1. Spirit Fanfics >
  2. Hino ao Amor >
  3. O que os olhos dizem

História Hino ao Amor - O que os olhos dizem


Escrita por: makkachin

Notas do Autor


Pra quem quer saber, a música que se fala nesse capítulo é o Concerto Grosso n.1 de Alfred Schnittke, movimentos II e V e o tema de abertura, executado no piano preparado.

Ah, e agora que nós sobrevivemos ao final feliz da série - com direito a nova temporada, se preparem para...

Capítulo 12 - O que os olhos dizem


Água com limão. Castanhas. Katsudon. A boca de Victor tinha esse gosto. Foi um pouco estranho decifrar esses sabores no começo, também, Yuuri não conseguia nem acreditar no que estava acontecendo. Num minuto ele foi abraçado por Victor, sentindo as mãos do homem roçando em suas costas. O cheiro dele era tão másculo, mas doce ao mesmo tempo, como o perfume de rosas e madeira juntos. E logo depois do abraço Victor olhou para Yuuri, e eles se conectaram.

Os lábios de Victor se abriram, e os portais do céu também. Havia algo tão puro em sentir a boca de Victor tocando a dele, em sentir o homem empurrando Yuuri calmamente contra a parede, se empurrando contra ele, moldando o corpo dos dois. O peito de Victor chegava quase ao queixo de Yuuri, mas o homem se abaixou para poder continuar o beijo.

Um gemido soou pelo ar, e Yuuri estava em dúvida se era dele ou não. Ele abriu sua boca para receber mais de Victor, e a língua do homem penetrou sensualmente em Yuuri. Foi um pouco por vez, quase tentativamente no início, mas então Victor entrou com tudo, saboreando Yuuri como se fosse um doce.

Naquele instante o mundo parecia explodir de dentro para fora e vice-versa. Ainda bem que Yuuri estava contra a parede porque ele se sentiu tonto, além do cansaço do treino, esse beijo de Victor fazia ele se perder. Não que ele nunca tenha sido beijado, mas tudo que aconteceu antes desse momento havia sido um pequeno ponto de luz no céu estrelado que Victor era.

“Yuuri?” O mundo perdeu um pouco sua cor quando os lábios de Victor se desgrudaram dos seus, e Yuuri se sentia vazio sem aquele toque íntimo. Pelo menos ouvir seu nome sendo chamado ainda alimentava o fogo dentro de Yuuri.

“Sim?”

Os olhos de Victor tinham uma chama viva dentro, mas ainda assim pareciam frágeis e receosos.

“Eu não vou pedir desculpas por te beijar, só queria saber se você sente o mesmo.”

Mas o que era isso que Victor sentia por ele? Yuuri não fazia nem muita ideia dos seus sentimentos, então era complicado comparar e medir com o de outras pessoas. Contudo, essa conexão entre eles dois estava viva, e era real. Não tinha sido apenas Yuuri que a sentiu.

A resposta dele foi a pequena confirmação com a cabeça, porque sim, ele não se arrependia do beijo. Talvez ele fosse se arrepender depois, mas agora a mente dele estava tão longe, em um lugar tão lindo, em um mundo colorido, que Yuuri não queria voltar para a realidade.

“Acho que vou deixar você ir descansar, então.”

Descansar? Ah, sim, Yuuri acabou de treinar, tinha voltado para casa para tomar um banho e dormir. Mas tudo foi tão nauseante que apenas agora ele parecia voltar a si aos poucos.

“Sim, sim. Eu acho que vou ir?”

A resposta parecia mais uma pergunta, mas ele nem sabia se queria se mover. Infelizmente Victor deu um passo para trás, colocando distância entre eles dois. Seria estranho Yuuri avançar sobre Victor agora que o clima todo tinha passado, que as coisas já tinham perdido um pouco do brilho. Por aquele motivo ele disse um “boa noite” baixinho e fez sua saída, sem nem olhar para Victor.

A realidade do que havia acontecido começava a se revelar na cabeça de Yuuri, e ele começou a sentir a adrenalina correr. Ele tinha beijado Victor, sentido o corpo do homem contra o seu, e tudo tinha sido perfeito, mas agora como ele iria olhar para Victor sem pensar naquele beijo?

E o que fazer com a declaração de que Victor não tinha se arrependido de suas ações? Yuuri sempre soube que Victor era um homem bastante aberto às coisas da vida, então era estranho imaginar que ele poderia ser apenas uma daquelas coisas, algo que era desejável mas passageiro.

Mas o que Yuuri poderia fazer contra o fato de que o próprio Victor também era passageiro? No final da semana ele iria voltar para a Rússia, e talvez eles nunca mais fossem se ver, talvez nunca sequer fossem tocar no assunto desse beijo. No entanto, Victor não estava saindo nesse momento. Ele ainda iria ficar dias por ali, ainda haveria a chance de mais coisas acontecerem entre os dois.

Ou será que não?

Por um momento, antes de Yuuri ir dormir, após de seu banho, ele ficou pensando se aquilo havia sido um sonho ou não. O gosto de Victor em seus lábios e a sombra dos carinhos do homem em seu corpo eram reais demais.

 

~*~

 

A coisa mais estranha na vida é ignorar os acontecimentos do passado. Não que Victor fosse culpar alguém por fazer aquilo, especialmente se fosse alguém que tinha que conviver com parte daqueles acontecimentos no dia seguinte. E no dia seguinte àquele.

Não houve conversa sobre o beijo que ele deu em Yuuri, pelo menos não pela parte de Yuuri, que chegou no outro dia para treinar e nem sequer tocou no assunto. Se Victor não temesse pelo receio de Yuuri ele teria sido mais determinante, mas ele achou que fosse melhor Yuuri ter o seu tempo para entender o que havia acontecido.

Eles tinham se beijado, mas isso havia sido no dia antes de ontem, e desde então não houve conversa sobre aquilo. Nos treinos tudo parecia quase normal, porque Victor sugeria coisas para Yuuri fazer, movimentos para a coreografia ou dicas para completar os saltos e finalizar bem seus programas, mas no momento em que Yuuri sentia que Victor iria pedir algo pessoal ele disfarçava, patinava para outro lugar e o assunto morria.

Victor tinha que confessar que aquilo quase o machucava. Quase. Em seu tempo como companheiro de rinque de Yuri Plisetsky os dois tinham tido um relacionamento conturbado, e Victor tinha ficado sabendo de toda a dor que a rejeição dele por Yuri tinha causado, ainda mais porque Yuri era jovem, inexperiente, sedento por poder, mas não era Victor o homem que iria dar aquilo a ele.

E agora, a rejeição de Yuuri, mesmo que fosse apenas subentendida, também causava algo em Victor. Ainda bem que ele era profissional o bastante para conseguir levar as coisas da melhor maneira, porque ele fez uma promessa em ajudar Yuuri, e ele sempre cumpria suas promessas.

“Eu acho que você já tem a ordem dos saltos com uma boa execução, mas nós temos que decidir sobre o tema desse programa, porque o quanto antes você começar a treinar ele, melhor.” Victor falou suas suas ideias para Yuuri, mas desde o outro dia as conversas entre os dois não tinham sido tão produtivas.

Pelo menos quando Yuuri estava cansado dos treinos ele respondia melhor.

“Das ideias que você disse, eu acho que o Concerto de Schnittke pode ser o que mais serve pra mim,” disse Yuuri, se apoiando nas bordas do rinque.

Victor assentiu à escolha. Ele gostaria de poder oferecer algo mais sensual, mais vivaz para Yuuri, mesmo que a música em questão fosse bastante forte também, e tivesse uma sensualidade mais sutil. Poderia servir para Yuuri, quem sabe.

“Então vamos tentar adicionar alguma coisa de coreografia àquele corte de música que eu já fiz? Ou você vai querer alguma outra parte?”

Yuuri olhou para Victor por um instante depois de virar para o lado, algo que tinha acontecido bastante nos últimos dois dias. Ele assentiu. Victor suspirou. Era melhor se ele conseguisse trabalhar com Yuuri, e decidir os dois programas e finalizar tudo, e daí quem sabe ele poderia tocar no assunto do beijo sem ter que se preocupar em trabalhar com Yuuri no dia seguinte, quem sabe era aquilo que estava o deixando estressado.

Victor foi para o rinque e pegou o controle do aparelho de som, soltando a música enquanto ele deixava sua mente fluir. O Concerto Grosso n. 1 de Schnittke era bem forte, com os violinos e violas da orquestra batalhando uns contra os outros enquanto o piano e o cravo passeavam por trás. Era uma música que Victor gostava, afinal o compositor russo era um dos seus favoritos, mas ele não podia deixar de não se sentir exatamente no melhor momento para coreografar alguma coisa.

Ainda assim ele deixou a música rolar e começou a explicar para Yuuri em que parte da música ele iria encaixar cada ideia, e pelo menos Yuuri conseguia replicar os movimentos. Em comparação com Victor parecia que ele estava bem mais em tom com a música, mas talvez era porque ele não queria pensar no beijo dos dois.

Incrivelmente as coisas pareciam se encaixar enquanto Victor ia trabalhando com Yuuri, e já que a maior parte da ordem dos elementos estava decidida, eles só precisavam colocar ela nos acentos da música. Yuuri ia pegando todas as dicas de Victor com facilidade, mas na maior tempo sem deixar seus olhos tocarem nos de Victor.

Aquela dificuldade em olhar para ele deixou Victor um pouco enervado, porque Yuuri conseguia fazer os movimentos lindamente, seguindo a cadência errônea da música com força, uma força que Victor tinha apenas visto como um potencial de Yuuri, mas naquele momento ele estava executando tudo como deveria ser. Em compensação, parecia que Victor existia em outra galáxia, longe de Yuuri.

Você precisa deixar as coisas acontecerem, e se concentre no que tem que fazer agora, Victor disse a si mesmo, mas era mais fácil dizer do que agir.

Ele suspirou e continuou ajudando Yuuri. Em menos de uma hora o programa estava pronto, e Yuuri já quase conseguia fazer ele inteiro, muito melhor do que o próprio Victor. A música e ele ainda não estavam em acorde em quase todos os movimentos, mas havia uma espécie de energia forte em Yuuri que fazia ele executar todos os movimentos com força.

“Eu quero ir de novo,” disse Yuuri após ele ter completado a coreografia novamente, e ele repetiu aquela frase outra e outra vez, até cansar.

Victor estava esgotado de ver ele treinando, mas Yuuri continuava. Chegou a um ponto em que ele nem tentava os saltos mais, apenas marcando o lugar de cada um, mas forçando a coreografia como se estivesse na final da competição mais importante de sua vida. E naquele momento Victor conseguia ver um Yuuri diferente, um Yuuri que lutava até o final, que não queria ser deixado para trás. Completamente diferente do Yuuri que competiu com ele tantos anos atrás, completamente diferente do Yuuri de algumas noites atrás, quando ele tinha uma certa doçura encantadora em si, algo de maravilhoso que o fazia subir aos céus com seus programas. Yuuri patinava agora com algo parecido com raiva, e Victor queria só imaginar se aquilo se alimentava por causa da conexão entre um e outro.

E a cada vez que a música começava de novo, Yuuri patinava com mais e mais força, arriscando mais, deixando-se levar de um jeito que Victor nunca tinha visto.

“Chega, Yuuri. Chega.” Victor parou a música.

Yuuri ainda estava no meio de seus movimentos, mas assim que a música parou ele travou as lâminas no gelo e virou para Victor.

Por um instante os dois ficaram em silêncio, como se o alto de toda a tensão tivesse atingido o limite, e agora a ausência de tudo fazia um buraco se abrir. Victor caminhou sobre o gelo até Yuuri, que não se mexeu do lugar. Quando eles ficaram um de frente ao outro, Victor tentou investigar naqueles olhos o que estava acontecendo, tentando encontrar motivos para tanta dissonância entre os dois, mas era complicado encontrar, porque quando ele olhava para Yuuri ele não conseguia ver outra coisa a não ser o beijo deles na outra noite.

“Porque você não me beija outra vez?” Victor pediu. A surpresa ficou evidente nos olhos de Yuuri.

“Beijar você?” Yuuri sacudiu a cabeça, como se não soubesse o que fazer com aquela pergunta.

Se Victor queria ter deixado as indagações sobre o beijo para depois, agora ele não queria mais.

“Desde o outra dia nós estamos nesse impasse. Eu não gosto disso. Ainda que faça você patinar como nunca antes, eu não gosto…”

Yuuri olhou para o chão. Ele respirou fundo enquanto Victor ficou apenas esperando pela reação dele. Um momento depois, Yuuri levantou seus olhos.

“Eu não quero te beijar,” disse ele. Agora foi Victor quem deixou a surpresa aparecer em seu rosto. “Eu não quero,” confirmou Yuuri outra vez, e então ele forçou suas lâminas no gelo e patinou para longe de Victor, fugindo dele.

Era difícil entender Yuuri. Seus lábios disseram uma coisa, mas os olhos…

Os olhos disseram outra completamente diferente.

 



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...