nova.
- Filippo, pare imediatamente!
Só que o homem tampouco se moveu, apertando as raízes no corpo franzino.
Luna não pôde ver o pequeno se debatendo e, por força oculta, fechou seus olhos com tamanha força, fechando as mãos num punho cerrado. Seu interior vibrava de raiva e dor, ela não suportaria que o homem que um dia a amaldiçoou matasse um inocente na sua frente, mesmo sendo um animal.
A tonalidade clara à volta do corpo feminino escorreu pelas mãos, acumulando aí. A garota não esperou mais e direcionou as mãos na direção da raiz. O poder branco foi certeiro naquela direção, porém a magia verde do mago era mais forte, e toda essa cena só contribuiu para aumentar o aperto das grossas raízes.
Ela olhou atônita, percebendo que não poderia salvá-lo assim tão facilmente. Seus olhos escuros se direcionaram aos azuis estupidamente exóticos do outro. Ele estava pacífico e sorria debochado. Era um teste e ela poderia reprovar e ver o filhote sendo morto, mesmo que esse não fosse real.
Reunindo toda sua essência, a menina fechou os olhos, se concentrando. O acúmulo de magia a fez cair de joelhos ali na grama, a cabeça pendeu para baixo enquanto o cabelo escuro cobria seu rosto. As pequenas e femininas mãos se mantinham fechadas e tremiam, tremiam tal como todo o pequeno corpo. Filippo pensou que fosse a hora de parar pois estava a afetando demais, só que se surpreendeu quando a mesma ergueu lentamente a cabeça para cima. Seus olhos permaneciam fechados, acompanhando a estranha e baixa voz.
- Eu mandei você... PARAR!
Foi então que um estrondo bombeou no local. A harpia abriu os olhos, assustando o mago. Todo o globo ocular dela permanecia branco, brilhando como se fossem lanternas. Ele não teve tempo para raciocinar, o impacto invisível contra o seu musculoso corpo foi forte; o homem se desiquilibrou e por pouco não caiu. A dor no peito surgiu, juntamente com a falta de oxigênio. Então era esse o principal foco dela... Matar por falta de fôlego.
- L-Luna...
- Solte-o!
Por mais que estivesse perdendo o ar dos pulmões, ele não a obedeceu. Usando a magia, alterou seu modo de respirar para a das plantas, captando dióxido de carbono e não oxigênio; afinal ele domava a magia verde, que era da natureza.
A garota observou quando deixou de fazer efeito no seu adversário. Erguendo ligeiramente a mão na direção dele, a menina circulou os dedos no ar. No mesmo instante Filippo deu um passo à frente quando a escuridão o atingiu, os braços masculinos se posicionaram, como se ele estivesse tateando algo.
Ninguém esperava que Luna tivesse poder para cegar.
Só que isso fazia parte do treinamento da pequena, e não só. O mago tinha estado ainda mais curioso sobre até onde ela poderia.
- Acha que isso é suficiente para me fazer manter aquele animal vivo? Parece que a vida dele depende unicamente de você.
A morena nada disse porém não sabia o que fazer mais. Sabia que o soldado estava provocando, sabia que ele só iria parar se ela o machucasse de verdade, só que também sabia que não havia possibilidades de vencer numa luta com ele. Sentia sua fraqueza iminente se mesclando com a raiva. Raiva de ser fraca, raiva de estar sempre se subordinando a ele.
Com um último esforço, Luna puxou o resto da força que tinha e se concentrou no coração do capitão. Instantaneamente o moreno sentiu o aperto no peito e tropeçou em algo na sua frente, caindo de joelhos a medida que tentava esconder a dor do rasgado no interior do seu peito. Ela estava irada e talvez nem se importava que Filippo morresse, afinal, ele poderia adquirir habilidade de algum ser vivo que superasse o que o poder de Luna causava e sair dessa história ileso.
No entanto a mais nova estava exausta. Toda a essência da mesma se esvaiu em questão de segundos e então o corpo feminino tombou no chão.
O feitiço em Filippo foi dissipado, pelo que o homem deixou de sentir a dor no peito. A sua respiração voltara ao normal e os seus olhos podiam ver. Pensando assim, a pequena plebeia ainda havia causado estragos.
- Você se esgotou, criança. Vai precisar de algum tempo para se recompor. - murmurou.
- Não mate o veado. Por favor. - o pequeno sussurro feminino fez as pupilas azuis rodearem no globo ocular. Ela ainda achava que era real?
- Eu não seria imprestável a ponto de matar algo pelo qual minha magia se fortifica. - mesmo que estivesse ligeiramente cansado, ele agachou, pegando-a ao colo. - Vou te deixar em casa. Se estiver perto dele, rapidamente irá retomar suas forças.
- Dele? Dele quem? - quis saber, sonolenta.
Porém não houve respostas. Filippo atravessou a pequena entrada que apenas ele via, naquela bolha mágica, e então os dois estavam na frente da casa da harpia.
Fahran pôde sentir a presença dos dois lá fora, na entrada de sua domus. O grego se levantou da poltrona de peles, pousando o papiro que lia sobre a pequena mesinha de madeira para se conduzir até o casal do outro lado dos portões do casarão.
Vendo seu patrão e amante deixando a sala de estar, Jaih removeu seus olhos do papiro em suas mãos para se fixar no homem branco; este último apenas sorriu como que se estivesse explicando, então o servo voltou à sua leitura, não questionando aquele que amava.
Fahran Anthes desceu as escadas em silêncio, atravessando o salão principal e o jardim, mandando o servo porteiro abrir o portão para Filippo e a menina adormecida em seus braços. Vendo-o, o capitão romano fez uma singela e imperceptível reverência.
- Ela apenas dorme. Hoje treinou até a exaustão.
- Isso quer dizer que a partir de agora Luna fica aos meus cuidados?
O mago verde inclinou o rosto, sorrindo sem humor. – Se seus cuidados forem o suficiente para mantê-la a salvo então sim, fica.
- Você sabe que perto de mim ela recuperará depressa.
Fahran tomou a adormecida nos braços e virou de costas, caminhando pelos trilhos de pedra do próprio jardim ao memso empo que Filippo desaparecia na noite densa. Ao passar por Jaih, na sala de estar, chamou por ele e, em silêncio absoluto, deitou a menina sobre a cama do quarto da mesma.
- Espero que descanse bem e se recupere. Seus dias irão ficar ainda mais difíceis, Luna.
- Os seus também. – pronunciou o negro, abraçando seu amante pelas costas enquanto ambos olhavam a garota em sono profundo. – Acho que você também deve descansar, Moon.
O loiro sorriu perante o estremecimento que lhe atravessou o corpo. – Você continua me chamando Lua, Jaih? Não gosta do meu nome grego Fahran?
- Gosto, porém amo seu nome verdadeiro. Amo todo o seu eu verdadeiro.
O dono da casa umedeceu seus lábios, virando de frente para seu parceiro, selou seus lábios, tomando a mão desse e o encaminhando para outro quarto. – E eu amo o facto de você ser um dos únicos a saber o que eu realmente sou e, mesmo assim, ter ficado ao meu lado.
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