História HeadAche - Black rocks and shoreline sand

Ofegante e suada.

Era como Eve estava agora.

Dentro de sua casa ela andava de um lado para o outro enquanto os dois garotos estavam tendo uma crise existencial na pequena sala de estar.

Eve tinha corrido para o antigo quarto de sua mãe e procurava rápido por entre os livros que a mesma costumava manter. Seu corpo inteiro com dores laterais, por conta da falta de costume enorme com corridas, e ela tremia ansiosa.

Há quanto tempo ela não entrava naquele quarto? Há quanto tempo ela não olhava aqueles livros? Não sabia dizer, nem queria pensar que estava la dentro, mas tinha motivos mais urgentes para resolver.

Kyle tinha as mãos sobre sua cabeça  e encarava o chão, as mesmas criaturas fada que os defenderam um tempo atrás pareciam celebrar, dançando, enquanto brincavam com os cadarços de seus sapatos.

Ele estava claramente em choque.

Rafael o observava curioso e tentava encontrar algum motivo lógico para tudo aquilo, imaginou processos ilusórios, esquizofrenia coletiva, se perguntava como tudo aquilo era possível tantas vezes e falhava muito enquanto tentava encontrar uma solução.

Seus pés moviam-se agitados, deixando claro seu nervosismo.

O loiro tentou se focar no ambiente ao redor, a casa era totalmente de madeira e com móveis simples, era do tamanho de um apartamento pequeno, cheia de estantes com livros que pareciam não ser abertos a algum tempo.

Ele estava sentado em uma pequena poltrona, o mais distante possível de Kyle, com medo de que aquele mundo surreal o transformasse em um lobo deformado e devorasse o loiro vivo.

Seus sapatos estavam jogados na estrada, a porta havia sido arrombada e estava sendo bloqueada por uma poltrona igualmente velha. Tinham muitas criaturas pequenas ao redor e ele se sentiu um pouco incomodado com elas.

Lembrou dos boatos de que Eve conseguia ver espíritos e logo se perguntou se era aquilo que ela vivia todos os dias. Era agonizante.

Eve apareceu com alguns livros e olhou para os outros dois como se eles fossem fantasmas, ela ainda não acreditava que eles pudessem ver.

- Por favor... Me expliquem, que porra está acontecendo?! - Kyle ergeu sua cabeça furioso e confuso olhando para os dois.

Eve respirou fundo antes de se sentar no chão e espalhar os livros a sua frente.

- Desde que eu nasci... - Começou a falar com uma voz alta, porém tímida. - Vejo coisas que ninguém consegue. Minha mãe também via as mesmas coisas e ela sempre me protegeu das criaturas. - Falou, ambos os garotos prestavam atenção em tudo aquilo. - Ela costumava escrever livros nomeando cada uma e anotando suas habilidades, mas ela morreu quando eu era muito nova e admito que não fazia a menos ideia que vocês poderiam ver através do contato com elas... - Apontou para as criaturas que dançavam aos pés de Kyle.

Então Eve abriu um dos livros, em uma pagina ja marcada por ela própria alguns minutos antes, e mostrou a ele um desenho detalhado da mesma espécie, com diversas anotações ao seu lado.

- Minha mãe escreveu aqui que o pó que elas jogaram em seus rostos causa uma espécie de "visão temporária" permitindo-os de ver este outro lado do mundo. - Eve começou. - Eu sinceramente não faço ideia de como isto é possível, mas bate com o que vimos elas fazerem com Rafael.

- Pra merda. - Kyle falou movendo seus braços para cima. - Você espera mesmo que eu acredite nisto?! - Riu com desgosto.

- Bem... Como mais você explicaria isto? - Eve perguntou, um pouco magoada pela reação do outro.

- Não é óbvio?! Algum tipo de droga ou doença mental! - Kyle se levantou e andou de um lado para o outro.

Ele não era usuário de drogas, mas o pó que sentiu no rostou o deixou com sérias duvidas, Eve estava para falar quando Rafael a cortou 

- Eu também gastei um tempo tentando achar alguma resposta lógica para isto, mas até agora nunca ouvi falar de uma doença ou droga que faça ter ilusões coletivas. Todos estamos vendo elas, todos vimos o lobo e vimos o Alce matando ele, todos nós vimos tudo isso... - Rafael.

- Existe uma doença assim e se chama religião. - Kyle murmurou, definitivamente frustrado. - E como eu saberei se vocês são reais então?! Até onde sei vocês são tão reais quanto estes bichos! Eu posso está no meio da rua tendo um ataque psicótico agora e não saber!

- Então torça para não ser atropelado por um caminhão. - Eve falou, contendo uma raiva que estava começando a ficar evidente em sua voz. - Mas eu posso garantir que isto tudo é real, queira você acredite ou não. O livro diz que é temporário então não se preocupe. Pelo menos vocês podem voltar para suas vidinhas normais e sem gosto.

Kyle engoliu em seco antes de se forçar a sentar novamente, Rafael olhou para ela como se arrependesse do que havia falado. E de fato se arrependia, ele havia acabado de admitir que o dom dela era uma doença, e Kyle tinha feito o mesmo.

Ambos estavam agindo como se fosse o fim do mundo enquanto na sua frente estava uma mulher que não tinha escolha se não viver daquela forma.

- ... Me diga o que aconteceu. - Eve perguntou para Kyle após algum tempo.

Ele respirou fundo e esfregou os olhos antes de começar a falar.

- Eu estava no meu carro, terminando o lanche que tinha quando senti algo ser jogado contra minha cara. - Falava devagar e sem vida. - Quando percebi uma dessas coisas...

- Brell's - Eve falou o nome da espécie que estava anotado no livro.

- Isso... Apareceu na minha frente. Tomei um susto e me agitei, ela começou a me empurrar e tentar me puxar quando eu sai do carro tentando despista-la. Mais dessas coisas vieram e começaram a me puxar e gritar, eu entrei em desespero e comecei a correr... Nem sei se fechei a porta do meu carro. - Rio de se mesmo enquanto esfregava as têmporas. - Quanto mais eu corria, mais rápido elas me perseguiam até que encontrei vocês. - Finalizou.

Eve apenas acentiu e olhou para os garotos nervosa, acabando por perceber de que esta era a primeira vez que tinha visitas.

- Vocês... Gostariam de algo para beber e comer? - Perguntou juntando o pingo de educação que ainda lembrava.

☆☆☆

Sentados na mesa pequena da cozinha os rapazes estavam servidos com um pequeno sanduíche misto e suco de laranja. Kyle comia feito um desesperado enquanto Rafael tinha mais sede do que fome.

Os três estavam em silêncio, Eve os observava curiosa.

- Você acha que devemos contar para alguém? - Rafael perguntou devagar enquanto Kyle parou para olhar para eles.

- Não. - Eve disse automaticamente.

- Quem você pensa que é para decidir o que podemos ou não fazer? - Kyle perguntou ríspido.

- Eu sou uma pessoa que teve a cabeça enfiada na privada, chutes e socos no corpo inteiro, palavrões e prescrições de remédio o suficiente para saber que não se devem confiar nos outros em assuntos que não podem entender. - Eve disse.

- Bem... Isso foi quando você estava sozinha, agora que somos três eles podem acreditar. - Rafael disse cauteloso.

- Drogas e doenças mentais coletivas vão ser a primeira coisa que vão pensar. - Eve falou, de modo bastante frio. - Vamos ser mandados para um hospício e seremos ratos de laboratório. Mas vamos acreditar por um momento que eles consigam acesso a este mundo... Esta nova forma de ver. - Eve pensou por um segundo antes de começar a falar. - Estudos serão feitos, criaturas serão mortas e dissecadas, humanos destroem tudo aquilo que conseguem por o olho sobre, é assim que perdemos florestas, mares e animais, mostrem aos outros e o mundo acabará de vez...

Eve ficou em silêncio e deixou os outros refletirem, chegaram à conclusão de que o melhor era manter segredo.

- Vocês podem se abrigar aqui até decidirem que é seguro o suficiente para sair... Volto logo. - A garota falou dirigindo-se ao banheiro.

Kyle estava bastante nervoso com aquela situação, e Rafael moveu automaticamente sua mão, depositando-a sobre a mão do outro, que olhou para ele confuso.

- Você ainda vai comer isto? - Kyle perguntou, apontando para o sanduíche quase intocado de Rafael.

Mas antes que o loiro pudesse responder eles ouviram um grito rápido vindo do banheiro.