História Hipnosis - Presente

Jungkook fechou os punhos com força ao lado do corpo. Sentia suas mãos tremerem.

Sentado ali ao lado de Yoongi, finalmente a realização de que iria rever Taehyung tinha se infiltrado na sua mente. Já tinha uma semana que ele sabia que o reencontraria cedo ou tarde, e milhões de cenários se passaram pela sua cabeça. Na maioria deles Jungkook acabava perdendo a cabeça e gritando um monte de verdades na cara do ex-namorado – aquelas verdades entaladas na garganta que já estavam presas há dois anos – e perdendo completamente a postura profissional necessária para a reunião.

Mas agora que a hora finalmente havia chegado, o moreno sabia muito bem que não conseguiria fazer isso. As mãos trêmulas, o coração apertado e a boca seca lhe sinalizavam que ele provavelmente ficaria a maior parte do tempo em silencio, e diria apenas o que era estritamente necessário. Já havia avisado Yoongi de antemão que ele precisaria fazer a maior parte do discurso, porque Jungkook não queria arriscar falar e gaguejar, parecer fraco – ou pior – acabar confundindo sua reunião de negócios com uma discussão de relacionamento passado.

Afinal, aquilo era passado. Sua história com Taehyung, os bons e maus momentos, seus beijos e seu olhar felino tinham ficado na história. Ambos seguiram em frente, tocaram suas vidas, tornaram-se adultos com responsabilidades e problemas reais. Empregos reais e preocupações do cotidiano. Não eram mais os dois jovens universitários que estavam dispostos a enfrentar o mundo para ficar juntos. Não eram mais os garotos ingênuos que acreditavam ter o amor maior do mundo, um amor que poderia superar qualquer coisa.

Tudo aquilo era passado.

Não era?

Capítulo 3 – Presente

- Oppa, você tá bem?

Ora, mas que pergunta estúpida. Era mais do que óbvio que eu não estava nada bem. Acabara de receber a notícia de que meu ex estava no mesmo prédio que eu habitava naquele exato momento, mais especificamente no andar abaixo.

E eu não ia ter tempo para me preparar para esse reencontro. Eles estavam me esperando.

- Dahyunie, como diabos deixaram isso acontecer? – Perguntei, encarando a parede com um olhar desfocado. Eu realmente estava num estado catatônico.

Só conseguia pensar que eu estava pagando um bando de imprestáveis. Sério, não era segredo nenhum para ninguém que Jungkook e eu namoramos. Tinham fotos e vídeos nossos nas revistas e na televisão. Por céus, a gente tinha até uma tag no Twitter! Impossível alguém deixar passar esse pequeno detalhe, ainda mais trabalhando na minha empresa.

- Eu não sei – Ela respondeu num tom temeroso, enquanto me oferecia um copo d’agua – Eu já tinha visto fotos da menina, mas não fazia ideia! Ninguém me mostrou o contrato. Não pensei que já estavam no ponto de fechar com ela, pensei que estavam revendo as opções ainda, e também nem sabia qual empresa estava agenciando ela. Só fui descobrir agorinha mesmo, porque passei na frente da sala de reuniões e vi os dois lá dentro de relance, então saí correndo pra perguntar ao Namjoon, porque eu pensei que estivesse sonhando!

Namjoon hyung. Tinha que ser! Eu não me importava nem um pouco que ele continuasse sendo amigo dos outros meninos, lógico. Não é porque eu e Jungkook terminamos que todo mundo tem que parar de falar com ele, não sou egoísta a esse ponto. Mas fazer isso pelas minhas costas? Fechar com a empresa do Jungkook sem me avisar nada antes já era demais.

Claro que se ele me avisasse eu iria dizer que não. Mas ainda assim.

E o que Jungkook estaria pensando sobre isso? Não é possível que ele tenha me superado tão bem assim para nem ao menos se importar em ter que me ver. Eu não consegui acreditar que ele teria aceitado isso tão facilmente.

Mas talvez eu estivesse me iludindo. Como sempre, eu estava me dando mais importância do que provavelmente tinha, e existia uma grande – e assustadora – possibilidade de que Jungkook realmente me esquecera e só estava fazendo o que precisava ser feito pela sua empresa e pela garota. Ah, mas como essa possibilidade feria meu orgulho! Só em pensar nisso meu estômago já começava a se contorcer.

- Eu vou matar Kim Namjoon! – Foi tudo o que eu conseguir dizer enquanto um turbilhão de dúvidas e medos se passavam pela minha cabeça.

Fui pego completamente desprevenido. Não estava pronto para reencontrar Jungkook.

- Tudo bem, Taehyung, você pode matar ele, mas vai ter que ser depois. No momento ele está ocupado, lá embaixo na sala de reuniões e nós temos que descer.

Como assim temos que descer? Eu não ia descer!

- Dahyun, eu não vou descer! Sem chances.

É óbvio que eu não podia descer, eu não estava preparado. Precisava de um aviso com muita antecedência para conversar com a minha terapeuta e pensar exatamente em cada palavrinha que eu iria pronunciar na frente dele. Eu ia precisar de um texto memorizado e preparo psicológico. No momento, eu não tinha nenhum dos dois.

- Pode avisar que eu ainda estou na Europa. Fala que o meu voo atrasou, que eu não cheguei a tempo, que peço desculpas e marcamos num outro dia. Preferencialmente nunca.

Dahyun me olhou com as sobrancelhas franzidas, e eu soube que ela estava prestes a me dar outra má notícia.

- Eles sabem que você está aqui.

Merda. Não fazia ideia de como diabos eles souberam que eu já tinha voltado, mas na hora nem me importei em descobrir. O fato é que agora eu tinha que descer. Ficar trancado na minha sala seria muito humilhante e Jungkook ia perceber que eu ainda não estava pronto para vê-lo.

Não podia acontecer. Eu precisava me recompor, precisava pensar em algo rápido.

- Eles sabem que eu só descobri sobre isso agora? – Perguntei ao me levantar da poltrona. Fui até o espelho pendurado numa das paredes do escritório para checar como estava, não podia aparecer lá de qualquer jeito.

Até que não estava mal. Meu rosto parecia um pouco pálido e minha boca estava branca, então eu comecei a morder meus lábios com afinco, numa tentativa de fazê-los recuperar a cor.

- Acho que não. Se foi mesmo Namjoon oppa quem fez isso, ele deve ter dito que você havia concordado com tudo.

Menos mal. Não queria que eles soubessem que eu fui pego de surpresa.

- Só preciso dizer que gostei da garota. – Concluí, nervoso como nunca estive antes. Meu coração batia na garganta e eu tentava respirar devagar e fundo, mas a tarefa de colocar ar nos pulmões parecia muito árdua. – Tenho que me manter calmo e dizer que era a melhor garota para a RM. Que estou fazendo isso pela empresa.

- Você vai ser ótimo. – Dahyun tentou me assegurar – Conheço suas habilidades de atuação. Lembra quando enganamos a tia?

Afirmei com a cabeça, apesar de achar seu argumento falho. Enganar a minha mãe era bem diferente de enganar Jungkook.

Terminei de me arrumar em frente ao espelho e desejei sorte ao meu próprio reflexo. Dahyun pegou o contrato em cima da minha escrivaninha e abriu a porta do escritório.

- Você está ótimo, oppa. Vamos descer.

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Meu estômago se revirava tão desconfortavelmente que eu precisei me concentrar para não fazer uma careta. A sala de reuniões tinha umas janelas imensas de vidro e dava para ver tudo o que acontecia lá dentro pelo corredor, a não ser que as persianas estivessem fechadas. Mas assim que cheguei um pouco mais perto, percebi que eles tinham deixado as persianas suspensas e eu poderia ver o interior da sala antes mesmo de entrar.

Não soube se isso era bom ou ruim.

Dahyun andava a passos firmes a minha frente e eu sabia que ela estava tentando me passar um pouco de confiança, sem muito resultado.

Eu estava mais nervoso que o esperado. Sempre soube que Jungkook me provocaria borboletas no estômago caso o visse por aí, mas era bem mais desconfortável do que eu me lembrava.

Não sentia borboletas no estomago há muito tempo.

E Jungkook não ajudou em nada a minimizar meus sintomas malucos. Assim que cheguei perto da janela de vidro – com o coração ressoando tão alto nos meus ouvidos que pensei que todos pudessem escutá-lo – vi meu ex-namorado ao lado de Namjoon e Yoongi hyungs, e ele estava sorrindo. Aquele sorriso fácil e juvenil que fazia com que ele parecesse um coelhinho.

O tempo pareceu parar por alguns segundos, por mais clichê e estúpido que possa soar. Pareceu mesmo. Foi como se tudo tivesse congelado e eu não consegui escutar nada a minha volta a não ser as batidas insistentes e retumbantes do meu coração saudoso.

Senti saudades. Ver o sorriso pelo qual me apaixonei, tão natural e leve como eu me lembrava, me deixou estático e eu parei no lugar por milésimos de segundo para observá-lo. Fiquei hipnotizado.

Os dentinhos um pouco maiores que o normal, os lábios cheinhos e rosados, com aquela pintinha embaixo, bem no meio, como se tivesse sido estrategicamente posicionada ali. Meu coelhinho.

Não era mais meu, afinal, e o pensamento me atingiu rápida e dolorosamente, como se eu tivesse arrancado um band-aid.

Não era mais meu.

Então eu destravei. Acho que ninguém percebeu aqueles poucos segundos de fraqueza. Talvez tenham sido milésimos de segundo em que eu cogitei virar as costas e fugir, mas meu orgulho jamais me permitiria fazê-lo e eu continuei caminhando a passos lentos até a porta.

Desviei o olhar dele.

Dahyun ainda seguia na minha frente e eu fiquei grato por ela ter virado a maçaneta e aberto a porta, já que eu mesmo não conseguiria.

Assim que entrei na sala um silencio incomodo se instalou e eu pensei novamente que devia dar pra ouvir as batidas exaltadas no meu coração de uma certa distância. Elas estavam fazendo eco na minha cabeça.

A tensão no ar era palpável. Juntei toda a coragem que tinha, ignorando ao máximo o desconforto no estômago e as gotas de suor geladas que eu podia sentir escorrendo pela minha nuca, e olhei para ele.

Os sintomas que Jungkook causava em mim continuavam tão intensos quanto antes, mas não eram bons como eu me lembrava. Eu costumava adorar as borboletas no estômago, os calafrios agradáveis, o coração acelerado. Mas ao vê-lo me encarar de volta com aquele olhar frio, duro, severo – um olhar que eu nunca havia visto antes nele e que não combinava em nada com sua personalidade – os sintomas já não eram nada agradáveis e uma dor sem fim pareceu se alastrar pela minha corrente sanguínea. Ele não estava nem um pouco feliz em me reencontrar e isso transbordava de seus olhos negros, tão claro que não tinha como ignorar.

O sorriso bonito se foi.

Yoongi foi o primeiro a interromper o silencio e eu agradeci aos céus por ele estar lá. Eu sabia que ele poderia acabar abrindo a boca pra dizer alguma abobrinha que não pegaria bem, mas contei com seu humor ácido para me distrair da presença tão real de Jungkook. Para desviar minha atenção da sua postura formal e seu olhar gélido.

- Maluca! – Yoongi cumprimentou Dahyun e eu encarei os dois, feliz por encontrar uma desculpa para tirar os olhos de Jungkook sem deixar transparecer minha covardia – Quanto tempo. Vejo que ainda não superou a fase dos cabelos coloridos.

Só então eu percebi que Yoongi estava com os cabelos em seu tom natural, pretos. Jungkook causava um efeito tão inebriante em mim que eu nem tinha notado essa mudança tão óbvia nos tons do meu hyung, que costumava ter os cabelos tingidos de cinza. Pensei que ele ficava bem com os cabelos escuros, mas ao mesmo tempo senti falta do tom mais claro e fui invadido de novo por aquela saudade, só que dessa vez acompanhada da certeza de que as coisas não eram mais como antes.

- Vejo que você não superou seus comentários indiscretos. – Retrucou. – É bom te ver, Yoongi-ssi.

Eu fiquei calado enquanto os dois apertavam as mãos. Tudo parecia meio estranho e fora do lugar, e nem dava pra acreditar que um dia eu vira Dahyun dormindo com a cabeça sobre o abdome de Yoongi no terraço do apartamento dela. Tive a impressão de que aquilo aconteceu em alguma vida passada.

- Taehyung – Yoongi me encarou com um de seus típicos sorrisos zombeteiros – Nunca tinha te imaginado loiro, mas até que não ficou tão mal.

Para a minha surpresa – e foi uma surpresa bem grande, confesso – Yoongi caminhou até mim e me deu um abraço desajeitado. Eu fiquei sem reação, porque jamais esperaria isso dele, mas ao mesmo tempo fiquei feliz por nossa relação não ter se deteriorado pelo tempo.

- Eu senti sua falta, hyung. – Confidenciei baixo em seu ouvido. Yoongi se afastou e sorriu, concordando com a cabeça no que eu entendi como um ‘eu também’ silencioso.

Voltei a olhar para Jungkook e ele estava me encarando. Senti um frio na barriga tão forte que parecia que eu estava em uma montanha russa, e ele deu uns dois passos na minha direção e me esticou a mão esquerda para um aperto. Vi pela primeira vez a mão dele sem a nossa aliança, desde aquele dia sob as flores de cerejeira e me deu até vertigem. Prendi a respiração e ofereci a minha própria mão, no fundo esperando causar o mesmo efeito nele, mas Jungkook não expressou reação nenhuma.

- Jeon Jungkook-ssi – Cumprimentei, e minha voz soou grossa demais. Queria pensar em outra coisa para dizer, mas estava muito distraído com a mão dele tocando a minha, a pele branquinha tão macia quanto eu me lembrava.

Fechei a boca e me concentrei para não pensar em nenhuma bobagem com aquelas mãos.

- Kim Taehyung-ssi. – A voz dele continuava bonita, mas seu tom era bem mais sério do que costumava ser. – Espero que possamos trabalhar bem juntos.

Aquela voz ainda me causava arrepios. Minhas pernas estavam tremendo e eu fiquei com medo de que falhassem, mas me segurei ao máximo para manter o controle e uma expressão séria no rosto.

Por dentro eu estava derretendo.

- Espero que sim.