- Bom dia, Senador Way. Sou eu, June, de novo. Eu estou ligando para saber se continuo remarcando seus compromissos. Eu consegui remarcar suas reuniões com o partido da semana passada para o decorrer dessa semana, mas não sei o que fazer com os compromissos que estavam marcados para essa semana. Devo remarcá-los para a próxima semana? Durante a sua ausência e a ausência do Sr. Iero, Adam e eu estamos agregando o máximo de funções burocráticas possíveis. Por enquanto estamos dando conta, mas logo precisaremos de um posicionamento do senhor. Então, assim que possível, por favor, me retorne... Estamos preocupados com o senhor. - diz a moça, antes da secretária eletrônica encerre a ligação.
Essa é, provavelmente, a terceira ou quarta mensagem de June no dia, e ainda não são nem dez horas da manhã. Há oito dias ela tenta contato com o Senador Way, sem nenhum sucesso. Seu último contato foi na segunda feira passada, quando Gerard ligou avisando que todos os seus compromissos da semana deveriam ser transferido e que nem ele e nem o Sr. Iero teriam previsão para retornar ao trabalho. June não teve tempo de pedir mais informações, antes do telefone ficar mudo. E desde então, não se ouviu mais do Senador e nem de seu Relações Públicas.
Não que Gerard queira ser ouvido. Muito pelo contrário. A única coisa que o homem deseja é absoluto silêncio. De seu lugar no sofá, vestindo uma calça de pijama suja e uma camiseta surrada, Gerard ouve mensagem atrás de mensagem, mas sua reação continua a mesma. Absolutamente nada.
Com exceção das ligações diárias da secretária, o flat permanece mergulhado em silêncio e penumbra. Ás vezes um abajur ou arandela são acesos, mas geralmente o escuro é o melhor amigo de Gerard.
Seu celular já perdeu a bateria há dias. Para dizer a verdade, o próprio aparelho está sumido em meio à bagunça e sujeira. Há caixas de pizzas e embalagens de comida chinesa espalhadas pelo lugar. Malas abertas, com peças de roupas espalhadas pelo chão e sobre os móveis. Encomendas entregues que continuam a se acumular na entrada do flat.
E se o estado do flat é precário, o de Gerard também não é dos melhores. Mais pálido que o normal, seus belos olhos verdes agora estão fundos e sem brilho, com um contorno acinzentado que lhe compete uma aparência fantasmagórica. Seus cabelos negros estão oleosos e sem corte, e uma leve barba mal cuidada começa a tomar conta de seu rosto. Não que Gerard se importe. A última vez em que ele se olhou no espelho deve ter sido na última vez em que ele deixou o loft, aproximadamente oito dias atrás.
Levantando-se de seu lugar no sofá, Gerard faz um, dos dois de seus trajetos automáticos. Seguindo até a cozinha, ele abre a geladeira e retira uma cerveja long neck e uma fatia de pizza fria, e então volta para o sofá. Sim, quando não vai até a cozinha buscar alguma bebida alcoólica e uma sobra de comida, ele segue para seu quarto, onde se isola do mundo sob suas cobertas.
Com essa rotina, é só uma questão de tempo até o homem finalmente se deixar dominar pela tristeza e sucumbir.
--------------------------------
No dia seguinte, Frank e JJ estão sentados na sala de espera do consultório de Jason. JJ folheia uma revista, mas sem realmente prestar atenção no conteúdo. Sua atenção real está voltada para o amigo sentado ao seu lado. Frank permanece em silêncio, com as duas mãos na barriga e um olhar perdido. Um costume recém-adquirido. Ela se preocupa, mas opta por não sufocá-lo com isso, pois para resolver o problema, ela teria que entrar no assunto 'Gerard' e Frank não parece disposto a mudar de ideia em relação ao pai de seu filho.
Mas parte o coração da moça ver o amigo tão triste, especialmente durante esse período de sua vida, que deveria ser o mais feliz. Frank está sofrendo. Sofrendo de culpa, de saudade e, especialmente, de medo. Medo de que Gerard descubra o real motivo do término e jamais o perdoe pelo sofrimento que ele causou.
Após mais alguns minutos de espera, Lisa, a assistente de Jason vem chamá-los.
- Sr. Iero, Srta. Parker, o Dr. Martin já espera por vocês. - ela diz, e JJ sorri.
- Você nunca vai deixar essa formalidade de lado, não é mesmo? - ela pergunta, antes de seguir para o consultório médico, onde Jason os aguarda na porta.
- Bom dia, pessoal. Grande dia, hoje. - ele diz, animado.
- Por quê? - pergunta Frank, genuinamente confuso.
- 27 semanas é um marco importante. Caso haja algum imprevisto, e precisarmos fazer uma intervenção, as chances de sobrevivência do bebê são de quase 85%. Ele precisará ficar algum tempo na incubadora, mas as chances de sequelas já caem bastante.
- Mas você acha que precisaremos fazer alguma intervenção? Eu achei que estava indo bem nesses últimos dias.
- Eu preciso te examinar primeiro, pra ter certeza. Mas se você seguiu todas as recomendações, não teremos com o que nos preocupar.
- Certo.
- Vamos começar? Você já conhece o procedimento, trocar de roupas, balança e mesa de exames. - diz Jason, e Frank segue para cumprir as ordens do médico. Enquanto estão sozinhos, Jason e JJ aproveitam e conversam. - Como ele está? - pergunta o médico.
- Está apático, sempre distante e melancólico. Ele está tendo problemas para dormir e anda quase sem apetite. Eu acho que ele perdeu peso.
- Se ele continuar assim, precisaremos interná-lo, você sabe disso, não é?
- Eu sei. Mas eu não vou deixar isso acontecer. Eu preciso resolver essa situação.
- Você acha que existe solução? Ou que ele quer uma solução?
- Óbvio que ele quer. Mas ele é tão cabeça dura que realmente acredita que está fazendo o certo pelo Gerard.
- Falando nisso, e o Gerard?
- Eu não tenho notícias dele há mais de uma semana. Hoje, depois da consulta, eu irei até o flat que ele está morando, levar os exames do bebê e tentar conversar com ele.
- Eu espero que você consiga. Pelo bem dos dois. - diz Jason, no momento exato em que Frank retorna à sala, vestindo sua camisola hospitalar.
Como de praxe, Jason afere a pressão e ausculta o coração. Apesar de alta, não há nada de alarmante nos sinais do rapaz. Já na hora da pesagem, Jason deu um pequeno sermão em Frank, pelo fato do rapaz ter perdido 2kg em duas semanas. Ele aumentou a dose de suplementos alimentares e vitamina do rapaz.
Na hora do ultrassom. Frank manteve os olhos fixos no monitor. Jason declarou que o bebê está pesando cerca de 1kg e medindo por volta de 35cm. E como uma surpresa, o médico realizou uma ultra 3D, onde Frank pôde ver o rostinho de seu filho perfeitamente. Apesar de continuar fazendo mistério sobre seu sexo, o bebê fez algumas peripécias para alegrar o pai, como sorrir, chupar o dedinho, bocejar e cobrir o rosto, como se já estivesse cansado de tanta exibição. Ao final da consulta, Jason imprimiu quatro fotos do ultrassom e entregou para Frank.
- Uma pra você, uma pros seus pais, pro seu avô, e uma pro... - ele começa, mas interrompe o raciocínio. O semblante de Frank se entristece na hora, mas ele tenta disfarçar.
- Eu fico com essa. - diz JJ. - Então, tirando a perda de peso, nosso barrigudinho está bem?
- Sim! Ele está mais do que bem. Frank é um paciente exemplar. O procedimento que realizamos no hospital com a Diálise Peritoneal foi um sucesso e só está elevando o estado de saúde dele. A pressão está oscilando um pouquinho, mas nada preocupante. Eu estou confiante que vamos trazer esse bebê ao mundo sem nenhuma complicação.
- Deus te ouça. - diz Frank, sorrindo para o médico e com uma mão sobre a barriga.
- Bem, mocinho, agora nós vamos pra casa. A despensa está cheia dessas coisas sem graça e sem gosto que você come, e a Netflix está repleta de séries e filmes para te deixar entretido pelo resto do dia.
- Ué, você não vai ficar em casa? Aonde você vai?
- Me chamaram na galeria. Coisa rápida, em duas ou três horas eu estarei de volta para me aconchegar com você e com o meu sobrinho. - ela diz, sorrindo.
- Parece um ótimo plano, especialmente para um médico que vai enfrentar nove horas de consultório, mais 12 horas de plantão. - brinca Jason.
- Eu te compenso no final de semana. Juro. - ela diz, dando um beijo no namorado, e então seguindo seu rumo com Frank.
--------------------------------
Surpreendentemente o tráfego estava tranquilo e Frank e JJ chegaram em casa mais rápido do que imaginavam. Seguindo direto para o sofá, Frank se acomodou e se aconchegou debaixo das cobertas. JJ foi até a cozinha e trouxe um copinho com todos os comprimidos que Frank precisa tomar, um pacote de biscoitos sem glúten e sem sódio e um copo de suco de laranja com morango. Deixando os remédios e o lanche sobre a mesa de centro, ela alcançou o controle remoto da televisão e deixou ao lado do rapaz.
- Vamos, remédios pra dentro. - ela diz, de maneira firme, mas Frank obedece sem fazer objeção. Ele engole os remédios, bebendo metade do suco.
- Feito. - ele diz, com uma tentativa de humor.
- Ótimo! Eu não quero dar uma de Garota Interrompida com você. - ela diz, e ele sorri. - Bem, eu já vou indo. Tem esses biscoitos e mais uma tonelada de comida na geladeira e na despensa.
- Pode deixar, eu não vou morrer de fome.
- Aproveite a Netflix enquanto eu estiver longe.
- Na verdade, eu acho que vou descansar um pouco. Vou esperar você chegar para vermos Narcos juntos.
- Você é o homem da minha vida, Frank Iero.
- Você também é a mulher da minha vida. - ele diz, recebendo um beijo na testa.
- Comporte-se enquanto eu estiver longe, e qualquer coisa, me ligue.
- Pode deixar, eu já conheço o procedimento. - ele diz. Os dois trocam mais um sorriso, e então JJ pega sua bolsa e deixa a casa. Sozinho, Frank se aconchega em seu enorme sofá e fecha os olhos, esperando que o sono venha antes que os pensamentos que andam atormentando sua mente.
--------------------------------
Na calçada, ela olha seu celular e já sabe que tem um destino certo para ir. Chamando um taxi, ela entra no carro, verificando o endereço.
- Para onde, senhorita?
- Para Camden Roosevelt, por favor. - ela diz, e o taxi logo entra no trânsito de Washington.
--------------------------------
O taxi para na calçada do endereço indicado por JJ, e a moça não perde tempo. Entrando no lobby do apart-hotel, ela segue direto para a recepção, onde é recebida por um homem com ar pomposo e uma expressão levemente soberba.
- Bem vinda ao Camden Living, em que posso ajudá-la?
- Oi, eu me chamo Julia Parker e preciso falar com um hóspede de vocês. O nome dele é Gerard Way.
- Sim, o Senador Way está hospedado conosco. - diz o homem, fazendo JJ revirar os olhos.
- Sim, eu sei. Por isso que estou aqui. Eu preciso saber em que flat ele está hospedado. Eu tenho que falar com ele com urgência.
- Senhorita, infelizmente nós não temos autorização de revelar esse tipo de informação.
- Você entendeu que é um caso urgente? Eu preciso falar com ele agora. É algo do interesse dele.
- Mais uma vez, infelizmente, não há nada que possamos fazer. Essa informação é confidencial. - ele diz, fazendo JJ grunhir de frustração.
- Escuta, você pode, pelo menos, interfonar para o flat e avisar que eu estou aqui embaixo? - ela pergunta e o homem hesita. - Eu te garanto que quando ele souber que eu estou aqui, ele vai querer falar comigo. Por favor, o assunto é muito sério.
Mesmo sem estar convencido, o homem resolve ceder ao apelo da jovem. Sacando o interfone, ele disca para o flat de Gerard e aguarda retorno. Ansiosa, JJ morde o canto dos dedos por causa da expectativa. Após alguns longos minutos, o recepcionista coloca o aparelho de volta no gancho.
- Ninguém atende.
- Será que você pode tentar de novo? Por favor! - ela pede e o homem acata.
Após a quarta tentativa, fica mais do que claro que, ou Gerard não está no flat, ou está optando por não atender.
- Você tem certeza de que ele não saiu?
- O senador não deixa seu flat há dias. Ele nunca pede serviço de quarto ou permite a entrada da camareira. Ele só permite a subida de serviços de delivery. - ele diz, com uma postura mais leve, mas logo se trava. - Eu não deveria estar compartilhando essas informações.
- Não se preocupe, eu não vou te causar problemas. Eu só estou preocupada. - ela diz, coçando a cabeça. Então se vira para o homem novamente. - Desculpe, qual seu nome?
- Meu nome é Timothy Cage.
- Timmy... Eu posso de chamar de Timmy, né? Eu preciso que você me faça um favor. Você tem um envelope? - ela pergunta. O homem estranha, mas logo entrega o envelope para a jovem.
JJ retira a foto da ultrassonografia de dentro do bolso, coloca no envelope, lacra e escreve no verso:
"Para o meu pai. Sinto sua falta!"
-Timmy, eu preciso que esse envelope chegue nas mãos do senador, você me entendeu?
- Eu não sei como isso será possível, ele não atende a porta para os funcionários.
- Pode deixar que eu dou um jeito nisso. Mas, pelo amor de Deus, não se esqueça, o Senador Way precisa receber esse envelope.
- Eu farei o possível.
- Valeu, Timmy! Estou contando com você. Sério! - ela diz, dando uma piscadela para o recepcionista, deixando-o ruborizado.
Deixando o apart-hotel, a jovem faz sinal para outro taxi. Está na hora do plano B.
--------------------------------
JJ detesta burocracia. Especialmente burocracia desnecessária. Após passar por três setores de segurança do Capitólio, a moça começou a desejar estar realmente armada, pelo menos justificaria a quantidade de perguntas, fotos, revistas e cadastros. E, depois do que pareceu uma eternidade, JJ finalmente conseguiu sua credencial de visitante.
Com seu crachá exposto no peito, JJ segue pelo congresso, buscando informações que a guiassem até o andar do gabinete de Gerard. Olhando um grande painel no hall de entrada, ela encontra o que estava procurando e segue logo para os elevadores.
O visual punk-despojado da moça contrasta completamente com todos que cruzam seu caminho, e os olhares são inevitáveis. Porém JJ não está dando a mínima. Ela está em uma missão e nada vai tirar o seu foco.
Chegando ao andar, ela sai do elevador e olha ao redor, procurando para qual corredor seguir. Com a sorte ao seu lado, a placa com o nome de Gerard está bem exposta, indicando que o gabinete do senador fica do lado direito. E é pra lá que a moça segue.
--------------------------------
June está em sua mesa, fazendo malabarismo para conciliar suas funções com as funções de Gerard e Frank. Com o telefone apoiado no ombro, ela fala com mais um congressista furioso pelo sumiço de Gerard, inventando a melhor desculpa que lhe vem à mente, enquanto manda emails ao mesmo tempo, e espia de rabo de olho a agenda de compromissos aberta do senador. Quando consegue contornar toda a situação, June desliga o telefone, fecha a agenda e minimiza a tela do computador. Ela respira fundo, tentando aguentar mais um dia de loucura.
Mas passos apressados logo chamam sua atenção, e ela se espanta ao ver a mulher que vem em sua direção.
- Olá, posso ajudar? - pergunta June.
- Você é a June, certo? Secretária do Gerard.
- Sim. E a senhorita seria...?
- Meu nome é Julia Parker, mas pode me chamar de JJ. Eu sou irmã do Frank. Nós nos conhecemos um tempo atrás, quando o Gerard levou um tiro.
- Ah, eu me lembro! Como vai? Infelizmente, nem o Sr. Iero e nem o Senador Way se encontram no momento.
- Eu sei, e é por isso que eu estou aqui. Eu preciso muito, muito, muito da sua ajuda. - ela diz, quando Adam se aproxima.
- Está tudo bem, June? - ele pergunta, desconfiado.
- Sim, não se preocupe. Essa é a Senhorita Parker, ela é irmã do Sr. Iero. Esse é Adam Carter, nosso assessor de imprensa.
- Ah, sim, o Frank já comentou sobre você algumas vezes. - diz Adam.
- Tudo verdade! - diz JJ, descontraindo rapidamente o clima. - Bem, vamos direto ao assunto, o Frank me contou que vocês dois estão cientes da situação entre ele e o Gerard, certo? - ela pergunta, e os dois funcionários se olham, desconfiados.
- Olhe, eu não sei... - começa Adam, mas JJ o corta.
- Eu não sou jornalista, okay? Eu não estou mentindo sobre quem eu sou. - ela diz, retirando o celular do bolso e mostrando uma foto em que Frank e Gerard estão abraçados a ela, na beira do lago, no Refúgio. - Eu estou aqui porque eles estão precisando de ajuda e nós precisamos fazer alguma coisa. - ela diz. June e Adam trocam um olhar e uma confirmação.
- Certo, no que podemos ajudar?
- Algo aconteceu entre eles dois. Algo grave. Eles não estão bem, estão sofrendo, definhando. Precisamos fazer alguma coisa.
- Eu tenho ligado para o flat onde o senador está hospedado várias vezes por dia, mas ele nunca atende ou retorna as ligações.
- Eu sei. Eu fui até lá, antes de vir pra cá. É como se ele tivesse virado um ermitão. - ela diz, correndo as mãos pelos cabelos. - Eu posso lidar com o Frank, mas eu preciso de alguém que lide com o Gerard. Alguém que chegue até ele, que o faça ouvir, que dê uma sacudida nele. - ela diz, e o rosto de June se ilumina.
- Eu acho que eu tenho alguém! - ela diz, sorrindo.
--------------------------------
Minutos depois, JJ deixa o Capitólio com um sorriso no rosto e a sensação de que metade da missão está caminhando bem. Ela pega o terceiro taxi do dia, mas antes de seguir para casa, ela faz uma parada em uma delicatessen, onde compra vários potes de sorvete, uma boa garrafa de vinho e vários snacks nada saudáveis, mas que, sem dúvida alguma, ela fez por merecer.
Compras feitas, hora de voltar pra casa.
--------------------------------
Infelizmente a quarta feira de JJ foi mega agitada e ela não pôde colocar em prática seu plano para resolver de vez essa questão entre Frank e Gerard. A curadora de um dos melhores museus e galerias de arte de Washington, a Smithsonian American Art Museum, requisitou a presença de JJ na primeira hora do dia, para tratar de uma possível renovação das obras expostas.
JJ se reuniu com a curadora e mais seis críticos de arte em uma reunião acalorada e cansativa, que levou, nada mais, nada menos, do que onze horas. O grupo fez apenas pequenos intervalos para refeições, e JJ usou esse tempo para ligar e conferir como Frank estava. Aliviada com o bem estar do amigo, a jovem retornava para mais uma rodada de discussões.
Depois da reunião, JJ ainda conseguiu forças para se encontrar com Jason em um jantar romântico, já que o médico também acabara de sair de um plantão exaustivo. Apesar de curto, o tempo dos dois foi muito bem aproveitado.
Já passava das 23h quando JJ chegou em casa. Encontrando a sala escura, ela seguiu para o quarto, onde encontrou Frank entregue ao sono. Um sorriso triste surgiu em seu rosto, sabendo que, apesar da expressão serena que ele demonstra em seu sono, seu coração está despedaçado por dentro.
Fechando a porta do quarto do amigo, JJ segue para seu quarto, onde, após uma chuveirada rápida, ela desaba na cama e apaga de absoluta exaustão.
--------------------------------
Na quinta feira, JJ está na bancada da cozinha, comendo seu almoço e observando Frank sentado no sofá. Ela sorri e acha graça, pois já faz mais de quarenta minutos que o rapaz está com a camiseta erguida até o peito, cutucando, empurrando e balançando de leve a barriga exposta.
- O que você está fazendo, Frankie? Tentando irritar o bebê? - ela pergunta, colocando mais uma garfada na boca.
Mas Frank não responde. Ele mantém com os olhos fixos na barriga, enquanto continua cutucando e empurrando em vários pontos. E só então JJ nota que a expressão do rapaz não é de alegria, ou curiosidade, nem mesmo de travessura. Muito pelo contrário. Seu cenho está franzido, sua boca entreaberta e sua respiração está rápida e oscilante. A expressão do rapaz é de pura preocupação.
- Frankie? - JJ chama novamente, já abandonando seu prato e levantando-se da bancada.
- Ele não está se mexendo.
- O quê?
- O bebê. Ele não está se mexendo. - ele diz, e JJ sente a espinha gelar.
- Você tem certeza? - ela pergunta, colocando a mão na barriga do amigo.
- Eu estou tentando estimulá-lo há algum tempo, mas nada acontece. Ele não se mexe, não chuta, não faz nada. - a voz de Frank é baixa e linear, numa calma que só o desespero dá.
- Há quanto tempo ele está assim?
- Desde ontem.
- Ontem?
- Eu não estava me sentindo muito bem ontem, então achei que ele estivesse dormindo. E ele costuma ficar quieto durante grandes períodos de tempo, mas hoje eu acordei, fui tomar banho, e ele sempre mexe quando eu estou tomando banho. Mas nada aconteceu. Eu dei uma volta no quarteirão, e nada. Eu comi e nada. Eu tentei de tudo, mas nada aconteceu.
- Vem! - diz JJ, ajudando-o a levantar do sofá. - Nós vamos ver o Jason agora.
- Okay. - ele diz, sem ter sequer coração de verbalizar seu maior medo.
--------------------------------
Rapidamente Jason acomodou Frank em uma das salas de exame e o conectou há vários aparelhos. Enquanto sua assistente aferia a pressão do rapaz, Jason passava duas tiras elásticas ao redor de sua barriga e prendia dois eletrodos em contato com a pele, um em cada tira. Ligando o primeiro monitor, o obstetra manteve a concentração nos números. Então veio o primeiro alívio.
- Você não está tendo contrações. - ele disse.
- Eu não imaginei que estivesse. E o que tem a ver as contrações com a falta de movimento do bebê?
- A falta de movimento dos bebês, geralmente, é um indicativo de trabalho de parto. Mas, felizmente, esse não é o seu caso. - ele diz, ligando o segundo monitor. Nada acontece.
Afrouxando a cinta, Jason muda o sensor de lugar algumas vezes. Primeiro no alto da barriga de Frank, depois nas laterais, na parte de baixo, e, por fim, no meio, próximo ao umbigo. E então o som mágico dos batimentos cardíacos do bebê invadiu o ambiente, fazendo todos, sem exceção, respirarem aliviados.
- Aí está! Esse baixinho só estava tentando dar um susto na gente. - diz o obstetra, sorrindo.
- Dar um susto na gente e me fazer passar vergonha de novo. É a segunda vez que eu venho aqui achando que algo terrível aconteceu, mas não era nada na verdade.
- E você fez muito bem. Nas duas vezes.
- Você ainda acha que tem algo errado? - a voz de Frank soa ansiosa novamente.
- Eu não diria errado, já que o coração dele está batendo alto e forte. Mas eu ainda quero saber por que ele não está se mexendo. Não é comum para um bebê dessa idade gestacional ficar tanto tempo imóvel.
- E como você vai fazer isso?
- Eu tenho alguns truques que eu quero tentar, se você não se importar.
- Não, de jeito nenhum! Tente o que for preciso.
- Certo, primeiro, eu vou te dar um copo com água e bastante gelo e te pedir para deitar do lado direito, que não é o lado preferido dos bebês. Você vai beber a água, vai deitar por vinte minutos e nós vamos verificar de novo. Okay?
- Okay?
E assim foi feito. Frank bebeu um copo de 500ml de água e gelo e se deitou do lado direito. No entanto, a única coisa que ele conseguiu foi uma azia bem desconfortável. Após a falha da primeira experiência, Jason checou o coração do bebê, que continuou alto e forte.
- E agora? - perguntou JJ.
- Agora eu vou pedir que o Frank beba um copo de coca-cola. O açúcar e a cafeína são uma ótima combinação para agitar o bebê.
- É verdade. Ele costuma chutar bastante quando eu como qualquer coisa doce.
- Vamos testar.
E mais uma vez, nada aconteceu. Jason resolveu deixar a sala por alguns segundo, após ter uma ideia, deixando a dupla sozinha. Frank cobriu o rosto com as mãos, enquanto balançava as pernas nervosamente. JJ andava de um lado ao outro do consultório, correndo os dedos pelos cabelos rebeldes.
- Eu devia ter vindo antes. Quando eu notei que ele não estava mexendo, eu devia ter vindo na hora. - ele fala, com a voz abafada pelas mãos.
- Você não tinha como saber, Frankie. Além do mais, eu tenho certeza que está tudo bem. O coração do neném está forte, você mesmo está ouvindo.
- Então por que ele não se mexe?
- Bem... - diz Jason, voltando pra sala. - Vamos tentar descobrir agora.
- Onde você foi? - pergunta JJ.
- Fui buscar isso. - ele diz, mostrando um aparelho bem semelhante a um Doppler portátil.
- O que é isso? - pergunta Frank.
- Isso é um aparelho que nós usamos pra estimular os bebês a mudarem de posição no útero. Ás vezes, quando o bebê está encaixado em uma posição errada, nós usamos esse aparelho para incentivá-lo a mudar de posição.
- E como funciona? - pergunta o rapaz, ansioso.
- Eu vou colocar o transdutor na sua barriga e ligar a frequência do aparelho, só que, ao invés de reproduziu os batimentos cardíacos, ele vai emitir uma frequência vibratória pra dentro do útero. Como um pequeno terremoto, por assim dizer.
- Isso vai ferir o meu bebê?
- Absolutamente não! Mas é bem provável que o deixe um pouco estressado pelo susto. Por isso que nós sempre usamos como último recurso, pois você precisará ficar em observação por alguns minutos, até o bebê se acalmar.
- Okay, vá em frente! - diz Frank, colocando os braços atrás da cabeça.
- Eu vou começar com a frequência um e você me diz se sente alguma coisa, tá bom?
- Okay. - ele diz, e o médico começa o experimento.
- Então?
- Nada ainda.
- Frequência dois. - ele anuncia, e Frank pode sentir a vibração, como a de um celular, mas nada de seu bebê mexer.
- Não. - Frank sente um nó se formar um sua garganta.
- Frequência três. - diz Jason e a intensidade da vibração aumenta. Frank está pronto para outra negativa, quando um chute bem próximo ao umbigo tira completamente seu ar, fazendo-o levar as mãos à barriga e paralisar.
- Frankie? - JJ chama, preocupada.
- Ele chutou.
- Sério? - pergunta a moça.
- Sim, ele chutou aqui, bem perto do meu umbigo. Whoa! Ele está chutando de novo. Oh, Deus, ele está bem! Meu bebê está bem! - Frank comemora com uma gargalhada libertadora.
- Graças a Deus! - JJ respira aliviada.
- Agora eu vou fazer um ultrassom, pra dar uma olhada nesse baixinho e ver como ele reagiu ao susto. Pelo chute perto do seu umbigo, eu posso apostar que ele mudou de posição, já que na última ultra, ele estava atravessado.
- Você tem alguma ideia do por que ele ficou tanto tempo sem se mexer? - pergunta Frank.
- Olhem, acreditem ou não, é bem capaz que ele estivesse dormindo. Bebês dormem bastante na barriga. Como não havia nada que indicasse sofrimento, eu aposto que ele estava só tirando uma soneca.
- E nós acordamos ele com um terremoto! Parabéns, Frank, pai do ano. - brinca JJ.
- Eu estava preocupado com o meu filho, me deixa em paz. - ele devolve a provocação, dando um sorriso de canto de boca.
Frank e JJ mantêm os olhos no monitor, enquanto Jason conduz o ultrassom. Ele verifica os batimentos do bebê e comprova que, de fato, estão ligeiramente elevados, mas ele logo garante que tudo voltará ao normal em uma questão de minutos. Passeando com o transdutor pela barriga do rapaz, Jason sorri.
- Bem, exatamente como eu imaginei. Seu bebê mudou de posição. Agora ele está em posição pélvica, significa que ele está sentado com o bumbum perto da sua pelve e as pernas pra cima. A cabeça dele está bem perto do seu diafragma.
- Essa é uma posição perigosa pra ele?
- De jeito nenhum. Olha só aqui. - ele diz, virando mais o monitor para Frank e JJ. - Não tem circular nenhuma de cordão, ele está mexendo os braços livremente, as pernas estão cruzadas para o alto... - e então Jason se cala, fechando o semblante e olhando para o monitor com o dobro de concentração.
- O que foi? Tem algo errado? - pergunta JJ.
- Jason, tem alguma coisa errada com o meu filho? O que tem de errado com ele? - pergunta Frank, sentindo o coração disparar.
- Bem... - diz Jason, pigarreando. - Eu acho que a partir de agora, você não pode mais chamar o seu bebê de "ele".
- O que? - pergunta Frank, confuso.
- Você vai ter uma menina, Frank. Seu bebê é uma menina. - diz o médico, sorrindo. Frank abre a boca pra falar, mas trava, em absoluto choque.
- É uma menina? - pergunta JJ. - Você tem certeza absoluta que é uma menina?
- Sim, quando ela mudou de posição, ela finalmente desvendou o mistério. Aqui, entre as perninhas dela. Definitivamente uma menina.
- Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! - JJ pula, vibra e chora, ao mesmo tempo. Ela pula nos braços de Jason, que abraça a namorada com a mesma empolgação.
Soltando o abraço de Jason, JJ se vira para o amigo, esperando vê-lo com a mesma empolgação, porém Frank está estático, olhando para a barriga com os olhos marejados. JJ se aproxima do amigo, colocando uma mão em seu ombro, chamando sua atenção.
- Parabéns, papai. - ela diz, com uma voz, suave. - Você vai ter uma menininha.
Erguendo os olhos marejados, ele olha para a amiga e lhe oferece um sorriso melancólico.
- Ele sabia. - ele diz. - Ele sempre soube.
- Quem?
- Gerard. Ele sempre disse que nós teríamos uma menina. - ele diz, e cobre o rosto com uma das mãos, entregando-se ao choro. JJ abraça o amigo, beijando o topo de sua cabeça e o aconchegando em seus braços.
A menininha que Gerard sempre quis está a caminho, mas por culpa de Frank, ele não está aqui, para comemorar a notícia.
--------------------------------
Já é final de tarde, quando JJ abre a porta de casa e larga a bolsa na bancada da cozinha, como de costume. Ela segue direto para a geladeira, onde pega uma long neck de Heineken. Frank, que vem logo atrás da amiga, apenas observa a jovem com um sorriso no rosto.
- Sete malditos meses. Ela levou sete meses para nos contar que é uma menina. - ela diz, entre risos, antes de dar um gole em sua cerveja.
- Talvez ela seja a bebê mais preguiçosa do mundo. Ou talvez ela tenha uma boa veia dramática e goste de causar impacto.
- Eu aposto no drama. Ela é, definitivamente, uma Iero. - ela diz, e o sorriso de Frank se desfaz. Olhando para a barriga, ele acaricia o ventre, agora sabendo que é sua filha quem está crescendo dentro dele.
- Ela é uma Way também. - ele diz, melancólico. JJ dá mais um gole em sua cerveja e então olha para o amigo.
- Você vai contar pra ele? - ela pergunta, e Frank engole seco.
- Ele vai saber.
- Frank, ele tem o direito de saber por você que vai ter uma filha. Uma menina que ele vem sonhando desde o início.
- Eu não posso, JJ.
- Isso não é justo, Frank.
- Eu sei, mas eu não posso.
- Frank...
- Eu não posso vê-lo, JJ. Eu não posso estar perto dele. Não posso sentir o cheiro dele. A presença dele. Caso contrário, eu não vou suportar, eu não vou conseguir resistir. E eu preciso ser forte. Eu preciso ser forte por ele e, especialmente, por ela. - ele diz, levando uma das mãos à barriga.
- Frank, você está sendo tudo, menos forte. Você está desmoronando. Definhando. Ás vezes eu acho que esse bebê é a única coisa que tem te mantido vivo até agora.
- É provável que você esteja certa. O amor pela minha filha e pelo pai dela é o que me mantém vivo e o que me dá forças para continuar lutando. Lutando por ele e por ela. Minha filha vai ter muito orgulho do pai dela, JJ. Eles podem nunca me perdoar pelo que eu fiz, mas ela terá muito orgulho do pai dela e do que ele fará por esse país. Eu vou me certificar disso. - ele diz, determinado. JJ respira fundo e dá mais um gole em sua cerveja.
- Bem, se é isso mesmo que você quer.
- É o que eu preciso fazer. - ele diz, e então suspira de cansaço. - Olha, eu vou subir, tomar um banho e me deitar um pouco. Essa baixinha aqui já rendeu emoções demais por hoje.
- Melhor mesmo. Ei, tá afim de assistir Netflix mais tarde? Um filme bem xexelento, desses água com açúcar, só pra distrair.
- É uma boa ideia.
- Então vai tomar seu banho e descansar um pouco. Mais tarde eu subo com o notebook.
- Combinado. - ele sorri e segue seu caminho para o segundo andar.
Após ter certeza de que Frank está bem longe de alcance, JJ rapidamente busca sua bolsa. Vasculhando o conteúdo, ela encontra um pequeno pedaço de papel, com um número de telefone anotado. Sacando seu celular, ela sai de casa bem devagar, para não fazer barulho.
Na calçada, ela disca o número do telefone e espera enquanto a ligação completa. Após chamar algumas vezes, uma voz feminina surge do outro lado da linha.
- Alô!
- Alô, é a Courtney Way quem está falando?
- Sim, sou eu mesma. Quem fala?
- Ah, você não me conhece. Meu nome é Julia Parker. Eu sou irmã do Frank, e uma grande amiga do Gerard.
- Certo. Como vai, Julia?
- Na verdade, não muito bem, e é por isso que eu estou ligando. Eu realmente preciso da sua ajuda.
--------------------------------
Os olhos de Gerard se abrem de súbito, como se algo o tivesse despertado abruptamente, mas o breu total do quarto o impede de identificar qualquer anormalidade. Talvez tenha sido outro pesadelo que o acordou. Eles fazem parte de sua rotina nos últimos dias. Suspirando, Gerard muda de posição na cama e fecha os olhos novamente, tentando voltar a dormir.
No entanto, segundos depois, seus olhos se abrem novamente e dessa vez ele entende o porquê. Som, como o de passos. Movimentação. Há alguém no flat. Gerard retira as cobertas e se põe de pé. Ele bambeia, tonto pela ressaca. Segundos depois, ele readquire seu equilíbrio e segue para fora do quarto, tentando descobrir quem se atreveu a invadir seu flat no meio da madrugada.
Porém, ao abrir a porta do quarto, ele é surpreendido pela claridade cegante que o atinge como um soco, fazendo sua cabeça latejar e sua tontura voltar. Agora são precisos mais do que alguns segundos para que Gerard se recupere desse golpe. Segurando o batente da porta com uma mão e cobrindo o rosto com a outra, Gerard continua a ouvir passos. Mais do que um. Definitivamente há pessoas em seu flat. Pessoas que não foram convidadas, que não têm permissão para entrar, que não são bem vindas.
Quando finalmente sente que pode retirar a mão dos olhos, sem que a claridade derreta seu globo ocular, Gerard está pronto para cobrir de esporro as pessoas quem entraram sem permissão em sua casa. Mas, para sua surpresa, quem está parada em sua frente é Courtney. Confuso, ou acreditando ainda estar sob efeito da embriaguez dos dias anteriores, o rapaz pisca diversas vezes, mas mesmo assim a imagem de sua madrasta não desaparece de sua frente.
E antes que Gerard possa falar qualquer coisa, Courtney lhe entrega uma pequena bandeja contendo um copo de suco de laranja e dois comprimidos de Advil.
- Os remédios são para a dor de cabeça. Beba o suco todo, você precisa se hidratar. E quando terminar, tome um banho, faça a barba, coloque roupas limpas e me encontre na sala. - ela diz num tom firme, raramente usado. - O serviço de quarto vai entregar o almoço assim que as camareiras terminarem de limpar o flat.
- Almoço? - ele pergunta, confuso.
- São 15:35h. Agora faça o que eu disse. Eu te espero na sala. Não demore, as camareiras precisam limpar o seu quarto. - ela diz, girando pelos calcanhares, sem nem dar ao homem a chance de responder.
Ainda completamente atônito pelo que acabou de acontecer, Gerard volta para seu quarto. Ele acende a luz e vê que, de fato, o ambiente precisa de uma limpeza pesada. Sem pestanejar, ele coloca os dois comprimidos na boca e os engole com a ajuda do copo de suco de laranja, que é tomado todo de uma vez. Colocando a bandeja sobre o criado mudo, Gerard segue para o banheiro, para cumprir as ordens de Courtney. Algo que lhe diz que a conversa será séria.
--------------------------------
Aproximadamente 30 minutos depois, Gerard surge na sala, já de banho tomado, barba feita e roupas limpas. Courtney sorri pro enteado.
- Muito melhor. - ela diz. - Agora sente-se para comer, enquanto as meninas limpam o seu quarto.
- Eu não estou...
- Isso não foi um pedido. - ela diz, com a voz suave, porém uma expressão séria de quem não está aberta à argumentações.
Gerard se senta à mesa, onde dois pratos estão servidos. Filé de peixe grelhado, legumes no vapor e arroz selvagem. Para beber, uma jarra de suco de laranja. Assim que toma o seu lugar, ele se surpreende ao ver Courtney se sentar ao lado dele e começar a degustar sua refeição. Os dois comem em silêncio, apenas trocando rápidos olhares de vez em quando.
Quando os pratos estão vazios, Courtney faz menção para que uma das camareiras retire a mesa e se levanta, indo em direção ao sofá. Ainda sentado à mesa, Gerard assiste uma das camareiras retirar os pratos, enquanto mais duas saem de seu quarto carregando produtos de limpeza e um cesto que parece estar cheio de roupa suja.
- Muito obrigada, queridas. - diz Courtney, com um sorriso sincero no rosto. Assim que as funcionárias saem e deixam os dois sozinhos, a mulher se vira para o enteado. Os dois permanecem presos em um silêncio constrangedor, até que Courtney se manifesta. - Por que você não me ligou?
- Eu não tinha o que falar.
- Se isso fosse verdade, eu não estaria aqui nesse momento.
- Como você está aqui, afinal?
- Sua amiga Julia me ligou.
- A JJ te ligou?
- Ela se identificou como Julia, eu não sei o apelido dela.
- Ela disse alguma coisa sobre o Frank? Ele está bem? O bebê está bem?
- Nós já vamos chegar no Frank, mas antes que você se desespere, sim, o bebê está bem.
- Graças a Deus! - ele suspira, aliviado. - O que ela te disse?
- Ela me contou o que houve. Sobre o término. Sobre como você se isolou aqui dentro. Sobre você não estar indo trabalhar. Sobre ninguém estar conseguindo falar com você.
- Eu não estava pronto para encarar o mundo.
- O mundo, eu entendo. Mas e eu? Por que você não me ligou?
- E te dizer o quê? "Frank terminou comigo sem nenhum motivo aparente.", "Eu não entendo o que aconteceu.", "Eu acho que estou morrendo", "Eu acho que não consigo viver sem ele."? Esse tipo de coisa?
- Exatamente esse tipo de coisa. Qualquer tipo de coisa. Já se passaram quase 15 dias, e a única coisa que você tem feito é se enterrar em lixo, restos de comida e álcool.
- O que você quer que eu faça? Frank deixou bem claro que não me quer mais! Que nós dois juntos somos uma ameaça para o nosso filho! Que ele não quer me ver mais!Até sobre custódia e visitação ele falou. O que você quer que eu faça? Force ele a me aceitar de volta? Obrigue ele? O amarre ao meu lado?
- Primeiro você pode começar ouvindo ele.
- Eu ouvi, Court! Eu estava lá, de frente pra ele. Eu ouvi cada palavra que ele disse.
- Eu não estou falando sobre o que ele disse. Estou falando sobre o que ele não disse.
- Como assim?
- Você realmente acha que o Frank não te ama mais?
- Não, claro que não, mas...
- Gerard, para e pensa! Eu sei que você está confuso, que está sofrendo, que está ferido... Exatamente como o Frank ficou durante a semana em que você resolveu se afastar, achando que seria o melhor pra ele. - ela diz, e de repente foi como se uma luz se acendesse na mente de Gerard.
- Não! - Gerard balança a cabeça, perdido. - Aquilo foi diferente. Eu fiz aquilo para protegê-lo. Foi um erro, mas eu fiz por amor. Porque eu amo o Frank e o mais filho mais do que tudo no mundo.
- É estranho o que as pessoas fazem por amor, especialmente quando elas acham que há perigo ao redor.
- Court, o que você está querendo dizer?
- Estou dizendo que aquele rapaz te ama com uma intensidade tão absurda, que ele seria capaz de qualquer coisa por você. Até mesmo te deixar ir, se ele achasse que é o o melhor pra você.
- Não, Court, não faz sentido.
- E quando o amor fez sentido, meu querido? - ela diz, com uma expressão suave no rosto. - Você me perguntou se ele estava bem. Não, ele não está bem. Ele está sofrendo. Está morrendo por dentro. A diferença entre vocês dois é que ele precisa pensar na vida crescendo dentro dele. Mas fora isso, o coração dele está sangrando. Isso te diz alguma coisa?
O peito de Gerard se comprime, sua respiração se acelera e seus olhos se enchem de lágrimas. Ele cobre o rosto com as mãos e cai em prantos. Levantando-se do sofá e sentando-se ao lado do enteado à mesa, Courtney coloca a mão em seu ombro, chamando sua atenção. Quando Gerard controla seu choro e volta sua atenção para a madrasta, ela lhe entrega um envelope. Ele lê o verso, abre o envelope e encara a imagem. Suas lágrimas se misturam com risos ao ver o rostinho de seu bebê estampado naquela foto.
- Vá recuperar a sua família. - diz Courtney, dando um beijo no rosto do rapaz.
--------------------------------
A noite chegou trazendo consigo uma chuva torrencial, com direito a raios e trovões. O cenário perfeito para se aconchegar no sofá e assistir um filme bem leve e descontraído. E foi justamente isso que Frank e JJ resolveram fazer. Depois de um dia de trabalho estressante na galeria para JJ, e uma tarde inteira de entrega dos móveis do quarto do bebê para Frank, os dois começaram o início da noite exaustos.
No caminho de casa, JJ parou em uma cantina italiana e comprou o jantar para os dois, o que Frank agradeceu imensamente. Depois de abusar mais do que deveria, ao subir e descer as escadas de casa diversas vezes para indicar onde os moveis deveriam ser colocados, a última coisa que Frank precisa nesse momento é mais um minuto sequer em pé na frente do fogão.
Já que JJ trouxe a comida, ela ganhou o direito de escolher o filme, e o eleito foi Grandes Olhos, que conta a história da pintora Margareth Keane, uma das pintoras mais rentáveis da década de 50. Como não conhecia a história da artista, Frank ficou encantado pelo filme, interessando-se, inclusive, em adquirir uma das peças da pintora.
Faltando poucos minutos para o filme acabar, o som da campainha ressoa, chamando a atenção dos dois.
- Quem será? A essa hora e com essa chuva? - pergunta Frank, de seu lugar no sofá.
- Deixa que eu atendo. - diz JJ, levantando-se e seguindo para a entrada.
Ela abre a porta e um misto de surpresa e alegria a atingem. Do lado de fora, um Gerard completamente ensopado está parado, com o rosto transfigurado de ansiedade, os olhos arregalados e com o peito ofegante, como se tivesse corrido uma maratona.
Um enorme sorriso surge no rosto de JJ.
- Já não era sem tempo. - ela diz, abrindo mais a porta e dando passagem para o senador, que dá um passo para dentro da casa, mas para no lugar.
De seu lugar no sofá, Frank se põe de pé tão rápido, que precisa de uns segundos para se estabilizar. Seus olhos estão tão arregalados quanto os do senador e seu peito igualmente ofegante. Os dois homens se olham de forma tão direta e intensa, quase sem se atreverem a piscar. A tensão no ar é palpável.
O silêncio só é quebrado quando JJ se manifesta, logo após fechar a porta atrás de Gerard.
- Bem, eu vou lá pra cima. Vocês precisam conversar. - ela diz, seguindo para o segundo andar.
Frank e Gerard permanecem imóveis e sem quebrar contato visual. Frank sente como se uma bola de sinuca estivesse presa em sua garganta, mas mesmo assim, ele reúne forças para tentar falar.
- O que... - ele pigarreia. - O que você está fazendo aqui?
- Nós precisamos conversar.
- Gerard, eu disse que não temos mais nada pra conversar. O que havia entre nós acabou. Por favor, vá embora. - ele tenta manter uma postura firme, mas tanto sua voz, quando seu corpo tremem incontrolavelmente.
- Não. - diz Gerard, pegando Frank de surpresa.
- O que?
- Eu não vou embora. E não, o que há entre nós não acabou. É por isso que eu estou aqui. Eu tô aqui para ter você de volta. Para ter nós dois de volta. - ele diz, firme, deixando Frank apreensivo.
- Gerard, não. Eu disse. Eu não quero mais estar com você. Nós não podemos mais ficar juntos. - ele diz, enquanto o senador se aproxima. - Eu não... eu não quero mais... - ele gagueja, quando Gerard para de frente pra ele, há poucos centímetros de seu rosto.
- Então diga isso olhando nos meus olhos.
- Não... eu não... eu não quero... - Frank sente o coração disparar e as pernas amolecerem.
- Olhe nos meus olhos, Frank. - diz Gerard. - Olhe nos meus olhos e diga que você não me ama mais. Olhe nos meus olhos e diga que você não me quer. Que não sente a minha falta. Que as últimas duas semanas não foram um inferno.
- Eu nunca disse que eu deixei de te amar. Você sabe disso. - Frank usa toda sua força para olhar nos olhos do senador. - Meu amor por você não mudou, nem por um minuto. Mas isso não muda o fato de não podermos mais ficar juntos. - ele diz, e Gerard o segura pelos ombros.
- Me escute. Seja lá o que você ache que está fazendo, pare. Não está certo. Eu sei que você pensa que está me protegendo, mas eu não preciso de proteção. Eu preciso de você.
- Você não sabe o que está dizendo.
- Eu sei que eu não quero mais viver um único dia a mais da minha vida, se ele for igual as últimas duas semanas. Eu sei que eu não quero respirar um ar que não seja o mesmo que o seu. Eu sei que eu não quero mais sentir esse buraco no meu peito todos os dias. Eu sei que quero acordar sabendo que meu dia será maravilhoso, porque eu terei você ao meu lado. E eu sei que nada, absolutamente nada do que você fizer, vai me afastar de você novamente. Nunca mais.
- Como... - os olhos de Frank se enchem de lágrimas. - Como você pode dizer isso depois de tudo que eu fiz com você? Depois de tudo que eu disse?
- Porque eu te amo, Frank Iero. Porque eu sou completamente apaixonado por você. Porque eu vivo em função de você. E porque eu sei que você fez o que fez achando que estava me protegendo.
- Eu não posso, Gerard. Eu nunca vou me perdoar se...
- Certa vez você me disse que cuidado e proteção não são trabalhos para uma única pessoa. O que mudou?
- Você! Tudo mudou por sua causa. Você pode perder tudo.
- Eu vou perder tudo se eu perder você.
- Eu não valho o risco.
- Você vale tudo. - ele diz, tomando o rosto do rapaz em suas mãos e, enfim, o beijando com paixão.
Frank hesita por um segundo, mas logo deixa seu corpo se entregar aos instintos. O beijo é urgente, avassalador e selvagem. Frank se agarra na camisa molhada de Gerard, enquanto o senador entrelaça os dedos de uma mão nos cabelos do rapaz, enquanto a outra mão o puxa mais para perto de seu corpo. Foram treze dias de ausência de carência, de saudade. De uma falta física que beira a abstinência. O intenso beijo dos dois só é interrompido quando Frank se fasta de Gerard de forma súbita, curvando-se ligeiramente pra frente e levando uma das mãos à barriga, com uma expressão dolorida no rosto.
- Urgh! - ele geme, deixando Gerard em pânico imediatamente.
- O que foi? Você está com dor? Tem algo errado com o bebê? - ele pergunta, amparando o amado. Frank respira de forma calculada por alguns segundos, até se sentir mais confortável para esticar a coluna. No entanto, a mão continua na barriga, esfregando círculos.
- Não foi nada de mais. É que ela tem chutado forte nos últimos dias. - ele diz, de forma natural. Gerard se prepara para responder, quando algo o atinge.
- "Ela"? - ele pergunta, num misto de choque e emoção, e só então Frank se dá conta que acabou de revelar o sexo do bebê da maneira mais desleixada possível.
- Me desculpe! Não era pra você saber desse jeito, eu ia te contar, eu queria te contar, só que... - mas Gerard não está prestando atenção nas explicações do rapaz. Um enorme sorriso se forma em seu rosto.
- É uma menina? - ele pergunta, emocionado. - Nós... nós vamos ter uma menina? - ele pergunta, fazendo Frank se emocionar também.
- Sim, é uma menina. Nós vamos ter uma filha. - ele diz, com os olhos marejados.
Gerard solta uma gargalhada alta, em meio às lágrimas. Ele toma Frank em seus braços, aconchegando-o em seu peito e o beijando repetidas vezes.
- Obrigado! Muito obrigado! - ele diz, entre um beijo e outro. Mesmo chorando, Frank sorri também.
- Pelo quê?
- Você vai me dar uma filha, Frank? Nossa filha. Nossa princesa! - ele diz, com o maior e mais belo sorriso do mundo. - Eu te amo tanto, Frank! Eu não consigo nem começar a descrever o quanto eu te amo. O quanto eu amo vocês dois. - ele diz, e os olhos de Frank se entristecem novamente.
- Gerard, me perdoa! Me perdoa por tudo que eu te fiz passar nessas últimas semanas. Eu entendo se você não puder, mas eu te peço perdão. Me perdoa... - a frase do rapaz é interrompida por um beijo.
- Nada, absolutamente nada do que você fizer, jamais vai me fazer te amar menos do que eu te amo. Muito pelo contrário. Eu sinto que a cada dia, meu amor por você só cresce.
- Como você pode dizer isso? Eu parti seu coração.
- Meu coração é seu, Frank. É seu para fazer dele o que quiser. Você pode ter partido meu coração, mas você o colou de volta e o deixou inteiro novamente. E agora ele está batendo mais forte e mais rápido porque eu te tenho de volta. Porque eu tenho vocês dois de volta. - ele diz, se ajoelhando de frente pro rapaz e colocando as duas mãos na barriga dele. - Oi, filha! Oi, minha princesa. Eu sabia. Eu sempre soube que era você aí dentro. Eu sinto muito ter ficado tão longe de você e do seu pai nos últimos dias, mas eu prometo que isso nunca mais vai se repetir. A partir de hoje, eu, você e o seu pai nunca mais vamos nos separar. Nós vamos ser uma família, minha filha. E nós vamos ser muito felizes. Eu te prometo. - ele diz, beijando a barriga do rapaz e recebendo um chute em resposta. - É isso aí! Boa garota. Papai sentiu muita saudade de sentir você.
- Acredite, ela também sentiu muita saudade de você. - ele diz, e Gerard se levanta, encarando-o.
- Mas ela não precisa mais sentir saudades de mim, certo? Ela pode ter a mim, a nós dois, o tempo todo.
- Não é tão simples.
- Eu não me importo. Desde que nós estejamos juntos, nós podemos enfrentar qualquer coisa, Frank. Qualquer coisa! Diga que me ama e esse pesadelo acaba. Você só precisa dizer que me ama e nós podemos enfrentar o mundo. Por favor, Frank, apenas diga que me ama. - ele pede.
Frank encara os olhos de Gerard. Os grandes e ansiosos olhos verdes de Gerard. Ele dá mais um passo até que sua barriga encoste no abdômen do senador e se ergue levemente na ponta dos pés, alcançando os lábios do homem. E então o beija de uma forma doce e delicada.
- Eu te amo, Gerard Way.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.