Quando a sexta-feira chegou e Yuuri já tinha seus dois programas prontos para a temporada de competições ele sabia que seu tempo com Victor Nikiforov estava chegando ao fim. Da mesma maneira em que ele sentia um aperto em seu coração porque Victor iria embora, havia um sentimento de alívio se formando dentro de Yuuri. Ele não teria mais que se controlar tanto, que fingir que não sentia algo por Victor, apenas para não dar ao possível relacionamento deles o mesmo fim de tantos outros que Victor havia tido no passado.
Não era uma missão fácil, e de uma certa forma tudo que eles haviam construído juntos tinha se esfacelado, mas pelo menos Yuuri teria as lembranças de seu tempo com Victor, de poder rir com ele enquanto o homem explicava novos movimentos, de saber que havia um fogo nos olhos de Victor quando os mesmos se fixavam em Yuuri, e compartilhar da magia que é ficar ao lado dele, porque Victor era uma pessoa que nunca parava, que nunca se contentava com pouco - mas que também era um homem respeitoso das escolhas dos outros, algo que Yuuri nunca imaginou que ele fosse.
Rumores sobre a personalidade de Victor surgiam as centenas, mas também, com a fama que ele tinha não era de se esperar diferente. Porém, até hoje parecia que poucas pessoas tiveram a oportunidade de ficar ao lado do Victor de verdade, e Yuuri se sentia privilegiado. Uma pena que as coisas tinham que ser assim.
“Eu acho que você já está praticamente pronto para competir,” disse Victor no final daquela noite, quando o treino deles tinha chegado ao fim. Yuuko estava desligando as luzes junto com Takeshi. Victor e Yuuri estavam sentados num dos bancos enquanto Yuuri desamarrava seus patins.
“Eu espero ter sorte com os meus dois GPs, mas como eu não sou a primeira escolha da federação, e nem tenho um ranking muito bom, vou ter que me contentar com o que vier.”
“Se você quer dar o seu melhor, não importa a competição, se os mais fortes ou os mais fracos vão vir. Não tem porque pensar em desistir antes mesmo de chegar na hora da competição.” A voz de Victor era carinhosa quando disse aquelas palavras, mesmo que a distância entre os dois não tenha diminuído desde o beijo.
Yuuri assentiu, em pleno acordo com o que Victor disse. Porém, era complicado ele pensar nas chances de alcançar a final. Ele não tinha os saltos mais difíceis, e ele não era o único com boa coreografia. Sem falar que ele tinha que competir no mais próximo da perfeição para poder ter uma chance, e ele treinava para isso, mas a atmosfera de uma competição é sempre diferente.
“Eu só quero dar o meu melhor. Especialmente depois da ajuda que você me ofereceu,” disse Yuuri. Ele virou sua cabeça para o lado e percebeu que Victor também o olhava.
Ele não sabia quando que isso aconteceu, mas Victor tinha se transformado em uma pessoa próxima de Yuuri, e mesmo com essa indiferença, ele ainda estava ali. Os olhos dos dois se encontraram, e era difícil não sentir a conexão. Yuuri queria chegar mais perto, Victor queria chegar mais perto, mas havia algo os impedindo. E qual seria o motivo? Victor já estava indo embora mesmo, não tinha mais nada para Yuuri se preocupar.
Mas também, por que tentar algo agora com Victor se Yuuri não iria mais ter ele por perto? Era melhor segurar seu coração agora do que ter ele na mão para sempre.
Só que ficava difícil se segurar quando Victor sorria daquele jeito.
“Essa foi uma das experiências mais diferentes pra mim, em toda minha carreira,” ele falou. Victor sacudiu a cabeça, como se quisesse arrumar as ideias lá dentro. “Já faz um tempo que eu me afastei um pouco da patinação, e não tinha pensado em retornar tão cedo. Minha vida já foi bastante conturbada por todos os anos em que eu competi. Não foi a coisa mais difícil dizer adeus a tudo um tempo atrás, mas eu confesso que viver sem isso,” Victor falou ao mostrar o rinque, o gelo, a presença do vapor em volta deles, “viver sem isso é difícil.”
“Difícil o bastante pra você procurar um patinador desconhecido para ajudar?”
A pergunta de Yuuri pegou até ele de surpresa, mas Victor deixou seu sorriso abrir mais um pouco, e assentiu.
“Acho que sim. Eu não tinha planos para o futuro, e não que tenha muitos planos agora. Mas apesar de tudo, eu descobri como é interessante trabalhar no gelo, mesmo que eu não possa mais competir. Eu gostaria de poder ter mais um tempo apenas para mim, mas na vida que eu levo parece que nunca sobra esse tempo. Contudo, num rinque de patinação, às dez da noite, sem mais ninguém em volta, eu me sinto livre.”
Havia uma certa dor nas palavras de Victor, algo que Yuuri não esperava ouvir.
“Sua vida na Rússia é difícil?”
Para aquela pergunta Victor não tinha uma resposta pronta, porque ele parou por um momento para pensar. Yuuri não tinha certeza se talvez avançou demais, se pediu algo que não deveria ter pedido, mas já que tudo estava chegando ao fim, ele queria aproveitar a chance de pelo menos carregar um pouco mais de Victor dentro de si.
“Se você fala em dinheiro, não. Eu ainda ganho bastante com propagandas e merchandising, sem falar nos shows que eu faço em volta do mundo. E a Rússia tem um relacionamento muito próximo comigo, pois eu sei que trouxe o nome do meu país de volta pro topo. Só que é complicado você ter uma vida depois da fama. Até outro dia eu me sentia bem em dar aos meus fãs todos os pedaços da minha vida que eu queria, mas…” Ele parou de falar, sacudiu a cabeça.
Yuuri não disse nada.
“Mas eu percebi que não é tão fácil me desligar deles quando eu quero. E eu só percebi isso depois que entrei aqui no Castelo de Gelo. Eu percebi isso quando eu encontrei tempo pra ficar sozinho, ou pra pensar sem ter que me cuidar. Quando eu consegui sair durante o dia pra passear e não tive que correr de ninguém. E não é que eu não goste dos fãs, mas eu nunca tinha descoberto tanto tempo só pra mim.”
Yuuri pode ver a realização de tudo aquilo no rosto de Victor, o que trouxe uma felicidade para ele, mesmo em meio ao impasse entre os dois. Victor olhou em volta e sorriu para si mesmo, e Yuuri tentou não olhar muito para ele, retornando aos seus patins.
Ele conseguiu desamarrar tudo e colocou de volta na sua bolsa, atando os tênis em seus pés. Nem Victor nem ele disseram nada, o que soava no ar era o barulho da conversa de Yuuko e Takeshi, terminando de fechar o rinque.
“Sabe de mais uma coisa?” Victor falou assim que Yuuri terminou de fechar o zíper da bolsa. A voz de Victor tinha algo em si que Yuuri não sabia o que era, mas ele olhou mesmo assim para o homem, curioso.
Os dois se levantaram de pé, mas nenhum se moveu do lugar.
“Da mesma forma como eu percebi que tenho a liberdade para fazer coisas aqui, eu também descobri que nada do que eu fiz até agora pode comparar com uma coisa só, algo que eu ainda quero fazer muitas vezes.”
Só com a menção daquelas palavras, Yuuri teve ideia do que Victor queria dizer. Ou pelo menos ele pode imaginar, mas não queria que seu coração criasse muitas esperanças.
“E o que seria?” Yuuri pediu.
Era como se um imã puxasse um contra o outro, porque eles foram se aconchegando, sem nem perceber, até Yuuri sentir a respiração de Victor em seu rosto.
“Eu não queria criar um vale entre nós dois, mas agora que nosso tempo está chegando ao fim, e que eu acabei de confessar que eu me sinto obrigado a fazer coisas novas, simplesmente porque eu posso, eu quero…” Victor parou por um instante.
A mão direita dele se levantou com calma, até chegar ao rosto de Yuuri, e com carinho, tocar na pele dele. O toque foi simples.
“Eu quero beijar você. Eu posso?”
Os olhos de Victor brilhavam, quase implorando por Yuuri, como se ele fosse algo inalcançável. E seria impossível dizer que não. Mesmo que Yuuri tenha conseguido em outros momentos, agora com Victor o olhando daquele jeito, tudo era complicado demais. Para não falar bobagem, Yuuri não disse nada, e Victor interpretou aquilo como um sim.
O rosto dos dois se aproximou mais ainda, até os os olhos estarem tão perto que ficava difícil ver algo nitidamente. Mas foi só os lábios de Victor encostarem nos de Yuuri que ele fechou as pálpebras com força, preparando-se para o ataque de Victor.
Só que ele nunca veio. No seu lugar, uma leve brisa correu sobre ele.
Victor abriu sua boca para penetrar Yuuri com a língua, calmamente, como se ele fosse uma especiaria para ser degustada. Os braços de Victor se enrolaram em Yuuri, protegendo ele do mundo. Era como se tudo que houvesse acontecido durante a semana tivesse colocado um freio no desejo dentro dos dois, e agora apenas sobrou a calmaria depois da tempestade.
Yuuri também teve que colocar suas mãos em Victor, nos ombros do homem. Ele não queria confessar aquele tipo de coisa, mas ele se sentia seguro naqueles braços. E ao mesmo tempo em que o mundo à sua frente parecia assustador, com a possibilidade de competir fora do Japão, de voltar à ativa, Victor estava ali, e ajudou Yuuri a dar os primeiros passos.
Toda aquela distância que ele queria colocar entre os dois, o medo dos relacionamentos, tudo aquilo parecia ínfimo perto desse beijo, porque apesar de ser apenas o segundo, havia algo tão grande nele, como se fosse a culminância de um mundo de coisas. E Yuuri queria apenas sentir aquilo.
Victor beijava ele com calma, mordiscando os lábios de Yuuri, provando do gosto dele, enquanto suas mãos faziam círculos nas costas. Ele pressionava Yuuri contra seu corpo, o bastante que tinha até como sentir outras coisas em movimento, mas naquele instante a força sexual de Victor parecia até inexistente. Ele beijava Yuuri como se fosse algo frágil, e de certa forma ele era.
O relacionamento dos dois tinha sido uma surpresa no começo, tanto que Yuuri nunca tinha imaginado que poderia ser algo mais, mesmo que tivesse fantasiado com Victor. A diferença era que ele tinha pensado em Victor como o cara famoso, longe do alcance por toda a sua vida, e não esperava que houvesse uma conexão entre os dois. E se ela era falha no começo, agora tudo fazia sentido.
Parecia bobagem que ele não queria se aproveitar disso, mas ao mesmo tempo em que seu coração se aquecia, dentro do peito ele também se afundava. Hoje tudo parecia perfeito, mas e quando Victor fosse embora? Yuuri não teria mais como ter o homem ao seu lado, e tinha a possibilidade de que tudo ficasse apenas no passado. Mas pelo menos ele teria boas memórias de Victor.
Teria em sua mente a forma como o homem o tocou, singelamente, não só em seu corpo mas também no coração. Ele havia despertado inquietações em Yuuri, sobre si mesmo, sua carreira, sua vida, e também paixões, seja pela patinação ou pelos próprios sentimentos por Victor. Havia tantas coisas que pareciam iguais do que tinham sido sempre, mas que Yuuri só percebeu diferentes agora.
Victor chegou ao Japão como um desconhecido para sua família, mas foi só agora que Yuuri conseguiu ver na sua mente como o homem tinha entrado no mundo dos Katsuki. Yuuri tentou ignorar e esquecer, mas ele viu como Victor tomava café com a mãe de Yuuri, como ele se aventurou pelo Onsen e pela cidade como se fosse um turista, como ele amou provar todas as comidas japonesas que lhe ofereceram, e agora pensando em tudo isso, Yuuri se tocou de como ele perdeu a oportunidade de aproveitar aqueles momentos.
Ele ficou tão preocupado com os sentimentos dentro dele e as implicações de cada um em sua vida que ele esqueceu de viver. Agora ele teria apenas poucas memórias desses dias, e os dois beijos que ele trocou com Victor, mas pelo menos ele teria alguma coisa. Talvez ele tivesse que ter feito as coisas de outra forma e aproveitar esse tempo de outro jeito, mas as coisas eram como eram.
Errando é que se aprende.
“Você não vai fugir?” Disse Victor assim que o beijo terminou, e assim que a mente de Yuuri conseguiu pousar de volta no chão.
Ele sorriu com aquelas palavras de Victor. Seu coração estava calmo e livre, e ele sacudiu a cabeça. “Já fugi o bastante.”
Todo o nervosismo que ele teve em volta de Victor tinha até sumido, como se fosse mágica. Mas o beijo de Victor não era tão longe de algo mágico, sem dúvida.
Os dois ficaram se olhando, olho no olho. Havia uma promessa naquela troca de olhares, e Yuuri não queria pensar muito no que ela poderia ser, mas seu peito começou a se esquentar, e outras parte de seu corpo também.
“Pronto pra ir, meninos?” A voz de Yuuko cortou pelo ar, quase jogando um balde de gelo nos dois.
“Sim, sim,” a voz de Victor soou pelo ar, cantante. Ele pegou na mão de Yuuri e o levou. O guiou.
Yuuri se deixou levar, quem sabe fosse hora de parar de se preocupar com hipóteses e aproveitar a vida.
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