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História House of Cards - Capítulo Único


Escrita por: Mpaola13

Notas do Autor


Inspirada na música "Outro: House of Cards - BTS".
Link disponível nas Notas Finais.

Espero que gostem.

Capítulo 1 - Capítulo Único


Era arriscado. Eu sabia o quanto isso era perigoso e o quanto isso me derrubava, me colocava para baixo, me fazia desmoronar cada vez mais. Mas eu não conseguia parar.

Peguei as chaves, minha bolsa e um cachecol. Coloquei o grosso sobretudo que estava pendurado no cabide próximo à porta e saí naquela tarde fria de domingo. Enquanto tirava o carro da garagem e descia minha rua rumo ao centro, meu coração acelerou, senti algo ácido corroendo meu estômago e uma vontade enorme de voltar para casa. Nada daria certo. Nada nunca dava certo com ele. Apesar de toda a roupa que vestia e de os vidros estarem fechados, parecia que a temperatura no interior do carro diminuía cada vez mais. Ou talvez isso fosse apenas em mim, meu corpo, minha alma, meus sentimentos, minhas lembranças, me alertando cada vez mais forte. Mas eu não lhes dava ouvidos. Pensei que seria forte, que de jeito nenhum eu cairia novamente.

Cheguei à construção de tijolos aparentes em poucos minutos. Os carros que normalmente circulavam incansavelmente pela cidade agora estavam guardados, enquanto seus donos se acomodavam em suas casas aquecidas e tomavam bebidas quentes. O vento frio atingiu meu rosto com força e comecei a tremer. Pensei no par extra de meias coloridas que não coloquei por cima das que estava usando. Em meio à rua estreita ladeada por pequenas casas e edifícios de pinturas velhas e desbotadas pude ouvir o barulho do vento, leve e deprimente. Ou pelo menos era o que parecia para mim. Um tipo de sino tocou em algum lugar distante e percebi o quanto tudo estava calmo e em silêncio. Exceto eu e minha mente. Dirigi-me à porta da frente do pequeno galpão e a empurrei com força, abrindo sem nenhum problema além do velho rangido de sempre. A porta sempre estava aberta, tanto para entrar como para sair. Estava muito escuro e por um momento achei que não tivesse ninguém. O cheiro forte de álcool queimava meu nariz. Ajustei o cachecol para me proteger melhor, apesar de eu precisar de uma proteção diferente naquele momento.

- Você sempre vem quando eu te chamo.

Sua voz me sobressaltou e a dor da verdade em suas palavras me fez lembrar a vez em que ele me deu um tapa na cara, a mão bem aberta e tomando um bom impulso. Meu rosto ardeu, meu sangue ferveu, meus sentimentos desabaram e, por algum motivo, a vergonha ficou marcada no meu rosto juntamente com seus dedos. Vergonha por me submeter a isso, talvez. Mas passaria por isso de novo se significasse não ouvir essas palavras outra vez. Ou talvez eu não devesse passar por nenhuma das duas situações. Mas eu estava ali e continuava a achar que seria mais forte que tudo e que de jeito nenhum eu cairia novamente.

- Meio cedo para tanta bebida, não? – Ele estava sentado no chão, escorado em um velho sofá que outrora fora vermelho. Comecei a me aproximar devagar, a visão acostumando com a ausência de luz e já conseguindo distinguir algumas coisas no pequeno galpão que servia de apartamento. Algumas garrafas vazias estavam jogadas perto da porta, algumas na pia, juntamente com outras louças sujas, algumas perto da cama. Havia roupas espalhadas por quase todo o local, no chão e sobre os cômodos. Também pude ver uma embalagem de pizza e alguns plásticos de outros alimentos.

- Eu não bebi tudo hoje – ele disse, depois de soltar uma risadinha de deboche. Eu sempre era motivo de deboche para ele. – Você está muito bonita – acrescentou, percorrendo todo o meu corpo com os olhos. Senti um arrepio na espinha.

- Você me chamou para quê? Espero que não seja para limpar esse apartamento imundo – falei, tentando mudar de assunto enquanto juntava algumas das embalagens jogadas no chão. Percebi que eu era idiota o suficiente para limpar o apartamento dele mesmo sem ele pedir.

- É claro que não. Te chamei para passarmos um tempo juntos. – Ele se levantou e veio andando em minha direção, sorrindo. Estava com uma calça jeans rasgada nos joelhos e uma blusa preta de mangas compridas. Olhei para seus pés descalços e me perguntei se não estaria com frio. Ele estava incrivelmente lindo. Quando chegou perto o bastante começou a desenrolar o cachecol do meu pescoço, e eu deixei.

- Você está mesmo com todo esse frio? – Jogou o cachecol na pequena mesa de jantar à sua direita.

- Talvez, mas também estava cobrindo o nariz por causa do cheiro horrível desse lugar. – Tentava desesperadamente não deixar minha voz vacilar.

Ele riu.

- Quer tirar seu casaco também?

- Não, e eu não queria nem tirar meu cachecol para início de conversa.

Dessa vez ela apenas sorriu e umedeceu os lábios.

- Tudo bem, venha cá.

E sentou na beira da cama desarrumada. Deu um tapinha de leve no espaço ao lado e tudo dentro de mim gritou para que eu fosse embora o mais rápido possível. Ele não falou outra vez, não fez nenhum outro gesto, apenas ficou sentado, os olhos fixos em mim, a boca levemente distendida em um pequeno sorriso. Ele sabia que eu iria. Eu sabia que eu iria. Então simplesmente fui. Sentei ao seu lado tentando manter certa distância, mas ele se aproximou, passou um braço pelos meus ombros e me puxou para trás, me fazendo deitar em seu braço. Meu coração batia com violência, fazendo meu peito doer e o ar parecia rarear. Ficamos daquele jeito por um tempo, calados, imóveis, os olhos fixos no teto. Comecei a contar mentalmente para tentar aliviar o nervosismo e evidentemente não funcionou. Finalmente ele virou a cabeça para mim e eu retribuí o olhar.

- Você tem trabalho amanhã?

Uma pergunta inesperada, a meu ver. Simples, segura, tranquila, mas inesperada. Me deixou ainda mais nervosa.

- Si... Sim, tenho. Por que a pergunta?

- O que você vai fazer?

- Hã, preciso decorar um escritório de uma empresa de investimentos. Por que você quer saber? – insisti.

- Hum, parece interessante. Você já fez a primeira visita? – Ele ignorou minha pergunta mais uma vez. Me levantei rapidamente, começando a ficar chateada.

- O que você está fazendo? O que você quer, por que está me perguntando isso?

Ele continuava deitado, na mesma posição, completamente inalterado.

- Estou perguntando sobre o seu trabalho.

- Por quê?

- Porque eu gosto. – Agora ele se levantou e aproximou o rosto do meu. – Gosto de saber o que você faz, para onde vai, o que você sente... Gosto de conversar com você.

Levantou a mão e tirou alguns fios de cabelo que estavam no meu pescoço, fazendo questão de roçar os dedos na minha pele e depois deitou novamente com o braço estendido, esperando que eu voltasse a me deitar. Tentei ser forte.

- Se você gosta tanto de conversar comigo, por que ficamos tanto tempo sem nos falar?

Ele suspirou e se apoiou nos cotovelos. Agradeci por não ter se aproximado de mim novamente. Ou será que fiquei decepcionada?

- Olha, eu já expliquei para você o que aconteceu, precisei sair da cidade para resolver alguns problemas de trabalho e aproveitei para visitar uns amigos. Quando voltei fiquei ocupado com problemas de trabalho que surgiram quando eu saí para resolver problema do trabalho...

- Quanto problema de trabalho você tem – interrompi.

Ele expirou, mordeu os lábios e me lançou um olhar quase suplicante.

- Me desculpe. – Fez uma pequena pausa. Aproveitei para me recuperar do pequeno colapso mental e emocional que sofri. – Eu realmente não queria ter ficado tão distante de você, apenas não queria te envolver em tanta coisa, afinal, você já tem suas próprias preocupações. Então, por favor, não vamos brigar hoje. Vamos apenas conversar, ficar juntos e aproveitar esse momento.

Fiquei sem ar e sem ação por um momento. Pensei em quantas vezes ele já havia se desculpado e bagunçado tudo outra vez. Pensei nas vezes em que ele me olhou docemente e me fez sentir tão leve e tranquila. Pensei nas vezes em que passamos a noite juntos conversando trivialidades, comendo besteiras, sendo bobos para agradar o outro. Pensei nas vezes em que falávamos palavras de consolo, de conforto e de carinho um para o outro. Foi aí que percebi que eu ainda tinha esperança de que, mesmo no fim de tudo, mesmo apesar de tudo, ainda pudéssemos ficar bem se apenas estivéssemos juntos. Ignorei a horrível sensação que tive, como se um castelo de cartas estivesse se quebrando, e deitei a cabeça em seu braço, dessa vez por conta própria.

 

Não sei dizer se o tempo passou rápido ou devagar. Na verdade, tive a sensação de que estávamos alheios ao tempo. E eu gostei. Parecia com os antigos momentos que tínhamos e eu desejei que não houvesse amanhã, que não houvesse uma próxima vez, porque a próxima vez sempre era um mistério, uma dúvida, uma decepção. Não, aquele era o nosso momento e eu queria que durasse. Mas, é claro, o tempo não parou. Enquanto ele contava uma história engraçada sobre algum dos seus amigos consegui reconhecer o tique-taque de algum relógio por ali. Não sabia que ele possuía relógio cronológico. A história terminou e eu o observava com atenção, procurando guardar os detalhes do seu rosto, o toque suave de seus dedos acariciando meu braço, sua voz carinhosa e sua risada contagiante. Eu continuava me arruinando cada vez mais.

- O que você tá pensando? – ele perguntou de repente. Seus olhos estavam fixos em mim e eu desejei saber me controlar com mais facilidade. Tentei soar despreocupada.

- Não é da sua conta.

- Eu quero saber o que você está pensando.

- Por que você quer saber o que eu estou pensando?

Torci para que meu nervosismo não fosse tão evidente para ele. Mas é muito provável que fosse. Ele me conhecia. Eu deixei que ele me conhecesse profundamente e me arrependi disso diversas vezes. Ele sabia todas as formas de me atingir.

- Já falei que gosto de saber tudo sobre você. – Ele fez uma pausa rápida, apenas para que suas palavras fizessem o efeito de sempre sobre meu emocional. Ele sabia o tempo exato. – Também quero saber se você está pensando o mesmo que eu.

Desejei que ele desviasse o olhar apenas por um momento. Apenas para eu me recompor, inspirar e expirar devidamente, colocar meus pensamentos em ordem. Mas ele nunca faria isso. Eu estava fraca e vulnerável e ele sabia bem disso. Consegui fazer com que algumas palavras saíssem.

- O que você está pensando? – Ele deu um sorriso cínico e percebi que direcionou seu olhar para minha boca.

- Você não sabe o que eu estou pensando?

Tudo aconteceu muito rápido depois desse momento. Ao mesmo tempo em que percebi seu corpo se inclinando para mim, sua mão esquerda encontrando meu pescoço e o braço direito me puxando para si, usei o pouco de sanidade que ainda possuía para pensar nas suas palavras. Sim, eu sabia o que ele estava pensando naquele momento, mas apenas porque ele queria que eu soubesse. Ele mergulhou em meus sentimentos e pensamentos de uma forma que nunca permitiu que eu fizesse. Ele conhecia meus medos, mas nunca me contara os seus. Ele sabia de todas as feridas que eu possuía ou já havia possuído, mas nunca me deixou saber se alguma vez já havia ralado seu joelho. Ele sabia o que me parava, o que me intimidava, o que me animava, o que me motivava, o que me frustrava, o que me machucava, o que me quebrava e o que me consertava. Mas nunca, desde que nos conhecemos, me deixou saber nada que realmente importava a respeito dele. Ele era uma incógnita para mim. Ele estava bem ali, a centímetros de mim, mas em frente aos meus olhos, tudo o que não existia era ele. Então, finalmente, eu soube que o fim estava chegando.

Senti seus lábios encostarem-se aos meus, mas durou apenas alguns segundos, porque eu recuei. Apenas um pouco, talvez apenas alguns milésimos, mas eu recuei. E ele percebeu. Também recuou um pouco apenas para olhar para mim e, quando retribuí o olhar, vi a mais pura expressão de surpresa que já havia visto. Ele nunca poderia esperar aquilo de mim. Também não achava que um dia conseguiria.

- Eu preciso ir – falei simplesmente. Engoli com força as lágrimas que se formavam em meus olhos, apenas para sentir mais se acumulando logo depois. Ele continuava a me olhar, perplexo. Pela primeira vez era ele quem estava sem ação. Finalmente soltou uma risada fraca e incrédula.

- Precisa? O que você vai fazer agora?

Tomei fôlego para dar alguma resposta, apesar de não fazer ideia do que diria, mas não tive tempo.

- Fique mais um pouco – ele disse. E era sua voz manipuladora. Seu olhar manipulador. Seu toque manipulador. E eu sempre cedia. Mas dessa vez eu não desabaria novamente.

- É estúpido continuarmos a sonhar e ficarmos aqui mais um pouco.

Falei para ele, falei para mim, falei para meu passado, meu presente e meu futuro. Falei para minhas noites solitárias e minhas tardes frias de domingo. Falei para minhas manhãs quentes e ensolaradas e para as tardes frescas de sextas-feiras. Falei para a timidez, para o meu medo, para o meu nervosismo, para as minhas vitórias, para as minhas derrotas, para os meus sentimentos, para os meus sonhos e para os meus planos. Tudo em mim deveria compreender que aquilo era estúpido, que ele não deveria estar mais na minha vida, que eu deveria colocá-lo para fora. Juntei toda a coragem e força que ainda me restavam, me levantei, agarrei meu cachecol e meu casaco e fui andando para a porta. Achei que ele me seguiria, que falaria alguma coisa, que tentaria me impedir. Ele, porém, não fez nada e senti a decepção subindo pela minha garganta. Mas de jeito nenhum eu desabaria novamente.

Abri a porta com força e saí sem fechar. Andei na noite escura até chegar ao meu carro e entrei o mais rápido que pude, jogando tudo no banco ao meu lado. Encostei a cabeça no volante, de olhos fechados, respirando bem melhor do que achei que estaria. Enxuguei as lágrimas que escorriam pelo rosto e foi então que olhei para o lado e percebi que eu não havia colocado minha roupa de frio no caminho até o carro. Olhei para meus braços descobertos e percebi que, apesar de minha pele estar arrepiada, não estava tão frio assim.


Notas Finais


Link da música para ouvir e ver a tradução em português: https://www.youtube.com/watch?v=DfTROgtJ0JY

Muito obrigada a todos que tiraram um tempinho para ler.


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