Jackson
Nymeria simplesmente gritou.
E largou a direção da moto, nós viramos e atingimos um garoto que transitava pela calçada e que também gritou de dor e caiu no chão como nós. Minhas mãos arrastaram no cimento e caí rolando junto de Nymeria que saiu pranchando em cima da moto, talvez pegaria poucos machucados, felizmente.
Respirei bem fundo.
A chuva engrossara e não podíamos ficar mais ali. Levantei e dei graças aos céus por ela ter perdido o controle próximo à sua casa e em uma área de pouco movimento.
-Nymeria? Nymeria? -sacudi seu ombro e foi então que vi a poça de sangue crescendo ao seu redor e misturando-se com a água da chuva no chão. -Mas que merda?!
Olhei para o garoto que ela atropelou e ele também estava deitado. Engatinhei até ele e sacudi-o violentamente.
-Aí! Cara! Acorda! -gritei.
Notei que seus olhos me encaravam mas sem realmente me ver. Seu cabelo escuro caia no rosto e mesclava-se entre os arranhões no rosto. Havia sangue manchando sua camiseta também.
-Jack... Que merda... -a voz de Nymeria saiu rouca e embargada, como acontece quando acaba de acordar.
-Nymeria! -aproximei-me e a vi encarar o garoto. Ele não estava tão longe de nós. Seus olhos arregalaram e viraram para mim e tentou levantar-se, mas apenas fez uma careta.
-O que porra aconteceu? -perguntou.
-Você perdeu o controle da moto.
-E atropelei alguém. -seus olhos não desviaram do corpo ao lado. -Me diga: ele está vivo?
-Eu não sei.
-Merda. -ela desviou o olhar e sentou-se.
-Ei, ei! O que diabos você... -argumentei e notei que não havia nenhum ferimento nela, exceto as manchas em sua roupa e os arranhões. Muitos arranhões.
-Jack. Eu atropelei quem? -ela perguntou de pé.
-O cara ali, Nymeria! Não me diga que você não... -virei para onde o garoto estaria e ele simplesmente sumiu. -está vendo.
-Pelo menos está vivo. Agora, desculpe pela moto. -ela apertou os braços e reconheci a expressão.
Eu conhecia qualquer expressão dela. Seus olhos estavam semicerrados, as sobrancelhas juntas e os lábios colados. Ela estava tentando entender o que tinha acontecido.
-Nymeria, vamos embora. A chuva está muito forte.
E estava mesmo. E ficou pior. Um vento forte soprou e os pingos pareciam ondas vindo até nós, tentando nos afogar.
-Estamos perto da sua casa. -gritei e puxei seu braço.
Ela olhou para mim como se eu fosse um estranho e depois piscou.
-Sim. Vamos. -sussurrou e começou a correr comigo.
Dobramos duas esquinas e corremos pelas ruas, tentando afastar os pingos de chuva dos olhos e particularmente, parecia uma missão quase impossível.
-Jack! Está ali! -Nymeria gritou e avistamos o seu prédio de tijolos vermelhos. Ela acelerou o passo, passando direto pela porta de frente e entrando na lateral.
Talvez fosse a adrenalina, a chuva ou o medo, mas nos movimentávamos bem até demais para quem estava todo ferrado. Meus dedos ardiam e meu braço também, mas precisava estar ali por Nymeria.
Suas mãos puxaram a escada de incêndio e ela começou a subir. Segui-a, caso o ferimento (que magicamente sumiu) aparecesse, estaria aqui para apoiá-la.
Ao chegarmos no seu andar, ela tirou o moletom molhado e os tênis e pulou a janela, abrindo espaço para mim.
-Entre. Você vai pegar uma gripe. -ela falou e o fiz.
O quarto de Nymeria continuava o mesmo desde sempre e no escuro, ficava um pouco assustador. Olhei para a poça d'água que estava se formando nos meus pés e senti um calor no rosto, estou com vergonha.
-Toma. -ela jogou uma toalha para mim e peguei surpreso. Ela secava a si própria com uma e fez uma careta quando passou a toalha por um arranhão na perna. Estava bem feio.
-Desculpe. -falei.
-Está com fome? -ela interrompeu-me. -Eu estou.
Nymeria saiu do quarto e segui-a, ainda pingando. Ela atravessou o corredor, bateu nas cadeiras da mesa de jantar e quase tombou para o lado.
Claramente, parecia uma drogada.
Abriu a geladeira e pegou um sanduíche meio mastigado e levou-o à boca, olhou para mim e piscou.
-Jackson... -ela falou tão baixo que posso ter imaginado.
E seu corpo caiu no chão.
-Nymeria!
-O que foi isso?! -Stary gritou ao mesmo tempo que eu.
Olhei para a irmã mais nova de Nymeria. Ela usava uma camisola muito grande, os cabelos castanhos estavam totalmente arrepiados e desalinhados e caíam em seus olhos que brilhavam de medo e de raiva. Parecia uma aparição.
-Jackson? Que por... -ela apertou os lábios. -Que porcaria é essa? Por que vocês estão molhados?
-Boa noite, Stary. -falei e corri para ajudar a Irmã mais velha. -Está chovendo para caramba!
-Ah, meu Deus! Ela está bêbada? Não deixe a mamãe...
-Ela não está bêbada, sua lesa. Está uma chuva muito forte lá fora, você não escutou?, aconteceu um acidente e tudo mais. -levantei-a e a fiz apoiar-se em meus ombros.
-E por que ela desmaiou no meio da cozinha?! -Stary pegou o outro lado de Nymeria e juntos, levamos-a para o seu quarto e a largamos na cama.
Sua posição estava bem estranha, mas não iríamos mudar.
-E você? O que vai fazer? -Stary me olhou preocupada.
-Eu vou voltar para casa. -falei.
-Você acha que eu que estou bêbada? Nem em sonho que deixarei você ir nessa chuva -bem anormal, na verdade- para casa! Então, arrume-se que você vai dormir no... no... -ela encostou o indicador nos lábios, como se pensasse com muita intensidade. -Eu já volto.
Stary sumiu no corredor e olhei para fora. A chuva não havia diminuído nada e era mesmo impossível ir para casa.
-Puta merda! -exclamei e puxei um celular encharcado de dentro do bolso. -Puta merda. Puta merda. Puta merda.
E ele ligou normalmente.
-Puta. Merda. -respirei aliviado e disquei o número da minha mãe. Eram dez horas da noite? Caramba, o treino demorou tanto? -E você esperou? -olhei para Nymeria. -Idiota.
-Alô? Mãe? Oi. Estou bem. Sim, sim. Não, eu não vou voltar para casa. Desculpa. Tá chovendo. Não, mãe... Certo, está bem. Mãe, amanhã vou para casa... Lembra da Nymeria? Então... -comecei a falar no telefone, enquanto Stary apareceu com um colchonete e edredons. Ela estendeu ambos no chão e acenou para mim e saiu do quarto.
-Boa noite, mãe. -falei e desliguei o celular.
E deitei na minha cama improvisada.
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