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História Harpia - IX - Mãe


Escrita por: monecasssa

Notas do Autor


Demorei um mês, mas já voltei, anjinhos!
Boa leitura.

Capítulo 9 - IX - Mãe


Narrador

   Luna teria percorrido uma enorme extensão junto à costa italiana. Sua velocidade era tanta que rapidamente a harpia tinha saído das fronteiras de Nápoles, sobrevoando as praias das províncias seguintes. Seus pensamentos estavam desligados e sua consciência um pouco mais leve por desabafar com alguém que não fosse sua família. Não que aquele macho fosse uma pessoa, mas a jovem se sentia na presença de um humano com ele. Pelo menos era isso que ela acreditava.

   Lá atrás, nos galhos da mesma árvore, a ave permanecia sentada. Ele ouvira o que a menina disse e respondera silenciosamente:

   Eu sinto o mesmo.

   Seus ouvidos mágicos ouviam o bater das asas dela que denunciava uma distância considerável de quilômetros entre eles. Ele ouviu quando ela pousou; o coração acelerado, a respiração ofegante e o ruído das penas se esfregando umas nas outras.

   Saber como a jovem se sentia tão desamparada e oca fizera com que Filippo se sentisse pesaroso, mas nada que fosse arrependimento; Perla havia pedido algo que deveria ser pago e como forma de castigo a essência de sua filha recém-nascida fora tomada. Luna sabia disso e se considerava um troco de sua mãe.

  O mago suspirou. Mas porquê se importava tanto? Por acaso não tinha seu trabalho finalizado? O que o atraía para aquela criança? Ele mentira, manipulara, ocultara e amaldiçoara a garota. Sua frieza e insensibilidade não deixavam que nenhum arrependimento subisse à sua mente, mas qual seria a razão de não conseguir simplesmente ignorar a harpia fêmea? Inclusive inventou uma história mal contada de ter vindo das florestas do sul! Onde estaria a sua cabeça assente na razão?

   Ridículo.

   Ao mesmo tempo, Filippo apreciava estar junto a ela. Seus olhos indomáveis na tonalidade castanha escura, seu cabelo trançado emoldurando o rosto juvenil mas feroz e os contornos da silhueta esguia... Que imagem viciante!

   A criança deveria ter-lhe lançado algum feitiço, não seria possível outra resposta plausível para que Luna invadisse seus pensamentos assim tão inocentemente e ainda assim o enfrentasse tão deliberadamente.

   O feiticeiro moveu seus músculos e sobrevoou o caminho para sua casa. Em breve ela iria se casar e Filippo precisava se controlar antes que perdesse por completo sua sanidade e matasse o grego por tomar sua criança de si.

   Mas que porra ando eu a pensar?! – se castigou e então pousou na varanda do seu quarto, entrando como uma sombra na casa que vivia apenas com poucos escravos e servos. Com um movimento simples, retornou à forma original.

   Filippo bebeu um pouco de água e afundou em seu leito, cobrindo o corpo nu da tranformação com um fino lençol para adormecer tranquilamente. Enquanto isso, Luna regressava para casa. Depois de ter estado mais calma, seus lençóis e mantos pareciam uma melhor opção em comparação com os galhos altos das árvores.

Dois meses depois

   O inverno aproximava-se, demarcando sua estação com chuvas fortes e frio. Muito frio.

   A jovem plebéia sacudia as selas do cavalo cinza com pressa. O céu pintado da mesma tonalidade do cavalo anunciavam mais chuva, por isso a pequena galopava pelos trilhos em direção à cidade. Seu pai, Martino, se distraíra pela manhã e esquecera a marmita com o almoço. Assim que Gianni viu o embrulho de panos sobre a mesa e o caldo ainda quente, pediu que sua filha levasse a comida; mas agora olhava preocupada para as nuvens pesadas.

   -- Espero que ela volte antes do temporal.

   Entretanto, Luna havia chegado ao centro da cidade. As estreitas ruas estavam mais vazias que o habitual, porém muita gente ainda arriscava fazer suas compras. As lojas tinham suas portas abertas e os bares ainda mais cheios, pois muitos fugiam do mal tempo dentro dos estabelecimentos, bebendo um bom vinho para se aquecerem do frio.

   A garota saiu de cima do animal e segurou a rédea; o capuz da capa na cabeça feminina cobria seus fios trançados e parcialmente o rosto da mesma. Com uma mão na rédea e outra na bolsa com o almoço, Luna caminhou diretamente para a sapataria. Atrelou o cavalo e entrou na loja.

   -- Filha? – Martino disse, espantado com a visita inesperada. – O que te traz por aqui? Aconteceu alguma coisa?

   -- Não, papa.

   A menina se aproximou do homem sentado num banquinho costurando algumas tiras de couro.

   -- Você esqueceu seu almoço em casa. – ela abriu a bolsa, retirando a marmita de argila. – Mama aqueceu-o novamente, assim não precisa se preocupar.

   Frozzo se levantou e alcançou a comida, pousando-a num balcão ao fundo da sapataria. A jovem ficou uns momentos observando vários modelos de sandálias que seu pai fazia, então pegou num modelo que parecia muito com as que se usavam nas batalhas.

   -- Seu servo não trabalha hoje?

   -- Não. – ele disse. – Houve um problema com sua filha mais nova e ele pediu que o dispensasse.

   A moça pousou o calçado e se aproximou de Martino, que voltara a costurar.

   -- Hum. Então eu vou indo para...

   A harpia não acabou de falar quando barulhos de pessoas entrando na loja se ouviram. A menina se virou para trás ao mesmo tempo que seu pai ficava tenso, levantando-se do banquinho para atender a bonita mulher que entrava, sendo acompanhada por uma serva. Ela estava vestida com uma combinação cara de algodão e lã; a pele morena e o cabelo trançado lateralmente tal como os olhos cor-de-mel eram bastante conhecidos para o sapateiro, mas não para a jovem.

   Perla olhou a mais nova, abrindo sua boca por alguns segundos e arregalando os olhos. Pelos deuses! Quanto ela crescera! Da última vez que a vira, ainda era uma criança de onze anos, mas agora... Depois de tanto tempo fugindo e escondendo seus pecados, ela a vira e Luna também a vira.

   Olhos nos olhos se fitando. A jovem estava completamente impassível porém ninguém precisaria esclarecer nada, a amaldiçoada sabia que fora essa aristocrata que a quis torná-la diferente, recorrendo a magias.

   Perla abriu um sorriso após o choque, sorriso que não foi respondido, ao invés disso, Luna pegou sua bolsa de couro, enlaçando-a ao pescoço.

   -- Bom trabalho, papa. Nos veremos mais tarde.

   Ela deu um beijo no rosto do homem e saiu, passando pela mulher.

   -- Bom dia, senhora. -- Perla a agarrou pelo braço, fazendo com que a menina voltasse. – Há algum problema?

   -- Nenhum. É só que... – a romana rica tremia. – Você está tão linda. – os olhos da mais velha correram pela amaldiçoada, parando na mão do braço por onde a alcançou. A jóia de ferro trabalhado saltou em seu olhar, lhe fazendo erguer as sombrancelhas. – E já está noiva!

   Educadamente Luna se soltou das mãos macias e adornadas em anéis e pulseiras douradas, mantendo seu olhar ainda sem emoção.

   -- Dimitte me (*me desculpe), senhora. Isso não lhe diz respeito.

   Então saiu da sapataria. Segurando as lágrimas que ameaçavam cair, a menina soltou seu cavalo e o levou até sair do centro da cidade, caminhando por entre ruas e ruelas até o movimento estar bem pouco; a seguir montou sobre o cinzento e partiu para o campo.

   Perla ainda estava estática à porta da loja, olhando para o nada, até que Martino a conduziu a um pequeno assento, indo buscar um copo com água.

   -- Eu não sabia que ela viria hoje. – se desculpou.

   -- Não há problema, Martino. – deu um gole na bebida fresca. – Ela sabe quem eu sou. Eu vi no olhar frio dela... Luna não demonstrou um pingo de emoção. Nem ódio, nem amor, nem mesmo indiferença: ela não mostrou nada!

   O sapateiro suspirou.

   -- Luna é muito inteligente e tem suas próprias convicções. Eu tenho visto o quanto ela é capaz de reter suas emoções. – ele sorriu breve. – Ela está noiva de um grego, Fahran Anthes, um patrício. Ambos se casarão na próxima primavera, e depois irão viver numa casa que ele comprará.

   Ela ouvia tudo com interesse, apesar disso, o olhar castanho de sua filha martelava a mente da mulher. O que poderia fazer para não ser odiada? A esposa de Lorazzo Orestila passou a mão pelo rosto e se levantou, aparentemente determinada a retomar sua pose, então virou para a serva, dando algumas moedas de prata.

    -- Estarei no carro, portanto pegue alguns pares de calceus (*sapato) para meu marido. – a seguir olhou o Frozzo. – Obrigada por tudo, Martino. Da próxima vez mandarei minha serva verificar se será segura a minha entrada.

   O homem esboçou uma expressão triste mas concordou com a rica, indo escolher os melhores pares para sua cliente. Assim que a serva entrou no carro com o embrulho dos calçados, o escravo abanou as rédeas dos cavalos que trotaram para fora da cidade. Porém, ao sair de Nápoles, os animais pararam numa freiada brusca. Perla se debruçou para ver o motivo disso e seu coração travou ao vê-lo impedindo a passagem. Seu olhar assustado encontrou um sorriso inexpressivo, antes de ouvir a voz que temera durante 18 anos.

   -- Há quanto tempo, querida Perla!

   Os olhos cor-de-mel se arregalaram quando a mulher desceu da estrutura da carruagem; ela caminhou alguns metros para a frente, observando atentamente; como seria possível que em 18 anos ele não mudara nada? Como seria possível que seu semblante se assemelhasse tão jovem e tão bonito como quando o encontrou naquele casebre em Roma?

   -- O que faz aqui?

   -- Pelo que eu saiba, o caminho é livre para todos e eu, como capitanum, tenho o dever de circular por aqui. – sua voz soou baixa mas autoritária. – Aliás, Nápoles tem sido uma bonita cidade com jovens maravilhosas que têm de ser vigiadas.

   A romana deu um passo a frente, apontando o indicador.

   -- Não olhe para a minha filha!

   -- Pelo que eu saiba você não tem filhas... Se bem me lembro, entregou sua criança a um casal pobre.

   -- Você entendeu muito bem o que quis dizer. Eu juro que se você tocar em Luna, eu...

   Filippo gargalhou.

   -- Cara Perla, você não pode fazer nada. E se me permite, irei dar-lhe um conselho: deixe a criança viver o resto de sua vida em paz. Não a venha perturbar agora. Sempre cuidou dela às ocultas, certo? Continue assim que Luna Frozzo ficará bem melhor.

   -- Você não sabe do que está falando!

   O feiticeiro deu dois passos para a frente, intimidando a aristocrata que se encolheu com receio que ele fizesse alguma coisa. No entanto, o homem deu uma volta ao redor de Perla, perigosamente assustador; ele sabia muito bem que a mãe verdadeira estava assustada e ainda não recuperara: Filippo apenas queria se divertir um pouco.

   -- Sei muito bem do que estou falando. Eu tenho os fragmentos da alma de Luna e você sabe que enquanto eu tiver, ela me pertencerá. – sussurrou junto ao ouvido dela. – Aquela criança sente uma única coisa por você... – fez uma pausa, alisando a trança que pendia no ombro direito para acrescentar: – Desprezo.

   A romana estremeceu totalmente. Fechou seus olhos e respirou fundo para acalmar seu corpo, porém quando os abriu, olhou em seu redor, assustando-se por não ver o feiticeiro muito menos seu escravo e criada; contudo a carruagem permanecia no caminho. Mesmo estando vazia, a mulher juntou a barra de seus vestidos, adentrando e puxando as rédeas violentamente, maldizendo o mago. 

   Ele a observava no alto de uma árvore, em forma de um pequeno pássaro. Seu interior gargalhava de bem-estar por vê-la com medo e assombrada enquanto corria feito louca sozinha naquela carruagem. Porém, o soldado não demorou muito tempo ali: gotas grossas de chuva o molharam. Havia começado a chover.

   Não muito longe, uma jovem forçava seu cavalo a galopar mais depressa, mas ela só viu o estado do temporal quando um clarão de relâmpago e um barulho horrendo de trovões surgiu. Seria perigoso ir até casa mas, a meio do caminho, Luna avistou uma pequena cabana abandonada. Puxou as rédeas do cavalo cinzento e se conduziu até lá para se abrigar.

   -- Olá? Está alguém aqui? – gritou da porta, mas como não obteve respostas desceu do equino e o conduziu para dentro. – Isso aqui servirá de abrigo, pequeno.

   Retirou a capa molhada e a prendeu num pedaço de rocha saliente da parede para que secasse. Depois se livrou das túnicas de lã, torcendo-as para que a água saísse. Seu corpo era apenas coberto pelo fino tecido de algodão e pelas roupas interiores; a morena soltou o cabelo para secar mais rápido e logo procurou pelo forno para que pudesse acender e se aquecer.

   Aquela cabana era uma salvação, havendo somente dois cômodos: um com uma mesa velha e um forno de cozinha e outro com um pequeno leito.

   -- Estamos tendo sorte. – falou para o cavalo. – Temos como nos aquecer aqui.

   Um relincho fora a resposta. Alguns minutos depois, com o fogo ligado e ambos junto ao forno para se aquecerem, Filippo viu que seria hora de aparecer, afinal, ele não teria feito surgir aquela cabana do nada sem ao menos estar interessado em ficar por alguns momentos junto da sua criança corajosa.

   O homem saiu magicamente da segunda divisão, se encostando no batente da porta. Em silêncio a observava sentada de costas, acariciando o cavalo sentado que também aproveitava o calor. Quem diria que algum dia o temível mago fosse utilizar sua magia para deixar uma simples menina minimamente confortável!?

   Com intenção de abandonar esses pensamentos repentinos, o feiticeiro forçou um som em sua garganta, chamando a atenção do animal e da menina que olharam para trás; Luna deixou que um pequeno grito de susto escapasse e logo se pôs de pé. Arrepios de assombro a incomodaram... Como ele entrou sem ser visto? Logo ele, a pessoa que menos queria ver à sua frente.

   -- O que faz aqui?!  

   -- Vejo que tenho convidados. – Filippo respondeu cru mas com uma pontada de diversão oculta. – É estranho... – se fez de desentendido. -- Não me lembro de ter aberto as portas de meu pequeno barraco para ninguém.

   -- S-Seu?

   -- Foi o que eu disse. - o homem rematou a fala com um curto e maldoso sorriso, a amaldiçoada se encolheu.

   Ao fim de dois meses você sozinho comigo outra vez... Isso é tão estupidamente perigoso, pensou ela com os olhos fixos nas íris hipnóticas do mago.


Notas Finais


Beijinhos!


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