Victor tinha sorte de ter algum conhecimento de japonês e inglês, porque aí ele conseguia se comunicar mais ou menos bem quando ele finalmente chegou ao Japão. Ele já conhecia o país, mas nunca tinha se aventurado muito para aquelas regiões mais ao sul de Tóquio. Na verdade ele nunca tinha colocado os pés na ilha de Kyushu, então para ele tudo parecia novo.
Era impossível, no entanto, apreciar muito da vista. Ele teve que pegar outro avião assim que chegou a Tóquio, seguindo até Fukuoka para então se transferir a um trem que o levaria até Hasetsu. Ele pode ver um pouco da costa enquanto estava no trem, um pouco das fazendas do interior, mas também se viu em meio a grandes cidades. O Japão era um lugar de contrastes, muito diferente da sua terra natal, mas mesmo em meio a toda a correria, era bom espairecer e ver algo novo.
Os comentários nas suas redes sociais estavam explodindo depois da declaração dele, mas não tinha muita coisa pra se fazer. Na verdade, se fosse por Victor ele nem se importaria, mas uma parte dele ficava pensando nos fãs que haviam se doado para acompanhar a carreira dele e o tornar um dos mais apreciados patinadores do mundo.
Porém, ele poderia responder aos comentários amanhã. Hoje ele queria apenas chegar a Hasetsu e se instalar no quarto que ele conseguiu antes de ir pro Onsen on Ice. Falando neles, o lugar que ele encontrou era um onsen de verdade, que também funcionava como pousada. Yu-topia parecia um nome auspicioso, e quem sabe poderia trazer boas memórias para Victor, ou era aquilo que ele esperava.
Só de imaginar o que poderia acontecer quando ele veria Yuuri pela primeira vez, Victor sentia seu coração um pouco pesado. Ele não estava esperando reconhecimento, ou qualquer coisa de outro mundo. Mas havia uma espécie de medo de ver Yuuri e descobrir que ele era um fã assíduo e quase maluco. Certamente iria terminar com um pouco da magia que o cercava na mente de Victor. Mas também, era um erro do próprio Victor fantasiar essas coisas.
Não que ele fosse se importar de Yuuri ser um fã, claro. Mas ele não queria ter que trazer aquela persona mais caricata de si, algo dentro de Victor queria que ele fosse mais sincero, mais aberto com Yuuri, e se ele tivesse que fingir ser aquele Victor conquistador, famoso, ele não se sentiria bem.
Mas não tinha motivos para ele se preocupar antes de as coisas acontecerem, claro. Assim que ele chegou a Hasetsu pela estação de trem, Victor teve sua mente ocupada por outras coisas, pois assim que ele colocou os olhos na plataforma ele viu um grupo de pessoas com faixas e cartazes com a foto dele, carregando câmeras e celulares apontados para o trem. Não tinha nem como pensar em outras coisas. A surpresa não teve tempo de se instalar antes de Victor colocar uma touca sobre seus cabelos platinados e ajustar os óculos escuro nos olhos. Não que ele fosse irreconhecível, mas havia bastante pessoas entrando e saindo do trem no momento, e quem sabe ele teria sorte.
“Você não consegue ver ninguém?” Uma das pessoas naquele grupo falou, pertinho de Victor. Ele não conseguia nem acreditar como ninguém o descobriu ainda.
Por um momento uma das pessoas que estava no grupo olhou bem para Victor, como se sentisse alguma coisa nele, mas Victor apressou o passo e fingiu que não viu, fazendo a pessoa não perseguir ele. Parecia até um filme, pois Victor prendeu a respiração até chegar a linha de táxis, e quando ele finalmente conseguiu entrar num, ele murmurou o endereço para onde precisava ir, e o taxista começou a dirigir, o que significava que ele havia entendido, ao menos.
Foi só aí que ele respirou fundo, tirando a touca e os óculos. Ele nem se tocou que o taxista poderia reconhecer ele.
“Victor Nikiforov?” A voz do homem chamando pelo seu nome mandou uma onda de arrepios pelo corpo de Victor, e ele abriu os olhos para ver o motorista olhando para ele pelo espelho, expectativa escrita em seu rosto.
Victor suspirou.
“O que eu preciso fazer para você não contar ao mundo que eu já estou aqui?”
O motorista riu de Victor e sacudiu a cabeça.
“Eu não vou fazer nada, Senhor Victor. Só perguntei mesmo se era você porque eu tenho um neto que patina, e ele tem um monte de pôsteres de você no seu quarto. Eu assisti com ele o Campeonato Mundial aqui no Japão quando você competiu, anos atrás, e desde então eu sou o membro da família que viaja com ele para as competições.”
O homem mandou um sorriso para Victor, e aquilo ajudou ele a relaxar. Victor sorriu para si mesmo.
“Quando eu chegar na pousada vamos tirar uma foto juntos, só pra você mandar pra ele. E eu vou ver se acho alguma coisa na minha mala para dar de presente pra ele.”
“Não precisa de tanto, Senhor Victor.”
“Eu insisto.”
O homem olhou pelo retrovisor para Victor e sorriu. “Obrigado. Muito obrigado, ele vai ficar em êxtase.”
Logo que ele chegou no Yu-topia os dois desceram do táxi e tiraram uma foto juntos, e Victor procedeu a abrir sua mala para procurar algo para dar ao neto do taxista. Ele encontrou um de seus encapadores de lenços, que era no formato de Makkachin. Era um daqueles que ele tinha mandado fazer sob encomenda, mas ele tinha outros em casa. Victor procurou uma caneta e assinou seu nome.
O taxista estava excitado em poder mostrar aquilo para seu neto.
“Kei vai adorar isso,” o homem disse.
“Eu espero mesmo. Tomara que eu possa ver ele patinando.”
“Bom, ele vai estar no Onsen on Ice esta noite. Você vai assistir, não?”
Victor sentiu um leve tremor de excitação em seu peito.
“É claro que vou,” ele disse. Victor sorriu para o homem. Parece que muitos encontros estavam prestes a acontecer.
~*~
Yuuri tinha desligado seu telefone só para não ler mais nada sobre Victor. Ele também tinha pedido a todo mundo dentro do Castelo de Gelo para não falar ou comentar nada sobre o homem para ele, afinal de contas Yuuri tinha que se preparar para seu programa, e para auxiliar Yuuko e Takeshi na organização das crianças. Só porque ele iria se apresentar não significava que Yuuri era a estrela do show, ainda que ele tivesse visto um monte de pessoas com câmeras e faixas procurando por ele.
Uma pontinha de nervosismo se alojou em seu coração, mas Yuuri sabia de tudo que ele tinha que fazer, e as coisas estavam prontas para a noite. Todos já tinham retornado do último ensaio e agora era só esperar para que todas as crianças se aprontassem, e o show ia começar.
“Mestre Yuuri?” Uma das crianças o chamou. Todos estavam nos corredores que se dirigiam para o gelo.
“Sim?” Yuuri se virou para o pequeno garoto chamando sua atenção. Era o pequeno Kei, olhando com um brilho nos olhos para Yuuri.
“Você acha que Victor irá aparecer aqui esta noite?” A pergunta quase fez Yuuri se engasgar. “Porque eu acho que sou o fã número um dele. Se ele aparecesse aqui eu iria morrer.”
Os olhos de Kei estavam abertos como enormes portas, e Yuuri não sabia se ria ou chorava. Ele podia entender os sentimentos de Kei perfeitamente. Ele estava sentindo a mesma coisa. Yuuri se abaixou para poder olhar para ele de perto.
“Independente de Victor aparecer aqui ou não, acho que você tem que se concentrar na sua apresentação. Você vai fazer seu número sozinho, não vai? Isso me parece ser mais importante do que qualquer pessoa assistindo.” Mesmo tentando racionalizar, Yuuri não conseguia fazer um argumento forte contra a ideia de Victor estar ali.
“Mas ele não é qualquer pessoa. É Victor.” E aquilo dizia tudo.
Yuuri assentiu.
“Eu sei, mas mesmo assim você tem que se concentrar. Se você patinar bem, e Victor estiver aqui, ele vai ficar ainda mais impressionado, não vai?”
Kei confirmou com a cabeça.
E eu espero que ele se impressione comigo, também. Disse Yuuri para si mesmo.
Kei sorriu. “Obrigado pela ajuda, Mestre Yuuri.” Logo ele se virou para procurar os amigos de sua idade antes de entrar no rinque.
Yuuri nem teve tempo de pensar muito, porque em seguida Yuuko apareceu para chamar um a um para ir ao gelo, já que o show estava começando. Ele não colocou sua cabeça para fora do corredor para ver se Victor estava ali, e ninguém o avisou de nada. Mas também, assim que o show começou, Yuuri pegou seus fones de ouvido e colocou música para rodar, pelo menos para ele conseguir descansar a mente.
Era uma coisa boa que ele não precisava ligar o telefone, mas a tentação era grande. Ele ficou entre suas músicas, com os olhos um pouco fechados, vagamente prestando atenção nos patinadores que iam para o rinque. Depois cada um deles se dirigia a outro corredor, para causar menos tumulto, então o lugar onde ele estava ia esvaziando.
Quando Yuuri viu que poucos restavam ele se levantou. Era a vez de Kei, e ele mandou um pequeno sorriso para o garoto antes de ele ir para o gelo. As boas-vindas da plateia eram calorosas, com palmas e gritos. Yuuri ficou feliz com a pessoas apoiando os mais jovens, pois eles sempre precisavam.
Mas Yuuri também queria um apoio para ele.
Antes de entrar no gelo, Yuuri procurou por um espelho para checar se ele estava bem arrumado. De fato, a roupa de Victor havia servido perfeitamente para ele. Criava uma aura diferente da que Victor mostrava quando usava, mas ainda assim havia uma emoção maior em estar usando aquele traje.
“Você tem que mostrar pro mundo que pode ser quase tão bom como Victor.” As palavras saíam da boca de Yuuri, mas elas não eram confiantes. Ele queria se dar uns tapas para poder acordar e mostrar tudo que ele podia fazer.
“Yuuri?!” A voz de Yuuko chamando por ele fez ele se acordar um pouco, e Yuuri deixou o espelho de lado para caminhar ao encontro dela.
“Já está na minha hora?” Só então ele viu que o corredor estava vazio.
“Óbvio. E sabe…”
“Não fala mais nada,” ele implorou antes de ela sequer completar a ideia que tinha começado a expressar. Yuuko olhou para ele com surpresa, mas fechou a boca.
Yuuri tentou ver nos olhos dela se havia algo que dizia se Victor estava ali ou não, mas também, ele poderia ter pedido a ela. Mas ele não queria saber. Ou queria? No fim das contas nem ele sabia, por isso a melhor coisa seria ir pro rinque e se preparar. Aqueles minutos que faltavam pra ele se apresentar voaram. Yuuri não olhou para nada além dos próprios pés.
Ele podia já ouvir máquina fotográficas direcionadas para ele, e quando anunciaram seu nome, ele ouviu a surpresa do público. Eles comentavam sobre ele, sobre Victor, sobre a roupa que Yuuri vestia. Ele gostou de todas as luzes do público estarem apagadas, e apenas um canhão estar iluminando seu caminho. Aquilo significava que ele não veria ninguém.
Uma respiração depois de outra, seus pés deslizando no gelo, calmamente. Nos ensaios tudo tinha corrido perfeitamente, por isso que agora Yuuri tinha certeza que poderia dar o seu melhor.
Com os olhos fechados ele parou no meio do gelo e esperou a música começar. A voz do tenor abrindo logo as primeiras notas fez ele deixar seu peito respirar, como se aquilo já fosse parte da coreografia. E era. A naturalidade de seus movimentos eram parte daarte, e tudo que Yuuri fazia era o resultado de seu corpo se movendo em consonância com os sentimentos dentro dele.
O primeiro salto chegou, o único quádruplo que ele conseguia fazer, e Yuuri aguentou o pouso nos seus joelhos, ouvindo o público vibrando com o sucesso. A adrenalina do salto se espalhou pelas veias, impulsionou Yuuri a sentir mais a música, o público, a atmosfera. Se Victor estivesse ali, Yuuri queria que ele gostasse do que visse.
Num sonho fantasioso, Yuuri gostaria de ver Victor de boca aberta ao olhar para ele. E ele tinha que tentar de tudo.
No seu segundo salto ele sentiu-se quase a voar pelo ar. O corpo parecia estar como o dono de si, e Yuuri apenas seguia o que ele já sabia fazer. O público foi a loucura com o triplo axel, e Yuuri se sentiu ainda mais preparado para a combinação de saltos triplos que vinha no final, que também foi executada com perfeição.
Depois daquilo só tinha a alguns giros e a sequência de passos restando, e era bem naqueles que Yuuri poderia se soltar melhor. Era só ouvir a letra da música que ele podia imaginar um romance, a declaração da necessidade de alguém por outra pessoa. Ele podia até se deixar imaginar que ele cantava aquelas palavras para Victor em seu imaginário.
Stammi vicino (Fique por perto)
Non te ne andare (Não se vá)
Ho paura di perderti (Tenho medo de perder-te)
Le tue mani, le tue gambe (As tuas mãos, as tuas pernas)
Le mie mani, le mie gambe (As minhas mãos, as minhas pernas)
I battiti del cuore (Os batimentos do coração)
Tudo aquilo poderia ser a história de uma amante pedindo ao outro para nunca fugir, nunca se ir. E se Yuuri não tinha sentido nada daquilo, pelo menos a fantasia poderia se sentir real. O abraço de alguém em volta de seu peito, as carícias de uma mão quente em seu rosto, o beijo de lábios úmidos em sua pele. O cheiro da companhia de alguém ao seu redor, e cada um daqueles sentimentos se traduzia em movimento, em força, agilidade, em arte. E emoção.
Se o público conseguia ver aquilo, Yuuri não sabia, mas ele sentia tudo. Sentia tanto que até parecia que o mundo desaparecia, e havia só Yuuri no rinque. Pelo menos foi assim até a música terminar e o mundo o engolir de volta, ao mesmo tempo em que o Castelo de Gelo veio abaixo com o público aplaudindo em polvorosa.
Era difícil ver muitas pessoas naquele momento, porque a emoção e a adrenalina corriam perigosamente em suas veias. Por aquele motivo Yuuri não queria nem acreditar quando ele olhou para um lugar nas arquibancadas e viu ele.
Ele.
Victor estava de pé, no meio das pessoas exaltadas, mas ele não se movia. Seus olhos apenas se fixaram em Yuuri, como se eles estivessem carregando um mundo de significados diferentes, coisas que Yuuri não fazia ideia do que eram.
A única coisa que ele sabia ao certo era que Victor estava ali.
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