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História Harpia - V - Olhos na floresta


Escrita por: monecasssa

Notas do Autor


Boa leitura!

Capítulo 5 - V - Olhos na floresta


Narrador

   Após ter jogado os últimos pedaços de carne no buraco que fez, finalmente cobriu o cadáver com terra, enterrando-o.

   O homem caminhou calmamente até seu cavalo e o pegou pelas rédeas, andando como quem não tivesse acabado de cometer um assassinato sangrento. Chegou perto de outro cavalo que estava preso e observou roupas estendidas ao seu redor, o sabão e a trouxa estavam na borda da água mas nem sinal da menina.

   Contudo, se concentrou, apurando seus ouvidos e encontrando um batimento cardíaco um tanto agitado. Luna estaria, sim, nervosa e se encolheu toda, ela viu quando o dono de olhos hipnotizantes se aproximou de seu cavalo e procurou alguém com o olhar, porém não iria denunciar a sua presença -- o choque de ter sido quase vítima de um strupum *(estrupo) era forte demais para que a moça se sentisse à vontade perante um outro soldado.

   Ainda mantendo silêncio e seu corpo milimetricamente estático, foi surpreendida quando as íris masculinas encontraram suas grandes e assustadas pupilas castanhas. Faltava pouco para a mais nova despencar da árvore por ter sido descoberta, mas ao invés disso, agarrou-se bem aos galhos.

   Ele se aproximou subtilmente da amendoeira, depois de deixar seu cavalo junto do outro.

   -- Creio que todas essas túnicas, sabão e cavalo sejam seus, criança.

   -- Sim, senhor.

   A voz dele parece ainda mais fria e má! Pensou ela.

   -- Não vai descer? – quis saber, movendo seu olhar para o lago. Ela não queria, ainda tinha medo, mas inconscientemente foi migrando para os galhos mais baixos.

   -- Ainda a pouco tempo eu vi um enorme crocodilo no lago. Fiquei assustada...

   Filippo a fitou com intensidade, drenando o sangue para o rosto da menor, que se sentiu exposta por se avermelhar tanto.

   -- Você foi atacada?

   -- Não, mas... – se interrompeu. Não iria contar o sucedido a alguém que poderia fazer o mesmo com ela. – Não, não fui.

   -- Ótimo. Poderá voltar ao lago porque eu matei agora mesmo o animal e sufoquei o ninho.

   Apesar de não haver crocodilo nenhum, o soldado se sentiu na obrigação de tirar o receio da jovem; ele daria tudo para vê-la nadando, mesmo que se punisse por tal vontade, queria juntar a visão da pequena junto a que já tinha naquele penhasco.

   Mais descansada, Luna suspirou aliviada, ficando um pouco mais próxima do misterioso sujeito.

   -- Gratia *(obrigada) e perdoe-me por estar lá em cima enquanto você falava. – ela baixou o rosto, não por vontade mas medo que pudesse ser machucada como anteriormente.

   E ele a observou submetida. Seu cabelo ainda estava molhado e sua pele cheirava às flores de amêndoas, em cuja árvore esteve; o vestido cobria erradamente seu corpo, porque pela pressa de escalar a árvore, a transformada nem tivera preocupação com suas vestes e isso divertiu o de cabelos escuros.

   -- Não se distraia porque o dia já irá terminar. – ele falou sucinto, levantando especulações em Luna. Porque alguém falaria isso a ela se não soubesse que... mas o homem continuou. – Uma jovem sozinha poderá atrair a atenção de outros homens.

   Dito isso com sua frieza, ele deu de costas. Desateou o cavalo preto e montou, partindo para longe e deixando a jovem ainda em transe. Assim que se despertou, a morena respirou fundo na tentativa de remover tal par de olhos de sua cabeça, mas nada fora o suficiente para esquecê-lo. Como se chamava mesmo? Nem o nome do misterioso sabia.

   E agora, mais calma em seus pensamentos, como será que ele tirara a vida de um réptil daquele tamanho? E como podera lhe alertar a aproximação do pôr-do-sol e ainda referir outros homens? Porventura ele saberia de sua verdadeira natureza e a estaria observando?

   -- Não, não, não. Eu estou ficando doida! -- zangou-se consigo mesma, arrumando seus vestidos e recolhendo o resto da roupa das árvores.

  Seu dia tinha sido bem agitado, mas essa agitação ficaria apenas para ela, pois não suportaria que Gianni ou Martino se preocupassem ainda mais.

   Ao pensar nisso, se lembrou do grego e fez uma careta. Viver na Grécia era o que a morena menos queria: primeiro ficaria afastada de seus criadores e depois não conheceria seu pretendente para saber se ele seria simpático consigo. Mas a verdade era que Fahran era um bom homem; um jovem que cresceu com a mãe viúva, pois seu pai morrera em batalha. Ainda muito pequeno, herdou todas as fortunas possíveis da família e isso o deixou sendo a criança mais rica de toda a província.

   Nesse momento, ele estaria procurando sua primeira noiva que pudesse disfarçar seu segredo. O moço era homossexual, mantendo em segredo os encontros ilícitos que tinha com seu amante, todavia a sua idade requeria um casamento e os casamentos permitidos no império eram entre homens e mulheres, embora haver muitas situações homossexuais como a dele.

   Fahran não confirmara mas Martino sabia que ter uma mulher só serviria de fachada para o grego, assim, sua filha poderia sair durante a noite porque seu marido não a importunaria. Era uma ótima ideia e uma maneira de preservar sua criança; e se Luna não gostasse, poderia pedir o divórcio, uma coisa nova que surgiu a poucos anos mas que o Imperator aceitara livre.

   Se a romana por fim não aceitasse se casar, a última opção era a mais arriscada mas a única que poderia salvar Luna por completo: unir-se ao homem que a transformou.

   Ela não aceitaria. Ela iria sofrer ainda mais. Seria um fardo muito pesado. E se ele roubasse a pouca vida que ainda há nela?

   As palavras amendrontadas da esposa de Martino invadiam a linha de seu raciocínio. Gianni tinha razão, mas se não tentasse dessa forma, a harpia nunca iria formar uma família.

   Martino respirou fundo e se assustou ao sentir braços rodeados em sua cintura. O calor de sua mulher ao seu lado o fez esquecer momentaneamente o que pensava; sem dúvidas a plebéia fora uma das coisas mais bonitas que surgiu em sua vida.

   -- Você está tenso, meu esposo. – a voz dócil o fez sorrir. – O casamento de Luna o aflige?

   O homem se mexeu na cama. Sua amada se encontrava atrás de si, abraçada e com o rosto nas costas masculinas. Ele pousou a mão na coxa dela que, acidentalmente, estava descoberta, causando um arrepio agradável na mulher; isso roubou um sorriso ao sapateiro, transportando suas especulações para longe.

   -- Não o casamento em si, e sim a escolha que ela irá fazer. – se virou para trás, alisando a pele morena. – Mas eu creio que uma encantadora deusa poderá aliviar esses meus devaneios, estou certo?

   Gianni sorriu com o elogio e deixou que ele tomasse seus lábios e, nesse mesmo instante, um bater de asas soava pelo jardim da casa. A harpia, prezando a privacidade do casal, voou para os penhascos que tanto gostava.

   Você precisa descansar mais, senão vai morrer rápido. – Uma voz conhecida invadiu sua cabeça; Luna demonstrou ficar chateada mas lá no fundo precisava – e queria – companhia nessa madrugada.

   Resolveu aparecer, beija-flor? – ela disse, sem nem ao menos saber onde ele estava.

   Não me diga que ficou com saudades minhas...

   Deixa de ser convencido. – aprimorou sua visão mas não o viu, muito menos reparou no homem escondido nas sombras que a espionava; o mesmo que falava na sua mente. – Onde está?

   Na sua cabeça.

   Está bem, andorinha. Se não quer aparecer, não apareça. Mas realmente andou sumido.

   A harpia fêmea pousou no alto de uma figueira e o homem continuava escondido, se divertindo e se passando por um animal.

   Filippo não cessava de se punir, mas... Pelos deuses, aquela menina o provocava mais e mais de uma maneira estritamente inocente!

   Suas vistas mágicas se fixaram na ave, mas o que ele não esperava era que os pequenos olhos selvagens encontrassem o brilho presente no tom azulado. A amaldiçoada se ergueu assustada, a seguir ao reconhecimento.

   Mas... O que esse homem faz aqui?

   Que homem? – Filippo respondeu, ainda se fixando nela e mantendo a farsa.

   O encantamento era supremo. Ambos se detinham um no outro; ela por admiração psíca e ele por admiração mística. O pequeno coração de harpia colidia ferozmente, a sufocando. A atração daquele olhar parecia tão íntima e tão poderosa que Luna nunca havia sentido tamanha intensidade em sua vida, mas desde que vira o soldado pela primeira vez... Era como se ele pertencesse a ela de uma maneira sobrenatural e, ainda assim, soubesse que para além de um pássaro, olhava também para uma mulher.

   O feiticeiro, por sua vez, quebrando todo o seu protocolo por ocultar a magia, simplesmente desapareceu dali. A criatura transformada piscou mais vezes seus olhos e levantou vôo, rumo a um ramo mais baixo, porém, efetivamente ele não estava lá.

   Meu Júpiter, o que aconteceu aqui?!

   Confusão não chegava nem perto do estado da jovem romana, mas a voz em sua cabeça permanecia. Filippo já mostrara que tinha algum poder, não podia estragar tudo em revelar ser ele a harpia macho.

   Você só pode estar louca! Não tem homem nenhum aqui e eu não vi acontecendo nada.

   Não viu? Mas onde raios você está?! Apareça!

   Com pena da condição da moça, a harpia – ou melhor, o mago em forma de harpia – surgiu alguns ramos acima dela. A menina apenas viu a sombra no chão e levantou seu pescoço.

   Estou em cima de você, nervosinha.

   Poupe-me de suas gracinhas. Havia um homem aqui... – Luna se perdeu em seus pensamentos. – Era ele... O dono de olhos tão sublimes que eu vira!

   Era estranho ouvir a maneira como a romana se sentia perante a verdadeira forma física do feiticeiro. A harpia macho observou quando a menina olhava para o local onde a minutos atrás ele a assistia, em sua fisionomia humana. Ela parecia encantada, enfeitiçada... Filippo poderia estar habituado ao olhar das mulheres, pois não era de ignorar sua aparência masculina proeminente e um tanto quanto formosa. Seus distintos olhos destacados eram armas perigosas: as portas de onde sua magia exalava; e, mesmo com a pele alva, seus cabelos escuros possuíam toda a tonalidade de sua alma e seu espírito.

   Porém, o tom com que a fêmea pensara não tinha indícios de desejo carnal e sim um tipo estranho de adoração. Aquilo o inquietou mais. Poderia ela tomar os olhos de um bruxo por sublimes?

   Para uma harpia, você ficou encantada demais com um humano. – o homem achou melhor quebrar o encantamento da sua criança, adotando o lado engraçado que tanto irritava a menina. – Desse jeito vai acabar por se fantasiar de humana para namorar com ele, como aconteceu com os progenitores de Minotaurus. *(Minotauro)

   Dito e feito. Luna encarou o macho e, num movimento rápido demais, pulou em cima dele, cravando suas garras nas costas do bicho enquanto o mesmo se sacudia.

   Ei! Ficou tola?

   Eu tola? Acha que eu sou o quê? – deu-lhe algumas picadas com o bico resistente. – Eu não sou uma oferecida, seu pervertido!

   A moça abriu suas asas e desapareceu dali, pensando no quão arrogante aquele pássaro era. Ao mesmo tempo que Filippo se recompunha e voltava para casa, meditando na reação da morena que o fazia ficar pasmado e simultaneamente divertido.

*

   -- Mas que macho idiota! Quem ele pensa que é? Eu sou uma jovem casta *(pura) e ainda mais pudica *(pessoa sexualmente moral), pois sendo solteira, não me envolvi com homem nenhum!

   -- Ei, ei! O que aconteceu, filha?

   A mãe adotiva da menina observara que, desde a dois dias atrás, a jovem resmungava pelos cantos da casa e a cada vez que Gianni tentava conversar, Luna soltava um longo suspiro e mudava de assunto. Contudo, minutos antes de seu pretendente grego chegar na casa dos Frozzo, a mais nova não parou quieta, sempre andando de um lado para o outro, destrançando e trançando seu cabelo por várias vezes, olhando em direção à floresta e maldizendo alguém.

   Preocupada com esse comportamento, a esposa de Martino subiu para o quarto da menina, afagando seu longo cabelo que novamente estava destrançado.

   -- Você está assim por dois dias, Luna. O que aconteceu?

   -- Nada, mãe. Não é nada.

   Gianni tocou firmemente nos ombros da jovem e a virou para si, encarando seus nervosos olhos castanhos escuros.

   -- Não minta para mim. Diga o que te deixou chateada, se eu não poder ajudar, pelo menos você desabafa.

   A mais nova respirou fundo e decidiu compartilhar sua frustração.

   -- Eu conheci uma harpia macho a uns dias atrás. – começou, fazendo a dona de casa erguer uma sombrancelha. – Mas ele é... Argh! Ele é ridículo! Sempre invadindo a minha cabeça, sempre dando uma de galanteador, isso sem contar que é um depravado! – ela saiu da frente da mãe, andando pelo quarto enquanto gesticulava agitada. – Da última vez que eu fui ao penhasco, ele estava lá, mas não foi esse o problema, porque eu até gosto de tê-lo como companhia. Quando está calado. – revirou os olhos. – Então, eu vi um homem absolutamente lindo... – sua voz se acalmou drasticamente. – Ele parece um verdadeiro mestre com tal pose masculina, só que isso não é o mais importante e sim os seus olhos... Que espantosos olhos...! Eu nunca me senti tão absorta em tal olhar...! – Luna suspirou. Sua mãe estava atenta ao comportamento da moça e ficou surpreendida com a adoração dela, mesmo que aquele homem não fosse ninguém que Martino selecionou. – Enfim, eu fiquei admirada por ele. Então, -- novamente a raiva tomou a mais jovem. – Aquela galinha intrometida disse que eu só faltava me disfarçar de humana para dormir com o homem; igual a humana grega Pasífae e o Touro Cretense, que deram origem ao Minotaurus! Isso não é despropositado e totalmente imbecil?! Argh! Como eu odeio aquela galinha!

   Gianni não sabia se ria ou se chorava de tanto rir. Por mais que sua filha estivesse irritada, a mais velha desconfiava que, por detrás de toda a irritação, ela gostava amigavelmente da tal galinha depravada. A mulher abraçou sua filha e beijou o alto da cabeça, como costumava fazer.

   -- Amor, esqueça isso. Me deixa arrumar esse cabelo, pois Fahran já está a caminho.

   Luna se virou e deixou que os dedos hábeis de sua mãe lhe penteassem, e assim que a jovem estava bem mais calma e totalmente arrumada, alguém bateu à porta.

   -- Ele chegou. Te desejo sorte, querida.

   -- Obrigada, mama.

   Gianni desceu primeiro, ficando atrás de seu marido enquanto cumprimentava o moço. Logo a filha adotiva desceu as escadas, tomando a atenção dos três. Ela encarou quem lhe viera buscar, contemplando o grego sorridente, no entanto, nem o sorriso dele fora o suficiente para apaixonar a moça. Depois do último encontro ter sido lastimável, a expectativa de Luna não excedia a altura do chão.

   -- Salve *(olá), bela moça. – ele falou diretamente para ela, ignorando os costumes de dizer ao pai da jovem o que achou. Isso chamou a atenção da menina de uma forma bastante agradável, aumentando um pouco a tal expectativa.

   -- Gratia. – ela disse, lisonjeada com tal elogio.

   O ambiente amistoso se formara entre os dois, pelo que Martino se manifestou:

   -- Ide! O dia só começou, aproveitai-o.

   Fahran deixou a morena passar para fora e a seguiu.


Notas Finais


Até o próximo!


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