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História Harpia - VI - Casamento arranjado


Escrita por: monecasssa

Notas do Autor


Boa leitura!

Capítulo 6 - VI - Casamento arranjado


Luna

   Ele era bem parecido fisicamente, tendo todos os traços que definiam sua masculinidade, possuindo uma beleza característica. Seu sorriso alegre e aberto, olhos castanhos claros e um aroma de laranja e canela era de deixar qualquer um à vontade ao seu lado.

   Caminhamos seguindo a trilha para o lago. A ideia fora do próprio Fahran, contudo não me opus. Mesmo que quase tivesse ocorrido uma desgraça ali, eu sentia segurança com ele.

   - A jovem gostou da oferenda que deixei?

   - Amei! Aquele cavalo é muito bonito, forte e saudável. – sorri. – Ele tem um nome?

   - Sim, mas tomei a liberdade de ocultar isso ao senhor Frozzo, para que pudesse escolher o nome que a senhorita mais achasse adequado.

   O homem me olhou com afeição, me fazendo baixar o rosto por vergonha. Diferentemente de Paolo, o grego era muito carismático e sua companhia estava me animando para aquilo que seria o nosso casamento.

   Continuando com assuntos diversos, chegamos às margens do lago d’Averno. Sem vergonha ou atenta aos meus comportamentos, me sentei no chão, sendo copiada divertidamente por um Fahran sorridente.

   - Estou vendo que não é uma dama presunçosa!

   - Tão pouco sou uma dama, dominus.

   - Por favor, trate-me pelo meu nome. E se me der licença também a tratarei pelo seu nome.

   - Com certeza, Fahran. – ficamos algum tempo em silêncio, apenas ouvindo o chilrear das aves e alguns peixinhos que ocasionalmente saltavam da superfície da água.

   Eu seria sua primeira esposa e ele o meu primeiro esposo. O que era suposto dois jovens conversarem? Respirei fundo e olhei para o perfil masculino. Ele tinha bonitos cabelos castanhos que combinavam com a pele e com seus olhos. O grego arrancava alguma erva do chão, terrivelmente perdido em seus pensamentos que o faziam suspirar vez ou outra.

   Me arrastei até mais perto e toquei com a ponta dos dedos em seu ombro. Era estranho, mas eu não conseguia ver esse homem como meu marido e sim como um amigo, um confidente, alguém confiável, mas sem a possibilidade de me tomar. Talvez assustado com o toque, ele parou de arrancar mais ervas, fitando o lago cristalino.

   - Sabe, Luna, - começou. – Eu te achei muito divertida e ficaria bastante feliz que se casasse comigo, mas creio que devo esclarecer uma coisa.

   - Que coisa?

   - Bom, eu presumo que esteja, para além de procurar um companheiro, um amor. Uma pessoa que compartilhe com você todos os medos e alegrias, uma pessoa que a acaricie e que lhe diga que a ama infinitamente, mas... Comigo não terá isso. – fiquei calada ouvindo-o, mesmo que um pouco baralhada. – Eu já tenho alguém assim e sinceramente não tenciono abrir mão disso.

   Fahran baixou seu olhar em terra, visivelmente acanhado.

   - Então porque veio de tão longe para procurar uma noiva?

   Suas pálpebras se fecharam, retendo o brilho das lágrimas ameaçadas.

   - Não é tão fácil assim. Eu preciso de uma mulher, de alguém que me dê herdeiros e que possa ter servas, jóias e vestidos.

   Para um bom entendedor meia palavra bastava, e isso era a mais pura verdade. Não era preciso dizer mais nada: o bonito grego tinha preferências por outra pessoa do seu sexo, assim sendo não poderia casar com o seu amor, precisando de uma esposa de mentira.

   - Eu entendo e não o culpo por aquilo que é. – tocando com as mãos em suas costas, de maneira amigável, falei. – Se chegarmos a algum acordo, poderemos tirar proveito dessa relação. – ele me encarou, perplexo talvez pelo meu rápido raciocínio. – Eu também tenho segredos, mais estranhos até que o seu. Poderemos ser os nossos próprios cúmplices.

   Fahran abriu a boca para falar, mas fechou-a por três vezes. Então continuei:

   - Eu não sou apenas uma jovem feliz. Parte de minha alma é oca, vazia e negra; minha condenação surge ao iniciar da noite e termina quando o sol nasce pela manhã. Nesse meio termo, me oculto para não revelar a monstruosidade que eu sou.

   A dor de falar essas palavras era tão forte como quando eu descobri que tinha sido rejeitada por meus pais verdadeiros. Sem amor, sem carinho... Uma aberração esvoaçante com um futuro terrível e curto que só a morte proporcionaria. Os meus criadores sofreram muito em me manter escondida durante a noite e isso só me trazia vingança. Porque razão eu era tão diferente das outras pessoas? Porque razão quem roubara meu espírito se comprazeu de o fazer num bebê indefeso?

   Eu odiava, odiava de morte quem fizera tal atrocidade, mas ainda assim já tinha perdoado. Não haveriam razões para alimentar algo já feito; não haviam razões para mais castigos nessa vida... Apesar disso eu sabia, sabia que minha primeira mãe pedira a um mago que me enfeitiçasse para que meu rígido primeiro pai pudesse gostar de mim. Isso custaria o sangue de meus irmãos, mas, como troca, minha alma fora levada.

   Não culpava ninguém. Ninguém poderia viver com tamanha dor da culpa de ter estragado a vida de um inocente. De qualquer maneira, eu exigia que recuperasse o que me pertencia por direito.

   Em meio a meus devaneios, não reparei quando Fahran limpou uma lágrima de minha face, a seguir outra, outra e outra, até que um fluxo contínuo escapava dos meus olhos. Ele não olhou modos sociais ou hábitos condenados pela sociedade e abriu seus braços, acolhedoramente.

   Ouvi as vezes que funguei e senti quando seus braços me acarinharam amigavelmente, contudo ele enrijeceu com um ruído do trotar de cavalos. Logo me afastei e limpei as gotículas salgadas da minha face; o grego me imitou e olhou para a direção do barulho onde um par de homens nos encaravam, sendo que um dele descera do animal e caminhava em nossa direção. Com a ajuda de quem me fazia companhia, me levantei e sacudi meus vestidos, ficando atrás do homem; resolvi me comportar, mantendo minha cabeça baixa, calada e servil.

   - Salve, dominus Fahran Anthes *(boa tarde, senhor Fahran Anthes). Que raro encontrá-lo por cá. – aquela voz... – Mais raro ainda vê-lo na presença de uma...

   - Futura mulher. – respondeu o grego. – Vim a Neapolis *(Nápoles) com o objetivo de regressar com uma esposa.

   Sentia o curioso me estudando, contudo não tive coragem para erguer meus olhos. Caso o fizesse, a lembrança daquela noite iria assaltar minha mente com mais intensidade e eu acabaria por denunciar ter visto aqueles mesmo pares oculares no meio da madrugada. Seria ele? Não, não seria, mas que custava arriscar meu bom senso?

   - Por momentos pensei se tratar de uma forariae1 *(prostituta).

   - Como?! – ergui minha cabeça, não conseguindo travar minha língua solta.

   No mesmo segundo que o fiz, os flashes da noite escura do penhasco atolaram minha mente. O olhar era exatamente o mesmo, a mesma intensidade, o mesmo brilho sombrio e excelso; o mesmo tom de íris, a mesma dominância... Era impossível! Não, era totalmente insano! Como um homem poderia desaparecer na minha frente e ainda assim me reconhecer? Sim, ele me reconhecia como sendo a harpia, eu via no seu rosto. Mas... Seria um mágico? Um feiticeiro? Quem me transformara? Impossível! Mas... Mas... Eram tantas perguntas!

   Não sabia quanto tempo tinha permanecido encarando o soldado, só reparei quando Fahran entrou na minha frente, me tirando do alcance do homem, e ergueu sua voz.

   - A jovem não é, nem nunca foi uma prostituta. Nosso casamento será marcado brevemente e eu não aceitaria me casar com alguém impuro; certamente tem o conhecimento disso, capitanum *(capitão).

   - Sane *(perfeitamente). – a voz de aço respondeu. – Case-se e controle sua futura esposa.

   Eu ia responder novamente, mas senti uma pisada no pé. Porra, Fahran! Mas o grego não respondeu e o de olhos azuis voltou ao outro homem que o esperava. Me estiquei  para vê-lo por cima do ombro de que me acompanhava; seu andar imperioso captou minha atenção, até que, na metade do trajeto, ele virou o pescoço para trás, me pegando a observá-lo.

   Dessa vez quem estava comigo não reparou e continuei focada. Não me restavam dúvidas: era ele quem desaparecera na minha frente a duas noites atrás.

   O capitão – segundo meu futuro marido – se voltou para a frente, montando em seu animal e saindo com seus olhos colados em mim. Quando desapareceu de minhas vistas, deixei que o ar preso em meus pulmões escapasse.

   - Você é insana, Luna! Ele poderia tê-la matado!

   - Eu é que o vou matar antes.

   O grego balançou a cabeça negativamente e suspirou.

   - Tem certeza que aceita ser minha esposa, mesmo sabendo que eu...

   - Você acabou de arriscar sua cabeça me defendendo daquele intrometido. É o minímo que posso fazer pelo meu novo amigo, pelo menos por alguns anos...

   - Dois anos e eu te dou o divórcio. – ele me interrompeu. – Se quiser poderei viver esses dois anos aqui na Itália para não ser pior para você. Comprar uma casa não custa para mim.

   Peguei suas mãos, como quando fazia com Pietro, meu melhor amigo, quando este fazia alguma coisa boa por minha causa.

   - Jura que faria isso por mim?! Muito obrigada! – novamente sem medir muito, pulei nele, abraçando-o.

   - Luna... Tenha mais calma! Acho que se seu pai nos pega assim...

   Gargalhei. Finalmente eu poderia dizer que era uma mulher comprometida. Mesmo que nem fosse consumar meu casamento, a satisfação de ter um passo dado era satisfatória. Ainda assim eu não tinha esquecido do homem-mistério e nessa mesma noite iria procurá-lo.

*

   O jovem aristocrata me contou imensas coisas engraçadas da Grécia, principalmente da cidade dele, Corinto. Falava de política, artes e assuntos sem nexo até que finalmente chegamos em casa.

   -- Chegamos.

   Martino e Gianni pararam os seus afazeres. Gianni sorriu para mim e eu a segui para o quarto no andar de cima enquanto os homens conversavam sobre os preparativos.

   -- Sua cara me diz que você gostou dele.

   -- Fahran é bem atencioso. Conversador e positivo. Tivemos uma boa tarde, inclusive colhemos algumas frutas na entrada da floresta e comemos, também nos sentamos a conversar à beira do lago. Eu gostei dele, mama.

   Em momento nenhum me referi a sexualidade do homem; isso era um segredo nosso e continuaria a sê-lo.

   Algum tempo depois, Martino nos chamou, contando como as coisas ficariam organizadas. O meu futuro marido compraria uma casa nas redondezas de Nápoles, e ao fim de quatro ou cinco semanas, tempo que Martino teria o meu dote completo e Fahran já tivesse comprado a casa, se daria o ritual do matrimônio.

   Suspirei meio cansada com tudo isso, assim que o mesmo tinha ido embora.

   -- Que bom que está resolvido. – disse o Frozzo mais velho. – Em breve teremos um genro, Gianni.

   -- Graças aos deuses! E Luna parece bem entusiasmada, não é, filha?

   -- Ah, sim. – respondi, entusiasmada por ter ganhado um amigo e não um marido. – Eu vou para o penhasco. Amanhã conversamos mais sobre esse assunto. – me levantei.

   -- Mas, querida, não quer falar sobre seu futuro marido?

   -- Não, mama. Ficou tudo resolvido e eu me casarei com Fahran Anthes, não há mais nada para discutir quanto a isso. – expliquei. – Eu realmente gostei dele e estou disposta a efetuar essa união, mas ainda assim a minha vida está nas mãos daquele homem, portanto quero aproveitar cada momento que me resta.

   Ambos não disseram nada mais, apenas assentiram, me vendo sair de casa e afundar na floresta cerrada. E agora que estava ali, esperaria o sol se pôr e iria atrás do homem pretencioso que me acusou de ser uma prostituta. Como ele se atrevia a me chamar por tal? Como ele desaparecera na minha frente em um piscar de olhos? Sim, eu sabia que tinha sido ele naquela noite. Seu olhar ficara gravado em minha mente de maneira a que eu o reconhecesse até no submundo.

   Contudo, emersa em meus pensamentos, um vulto passou por mim. O cheiro de pinhos silvestres invadiu minhas narinas. Era ele. O estranho bruxo estaria por aqui, mas onde?

   Parei no lugar e procurei com o olhar em cada fenda das árvores daquela floresta, no entanto alcancei um vislumbre azulado escondido em sombras.

   Eu não tenho medo de você, capitanum. - murmurei e segui por entre os troncos e ramos, disposta a confrontá-lo.


Notas Finais


Beijinhos!


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