Por sorte, chegamos á escola. Atrasados, cansados e suados, mas chegamos. Sim, ficamos suados apenas por correr alguns metros, mas andamos quilômetros toda noite pra upar, ou ganhar XP mental.Como a aula é sempre tediosa por ser fácil demais, passamos mensagens codificadas uns para os outros, para o caso de algum professor chato pegar o papel e entregá-lo á diretora.
O código é o seguinte: cada letra tem um número, como o A, que é o 1, pois é a primeira letra do alfabeto. Então, pegamos esse número, e somamos á 2, então o A seria o 3. Por fim, escrevemos a palavra ao contrário, caso alguém saque o nosso lance. Não costumamos dizer "sacar o nosso lance", mas soou bem. Pensando bem, ficou bem idiota, mas não vou mudar.
Estávamos falando sobre Senhor dos Anéis, ou algo assim, quando a professora pega o papel. Estamos todos nervosos, eu pelo menos, eu, pois raramente vamos á diretoria. Tento melhorar a situação, e dizendo:
-Tá vendo só, professora? É apenas algo sem sentido. Fazemos isso pra... você pensar que estamos falando algo interessante.
-Isso deve significar alguma coisa. Ninguém escreveria trinta e duas linhas de... aleatoriedades.
-Essa palavra existe?
-Deve existir. Quem é professora de português aqui? Vamos descer. Os quatro.
Enquanto acompanhamos a professora no caminho, trocamos olhares nervosos, que só nós mesmos sabemos o que significam. Ao chegar em frente a porta da diretoria, nos deparamos com a porta fechada, e após bater, e não obter resposta, a professora resolve apenas nos deixar subir, com o aviso de que se formos pegos trocando mensagens de novo, nossos pais serão convocados, mas eis que quando nos viramos em direção ás escadas, aparece a tão temida e respeitada diretora do colégio.
Ela não é tão alta, mas o bastante para se curvar um pouco para falar conosco, e nos fazer curvar-se para trás também. Ela tem cabelos louros, que caem sobre os ombros (mas não de um jeito tão bonito).
-O que está acontecendo? -ela diz, ríspida, e com cara de poucos amigos (o que era verdade, ninguém gostava dela). -Professora?
Resolvo interferir, para que possamos subir logo para a classe e continuar a aula sobre conjunções.
-Senhora Diretora, a professora já esta res...
-Eu perguntei á professora, não me lembro de você ser professor. -ela me interrompe, fazendo subir aquele ódio que sempre sobe quando alguém me zoa na rua, ou faz uma piada que eu não goste. Ela sempre tem esse hábito, o que faz os alunos evitarem de se dirigir á ela.
-Bom, eles estavam trocando mensagens aleatórias apenas com números no papel, coisa que eu não consegui decifr...
-Ah! Tinha que ser. Trocando mensagens, não é? Vamos á minha sala, e vocês vão me explicar o que está acontecendo e o que significa isso, que ninguém pode saber o que é. -ela para um pouco, pois estava sem ar e vermelha. É difícil não rir quando sua diretora parece um tomate elfo. -Obrigada professora. -ela muda o tom de voz drasticamente.
Ao entrarmos na sala, se percebe o clima de tensão no ar. Fotos dela com os filhos em toda parte. É meio difícil saber que uma mulher daquela consegue viver com crianças. Ou crianças viverem com ela, ambos são difíceis.
-Para começar, trocamos mensagens pois a aula é muito fácil. -digo, tentando quebrar o gelo- E são criptografadas, não é porque você não entende, que algo não faz sentido.
-Primeiro, garoto, tenha mais respeito ao falar comigo, posso te tirar dessa escola sem você nem ver. Além disso, não se pode trocar mensagens na sala. Vocês devem estudar.
-E acha que já não estudamos? Você tem acesso á nossas notas, sem nós, essa escola vira um abrigo para criança analfabetas, que depois ás expulsa por virarem adultos ainda analfabetos. E Alan Turing trocava mensagens na aula, e olha o que ele fez.
-Quem é esse Alan Turing? Estuda aqui? Qual sala? Vou expulsá-lo, também.
-É, eu troco mensagens e sei quem ele é, e você tá aí atrás dessa mesinha me perguntando.
-Já chega! Suspensão para os três, menos você, pois você está expulso, e não quero vê-lo aqui nem pintado de ouro! Esperem no sofá enquanto imprimo as coisas.
Nos levantamos, e saímos da sala, cabisbaixos, sentamos, dois em um sofá forrado com um pano verde, que eu evitava por conta da rinite, e eu e Higor dividimos a curta poltrona ao lado. De repente, trocamos olhares, e todos começamos á rir baixo. Broncas são dadas, acompanhadas de risadas. Menos Vinicius, pois ele é chato. Ao percebermos que estamos suspensos e/ou expulsos, começamos á chorar, baixinho para não sermos ouvidos pela monstra desalmada.
-Gente... -tento falar, engolindo o choro na garganta.- Nos veremos no colegial. ETEC, lembram?
-Eu nunca recebi reclamação da escola, Kaiky. -diz Vinicius. E ele está falando sério, pois sempre me chama de "cara". -Quem dirá uma suspensão.
-Eu tive uma ideia. -digo, de novo. -Já que nem todos vamos estudar juntos, e eu vou me mudar, por causa da expulsão, vamos sair segunda feira. Não com nossos pais. Só nós. Dizemos que vai haver aula, e saímos por aí. Não estaremos matando aula, nem algo assim.
-Estaríamos mentindo. Além disso, uma van me trás á escola. Não posso sair dos arredores a pé.
-Vamos de ônibus. -diz Higor, me deixando orgulhoso pelo fato de que alguém estar me apoiando. Ele sempre me apoia. Ele é o Samwise Gamgi da minha vida. -Cada um junta o máximo que puder, e trás, e vamos á algum lugar.
-Boa ideia, cara. Vamos nos divertir. Sempre damos duro por isso, merecemos parar um pouco de nos doar tanto e pensarmos em aproveitar. Eu possivelmente nunca mais vou ver vocês. Vamos, vai ser legal.
Após alguns tensos minutos de silêncio, Higor toma sua decisão:
-Estou dentro.
-Eu também, diz Vinicius, de maneira entusiasmada e legal (pra variar um pouco).
-Tá, vamos.- Enzo resolve se juntar.
-Ótimo. Devemos ser alguma equipe, ou algo assim, pra ser mais animado.
-Que tal a Sociedade do Bilhete? -resolvo dizer, inspirado em Senhor dos Anéis, mas com base nas nossas circunstâncias, um papel é mais adequado.
-Gostei.
-Eu também. Soa bom.
-É um nome incrível. Então está certo. Onde vamos, Kaiky?
Justo quando vou responder a pergunta, ouvimos a porta abrir, e a diretora sai com quatro papéis, três pequenos, 4x8, creio eu, e uma folha de sulfite com muita coisa escrita, que é dada para mim. Ela me olha nos olhos, e diz:
-Podem voltar. Você também. Aproveite seu último dia, mas dentro das regras.
Todos saímos andando na mesma velocidade, e na formação que combinamos: Vinicius na frente, o líder, o Capitão Kirk, o Superman, o Robin, depois eu e Enzo lado a lado, Spock e McCoy, Flash e Lanterna Verde, Kid Flash e Ciborgue, e então, por último, mas não menos importante, Higor, o Scotty, o Lanterna Verde, o Mutano. A troop toda reunida, rumo ao banheiro, para discutir os planos da próxima missão.
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