História Hino ao Amor - Tropeços

O aquecimento dos homens na arena já tinha começado. Yuuri tinha que se acostumar com tanta gente assistindo, porque essa arena era muito maior do que a que ele competiu em Hiroshima, provavelmente tinha duas ou três vezes mais gente lá dentro, e durante o aquecimento antes da competição muitas pessoas estavam lá torcendo.

Ele queria mais se concentrar em seu próprio treinamento, mas ele via tantas faixas nas arquibancadas que foi difícil não procurar por alguma coisa com o nome dele, e sim, ele encontrou. Não só uma, um monte de faixas de Yuuri em todos os lados da arena. Algumas com ele sorrindo, outras eram montagens de fotos antigas, e algumas tinham ele e Victor juntos. Jamais antes Yuuri tinha visto alguma coisa parecida.

Era como se o mundo tivesse mudado do dia para a noite, porque na competição anterior no Japão ele não era mais do que um desconhecido, e agora ele chegou a outro país e era quase uma celebridade. Yuuri não sabia nem o que fazer com tanta atenção, pois mesmo ele não sendo o patinador com mais fãs no momento, depois dos garotos da casa ele é o que mais tinha cartazes.

Respira fundo, Yuuri.

Ele se falou aquela frase mais de uma vez. Yuuri tinha que se concentrar, tinha que conseguir fazer o seu melhor, para poder agradar não só a si mesmo, mas dar um presente para todo esse público que estava ali. Yuuri queria procurar para saber se teria alguém daquele grupo de fãs que não gostavam dele, mas o maior número de pessoas torcendo parecia estar do lado de Yuuri, e aquilo levou ele a patinar com mais força.

Desta vez ele estava no primeiro grupo de patinadores, por isso quando acabou o aquecimento ele ficou perto da porta de entrada para estar próximo quando fosse sua hora.

Yuuko deu os protetores de lâmina para Yuuri enquanto os dois caminhavam para o corredor.

“Você viu quanta gente torce por você?” Ela pediu. Yuuri apenas assentiu. Ele ainda estava um pouco além do controle de suas emoções, por isso não falou nada.

Ele ficou esperando por sua vez, colocando na cabeça toda a preparação para esse momento, deixando que tudo que não importava fosse jogado fora, porque esse era o momento de Yuuri. Aqui começava a segunda parte da caminhada dele para a final do Grand Prix, e ele tinha certeza que estava mais do que pronto, mesmo com todas as adversidades enfrentadas até agora.

Yuuri estava concentrado no seu momento, por isso ele nem viu Victor chegando perto dele. O homem colocou sua mão no rosto de Yuuri e os dois se olharam. Havia alguma coisa nos olhos de Victor, preocupação, quem sabe, mas ele estava ali para apoiar Yuuri, estava ali sorrindo para ele, e os dois poderiam se resolver depois.

“Boa sorte,” disse Victor, bem baixinho, apenas para eles dois.

“Obrigado, Victor.” Havia tanto amor nessa conexão entre eles que era quase difícil respirar, mas essa energia de Victor foi o que precisou para Yuuri seguir em frente para competir.

“Vamos Yuuri, você é o próximo.” Chegou Yuuko para falar com ele. Victor ainda apertou a mão de Yuuri uma vez antes dos dois irem para lados diferentes, mas Yuuri tinha certeza que Victor estaria ali para assistir ele.

Antes de entrar no gelo, Yuuri respirou fundo. Quando colocou suas lâminas para mover sobre a superfície clara e translúcida, um rugido enorme tomou conta da arena. E ao invés de deixar Yuuri com medo, aquele momento fez com que a confiança dentro dele crescesse ainda mais. Ele levantou seus braços para o público e agradeceu o incentivo, partindo para a sua pose inicial.

“Então, Tatiana, aqui nós temos Yuuri Katsuki do Japão, pronto para se apresentar no programa curto aqui na Copa da Rússia.”

“Sim, Grishin, Yuuri Katsuki apareceu na primeira competição no Japão e ele surpreendeu ao público com sua patinação quase russa, provavelmente advinda da relação dele com nosso grande herói Victor Nikiforov. Vamos ver como ele se sai nessa competição.”

Quando a música começou Yuuri já a sentia em seus poros. Era como se ele fosse uma das partes e a música a outra. Suas emoções estavam conectadas completamente com a coreografia em sua mente, e ele sabia de tudo que tinha que fazer. Os primeiros movimentos já fizeram o público aplaudir, provavelmente porque eles sabiam exatamente de quem era essa programa.

“Você vê aqui, Grishin, como o público russo tem amor por Victor, com apenas alguns movimentos da coreografia Yuuri já conseguiu colocar o público em suas mãos.”

“Sim, eu acredito que era essa a intenção.”

“E é nesse patinador que nós podemos ver as grandes qualidades da patinação, movimentos fluídos, coreografia bem pensada, e nesse caso uma homenagem a um lendário patinador. Todos esses movimentos que ele faz no gelo são incrivelmente difíceis, mas nas lâminas de Yuuri eles parecem fáceis.”

“Você está gostando dele, não, Tatiana?”

“Oh, estou sim.”

Uma das coisas inesperadas aconteceu ao final da sequência de passos, que foi o aplauso do público. Era bastante incomum o público aplaudir aquele elemento, especialmente se a música não era movimentada, o que significava que Yuuri estava completamente com o público em seu controle.

Mas o programa ainda estava longe de terminar, por isso ele fez questão de olhar bem para a banca de jurados antes de partir para os saltos de seu programa, que eram a parte mais valiosa da nota.

Com ar em seus pulmões, Yuuri seguiu com força em volta do canto do rinque, se arrumando para o salto quádruplo.

“Quádruplo toe!”

“Isso mesmo, Tatiana, e muito bem executado por sinal.”

“É isso que eu falo nas minhas aulas e masterclasses como é importante você colocar o seu melhor salto em uma das horas mais importantes da música, de trazer a atenção para os seus melhores elementos e esconder as falhas.”

“E agora Yuuri está se ajeitando para o triplo Axel…”

“UMNITSA!”

“Ótima execução!”

Yuuri sentiu a vibração da torcida em seu peito, e como eles estavam empurrando Yuuri com suas palmas. Ainda faltava a combinação de saltos, mas ele tinha que mostrar as transições entre seus elementos, por isso ele deu atenção especial para o seu Ina Bauer antes de partir para os saltos. Outra vez o público aplaudiu ele, e Yuuri se sentiu pronto para o final de seu programa.

Ele ainda deu uma última olhada para os juízes antes de saltar.

“KRASIVA!”

“Yuuri Katsuki completa os últimos saltos de seu programa, uma combinação triplo-triplo de muita qualidade. E agora com o último giro ele finaliza sua apresentação.”

“Moldetz, Yuuri. Muito bem.”

O público estava de pé com a apresentação dele, e Yuuri não conseguia controlar o seu sorriso, ele tinha feito tudo que poderia fazer.

~*~

Victor tinha um olho em Yuuri terminando a sua apresentação e outro no Presidente da Federação que estava sentado logo atrás da banca da arbitragem nas arquibancadas. O homem tentava nem fazer muitos movimentos, mas o seu desapontamento com o final da apresentação de Yuuri foi evidente, o que era o contrário do que a arena mostrava. Pessoas de pé, levantando faixas e cartazes, aplaudindo Yuuri como se ele fosse um russo, e aquilo mais do que surpreendeu Victor. Mas com certeza o relacionamento deles dois era importante para a Rússia, porque Victor sempre foi importante para a Rússia. Só que agora Victor tinha receio de saber o que iria acontecer com Yuuri, porque a cara do Presidente não era boa.

Ele acompanhou a caminhada de Yuuri até o kiss and cry e viu quantas meninas tiveram que levar os presentes de Yuuri. Ursinhos e flores aos montes. Ele era todo sorrisos, e estava com a cara bem alegre enquanto esperava sua nota.

Pelo menos até ela aparecer.

“A nota de Yuuri Katsuki é 87.22, o que o coloca em segundo lugar no programa curto,” anunciou o sistema de som da arena, e logo que a nota saiu no telão todo mundo começou vaiar.

Se Yuuri tinha conseguido mais do que noventa pontos por uma apresentação com problemas no Japão, agora que ele foi completamente limpo ele teria que ter tirado mais, pra Victor aquilo era óbvio. No meio da cara de decepção de Yuuri, Victor olhou para o lado, para onde o Presidente estava. E se antes o homem parecia decepcionado, agora ele estava positivamente feliz.

Batendo palmas inclusive.

Victor teve que respirar fundo para não ir bater em alguém, e assim que Yuuri saiu do banco onde esperava pelas notas Victor procurou um dos corredores para encontrar Yuuri atrás das arquibancadas. O coração dele batia forte pois Victor queria machucar alguém, mas ele sabia que não iria valer a pena.

O problema é que aquele tipo de nota poderia ser a diferença entre o terceiro e o quarto lugar, e fora do pódio Yuuri teria poucas chances de avançar para a final.

Assim que Victor viu Yuuri ele correu e colocou seus braços em volta dele. A alegria tão grande de Yuuri agora tinha se despedaçado, e Victor não gostava nada daquilo.

“Você foi incrível, Yuuri,” ele tinha que dizer aquilo.

“Uma pena que os juízes não pensaram nisso.”

Estava na boca de Victor contar para Yuuri sobre suas suspeitas, mas o que iria adiantar? Yuuri não tinha nem motivos para ir falar com o Presidente da Federação Russa de patinação porque o homem não tinha que responder a ele, e na verdade, Yuuri não tinha muito poder em suas mãos. Ele não era nem o primeiro patinador da Federação Japonesa, e os juízes iriam dar aqueles motivos para Yuuri, de que ele não era o melhor atleta de seu país, de que ele poderia ter ido melhor, de que ele saiu em um dos primeiros grupos e sua nota foi afetada, mas nenhum iria admitir que as notas estavam sendo contadas - e essa era a suspeita de Victor.

Ele queria ver os protocolos só para ter certeza de quais juízes ele teria que chamar.

“Que nada, eu fiz o meu melhor e é isso que importa.” O tom de desânimo de Yuuri era natural, mas mexia demais no coração de Victor.

“Você fez o melhor que poderia, e além disso, toda a torcida da Rússia está ao seu lado,” Victor falou, colocando uma das mãos no rosto de Yuuri e tocando ele com carinho. Yuuri apenas assentiu.

“Acho que eu deveria ter me tocado de que as notas iriam me favorecer no Japão, mas aparentemente não em outros lugares.”

Yuuri suspirou, colocando seu rosto no ombro de Victor que o abraçou forte. Victor queria dizer que aquilo era um injustiça, mas não iria fazer bem ele alimentar as suspeitas no coração de Yuuri, porque ele tinha que fazer o seu trabalho, Yuuri tinha que patinar como nunca e esperar pelos resultados, porque de nada adiantava ele só reclamar que os juízes estavam colocando ele pra baixo.

Victor teve que deixar Yuuri nos bastidores para ir acompanhar o seu outro Yuri, o patinador russo, mas a cabeça de Victor estava em outro lugar. Ele não conseguiu nem expressar muitas emoções enquanto Yuri patinava. Ele tinha um programa muito mais difícil que Yuuri, mas no momento aquilo nem importava. Não importava que Yuri caiu no primeiro salto quádruplo, e logo depois tropeçou antes de sua combinação, muito mais difícil que a de Yuuri porque tinha outro quádruplo. Não importava que ele não deu o máximo de suas emoções no programa, que ele não interpretou como poderia, e nem que ao final de sua apresentação parecia que a torcida estava um pouco embargada e nem torceu tanto.

Victor não se importava com aquilo, pelo menos não até a nota de Yuri aparecer.

“A nota de Yuri Plisetski é 92.46, o que o coloca em primeiro lugar no programa curto.”

E daí Victor sentiu um fogo ardendo forte dentro de seu peito. A torcida gritou por Yuri, mas não tanto quanto deveriam para a estrela de seu país. Parecia até que o público entendia o que estava acontecendo. Yuri ficou pensando que poderia ter tirado mais nota se acertasse os saltos, mas a única coisa que Victor tinha em mente era o fato de que a apresentação limpa de seu Yuuri tinha ficado atrás de uma apresentação nada limpa do outro Yuri.

E sim, nenhum dos dois tinha culpa do que os juízes faziam, mas havia uma pessoa naquela arena que tinha culpa, e Victor iria procurar por ela.