História Hino ao Amor - Ruptura

Yuuri iria se apresentar antes dos três patinadores que estavam no pódio, então ele não teria chance para errar porque senão os juízes iriam terminar com qualquer possibilidade de ele chegar ao pódio.

Contudo, Yuuri entrou no gelo com a mente limpa. Ele tinha se preocupado com suas notas, mas agora já estava resolvido a não se importar. De nada iria adiantar ele se estressar com coisas que não poderia mudar, o mais importante seria competir o melhor que podia, e agradecer ao público pelo carinho.

“Do Japão, Yuuri Katsuki,” anunciou o sistema de som, e o rugido do público fez o cabelos da nuca de Yuuri se eriçarem. Ele sorriu ao se preparar para começar a apresentação, e olhou para os juízes uma vez, passando de rosto por rosto naqueles segundos antes de a música começar.

Quando as primeiras notas soaram, Yuuri esqueceu do mundo ao seu redor.

Desde que ele havia escolhido aquela música para si com a ajuda de Victor, o Concerto Grosso de Schnittke, Yuuri nunca tinha se sentido livre o bastante para interpretar uma música difícil. A escolha dos dois foi por causa de que a obra era boa, tinha como adaptar muitas coisas para o gelo, era possível de interpretar ela, e poderia ser um programa que seria lembrado pelas gerações a vir pela frente.

Contudo, até aquele momento Yuuri nunca tinha sentido o programa da forma como ele sentia agora. Cada nota do piano em contraste aos violinos da orquestra movia o corpo dele de uma forma diferente. Na preparação de cada salto Yuuri sentia que conseguiria voar ainda mais alto, e mesmo que ele não ouvisse o público dentro de sua mente, ele sabia que todos estavam o empurrando.

Era preciso muito preparo para Yuuri conseguir executar os dois saltos quádruplos, mas quando chegou a hora de cada um ele quase nem sentiu o seu corpo cansado, era como se a mente estivesse comandando tudo da forma mais eficiente possível, porque Yuuri pensava em um salto e logo em seguida seu corpo o realizava. Um após o outro, dentro da música e com o máximo de sua interpretação.

Yuuri sabia que precisava de todos e de cada um dos seus elementos, porque cada ponto contava para a sua nota. Não havia, em sua mente, a possibilidade de errar, ele não iria se permitir. Cada salto que ele conseguia acertar era um a menos em sua lista, mas em nenhum momento no programa Yuuri se deixou levar pela emoção de chegar ao final, ou de estar acertando tudo. Ainda assim, ele não era um robô no gelo, ele sabia que estava dando o seu melhor na sequência de passos ou nos momentos em que ele não tinha elementos, porque o programa não era só os saltos ou os giros, ou a coreografia.

O programa era tudo. Desde o primeiro momento em que ele pisa no gelo, em que seu nome é anunciado, a forma como o patinador se apresenta para o público e mostra a que veio, tudo aquilo é parte da apresentação. E mesmo que os juízes não estejam ali para avaliar todos aqueles momentos, Yuuri sabia que tudo que ele fazia no gelo deixava uma impressão nos juízes. Não iria importar se eles iam segurar a nota do Yuuri, se não iria dar o que ele deveria receber, porque o melhor presente para um atleta era chegar ao final de uma competição e saber que tinha feito o máximo que podia.

E foi assim que Yuuri terminou o seu programa. Antes mesmo de ele chegar ao último elemento, a combinação de giros, Yuuri já sabia que tinha feito tudo que poderia fazer, que tinha suado cada gota para conseguir colocar o seu melhor programa até hoje para o público, e ele já conseguia ver as pessoas se levantando antes mesmo de a música terminar.

Quando terminou, Yuuri sentiu seu coração se lançar pela boca, e de um momento de silêncio em seu cérebro, o mundo ficou cheio de cores e sons, e toda a arena estava aplaudindo a ele. Alguma coisa dentro de Yuuri parecia não fazer sentido naquele momento, porque ele nem conseguia acreditar que tinha chegado ao fim e feito tudo que poderia fazer, mas ao mesmo tempo uma parte de Yuuri sabia que ele tinha treinado para isso, que tinha sofrido, que tinha perdido dias e noites de sua vida em busca de uma carreira que ele nem sabia se teria conseguido seguir se não fosse pela família, pelos amigos, e por seu amor pela patinação.

Em um tempo onde ele nem sabia por onde começar a procurar por um amor, todas as coisas na vida dele começaram a florescer com ele. E com lágrimas nos olhos Yuuri apenas poderia agradecer a seu público, a sua família. A Victor, porque todas essas pessoas tinham estado ao lado dele.

“Yuuri!” Yuuko gritou em seu ouvido quando ele conseguiu colocar o pé fora do gelo para esperar por sua nota. O abraço dela era forte, mas Yuuri queria poder abraçar outra pessoa. Depois ele teria que procurar por Victor.

Os dois foram se sentar para aguardar, e o coração de Yuuri parecia querer correr mais uns quilômetros ao redor do gelo.

“Você fez tudo, Yuuri. Acho que não tem como ficar melhor que isso, não tem…” Ela parecia nem saber se acreditava no que havia acontecido, e Yuuri nem sabia se acreditava também. E independente das notas, ou do que fosse acontecer, ele já estava feliz.

Sua mente estava um pouco desligada que ele nem percebeu quando a nota saiu no primeiro momento, mas foi só ouvir as vaias da torcida que ele percebeu que iria se decepcionar de novo.

~*~

“A nota de Yuuri Katsuki para seu programa longo é 173.27, o que o coloca em primeiro lugar no momento.” 

Victor não sabia se ele ficava furioso pela nota de Yuuri ou se ele ficava feliz pela torcida de seu país. Ele não conseguia nem pensar.

Nem o fato de que JJ e Otabek falharam no programa longo nos minutos seguintes conseguiu aliviar Victor, porque os juízes colocaram os dois na frente de Yuuri. E quando o Yuri russo saiu a patinar e conseguiu acertar seu programa, era óbvio que Yuuri iria acabar com o quarto lugar.

Era impossível se controlar naquele momento, e Victor tinha um gosto tão ruim na boca sobre essa situação toda que ele tinha que fazer alguma coisa. O problema é que isso não tinha nada que ver apenas com ele. Se Victor quisesse se afastar da Federação, nada impedia o Presidente de continuar usando sua força política para alterar as notas de Yuuri só de raiva, e Victor sabia que ele era capaz. Porém o homem tinha apresentado uma solução, e era uma solução que Victor não gostava nada, só que ele não tinha escolha.

No final das contas ele tinha sido ingênuo, porque Victor poderia ter gravado a conversa dos dois no dia anterior, e mostrado para todos os canais de mídia. Só que iria adiantar do que também? A influência do Presidente já estava feita e agora as chances de Yuuri se classificar estavam quase nulas, porque a pontuação dele seria muito baixa para conseguir ir a final do Grand Prix. E não, aquilo não seria o final de carreira para ele, só que até quando Yuuri iria conseguir continuar patinando?

Victor jamais iria deixar ele perder a chance de conseguir vitórias em sua carreira, e se ele tivesse que sacrificar alguma coisa, ele iria sacrificar. Nem que fosse o amor que ele tinha por Yuuri.

Ele respirou fundo, olhou bem para onde o Presidente estava, e caminhou na direção do homem.Victor não queria bater nele, pelo menos ele sabia que não poderia, porque senão as coisas iriam ficar piores ainda, mas ele precisava fazer alguma coisa. E ele iria.

Quando Victor chegou perto do homem, que apenas sorriu, ele abaixou a cabeça e respirou fundo.

“Você venceu essa batalha. E eu me rendo. Só que se eu vou sacrificar a minha vida, eu espero que você faça o que prometeu, porque eu vou lembrar de tudo isso, e quando eu tiver a oportunidade de me retratar, eu vou,” disse Victor, levantando os seus olhos para olhar para o Presidente, que ficou surpreso por um momento, antes de assentir.

“Eu sabia que você iria fazer a escolha certa, Victor.”

“A escolha certa teria sido entregar a primeira medalha que eu ganhei com a sua ajuda. Mas eu sou hipócrita, sim. Porém essa é a última vez que você ganha.” Victor se virou e saiu.

Ele não conseguia mais ficar um só momento com aquele homem, ele tinha que sair. No entanto, ele também não queria fazer o que teria que fazer em seguida, quebrar o seu próprio coração e o de mais alguém. Victor tinha que fazer aquilo, contudo. Ele tinha.

~*~

Yuuri chorou. Não muito, tendo em conta o desapontamento que foi competir a melhor competição da sua vida e terminar em quarto lugar. Mas ele sabia que tinha feito seu melhor, que tinha colocado uns programas no gelo que eram de se orgulhar, e se os juízes viram diferente, todo mundo tinha o direito de ter opiniões diferentes, claro.

Ele parabenizou os outros atletas, e no vestiário tinha um clima de desapontamento geral. Nem todo mundo conseguia acompanhar a competição do começo ao fim, só que os atletas sempre sabiam mais ou menos como uns e outros foram, e eles também conseguiam ouvir a reação da torcida dos vestiários. Yuuri conseguia sentir no ar a desconfiança dos patinadores, aquele sentimento de que as coisas não tinham saído como deveriam ter ido.

JJ não conseguiu olhar muito para Yuuri, mas eles nunca foram tão amigos mesmo, então não tinha o que dizer. Otabek pediu desculpas por ter ficado na frente dele na classificação, mas Yuuri não poderia nem exigir nada dele, afinal de contas não eram os patinadores que escolhiam as próprias notas. Phichit estava bastante consternado também, e ele ficou ao lado de Yuuri por alguns momentos, antes de Celestino levar ele embora.

Yuuko não disse muitas coisas, porque ela também estava muito decepcionada, mas em nenhum momento ela culpou ninguém. Apenas disse que Yuuri tinha que se orgulhar da competição que tinha feito, porque o que o público presenciou naquele dia, e o amor que eles tinham por Yuuri, ninguém poderia tirar dele.

Pelo menos ele ainda tinha Victor, que veio caminhando para Yuuri com seu rosto triste, decepcionado também, e Yuuri não conseguia aguentar ver mais uma pessoa triste por causa dele.

Ele levantou do banco e foi abraçar Victor, e os dois ficaram uns momentos juntos.

“Não chore, Victor.”

O homem respirou fundo, limpando seus olhos na roupa de Yuuri. “Eu teria que dizer isso para você. Porque… eu tenho uma coisa para te falar, Yuuri.”

O tom de Victor subitamente gelou Yuuri.

O dia já tinha sido horrível, mas ele não queria mais coisas ruins. Ele queria só ir pra casa dormir.

Os olhos dos dois se encontraram. Antes mesmo de abrir a boca, Yuuri sabia que aquilo era o fim.

“Nós não podemos mais ficar juntos, Yuuri. Eu poderia dizer um milhão de coisas, tecer um milhão de motivos, mas eu acho que o melhor jeito de explicar é que nós somos uma coisa linda que aconteceu na hora errada. E eu não posso me permitir ficar com você, Yuuri.”

Aquelas palavras não faziam sentido. Não faziam nada de sentido. Especialmente quando as palavras de Victor diziam uma coisa e seus olhos outra completamente diferente. As lágrimas caindo deles diziam outra coisa.

“Nós temos que dar um tempo, eu acho que isso não está funcionando da forma como deveria. E me dói o coração dizer adeus para você. Mas é para um bem maior,” Victor falou, limpando as lágrimas dos olhos e sorrindo o sorriso mais triste que Yuuri viu no rosto de um homem.

“Mas, por quê?” Ele pediu, voz quase sumindo.

“Eu não sei dizer, Yuuri. Acho que não é a hora certa para nós ficarmos juntos. Eu vou pegar as suas coisas no meu apartamento, e vou levar você pro hotel, posso até levar Yuuko junto e eu deixo você lá, e eu acho que seria bom você passar um tempo com sua família, repensar o que aconteceu nessa competição e…” Victor quase se levou sozinho por suas palavras, mas Yuuri se soltou bruscamente dos braços de Victor.

“CHEGA!” Yuuri berrou com todo o ar dos seus pulmões, e todo mundo que estava em volta deles parou para assistir, mas Yuuri não se importou. “Eu não sei o que aconteceu com você, o motivo de você não querer mais ficar comigo, mas se você não quer então diga adeus. Vá embora porque eu não quero nem te ver mais. Agora que você não está mais na minha vida não precisa decidir as coisas por mim, não precisa fazer as escolhas por mim, porque eu ainda sei cuidar das minhas coisas.”

Yuuri parou de falar, e então as lágrimas vieram. Ele sacudiu a cabeça, olhou para o lado, procurou por Yuuko, e virou as costas. Ele queria ir embora. Ele não queria mais ver ninguém.

Por aquele exato motivo ele nunca viu o sorriso no rosto do homem que separou ele de Victor.