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História Harpia - VII - Noivado


Escrita por: monecasssa

Notas do Autor


Boa leitura.
Capa: Fahran

Capítulo 8 - VII - Noivado


Fanfic / Fanfiction Harpia - VII - Noivado

Narrador

   Ele pensou alto, ainda saboreando a satisfação de a ter capturada em seus braços e, emergendo profundamente outra vez, respirou fundo quando recordou do momento que a amaldiçoou. Suas recordações se perpetuaram até a manhã do dia seguinte, quando o mago se levantou, banhou e vestiu suas armaduras para mais um dia atuando como capitanum do exército romano.

   Já nos arredores da cidade, a jovem não estava imune ao encantador homem presente em seu cérebro, mas, graças a algum dos deuses, os preparativos do casamento eram o suficiente para camuflar a vontade de matar alguém, ou melhor, ele. Ainda assim, ela se recordava perfeitamente do efeito de como ele a encantou. No fundo, a moça estava bem ciente do que acontecia, então porquê demorou tanto para quebrar o encanto? Porquê as palavras baixas e praticamente sensuais dele a afetou daquele jeito? Ela não tinha respostas para isso. Nem para isso nem para as milhares perguntas que lhe atormentavam, desde como sentiu-se atraída na floresta até a parte que seu corpo humano estava pairando no ar.

   Luna voltaria aquele círculo e procuraria respostas mas deixaria que alguns dias se passassem, pois encontrar aquele homem novamente não estava nos seus planos. Muito menos ouvir as ameaças implícitas sussurradas ao seu ouvido, sentir a força impenetrável de seus braços a mantendo sobre ele e, principalmente, estar tão perto daquele corpo alto, esbelto e quase pecaminoso.

   E essa deleitosa maneira de se lembrar do soldado distraiu a pequena que não reparou no chamado de Gianni, obrigando a mais velha perder a elegância e gritar.

   -- LUNA!

   Assustada, a garota deu um pulo ao mesmo tempo que o fino grito escapava de sua boca. Com a mão no coração, ela se virou.

   -- Quer me matar, mama?!

   -- Estou a minutos te chamando, filha. Está tudo bem com você? De certeza?

   -- Sim, é só que esse casamento está me deixando tonta. – respirou fundo.

   -- Venha, precisamos escrever cartas para anunciar o banquete do noivado.

   -- Está bem.

   Ela concordou e seguiu a mãe para o interior da casa. Gianni estava bem animada com a oportunidade de sua menina encarar com coragem o destino que a vida estava preparando; orgulho era uma coisa que ela tinha da pequena bebê que outrora ela própria se sacrificou para cuidar. Infelizmente, as dificuldades da sua situação financeira e o recém casamento com Martino Frozzo tinham sido fortes obstáculos para trazer Luna para casa, mas nem isso foi empecilho para que a amaldiçoada não vivesse num lar de carinho.

   Olhando para a morena, a mais velha não pôde deixar de esboçar um sorriso puro antes que a jovem percebesse. Sua filha sabia bem que as lembranças de quando ainda era um bebê abandonado machucavam Gianni pelo simples facto de sua doce menina ter sido sempre aquietada e sozinha, tendo apenas dois amigos que conheceu depois dos oito anos de idade: Loretta e Pietro. A mais nova não culpava seus pais adotivos por manterem tanto cuidado com ela, pois a única pessoa culpada era quem lhe colocara nesse mundo.

   Sentindo aquela raiva miudinha aparecer, Luna se sentou à mesa, onde sua mãe esperava.

   -- Começamos com Loretta, Pietro e seus companheiros. – a harpia disse. – Depois chamamos seus pais e os pais do papa. Alanzo, os gêmeos Orella e Orazzio, Verditti, Giulia, Enrico e Mia. – contando os nomes que escrevera, ela continuou. – Ao todo seremos 17 da minha parte. Com certeza Fahran trará mais umas 30 pessoas para o ritual do casamento, pois ele conhece mais pessoas que eu, e então seremos quase 50 cabeças.

   -- Certo. Eu providenciarei desde já os enfeites. Mas filha, primeiro falta o banquete do noivado e isso serão apenas as duas famílias. Só preciso que Martino tenha o dinheiro do dote e então marcamos a data.

   -- Ótimo, mama. Quanto mais cedo isso, melhor.

   As mulheres se levantaram, encerrando o assunto e continuando os afazeres até então interrompidos. Luna queria se enfiar na casa de Fahran e dispensar todo esse preparativo, mas o que ela não sabia era que seu pai já tinha o dinheiro em suas mãos, pois o presente de Perla, serviria exatamente para isso. Ele não quisera aceitar a encomenda levada pelo escravo, porém não poderia impedir a ligação quase inexistente entre mãe e filha. Guardou as 18 moedas de ouro e suspirou. Afinal, a jovem tinha sido a filha que ele nunca pudera ter.

*

   A última semana do verão havia chegado e, com ela, o dia da cerimônia sponsalia, na qual se reuniam as duas famílias para que o noivado se concretizasse. As últimas horas tinham sido uma completa correria na casa dos Frozzo, pois seria aí que se realizaria o banquete.

   Gianni havia preparado a maioria das comidas juntamente com Giulia e Mia, amigas da mulher. Pães, bolos e caldos haviam sido feitos; frutas frescas também estavam sobre a grande mesa improvisada no jardim, para além do vinho e água abundante.

   Luna vestia uma túnica bege; seu cabelo trançado e um pequeno colar no pescoço feminino. A jovem tinha conseguido convencer a família do noivo que o banquete fosse durante o dia e não após o pôr-do-sol, devido ao segredo que ninguém desconfiava.

   -- Você está bem, pequena?

   -- Sim, tia Giulia. – ela disse. – Não é nada com que eu tenha de temer.

   A loira assentiu, ao mesmo tempo que cavalos e carros pararam à porta da habitação. Num pulo, Luna viu pela última vez o seu reflexo no jarro de água e respirou fundo: era hora de conhecer os gregos.

   Fahran tinha trazido poucas pessoas, coisa que surpreendeu a moça. Apenas sua mãe viúva, seu melhor amigo e os irmãos. A mulher, Helena, tinha traços que denunciavam cansaço; mas ainda assim possuía longos cabelos num tom louro escuro e olhos castanhos, tal como os seis filhos, exceto o filho noivo cujos cabelos eram castanhos. Já o melhor amigo, era mais moreno que todos eles, seu cabelo enrolado e olhos que pareciam pequenas esferas de ônix.

   Após todas as apresentações, dirigiram-se para o jardim da casa onde a mesa estava montada; Helena torceu parcialmente o nariz, vendo que a família de sua futura nora era pobre; a mulher queria que seu filho mais velho se casasse com a filha de algum patrício, rica e refinada. Ela esperava mais de seu Fahran e criticava-o mentalmente, apesar de não fazer a mínima ideia que seu filho, na verdade, gostava de homens.

   A harpia percebeu o desconforto da sogra, no entanto manteve-se quieta. Todos sabiam que a aristocracia comia as refeições deitada em seus leitos, apoiados apenas por um cotovelo de modo que utilizavam um único braço para comerem ou simplemente tinham escravos que lhes davam os alimentos à boca. Helena deveria ter o costume dos ricos, embora Luna secretamente agradecer o facto de que a loira não fizesse nenhum escândalo sobre sua condição financeira.

   -- Bom, - o grego elevou a voz. – Eu tenho alguns presentes para a minha noiva, como é tradição. – ele abriu o embrulho que tinha e começou a retirar uma tiara de bronze, erguendo-a para que todos vissem, mas foi impedido pela morena.

   -- Eu não mereço tais presentes, o cavalo foi perfeito.

   Essa atitude dela chamou a atenção de Helena. Como ela ousa interromper seu futuro marido? Só podia ser alguém da plebe! No entanto, manteve sua boca fechada.

   Por outro lado, o noivo sorriu divertido, apreciando a característica audaciosa de sua confidente.

   -- Eu insisto. – então ergueu a voz, continuando. – Essa tiara representa a elevação de uma jovem para uma mulher, representa a ligação entre seu corpo e a natureza, algo que já vi que estão intimamemte ligados. – pousou a peça e tirou duas pulseiras douradas e grossas, -- Essas pulseiras representam sua força e bravura, e por fim, -- guardou os dois objetos, tirando um pequeno embrulho de onde lá dentro estava um anel trabalhado em ferro. Aproximando-se dela, tomou sua mão esquerda. – Esse anel simboliza nossa pré-união. Uma união que será agradável enquanto durar. – Fahran beijou o anelar esquerdo e o circulou com a aliança.

   Alguns sorrisos e palmas se ouviram até Martino se levantar da mesa com o contrato nupcial em mão. Os homens assinaram e o Frozzo pagou o dote, confirmando-se assim o noivado oficial dos dois jovens.

   O dia continuou com alegria e festejo. O vinho fora quase todo bebido e as pessoas tinham seus corações bem alegres, até que tomaram conta da aproximação do entardecer. Subtilmente, Luna deu um piscar de olhos ao homem que logo entendeu fazer parte do seu segredo. Com um abraço, as famílias se despediram, entrando no carro ao mesmo tempo que Gianni e Martino retiravam os objetos do lado de fora.

   Sozinhos, Fahran puxou o braço da harpia para outro lado da casa: longe das vistas dos outros.

   -- Luna, eu agradeço imenso o que tem feito por mim. Acho que você já viu que minha mãe é bem conservadora e convencer-lhe deste casamento foi muito difícil, imagina se ela descobre que eu... Bem, que eu...

   A morena apenas balançou a cabeça negativamente; tocando sua mão no rosto masculino, falou calmamente.

   -- Nós fizemos um acordo e eu vou cumprir o meu papel. Não se preocupe que irei conquistar sua mãe e viveremos em tranquilidade. Eu que agradeço você ter me ajudado, mas agora só temos momentos antes que minha maldição se manifeste.

   O jovem a acolheu em um abraço apertado, sussurrando imensos «obrigado» ao ouvido da morena, então se afastou, dando dois passos para trás, sendo impedido pela mão trêmula e pequena dela.

   -- Espere! Não quer ver como eu fico?

   Ele negou com carinho.

   -- Esse segredo é seu, Luna. Você não precisa se expôr; e, sendo minha esposa, eu não permitirei que te exponham.

   -- O-Obrigada, Fahran.

   O grego piscou e saiu dali, correndo para o carro que o levaria para a pousada onde sua família estava alojada. Vendo seu filho correndo, Helena bufou mostrando sua impaciência, mas só foi quando ele entrou no carro que ela disparou.

   -- Espero que não esteje fornicando com sua noiva antes do casamento.

   -- Não, mama. Luna é uma mulher pura e eu não mancharei sua pureza. – olhando para o local onde esteve poucos momentos atrás, ele esperou que ela saísse de lá, mas o que viu foi apenas uma sombra esverdeada por segundos antes de se dissipar no ar. O moreno suspirou pesaroso e deixou um múrmurio inaudível escapar: - Obrigado, pequena.

   A harpia levantou vôo e seguiu por algum tempo os cavalos que galopavam sobre os trilhos, antes de mudar a rota e sobrevoar o seu amado penhasco. Porém, na ponta onde ela costumava pousar para observar toda a extensão do mar Tirreno, alguém ocupava o seu lugar. Alguém que ela bem conhecia mas que a irritava profundamente.

   Para evitar confusões, a amaldiçoada recuou no intuito de afastar-se dali, mas a voz dele atingiu sua mente.

   Não fuja. Eu fiquei esperando por você.

 

Luna

   Oh, céus, porquê ele tinha que estar aqui?

   Não esquece que consigo te ouvir.

   Respirei fundo completamente cansada. Eu havia acabado de ter um dia cheio com uma futura sogra conservadora e, ainda por cima, quando vinha descansar vejo essa harpia chata e irritante bem no meu lugar com intenção de me aborrecer? Não, isso não.

   Pousei ao seu lado, mantendo minha cara virada para onde o sol se escondia. Fiquei calada por uns minutos e ele também, apreciando a vista e talvez pensando em alguma coisa desinteressante. Mas... Afinal, de onde essa harpia surgiu assim do nada?

   Você está quieta hoje... Aconteceu alguma coisa?

   Nada de importante.

   O macho concordou, olhando um bom tempo para mim antes de mover seu pescoço novamente.

   Estávamos na última semana do verão. Toda a natureza denunciava isso, pois muitas árvores começavam a ter suas folhas amareladas e murchas; as flores já haviam sumido e o que restava era a erva verde desprovida de tons coloridos. A própria floresta tinha-se preparado para a chegada do outono e mesmo os dias começavam a terminar mais cedo. A brisa fria durante a noite obrigava a que as pessoas passassem a escolher os vestidos mais grossos e não as túnicas frescas de verão.

   Eu teria o meu último inverno solteira e, no início da primavera, Fahran e eu nos tornaríamos um casal oficialmente.

   Suspirei e olhei para o pássaro ao meu lado. Eu deveria aproveitar sua companhia; finalmente havia conhecido alguém da minha espécie que comunicava tão bem comigo como um humano. Não custava nada apreciar sua boa disposição e animar o meu outono gelado. Afinal, ele não dissera quando iria partir e eu esperava secretamente que a harpia não fosse migrar para o sul, a fim de fugir do frio arrepiante.

   Ele sentiu meu olhar sobre suas penas maravilhosamente bem tratadas e virou o pescoço para mim, inclinando-o.

   Eu não sei se você me assusta mais gritando chateada ou calada me apreciando.

   Rolei os olhos.

   Me conta sobre você. – A ave voltou a inclinar sua cabeça e deixou escapar um pequeno sibilo.

   Você parece bem interessada em saber a vida de um pássaro. Eu tenho a certeza que foi muito semelhante à sua.

   Abanei negativamente, embora não falar nada e somente olhá-lo. Com isso, ele concordou, e, voltando o olhar para o mar, sua voz invadiu minha mente.

   Eu nasci, atingi a adolescência no ninho, voei para longe, encontrei uma fêmea, fui progenitor de três crias, as crias partiram, a minha fêmea foi caçada por uns humanos enquanto procurava por alimento, eu vi-a morta, então abri as minhas asas e viajei por anos. – ele fez uma curta pausa. – Descobri lugares onde ninguém da nossa espécie poderia estar, então... – me observou. – Te encontrei.

   Um pequeno desconforto invadiu minhas entranhas. Eu não sabia explicar detalhadamente o motivo, mas suas duas finais palavras me fizeram sentir de uma maneira como se eu própria tivesse me encontrado junto com o macho. O curto olhar animal e preto me dava a sensação de já ter sentido isso antes. Mantive dois segundos tentando relembrar quem me fizera ter tal sensação porém me arrependi quando vislumbrei mentalmente um par de olhos azuis. Pisquei rapidamente e olhei para o céu escuro.

   Você deve ter ido a lugares muito bonitos... Nem quero imaginar quantos anos tem...

   Senti sua gargalhada selvagem. Mesmo que as aves não gargalhavam como humanos, era fácil ler esses comportamentos nele.

   Eu sou um pouco velho sim, mas nada que não tenha passado da fase adulta. Mas e você? Como veio parar aqui se o seu habitat é nas florestas úmidas do sul?

   Suspirei.
   É uma longa história que começa por uma coisa que nem eu sei explicar. Alguns chamam magia, outros bruxaria, maldição... Eu chamo «troco».

   Troco?

   Sim. Essa não é a minha forma normal. – confessei. – Eu fui o motivo da falta de esperança numa casa, tentaram me consertar mas me transformaram numa aberração... A aberração foi o troco.

   Como...?

   Me levantei, sacudindo as penas. Estiquei todo o comprimento de minhas asas e recebi a frescura marítima. Ele se manteve quieto, de pé, me encarando e mantendo o resistente bico escuro fechado.

   Eu não sei como isso aconteceu, nem me interessa quem o fez. A minha vida e alma foram condenadas e ao mesmo tempo retiradas de mim.

   Ganhei impulso e bati as longas asas, voando no escuro como se fosse um vulto à volta de toda a parede do precipício. Com ajuda da corrente de ar, embalei meu corpo e tive maior velocidade. No entanto, antes de me afastar numa distância que deixaria de ouvir o macho, pensei, sabendo que ele ouviria.

   Apesar de tudo, a sua companhia faz isso ficar melhor, galinha irritante.


Notas Finais


Até o próximo! Comentem e favoritem. (;


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