Noite 1
Mark nunca fora um grande fã de baladas.
O fato de se encontrar em uma nesse momento era, no mínimo, bizarro. Seus amigos iriam dizer que era um clone, irmão gêmeo, tudo menos ele — isso se tivesse algum, é claro.
Não se orgulhava de ser uma pessoa sozinha, mas não era como se fosse sua culpa, assim como também não fazia muita questão de ter alguém ao seu lado. Sabia que estava morto por dentro há anos, e talvez por isso começara a fazer loucuras agora, quando estava à beira da desistência.
Suas roupas eram simples, nem parecia que estava em uma balada cheia de pessoas usando casacos de couro e roupas legais, da última moda, tentando passar uma imagem na qual não conseguiriam no dia-a-dia.
Por mais que tentasse, não conseguia entender porquê as pessoas simplesmente não agiam, se vestiam e falavam como elas mesmas. Tamanha vontade de ser outra pessoa que se perdiam nesse processo perturbador de impressionar a todos.
Com um suspiro, sentou-se em um dos sofás no fundo do estabelecimento, bebericando sua coca-cola enquanto observava a movimentação à sua volta. Não sabia dançar, não tinha capacidade social o suficiente para puxar conversa com alguém e era muito tímido para fazer qualquer outra coisa sozinho em um local tão cheio — mesmo que 90% das pessoas presentes ali estivessem bêbadas demais para ligar para ele.
Mas Mark pensava demais, e pensar demais era assustador.
— Ei, moça, você tá sozinha? — Silêncio. O rapaz provavelmente estava dando em cima de uma garota difícil — Hey, estou falando com você.
Ao perceber que a voz estava próxima demais, o loiro ergueu o olhar, arregalando os olhos ao perceber que era com ele. O que deveria fazer? Sua voz entregaria no mesmo momento que não era uma garota, e não sabia exatamente como dispensá-lo sem soar ofendido ou rude.
Felizmente, o rapaz percebeu por conta própria.
— Ah, foi mal aí, achei que era uma garota. — Riu baixo, tomando a liberdade de sentar-se à frente dele — Prazer, Jackson.
— Uh... Mark.
Jackson estava com um copo que cheirava à alguma bebida alcoólica misturada com coca-cola, porém não parecia bêbado, apenas muito alegre. Não tinha certeza se esse era seu jeito, ou se estava mesmo sob influência do que estava bebendo.
— Sozinho em um lugar como esse?
— É, pois é... — Riu enquanto olhava para as próprias mãos — É a minha primeira vez aqui.
— Primeira vez?!
O rapaz arregalou os olhos, de repente se tornando ainda mais interessado — se é que isso era possível — nele, um largo sorriso tomando conta de seus lábios ao que se ajeitava na cadeira, inclinando-se sobre a mesa.
— Hmmm... Eu estou aqui há dois meses, eu acho, aproveitando. Afinal, é pura diversão, não é?
— É sim... — Sorriu, dessa vez decidindo encará-lo de volta.
Eles permaneceram com o contato visual por longos segundos antes de Mark decidir quebrar o momento de análise, esperando que o outro percebesse que eles haviam se perdido nos olhos um do outro e que haviam parado de conversar.
Foi um pouco estranho, e certamente frustrante ser tímido demais para continuar o observando, porém não conseguia achar um motivo para ser no sentido ruim. O rapaz tinha boas expressões, aparentava se expressar com facilidade e tinha um sorriso divino. Seus olhos amendoados eram duas piscinas de sentimentos misturados que pareciam querer transbordar para fora para buscá-lo e levá-lo para ficar preso lá dentro pra sempre.
Todavia, Jackson não parecia ter a mesma intenção de desviar o olhar.
— O que você está olhando ainda? — Perguntou com um sorriso envergonhado, sendo rápido em brincar com as mangas da própria camisa que eram longas até demais.
— Estou te admirando. — Respondeu com tanta naturalidade que o outro ficara incrédulo, e isso provavelmente fora visível em seu rosto — É sério! Você é muito bonito, parece uma boneca.
— Obrigado...? Eu acho, não sei. Nunca recebi esse elogio antes. — Riu novamente, bebericando sua coca.
— Seria bom se eu pudesse te comprar e levar pra casa...
Mais uma vez, Mark se viu quase engasgando com o que tomava ao ouvir a frase tão direta e prática do outro. Era tão claro quanto a luz do dia o interesse do rapaz em si, mas apesar de não entender o motivo, não estava achando ruim.
— Vamos dançar? — Perguntou subitamente, animado.
— D-Dançar? Ah... Eu não danço.
— Agora dança!
Com o outro tendo aquele largo sorriso nos lábios que lhe relembrava uma criança com um brinquedo novo, Mark tornou-se incapaz de recusar o convite — apesar de não ter sido exatamente um convite — e apenas deixou-se levar pela mão alheia que segurava a sua, não a soltando quando pararam no meio das pessoas que dançavam sem parar.
Jackson fora rápido em começar passos aleatórios, seguindo o ritmo da música como se tivesse nascido para isso, enquanto tentava deixá-lo igualmente confortável para que se soltasse junto a ele. O americano sorriu, dedicando-se a arriscar um movimento ou outro aos poucos antes de acabar completamente envolto na aura alegre e sem preocupações que o outro tinha.
Infelizmente, umas duas ou três músicas mais tarde, Mark se sentiu tímido demais para continuar fazendo aquilo — ainda mais quando percebeu que muitos olhares se direcionavam ao par — então pediu por uma pausa, sendo prontamente atendido pelo seu mais novo companheiro. Ao comentar que ainda não havia bebido algo que não fosse o refrigerante, Jackson não demorou para arrastá-lo até o bar, fazendo-o provar diversas bebidas diferentes para ver qual ele mais gostava.
Um pouco menos pensativo, paranoico e envergonhado, o Tuan foi capaz de aproveitar a madrugada inteira, dividindo-se em dançar, beber sua mais nova mistura favorita e provar igualmente de lábios doces e macios nos quais nunca imaginou que necessitaria tanto contra os próprios, especialmente por ter conhecido o dono destes na mesma noite.
Mark era o rapaz dos "nuncas", haviam muitas coisas em sua lista de pessoal de que nunca fizera e deveria provar, mesmo que isso pudesse ser considerado tarde demais para um jovem adulto de apenas vinte e dois anos.
Nunca havia ido em uma balada.
Nunca havia dançado no meio de tantas pessoas.
Nunca havia experimentado bebida alcoólica.
Nunca havia beijado.
Estranhamente, se não fosse por Jackson, tinha toda certeza de que iria continuar sendo dono de muitos nuncas e dali sairia sem novas experiências, provavelmente nem desejaria voltar na festa seguinte.
Porém, o rapaz de sorriso bonito e olhos brilhantes havia lhe dado as famosas borboletas no estômago, e podia adicionar, sem ressentimentos, um novo significado à palavra perfeição no dicionário.
Nunca havia se apaixonado...
E estava pronto para descobrir como era.
Noite 2
Mark havia passado uma semana ansioso pelo reencontro com Jackson.
Era ligeiramente notável que havia se arrumado um pouco mais; suas mãos suavam um pouco e tremiam em nervosismo, tendo que se distrair a cada dez segundos com qualquer outra coisa que fosse para não pensar demais.
E se estivesse esperando muito do rapaz? E se seu interesse tivesse sido momentâneo? Será que se produziu demais? E se ele não gostasse?
Queria bater sua cabeça na mesa e ficar desmaiado até que Jackson chegasse e lhe tirasse da prisão que era seus pensamentos, mas sabia que poderia até mesmo acabar sonhando com o ocorrido se fizesse, então se permitiu tentar se distrair com as pessoas em volta, observando algumas e cogitando a possibilidade de se enturmar um pouquinho.
Como se tivesse pensado em voz alta — e não duvidava de tê-lo feito sem perceber — um desconhecido se aproximou com um sorriso amigável, sentando-se à sua frente sem se preocupar em cumprimentá-lo ou pedir sua permissão. Não tinha certeza se havia aprovado a atitude, mas deixaria passar porque pelo menos podia tirar sua cabeça de suas paranoias por um momento.
Apenas perguntava-se porquê sempre acabava atraindo garotos. Será que realmente parecia uma moça como Jackson havia lhe dito, ou...
— Hey, olá~ toc toc~ — O rapaz chamou sem cessar, sorrindo ao ver que o garoto havia voltado a si — Você parece fazer bastante isso, viu?
— Fazer o quê...? — Franziu o cenho, confuso.
— Olhar para as pessoas à sua frente, mas parecer nem estar ligando pra elas. — Ele riu — Prazer, Mike.
Mark deu um sorriso meia-boca, não se sentindo à vontade com o rapaz como havia quando botou seus olhos em Jackson. Estava sendo um pouco desconfortável, especialmente por ter sido lembrado do fato de que pensava demais mesmo quando estava na presença de alguém. Agora, por estar autoconsciente de suas próprias ações, acabaria tentando evitar isso ao máximo. Ou seja, pensaria demais novamente de um jeito ou de outro.
Não gostava quando as pessoas apontavam-lhe um erro, já os conhecia demais.
— Sim, eu faço. — Respondeu calmamente — Mark.
— Olha só! Nossos nomes têm a mesma inicial. Acho que é o destino trabalhando pra gente se beijar hoje, hein.
O loiro semicerrou os olhos, fechando suas mãos em punho sob a mesa. Tinha certeza que sua irritação estava se tornando óbvia; havia aprendido muito com a vida e reconhecia facilmente pessoas que apenas possuíam segundas intenções. Não era para isso que Mark estava aqui, e ele gostaria que pessoas como este rapaz não perturbassem sua paz.
— Esse destino só pode estar com defeito, então. — Sorriu, bebericando sua coca-cola.
— Ah~ Não seja assim, vai. Você veio pra cá com que propósito, então? — Resmungou.
— Pra me ver, idiota, vaza daí.
Quando Jackson se fez finalmente presente ao lado da mesa, o sorriso de Mark se tornou genuíno, parecia até mesmo que ele era um animal doméstico esperando pela chegada de seu dono — ao menos na visão um pouco distorcida do chinês, era quase como se pudesse ver as orelhas de gato erguendo-se ao ouvi-lo e vê-lo depois de tanto tempo esperando.
— Jackson!
Mike revirou os olhos, não precisando ser mandado uma segunda vez para que se levantasse e se retirasse do local, deixando-os a sós para poderem ter o momento que passaram dias desejando que chegasse logo.
— Hey... — Cumprimentou agora com um tom mais calmo, sentando-se onde o outro estava previamente — Ele te incomodou muito?
— Não, uh, você chegou bem na hora. — Riu baixinho — Não sei lidar com pessoas.
— Você está tremendo! Está realmente tudo bem? — Arregalou os olhos, segurando nas mãos do rapaz como se elas fossem de vidro.
Mark sorriu ao ver a preocupação evidente do outro, assentindo com a cabeça, tendo certeza que estava com uma belíssima cara de bobo ao ser tratado de uma forma tão carinhosa e espontânea repentinamente.
Mesmo após ficar satisfeito com a confirmação de que estava tudo bem, Jackson não soltou suas mãos.
— Eu estava pensando... E se nos encontrarmos de dia? Caminhar pela praia... Não temos muito tempo nessa cidade, é melhor aproveitar, certo?
— Não temos muito tempo...? Você vai embora?
O sorriso de Jackson foi morrendo aos poucos, o tom que Mark falava era calmo, mas pôde identificar a tristeza escondida ao que ele tentava parecer natural, como se não quisesse preocupá-lo de nenhuma forma. O rosto do americano estava impassível, seu semblante indiferente, mas seus olhos lhe contradiziam.
— Mark...
— Ah, entendo... — Riu secamente, abaixando a cabeça — Entendo... — Repetiu, como se afirmasse mais para si do que para o outro.
— Mark, por favor...
O mais velho se levantou, porém seu rosto continuava mirando a mesa, evitando olhar para o outro a todo custo. Sua voz continha um sorriso, e Jackson sabia que ele era mais do que falso. Apenas uma máscara para esconder a verdade.
— Eu... Vou ao banheiro. Me dê um momento, sim?
Sem esperar por uma resposta, Mark apenas fez seu caminho para o outro cômodo, passando pelas pessoas que dançavam e conversavam por ali rapidamente, não olhando para trás uma vez que fosse.
O chinês mordeu o lábio inferior e suspirou, pensando se deveria realmente dar-lhe espaço ou se deveria ir atrás. Seus dias nessa cidade eram temporários, ele não pretendia encontrar alguém que prendesse tanto sua atenção e o fizesse desejar passar mais tempo do que o planejado de férias por ali, assim como também não pretendia machucá-lo com suas palavras insinuando que iria deixá-lo uma hora ou outra.
Decidido, levantou-se e foi ainda mais rápido atrás dele.
Não poderia perdê-lo.
— Mark!
Jackson adentrou o banheiro, trancando-o logo em seguida. Esperava que não tivesse ninguém ali dentro junto a eles, e lamentava por quem precisaria usar e seria barrado pelo seu ato certamente imprudente, porém precisava desse momento de privacidade no meio de tantas pessoas para que pudesse declarar-se inteiramente ao outro.
Acabou encontrando o americano em frente à pia, as mãos apoiadas no local enquanto virava o rosto para observá-lo, os olhos arregalados em surpresa. Agradeceu mentalmente por ele não estar chorando, ou seu coração teria se quebrado em milhões de pedaços no mesmo momento, apesar de apenas seus olhos marejados já serem uma grande facada.
— Não chore, hey... — Aproximou-se dele em passos lentos, assistindo-o se afastar com tristeza e medo no olhar — Mark...
— Desculpa, isso é difícil pra mim, e você não está facilitando. — Falou em um tom baixo, evitando o olhar do outro — Eu... Eu nunca senti isso antes e saber que é temporário, eu...
— Nunca sentiu o quê...?
Jackson aproximou-se alguns passos enquanto Mark permanecia distraído, observando-o morder o lábio inferior enquanto escolhia bem as palavras que iria falar, não querendo dizer nada desnecessário. Era óbvio o quanto ele tinha medo de se abrir demais, expôr o que realmente sentia.
— Nunca me senti estranho assim, com essa vontade de ver alguém o mais rápido possível, de sorrir só de pensar em você sorrindo... Eu tô todo errado. — Bagunçou os próprios cabelos, erguendo o olhar para finalmente fitar o outro — Jackson--
Mark arregalou os olhos ao perceber que o rapaz estava literalmente à sua frente, centímetros de distância, o observando intensamente. Perguntou-se desde quando ele estava tão perto; estava tão profundo em seus próprios pensamentos que não fora capaz de perceber.
— Você me prende aqui... — Sussurrou, deixando que sua mão deslizasse pelo rosto alheio — Mas eu ainda estou incerto, então, por favor...
— Jackson... — Suspirou, fechando os olhos — Eu nunca passei por isso antes, eu... Eu preciso que você me guie.
— Só confie em mim. — Segurou-o com as mãos em seu maxilar, os polegares acariciando suas bochechas — Eu não vou te machucar.
Jackson não precisava de nenhuma resposta ou afirmação adicional; apenas deixou-se fechar os olhos, seus lábios unindo-se aos do outro em um beijo mais urgente e voraz, mesmo que ainda cheio de afeto. Ele tinha uma necessidade além do normal pelos beijos do mais velho, e faria de tudo para poder tê-lo assim todos os dias.
Seu coração palpitava forte e seu corpo parecia que entraria em combustão espontânea de tanto calor que sentia apenas de tê-lo desta forma, seu peito explodindo em uma harmonia de sentimentos ao ter o beijo retribuído do mesmo jeito que fora iniciado, as mãos de Mark lhe percorrendo o corpo com curiosidade e certo receio, ainda que lhe tocando nos pontos certos.
Era o estopim, definitivamente.
— M-Mark... — Chamou entre a respiração ofegante, sendo respondido com um "hnm?" que parecia ter lhe acendido ainda mais — Vamos... Pra minha casa.
O aperto das mãos do americano em suas roupas aumentou, porém ele concordou com a cabeça de qualquer forma, parecendo disposto a acompanhá-lo e terminar a noite da forma que ambos tanto ansiavam desde que se conheceram.
Mark nunca havia tido sua primeira vez.
Jackson estava pronto para lhe dar a melhor experiência de sua vida...
... E muitas outras.
Dia 3
Jackson estava ansioso, estranhamente ansioso. Suas mãos suavam e ele não conseguia se concentrar; nem mesmo a belíssima paisagem da casa de praia na qual estava hospedado conseguia distrai-lo do fato de que estava com saudades.
Não conseguia acreditar em sua própria capacidade de quebrar um juramento que fizera a sua vida toda: não se apaixonaria, era injusto com a outra pessoa, não podia simplesmente dar-se o luxo de aproveitar um sentimento tão maravilhoso quando seu final já era óbvio.
Estava sendo injusto com Mark agora, especialmente por não admitir em voz alta que estava apaixonado e que ficaria na cidade por quanto tempo pudesse por ele. Não conseguia fazer com que essas palavras saíssem de sua boca por pura teimosa, medo.
Tinha medo de tudo ir bem; tinha medo de amar, de ser feliz e de repente tudo desabar. Suas férias eram um pretexto para deixar seus problemas para lá e seguir sua vida da forma que queria, mas quanto tempo poderia fugir de tudo e fingir que nada estava acontecendo?
Quando Mark apareceu, suas preocupações sumiram mais uma vez.
Não sabia como o rapaz conseguia fazer isso, mas seus lábios eram mágicos, sua presença era divina e seus olhos o tiravam dos eixos, fazendo-o não conseguir pensar em mais nada a não ser ele, ele e ele.
Estava inegavelmente apaixonado, e talvez já fosse hora de falar isso em voz alta.
Ambos observavam as ondas calmas diminuindo seu tamanho gradativamente até acabarem em seus pés, molhando-os e tornando tudo aquilo ainda mais real do que já parecia. Eles não precisavam trocar palavras, era quase como se eles pudessem se comunicar via pensamento, ou com apenas um olhar.
Entretanto, dessa vez, suas mentes estavam desconectadas e totalmente distintas uma da outra.
Jackson estava feliz pelo momento que tinham juntos, mais um de muitos que pretendia ter no futuro. Estava pronto para admitir, estava pronto para assumir e liberar todo esse sentimento que guardava dentro de si.
Já o outro... Não fazia a menor ideia do que o chinês pensava, e estava desanimado demais para conseguir pensar positivamente sobre a saudade infinita que sentiria dele quando ele fosse embora
— Às vezes eu queria que você ficasse...
Mark murmurou de repente, seus pensamentos escapando por entre seus lábios sem que percebesse. Permaneceu observando o horizonte, completamente perdido em seja lá o que estivesse em sua cabeça.
— ... Como? — O chinês virou-se para observá-lo, preocupado com o tom de voz que fora usado pelo outro, sua expressão o deixando com o peito apertado.
— Nada, é só... Minha cabeça. — Suspirou — Tudo é tão bonito, estar com você é perfeito e eu poderia passar minha eternidade aqui... Eu arrumei um motivo maior para continuar vivendo.
— Mark...
— É uma pena que você não pense o mesmo.
Com a frase saindo mais amarga do que desejava, Mark virou o rosto para o lado, tentando não deixar que o outro percebesse seus olhos marejados prontos para derrubar lágrimas que vinha contendo há dias. Infelizmente, Jackson era rápido em perceber, e seu coração se apertou ainda mais quando o brilho em seu olhar não era de felicidade.
O americano afastou-se alguns passos para o lado antes de virar-se totalmente de costas para Jackson, seguindo seu caminho pela praia para longe, para onde seus pés lhe guiassem.
Era melhor ir antes que o deixasse ver o seu lado fraco. Nunca havia o deixado vê-lo chorar, e agora não seria a primeira vez.
— Mark, espera!
Ele não esperou, mesmo quando percebeu que o outro estava vindo atrás. Não queria, não podia e não deveria ser egoísta, mas não podia evitar pensar que o destino lhe traçou uma crueldade ao lhe deixar se apaixonar por alguém que se encaixava perfeitamente consigo, alguém que não tinha outros laços, preocupações; Alguém que podia ser dele, podia se dedicar totalmente sem medo nem receios.
Porém esse sentimento não ser recíproco, não ao menos na mesma quantidade, era o seu plano maligno.
Não havia um meio de lidar com isso sem destroçar seu coração em pedaços, e não teria forças para juntar pedaço por pedaço mais uma vez.
— Mark, Mark!
Quando Jackson estava pronto para alcançar seu ombro e finalmente botar algum senso naquela cabeça paranoica, seu sistema o desligou.
Acordou assustado em sua poltrona de sempre, os olhos arregalados e o braço estendido naturalmente, como se o outro estivesse ali e pudesse alcançá-lo com apenas mais um passo — um passo este que poderia mudar tudo.
Mas Jackson Wang não conhecia Mark Tuan.
Eles estavam unidos por um aparelho tecnológico que podia fazê-los vivenciar uma realidade virtual admirável, porém não perfeita. Pacientes de doenças terminais de todo o mundo utilizavam o serviço para se sentirem vivos, aproveitarem o que não puderam aproveitar em uma realidade cruel que lhes deu uma vida curta com poucas opções.
A parte de que suas horas de uso haviam expirado e que havia deixado seu amado aos prantos sozinho — pensando sabe-se lá o quê — foi o estopim para se cansar de poder contatá-lo apenas por um momento toda semana.
Jackson precisava encontrá-lo na vida real, precisava achar o hospital em que ele estava e visitá-lo. Mark continuava a repetir que eles não teriam se apaixonado caso se vissem pessoalmente, porém estava pronto para amá-lo mesmo se ele fosse do avesso.
Jackson estava perdido de amor, e não queria se encontrar.
Dia 4
Jackson adentrou o quarto de hospital já com os olhos marejados, segurando uma pelúcia de um herói de histórias em quadrinhos em mãos enquanto se aproximava da pessoa deitada na cama, completamente apagada ao que utilizava os serviços do mundo virtual quase que permanentemente. De todas as doenças do mundo, a última que o chinês imaginaria que Mark teria era degeneração espino cerebelar; uma doença tão cruel, tão terrível... Ele tão jovem, tão lindo. Como a vida podia ser tão injusta com uma pessoa tão doce, amável?
Fungando, sentou-se ao lado do rapaz em um espacinho que sobrara da cama, ajeitado o boné que usava sobre a cabeça já isenta de fios. Suas mãos então deixaram o objeto ao lado do rapaz, seguindo para uma de suas mãos, segurando-a entre as próprias enquanto tentava conter o choro.
O mais velho permanecia imóvel, ligado a diversos aparelhos que funcionavam contra sua vontade, afinal, até os médicos eram cientes de seu desejo insano de viver para sempre naquele universo alternativo.
Infelizmente, ele estava à beira do abismo, e apenas o chinês não sabia disso.
— Mark... — Sussurrou, sentindo as lágrimas virem com força total — Mark, me desculpa...
Jackson não sabia exatamente pelo quê estava se desculpando; havia sido impulsivo ao controlar seus sentimentos, porém sabia que as pessoas que utilizavam tal serviço provavelmente não tinham muito tempo restante de vida, então não podia ser egoísta a esse ponto. Todos tinham problemas, e seu amado não era uma exceção.
Para Mark, o mundo virtual era uma chance de viver pela primeira vez. Tendo uma doença tão forte em uma idade como essa claramente havia o destruído até chegar no ponto dos dias atuais, onde nenhuma parte de seu corpo obedecia e logo ele estaria...
O chinês negou com a cabeça, recusando-se a falar tal palavra, mesmo que soubesse que este era o destino de todos — afinal, essa era a razão na qual havia jurado nunca se apaixonar por ninguém.
Tinha vontade de se bater por não ter aproveitado o suficiente, por cada oportunidade que perdeu, por cada segundo que não usou para beijá-lo ou segurar sua mão; como podia ter sido tão insensível e apenas ligar para si mesmo? Sequer cogitou a possibilidade de qual seria a doença do mais velho, se ele tinha mais ou menos tempo de vida, suas intenções, seus desejos...
Agora tudo lhe fazia um pouco mais de sentido.
Na vida real, Mark pensava igual ele. Recusou o amor, pois não queria machucar ou sair machucado; não queria partir, não queria ter que deixar alguém para trás, então se tornou uma alma livre.
Ver seu rosto descansando pacificamente em uma cama de hospital havia lhe destruído, e Jackson se perguntou porquê não cogitou as mesmas possibilidades. Seria tarde demais? Será que Mark o rejeitaria depois de tanto o enrolar para que ficassem juntos?
O americano estava lá de braços abertos pronto para passar a eternidade ao seu lado; quantas pessoas desejariam poder passar uma vida toda ao lado de quem amam sem nenhuma preocupação? Tinha essa oportunidade na palma da mão e estava pronto para deixá-la escapar sem razão alguma.
A enfermeira entrou na sala após algumas horas, um sorriso empático em seus lábios ao que seu olhar demonstrava certa tristeza.
— Chegou a hora, Sr. Wang.
Jackson lhe devolveu o sorriso, agradecendo-a.
Precisava fazer o que tinha que ser feito.
Noite 4
Mark estava confuso; por que Jackson havia lhe pedido para que se encontrassem a essa hora tão repentinamente? Era raro vê-lo mais de uma vez por semana, então não conseguia encontrar motivos para essa ocasião tão especial — sentia-se ansioso, quase que sufocado.
O garoto de repente se fez presente, vindo correndo de dentro da casa de praia até o mais velho que estava parado em frente às ondas calmas, ainda perdido no meio de tantos acontecimentos.
O Wang sorria abertamente, tão logo parando o mais próximo possível do outro, segurando-lhe as mãos e as apertando entre as próprias, os olhos brilhando em antecipação.
— Mark, me perdoe. — Falou ainda com a mesma felicidade na voz — Eu tenho sido um idiota egoísta, mas agora eu entendo o seu ponto de vista.
Mark inclinou o rosto ligeiramente para o lado, sentindo uma repentina vontade de se jogar naquelas águas e nunca mais emergir. Só podia estar sendo vítima de uma pegadinha, a última coisa que precisava para decidir desligar todos os aparelhos e, inclusive, sua ligação com este mundo virtual.
— Sobre o que está falando...?
— Para ficarmos aqui o resto de nossas vidas, mesmo após, você sabe... Precisamos casar com alguém e assinar um termo, correto? — Recebeu um aceno de cabeça em resposta — Então, por favor...
Jackson soltou-lhe as mãos apenas para se ajoelhar à sua frente, e somente nesse momento Mark percebeu que ele estava vestindo um terno. Seus olhos se arregalaram e deu um passinho para trás, as mãos automaticamente indo para seu rosto, surpreso demais para achar que era real.
O chinês procurou em seu bolso por alguns segundos para então lhe estender uma caixa de veludo vermelha, abrindo-a no processo para lhe mostrar uma pulseira prateada aparentemente personalizada, cheia de detalhes e única.
— Nenhuma aliança chegou ao que eu queria, então eu torno esse bracelete nosso objeto de união. — Anunciou, mostrando que já usava o par — Mark... Casa comigo?
Mark nunca havia chorado tanto em sua vida, muito menos abraçado à alguém.
Suas lágrimas sempre eram compartilhadas com o vazio; o silêncio. Nunca havia tido uma companhia, nunca havia dado um abraço apertado, um sorriso de doer as bochechas ou sentido tanta coisa ao mesmo tempo.
Jackson conseguia lhe fazer ter tudo isso em um intervalo de minutos, e nunca havia sido igualmente feliz. Era tudo como um sonho, exceto que era real.
Em um mundo que fora feito apenas para que pudesse viver o que não conseguiu em seus anos arruinados pela doença degenerativa, nunca havia imaginado que encontraria o amor de sua vida. Ouviu diversos boatos de que todas as pessoas possuíam sua cara metade, mas era pra lá de desacreditado quando o assunto era se apaixonar.
Porém, tinha finalmente encontrado a sua alma gêmea. E mesmo que tivessem passado por algumas complicações, ele estava ali, disposto a lhe dar sua eternidade, a lhe fazer feliz como nem mesmo sua família fora capaz enquanto podia.
De um garoto descartado à pessoa mais feliz que conheceu...
Mesmo que estivesse morrendo, Mark nunca havia se sentido tão vivo.
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