História Hold my hand and sing me to sleep - Que, dessa vez, nós possamos ficar

                Lisa acordou completamente tonta, quando fechava os olhos, ainda deitada sobre a cama, conseguia sentir seu corpo inteiro rodar. O quarto parecia abafado e, ao mesmo tempo em que sentia o corpo pegando fogo, todas as extremidades pareciam congelar e adormecer. Sentou-se na beirada do colchão e esperou um pouco para levantar e, quando o fez, sentiu a vista escurecer e o equilíbrio se perder por um minuto, podia sentir toda a cor sair de seu rosto nos poucos segundos em que se manteve assim.

                Quando conseguiu se estabilizar, Lisa começou a se vestir e a ajeitar a mochila sem pensar em nada senão nas atividades práticas. Enquanto colocava o caderno dentro da mochila de couro preto, uma das fotos antigas que a garota mantinha guardadas caiu no chão.

                Era uma foto de Lisa, Jennie e Jisoo ainda jovens, talvez 12 ou 13 anos. Jisoo ainda não tinha se mudado definitivamente para a casa do pai no condomínio de casas e Rosé ainda nem existia na vida das três. Ficava claro, tanto na foto quanto nas lembranças, o quanto Lisa e Jennie eram próximas.

                E foi aí que todos os pensamentos que tinham atravessado Lisa na noite anterior voltaram num baque. E a mais nova chegou a estremecer um pouco só de pensar em encarar a amiga depois de todas as dúvidas que a atormentaram no dia anterior.

                Eram lembranças difíceis de lidar e nenhuma das duas sabia o que fazer.

                                                                              ****

                Jennie já estava completamente pronta para a escola, mas, por algum motivo, se mantinha em pé diante da porta do quarto. Ela pretendia ignorar tudo, ignorar todas as questões que ela tinha enterrado bem fundo dentro de si, mas não era tão fácil assim. Talvez ela não quisesse fugir de novo e ignorar o que estava acontecendo. Elas tinham perdido uma chance por “não ser o momento certo”, mas a sul-coreana ainda não conseguia entender o que tinha acontecido. Por que elas nunca tentaram de verdade?

                “Talvez Lisa não quisesse tanto assim. Talvez ela só não quisesse que acontecesse. Talvez o problema não fosse o momento ou a confusão, talvez o problema fosse eu. ” – Pensou a mais velha. E aquelas palavras doeram, só a possibilidade daquela realidade já se tornava algo doloroso demais, mesmo que não pensasse em ainda estar apaixonada pela amiga de infância.

                Então a mais velha estendeu a mão e girou a maçaneta da porta do quarto. Passou pela sala e se despediu rapidamente da mãe antes de sair pela porta da entrada e se dirigir até a casa de Lisa, decidida a agir como se nada nunca tivesse acontecido, decidida a esquecer aquilo de vez, mas também decidida a não deixar a mais nova se afastar e destruir a amizade recém-recuperada das duas.

                                                                              *****

                - Vamos? – Perguntou Jennie com um brilhante sorriso no rosto enquanto Lalisa saía pela porta de casa com o cabelo ainda bagunçado e o rosto marcado pelo sono.

                Lisa sorriu de volta e afirmou com a cabeça, fechando a porta atrás de si e segurando fortemente na alça da mochila antes de caminhar ao lado da mais velha em direção à saída do condomínio.

                Os primeiros minutos da caminhada foram tão silenciosos e tensos quanto o retorno da casa abandonada no dia anterior. As duas tentavam conter os pensamentos e as lembranças que não paravam de invadir suas mentes, e toda essa confusão e pressão causava uma notável tensão entre as duas.

                À medida que caminhavam lado a lado, o ar foi deixando de pesar e o riso começou a ficar mais solto. Logo as duas estavam quase totalmente confortáveis e o clima fresco prometia um dia bom. Era possível perceber um acordo silencioso de não tocar no assunto e não deixar o passado intervir na atual relação das duas.

*****

                Jennie se encontrava sozinha em uma das compridas mesas brancas do refeitório lotado, Lisa tinha se levantado para ir ao banheiro faziam alguns minutos e Jennie encarava o pudim de chocolate, distraída em pensar sobre como tinha se sentido confortável ao lado da mais nova durante todo o dia, e isso a fazia sorrir, tudo aquilo fazia com que parecesse que as duas podiam recuperar a intimidade de antes mesmo que algumas dúvidas e lembranças mal resolvidas as atormentassem às vezes. O modo que o dia estava indo fazia com que Jennie chegasse a sentir que a noite passada e todas as dúvidas e todo o clima pesado no início da manhã não tivessem existido.

                A sul-coreana levantou os olhos quando percebeu que Anne tinha colocado sua bandeja sobre a mesa.

                - Tudo bem se eu me sentar aqui de novo, Jennie? – Perguntou a garota. Ela tinha o cabelo preso num rabo de cavalo, o que deixava a parte pintada do cabelo em evidência, e a franja repicada caía um pouco acima dos olhos, quase chegando a tocá-los. O sorriso era brilhante e simpático.

                   - Claro, sem problema. - Disse Jennie enquanto tentava voltar a sua concentração para o mundo real.

               - Onde tá a sua amiga? Ela não veio hoje? – Perguntou Anne enquanto olhava ao seu redor e se sentava no banco em frente à Jennie. E, quando a mesma virou a cabeça, Jennie pode perceber que agora as pontas do cabelo da garota estavam pintadas de um azul bem mais escuro do que o turquesa de antes.

                - A Lisa? Veio sim, ela foi ao banheiro. Eu não lembro de ter te visto na sala mais cedo.

                - Eu só cheguei agora. Perdi a hora hoje de manhã. – Respondeu Anne de uma maneira despreocupada enquanto comia um pouco do pudim que mais parecia um mousse de chocolate.

                Fazia muito calor e a garota de cabelo azul usava um cropped regata preto e um shorts de cintura altura, o shorts fazia com que o cropped curto não mostrasse quase nada de sua barriga, mas suas pernas estavam quase completamente expostas já que o mesmo não era tão comprido assim.

                - Você tá mais bonita hoje, sabia? Eu gostei da blusa. – Disse Anne olhando diretamente para a regata laranja de algodão de Jennie. A regata tinha um decote considerável e a sul-coreana corou um pouco com o comentário.

                Lisa vinha se aproximando da mesa e Anne começou a se adiantar no assunto.

                - Você sabia que vai ter uma lua rara hoje à noite? Eu ouvir falar que ela vai estar gigante, é tipo uma superlua, saca?

                - Nossa que incrível! Vou ficar de olho para ver essa noite.

                - Eu estava pensando... – Lisa se aproximou, fazendo com que Jennie se desvirtuasse da conversa completamente e com que Anne parasse de falar.

                - Lise, a Anne tava me contando que hoje a lua vai estar super grande, é um evento raro, alguma coisa assim. Você sabia disso? – Lisa foi se sentando ao lado da amiga enquanto a mesma falava. – Não é incrível?

                - Acho que eu ouvi alguém comentando alguma coisa sobre. Você quer ver hoje à noite?

                - Vai ser de madrugada... – Interrompeu Anne.

                - Tudo bem, a gente mora no mesmo lugar, dá pra conseguir fugir de casa por uma meia hora pra ver a lua.

            - Tem razão, a gente precisa ir. Acho que da piscina ou da quadra de tênis deve dar pra ver bem. – Completou Jennie enquanto Anne voltava sua atenção para o pudim e Lisa concordava com a cabeça e um sorriso

 ****

                    Jennie estava trancando a porta do quarto quando ouviu as três batidas na janela.

                - Já tô indo. – Sussurrou enquanto se dirigia para a janela do quarto. – Se eu me ferrar a culpa é toda sua. – Disse assim que abriu a janela e viu o rosto sorridente da amiga no escuro.

                Lisa tinha o cabelo preso num rabo de cavalo e usava uma camiseta velha e extremamente larga com o nome de uma banda que as duas costumavam ouvir estampado com a capa do álbum mais famoso.

                  Jennie agarrou rapidamente a mochila que tinha deixado feita do lado da janela e pulou a mesma toando cuidado para não produzir nenhum som muito alto. E assim as duas começaram a correr pelas ruas escuras do condomínio de casas.

                 A noite tinha um ar um pouco frio, mas tudo parecia fresco e leve. Era como se tudo estivesse simples e resolvido. Nenhuma das duas se preocupava em pensar nas preocupações do dia anterior, nada estava fora do lugar e as duas se sentiam bem, se sentiam leves e despreocupadas. Era como se pudessem ficar presas naquele momento pra sempre sem reclamar.

                Lisa agarrou a mão de Jennie e começou a correr na frente da mais velha e, por um momento, enquanto suas mãos se tocavam e se apertavam uma contra a outra e enquanto tudo parecia certo e simples, Lalilsa chegou a desejar que a rua nunca acabasse e elas nunca chegasse ao destino para que pudessem ficar assim, correndo, de mão dadas, sem se preocupar e sem nenhum tipo de tensão. Lalisa chegou a fechar os olhos e desejar que pudessem ficar assim, juntas, pra sempre, sem nenhum outro tipo de preocupação se não manter as mãos coladas e as pernas em movimento. Mas logo elas foram chegando mais perto da piscina e foram diminuindo o passo até pararem de correr.

                A piscina parecia mais límpida do que antes e era possível ver a lua em toda a sua grandiosidade bem no centro do céu noturno. As duas ficaram paradas em frente à água por alguns instantes. Em pé, lado a lado, as mãos ainda estavam entrelaçadas e unidas.

                Lisa foi a primeira a soltar a mão da amiga e dar alguns passos até poder se sentar na beirada da piscina nem um pouco rasa. Deixou o chinelo de lado e pode sentir a água dançar com o movimento de seus pés. Estava um pouco frio, mas a piscina se mantinha morna e aquecida. Jennie logo fez o mesmo e, ao perceber o braço e as pernas da mais nova arrepiadas pelo frio daquela noite, abriu a mochila e pegou o coberto que tinha trago prevendo aquela situação.

                A mais nova chegou a se assustar um pouco quando a outra a puxou pra perto e as enrolou no cobertor, a aquecendo num abraço demorado.

                Nos primeiros instantes daquela situação, as duas se limitaram a olhar para cima, com os olhos centrados no brilho incomum da lua.

                - Ela é linda, não é? – Jennie estava maravilhada e Lisa só concordou com um aceno de cabeça. – Quando eu era criança eu pensava que a lua guardava os todos os nossos sonhos com ela e que, na lua cheia, qualquer coisa que a gente pedisse iria acontecer. Mas eu não sei se acredito mais nisso.

                - Por que não, Jendeuk?

                - Eu não sei, acho que um dos meus pedidos não foi atendido... – A mais velha sorriu um pouco envergonhada, abaixando a cabeça.

                O silêncio que se seguiu foi estranhamente constrangedor. Naqueles poucos segundos, o ar se encheu de tensão e o clima tinha algum ar estranho de passado. Lisa, subitamente, percebeu que o ombro da mais velha tocava gentilmente no seu e não pode deixar de se sentir estranha com a enorme proximidade em que seus corpos se encontravam. Não chegava a ter um centímetro de distância entre as duas adolescentes.

                Jennie encostou a cabeça no ombro da amiga devido o cansaço e a tensão aumentou ainda mais para Lisa. Ela conseguia sentir cada fio de cabelo da morena entrando em contato com sua pele e aquilo, estranhamente, fez a batida do seu coração acelerar ao ponto de pensar que seu coração explodiria e a respiração pesar ao ponto de sentir que fosse sufocar.

                Jennie, por outro lado, se sentia estranhamente cansada e leve, o sono e o cansaço físico e emocional tomavam conta de todo o seu corpo a envolvendo em um confortável torpor. As lembranças voltavam como cenas de um filme que ela assistira há muito tempo. Pequenos flashes de imagens invadiam-na por inteira. Ela podia lembrar do beijo e do modo como Lisa correu, ela podia lembrar do abraço do dia seguinte e das lágrimas da mais nova, ela podia ver claramente o momento em que encontrou Lalisa sozinha no chão da casa abandonada e de como estava brava, mas só queria cuidar da mais nova, mantendo-a em seus braços pra sempre. Ela conseguia lembrar, acima de tudo, da sensação que teve ao tocar os lábios de Lisa, ela conseguia lembrar de seu hálito quente e envolvente, ela podia lembrar de como as línguas se tocavam e do cabelo ainda comprido e castanho da amiga roçando em sua bochecha.

                E, ao lembrar de tudo isso, talvez pelo cansaço e pelo torpor, Jennie não conseguiu se conter e, num golpe de palavras que atingiu de surpresa a amiga, ela deixou escapar aquilo que tinha entalado na mais profunda parte de sua garganta há muito tempo.

                - Lisa, você também lembra não lembra?

                A mais nova se assustou e automaticamente pulou um pouco para o lado.

                - D-do que? – Ela sabia exatamente ao que a mais velha se referia, mas não conseguia admitir então a pergunta lhe saiu da boca já com o ar de mentira e medo enquanto gaguejava pelos mesmo motivos.

                - Você sabe, não sabe? – Jennie mantinha a cabeça baixa e os joelhos próximos ao peito. Mexia incansavelmente as mãos, claramente inquieta.

                Lisa apenas afirmou com a cabeça e apoiou a cabeça sobre os joelhos, deitando-a para o lado oposto de onde Jennie estava, como se tentasse esconder a expressão facial da mais velha.

                - Era noite de lua cheia no dia. E o meu pedido tinha sido que você ficasse, que você ficasse comigo... – Jennie deixou escapar um sorriso envergonhado e um riso envergonhado com um suspiro.

                Lisa olhou para o resto um pouco perdido da amiga e notou um olhar um pouco triste. Tudo agora estava cercado por um ar melancólico e as lembranças as rodeavam.

                - Jennie... – Sussurrou a mais nova, o que fez com que a mais velha a olhasse também, com a cabeça baixa e o sorriso triste ainda presente no rosto.

                E, quando os olhares se cruzaram, foi impossível não lembrar da vez em que isso acontecera naquela noite. Os olhos das duas percorreram o rosto uma da outra freneticamente, como se fizessem anos que não se vissem. E logo começaram a se aproximar. Os rostos estavam tão próximos que era possível sentir o hálito quente uma da outra. Lisa passou a mão pelo cabelo de Jennie e, suavemente, segurou sua nuca, a puxando para ainda mais perto. A mais velha segurava o rosto da loira com uma das mãos e, com a outra, apertava a cintura da mesma.

                - Eu não vou fugir... – Sussurrou Lisa enquanto os lábios quase se tocavam.

            Quando as bocas estavam tão próximas que era possível sentir os lábios quase se tocarem naquele um milímetro de distância, pode-se ouvir um grito que assustou as duas e fez com que se separassem subitamente, num impulso automático.

                - Jennie Kim! Vamos pra casa, agora.

                As duas se olharam assustadas e, ao virarem a cabeça, os olhos se encontraram com a imagem assustadora da mãe de Jennie em pé, observando as duas de longe. Antes que Lisa pudesse dizer qualquer coisa, a mais velha se levantou correndo e agarrou a mochila, a loira segurou a alça da mesma e as duas tiveram sua última troca de olhares, os olhos tristes da coreana suplicavam desculpas apressadas e repletas de medo. Então Jennie foi correndo atrás da mãe, que já começara a andar de volta para casa, deixando pra trás o cobertor e o beijo que não deram.

                A lua se mantinha alta, brilhante e cheia e Lisa só fez pedir, com tudo que tinha, que Jennie ficasse, que, dessa vez, elas pudessem ficar.