I was lost and wandering
I couldn’t see your face
That tangled branch inside me
Grew and grew to a deeper place
Se há uma estação perfeita para se conhecer a França, essa estação é o outono. Com o verão se despedindo de maneira tímida, a estação mais romântica e poética entra em cena. É o momento perfeito para turistas conhecerem o país, e até para nativos explorarem algumas terras distantes.
Lysandre era um desses nativos. Apesar da época inspirar romantismo e poesia, o rapaz não sentia que estava no clima para qualquer atividade que envolvesse romance. Devido a alguns problemas pessoais, se encontrava mais recluso que o normal. Não deixava de realizar suas atividades do dia a dia, mas também não encontrava tanta graça nas mesmas.
“Compor nunca fora uma atividade tão cansativa” suspirou o Ainsworth em meio ao pensamento. De certa forma, relembrar era doloroso.
Lysandre recordava com clareza dos momentos de tensão daquela noite; suas mãos tremiam tanto que o chá que tomava derramou da borda para suas calças. Aquela conversa com Christina havia sugado suas energias. Talvez mudar de ares lhe fizesse bem.
Fora seu irmão Leigh que o convencera a viajar. Oras, era a época da rota dos vinhos de Alsace! A combinação perfeita; o encontro entre bebidas e poesia! E tudo isso ornado pelas belíssimas paisagens dos villages fleuris¹.
Ambos já tinham partido faziam alguns dias. A viagem de Paris até Turckheim fora bem cansativa. São aproximadamente 400km, ou mais, até lá. Apesar de terem ido de avião, fazendo com que cinco horas dentro de um carro se reduzisse para uma, pegar o voo de madrugada fora exaustivo. A garota loira da poltrona ao lado era um exemplo claro. Lysandre se lembrava vagamente do rosto verde da moça, seria cômico se não fosse trágico. Ela vomitou na senhora ao lado, não fora uma cena bonita.
O caminho ideal para realizar essa viagem era sair da Suíça, já que a região do leste francês faz fronteira com o país, mas os planos eram outros. A viagem começou em Turckheim, passariam apenas um dia por lá e logo partiriam em direção a Eguisheim de trem. Seriam apenas dois dias no vilarejo e depois iriam para Colmar, e finalmente finalizariam a viagem indo de carro para a Basiléia, na Suíça.
Leigh estava particularmente entusiasmado e louco para chegar em Colmar. Sua namorada, Rosalya, o aguardava na cidade. Já Lysandre estaria muito mais empolgado se não se encontrasse em um estado tão melancólico. Sabia que a intenção de seu irmão era fazê-lo se distrair, mas todo aquele ar romântico daquela estação não ajudava. Vira e mexe pensava em Christina, e por consequência, o término repentino.
[...]
“O clima em Paris se encontrava ameno. Do alto do prédio era possível visualizar as inúmeras ruas iluminadas, tanto pela luz pública quanto as residenciais. Era como se as estrelas estivessem no chão em vez do céu.
Lysandre havia voltado de uma reunião na gravadora. Fora exaustivo. O produtor principal era, digamos, uma pessoa difícil de lidar. O método de trabalho do Ainsworth era completamente diferente do que o produtor queria. Lysandre apenas aceitou pela consideração que tinha por Circe, a baterista da banda. Eram amigos de longa data e ele sempre a ajudava, seja auxiliando por fora ou entrando de cabeça em seus projetos.
Ao adentrar em seu apartamento, Lysandre só queria paz. Precisava relaxar e o ambiente calmo de sua casa seria o local ideal. Seu irmão Leigh não se encontrava, provavelmente estava na casa da namorada. O silêncio era acolhedor.
O apartamento que os irmãos Ainsworth dividiam tinha um tamanho considerável. A residência não possuía muitas paredes, fazendo com que a sala de jantar e a de estar estivessem apenas dividas pelo tapete verde. A cozinha era no estilo americano e proporcionava uma interação com quem estivesse na sala de jantar. Era possível ver alguns materiais de costura em cima da mesa de centro e algumas partituras no balcão da cozinha. Não era típico dos irmãos deixarem bagunça nas áreas de convivência, mas isso sempre se tornava impossível quando o trabalho de ambos acumulava.
Lysandre se dirigiu até o seu quarto. A cama de casal estava desarrumada e era possível ver uma das paredes lotadas de post-it colados, papéis e algumas fotos. Alguns livros de poesia se encontravam no chão, fora de suas estantes. Era uma bagunça organizada. O importante era que ele se encontrasse naquele meio, o resto era resto.
Seguindo para a suíte do quarto, Lysandre tirou a roupa e adentrou no box para tomar banho. O contato da pele com a água quente fez o corpo do platinado relaxar. O rapaz precisava disso depois de uma semana cansativa. Seus pensamentos divagavam, novas composições eram elaboradas. Logo, o rapaz saiu do banho; precisava anotá-las.
Antes mesmo de vestir qualquer peça de roupa, Lysandre anotou suas ideias em um papel qualquer. Fora quando o rapaz estava vestindo a cueca box que seu celular apitou, indicando que uma nova mensagem havia chegado. Era sua namorada, Christina, dizendo que estava a caminho da casa do platinado. O rapaz sorriu de canto, fazia tempo que não via sua namorada. O trabalho de ambos impedia que se vissem com a frequência que ele desejava.
Lysandre já se encontrava vestido e preparando um chá na cozinha quando o interfone tocou; ele o atendeu de imediato. Era o porteiro avisando que Christina estava subindo. Fora quando serviu seu chá que a campainha tocou.
– Olá Lys – Christina o cumprimentou. Lysandre dera espaço para a mesma adentrar na residência.
Após fechar a porta, o jovem se dirigia até sua namorada para lhe beijar de maneira cálida. Mas antes que pudesse encostar em sua cintura, Christina se pronunciou mais uma vez:
– Precisamos conversar.
– Claro... – Lysandre recuou, achando sua namorada esquisita – Quer um pouco de chá?
– Não, obrigada.
Christina se encontrava estranha. Seus olhos vagueavam pelo apartamento e a morena esmagava suas mãos uma na outra. Lysandre notou o nervosismo da companheira. Em silêncio, fora até o balcão da cozinha pegar o seu chá – já servido e que esfriava.
– Lysandre, eu quero contar algo importante... – começou Christina. O rapaz já bebericava o seu chá, olhava curioso para Christina. Algo a inquietava, ela não era boa em esconder suas emoções.
– Eu fiz algo errado... Não queria que você soubesse por terceiros... – continuou a morena. Suas falas tinham pausas longas e ela nunca conseguia encarar Lysandre por muito tempo nos olhos. Algo a corroía por dentro.
– Diga o que lhe incomoda Tina – ele ofereceu um lugar para a morena sentar, mas a mesma recusou com um aceno de cabeça. Parecia querer evitar qualquer tipo de contato com o namorado.
– Irei contar de maneira breve – suspirando e reunindo toda a coragem que lhe restava, disse as palavras que a fizeram rumar até aquele apartamento:
– Eu quero terminar.
Lysandre tomou um susto com a frase dita. Suas mãos tremiam e o chá derrubou da borda para suas calças. A temperatura, já morna, não o incomodou. O que doía mais eram as palavras ditas. Os olhos bicolores encararam os castanhos. Lysandre ainda processava a informação.
– Eu posso saber o motivo? – perguntou.
– Eu fiz algo errado, não vou entrar em detalhes, mas... Eu quero terminar. – os olhos castanhos começavam a se encher de lágrimas. – Eu... Eu acho melhor para nós dois. Por favor, entenda. Eu... Eu não posso levar essa relação adiante... Por favor, não pergunte o porquê.
– É difícil entender sem uma explicação concreta... – Lysandre a encarou. Colocou a xícara de chá pela metade, em cima da mesa de centro. Não iria desrespeitar a decisão da mesma, mas se sentia magoado por Christina nem ao menos querer compartilhar o motivo.
Em um impulso Lysandre se levantou. Era bem mais alto que a namorada, ou melhor, ex-namorada. Se aproximou da mesma e segurou o braço direito dela, mas logo o soltou. Suspirou. As emoções, antes tão estampadas em seu rosto, se tornaram misteriosas. Era impossível saber o que se passava na cabeça do platinado.
– Então... terminamos? – perguntou em um tom receoso, mas sem mudar a expressão. Christina acenou com a cabeça. O seu corpo tremia. Ela não queria contar o motivo e Lysandre iria respeitar.
– Te acompanho até a porta.
– Não precisa.
Christina rumou até a saída apressada. Da mesma maneira rápida que a moça adentrou em sua vida, ela saiu. Era como se completasse um ciclo. Lysandre ficou estático em meio à sala. Seu peito ainda doía e tentava processar a informação, mas a falta de explicação era o que mais machucava. Não sabia dizer se Christina o havia traído ou apenas estava desgostosa com o relacionamento.
O Ainsworth suspirou. Precisava compor para aliviar a tensão. Rumou para o quarto e pegou seu bloco de notas, até então esquecido em meio a livros e papéis. O folheou. Começou a escrever e descarregar a sua dor nas folhas amareladas. O engraçado era que o rapaz nunca havia composto nada para a ex-namorada. Talvez fosse um sinal para terminar. ”
[...]
Lembrar daquela noite ainda o machucava. Christina fora importante, por mais que o jovem enxergasse que nunca chegou a amá-la, gostava dela. Mas o sentimento, apesar de forte, não era o mesmo que o começo da relação.
“Talvez nem o começo tenha sido tão maravilhoso assim” pensou amargurado. Determinado a se distrair, Lysandre focou seu olhar na paisagem do vilarejo.
Tudo ao seu redor era belo. Turckheim é um típico villages fleuris, com suas pequenas casas coloridas ornadas por flores. Era como uma cidade de um conto de fadas. A praça central do vilarejo possuía uma fonte que ostentava diversas esculturas de anjos. O principal hotel, o mais badalado, tinha sua enorme parede coberta por trepadeiras em um verde vivo. Era possível encontrar inúmeras lojinhas vendendo souvenir em formato de cegonha, o símbolo da região de Alsace.
Leigh se encontrava empolgado com tudo aquilo, à sua maneira.
– Como esse vilarejo é bonito! – comentou entusiasmado. O olhar do moreno percorria cada canto da pequena cidade. – Vamos Lysandre, se empolgue irmão!
Lysandre estava gostando de visitar o leste francês, mas realmente não estava no clima. Não no outono; não em uma das estações mais românticas do ano. Aquela viagem parecia jogar na sua cara o namoro fracassado.
– Se fosse em qualquer outra época do ano... – começou o platinado, mas fora interrompido por seu irmão.
– Eu sei Lys, apenas tente curtir a viagem – Leigh olhou seu irmão nos olhos e completou – Vamos, você adora vinho e poesia. E logo iremos partir para Turckheim, aproveite.
Seguindo o conselho de seu irmão, Lysandre tentou curtiu o vilarejo ao máximo. Bebeu um pouco do vinho típico, o Adam emotion crémant², e provou algumas comidas. No final, a estadia em Turckheim fora proveitosa. Até se arriscou a desenhar algumas paisagens e escrever pequenos poemas sobre o vilarejo.
[...]
Já na estação de trem, Lysandre se encontrava com um humor muito melhor. Havia tentando imergir no seu papel de turista e, até o momento, havia obtido sucesso. Agora ele e seu irmão partiriam para Eguisheim.
A estação estava com algumas pessoas. Nem tão cheia e nem tão vazia. Aquele seria o último trem que partiria em direção ao outro vilarejo. Lysandre se encontrava andando na direção do transporte. Iria embarcar e relaxar na cabine.
Andava distraído, e logo não notou a moça à sua frente. Esbarrou com tudo na mesma.
– Mil perdões – desculpou-se de imediato.
A mulher, de cabelo loiros, não chegara a cair. Apenas dera uma leve desequilibrada, a mesma se encontrava de costas para o platinado.
– Você está bem senhorita? – perguntou cauteloso, o rapaz.
– Minha maçã... – choramingou a moça.
Após a frase dita, Lysandre percorreu o olhar pelo chão da estação. Logo avistou a maçã, semi mordida, caída no chão. Era uma fruta típica do outono, parecia estar suculenta.
– Senhorita, mil perdões. – desculpou-se novamente – Eu posso lhe...
Lysandre ia tocar o ombro da moça para fazê-la virar-se e encará-lo, mas a mesma saiu andando rapidamente, pegou a maçã do chão e jogou-a na lixeira à frente. A mulher virou o rosto de lado e ele pode deslumbrar um pouco da face da jovem – apesar dos cabelos dela atrapalharem o reconhecimento de detalhes.
– Não tem problema – disse a garota – Bom, o trem irá partir. Tchau.
A mesma saiu em uma velocidade absurda para logo travar na entrada do transporte. O platinado achou aquela atitude peculiar, a garota nem ao menos chegou a olhá-lo direito.
Observando de longe, Lysandre a viu adentrar no trem, apesar da relutância. Ele ouviu seu nome ser chamado, era Leigh o pedindo que embarcasse logo; e assim o fez. O Ainsworth rumou em direção a entrada para o embarque, continuava distraído. Mas não mais pelas lembranças que o perseguiam, mas sim, pela moça peculiar. Por algum motivo ela lhe lembrava a cor verde.
– Esquisito – sussurrou para si mesmo.
My eyes are open
Open wide. We’re strangers in the dark tonight
Blind hope and we don’t ask why
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