História Hurricane - Capítulo Bônus - Runaway (pt. 1)

Hanna

Minhas tias sempre contaram histórias e mais histórias sobre o instante de suas vidas em que se rotularam, definitivamente, como mulheres encalhadas. E, geralmente, tais fatídicos momentos ocorriam na faixa dos quarenta... Mas, obviamente, eu tinha que ser uma exceção. 

Pelo menos, era dessa forma que me sentia enfiada em outro vestido de madrinha de casamento: definitivamente encalhada. 

— E aí, ta pronta? — Charli questionou ansiosa, alisando sua própria veste, idêntica a minha. A pergunta, no entanto, foi direcionada à noiva, que estava do outro lado da porta. Um "espera aí" foi gritado de dentro do quarto, fazendo a loira bufar. — Anda logo!

Emily sorriu para mim com os olhos, também inquieta, e a porta se abriu rangendo feito um velho cheio de dores. Mia saiu lá de dentro radiante, usando um vestido simples e leve, mais para creme do que branco, completamente rendado e de mangas que se alargavam a partir do cotovelo. 

Parecia uma fada.

— Ai meu Deus — a mãe de Mia levou ambas as mãos até as bochechas, sorrindo largo; era fofo vê-la arriscar algumas palavras em nosso idioma, mas como não sabia muito, abraçou Mia e murmurou palavras em português que eu desconhecia. 

As duas se olharam por um tempo, e Mia balançou a cabeça em negação. Parecia insegura, mas julguei aquilo normal pelo nervosismo da situação. Afinal, ela estava prestes a se casar. Eu no lugar dela estaria pura lágrimas desde o momento em que puxasse o zíper do vestido branco, provavelmente sem acreditar que eu estava mais bonita que Taylor Swift em Love Story. A morena comprimiu os lábios e nos encarou.

— Você tá linda — foi a vez de Aline checar a amiga de cima a baixo — Luke vai chorar quando te ver.

Lily entrou na sala e não perdeu tempo em palpitar também.

— Vai mesmo — ela pousou as mãos na cintura — Conhecendo-o bem, deveríamos ter contratado uns paramédicos pra ficar de plantão, sabe, por via das dúvidas. 

Charli riu e Mia franziu o nariz.

— Como você está se sentindo? — Emily perguntou diretamente para a noiva, que deu de ombros.

Soltou ar pelos pulmões e depois encarou as unhas pintadas de lilás.

— Eu não sei... Estou feliz e linda, mas acho que muito nervosa. — confessou, inflando as bochechas e colocando uma das mãos sobre o estômago; era fofo vê-la daquela forma, e também bastante incomum — Minha barriga dói.

— Você ainda tem tempo de se acalmar até a cerimônia. Falta pouco mais de uma hora. — tranquilizei.

— O quê? Por que eu já tive que me arrumar então? — ela soou indignada, olhando para si mesma. Nós rimos e ela também sorriu, como se tivesse consciência de que só falava bobagens — De qualquer forma, preciso ir ao banheiro. Daqui a pouco apareço na sala de visistas, podem me esperar lá. 

Nós concordamos e fomos para o local, todos ansiavam a cerimônia e a casa já estava relativamente cheia. As pessoas que cuidavam da comida para a festa de mais tarde, agitavam a cozinha. As famílias dos noivos confraternizavam na medida do possível com os bilíngues fazendo a vez de Google Tradutor, enquanto os amigos dos dois se juntavam num canto para relembrar velhos momentos do casal. 

Luke e os outros rapazes estavam num hotel ali perto, e viriam apenas na hora da cerimônia. Eles não viam o porquê de tal separação, é claro, mas Liz insistiu para que os noivos não se vissem antes da hora. Se bem, que do jeito que eles eram, eu não duvidava nada que Mia estivesse naquele momento mandando selfies para o amado. Eles nunca foram um casal muito convencional no fim das contas e...

Droga. Pensar naquilo me fez demasiadamente emotiva, havia sido uma grande trajetória até ali. Quando menos me dei conta, já tinha de secar algumas lágrimas na barra do vestido. Estava buscando ser menos chorona conforme ia envelhecendo, mas isso ia contra minha natureza.

Charli completaria suas bodas de açúcar ou perfume dentro de alguns meses; Emily e Izzie já moravam sozinhas há um bom tempo, e agora era o grande dia de Mia e Luke. Com exceção de Lily, que ainda não havia se cansado da vida de solteira, eu era a única donzela. 

E ver outra das minhas melhores amigas ali, pronta pra dar um passo tão importante quanto aquele me deixava realmente sensível.

— Mia tá demorando — Izzie, que abraçava Emily por trás, observou, despertando nossa atenção. Lily olhou as horas em seu celular, vendo que realmente já faziam minutos desde que a esperávamos.

— Hanna, você pode checar se tá tudo bem com ela? Talvez Mia teve problemas com o vestido. — pediu e eu anui, já que também fazia parte do squad de organização — Depois que você voltar, acho que já podemos começar com as fotos. Vou procurar o fotógrafo. 

Girei em meus calcanhares e saí em direção à minha amiga, Lily se conduziu para o outro lado. No começo me senti completamente perdida dentro daquele casarão, mas depois de andar tanto por todos os lados, em apenas três dias, já me achava capaz de percorrer todo o perímetro de olhos fechados.

Chegando ao banheiro, a porta ainda estava fechada. Perguntei-me se Mia ainda estaria lá dentro, e então bati algumas vezes. 

Nada.

— Mia? — chamei, e novamente não obtive resposta. Minha mente desesperada e dramática já começava a imagina-la desmaiada lá dentro e outras mil possibilidades péssimas, mas me forcei a não surtar. Bati à porta mais uma vez, e vendo que ela não responderia mesmo, girei a maçaneta pra baixo e empurrei. 

Meu coração foi parar no estômago quando dei de cara com o banheiro vazio.

— Ai meu Deus — tentei não gritar, olhando até atrás da porta para ver se a beldade não estava me pregando uma peça. Seu véu estava largado em cima da pia e a janela do cômodo completamente escancarada, como se alguém tivesse passado por ali ou algo do tipo, mas simplesmente não podia ser — Calma Hanna, ela pode só estar em outro lugar da casa, pode ter esquecido o véu aqui. Fica calma.

Por fora eu sorri, mas por dentro estava em pânico.

Segurei o véu entre meus dedos trêmulos, e saí em busca de ajuda. Meu primeiro instinto foi procurar Charli e ver o que ela inferiria das evidências, e esperei que ela não estivesse ocupada com Joey naquele momento. Pra minha sorte, todas as rezas que fiz enquanto andava pela casa atrás dela deram certo. A loira estava na cozinha, beliscando aperitivos da festa, sem seu bebê.

— Charli, pelo amor de Deus, eu preciso da sua ajuda 

— Ei, o que foi? Por que você tá tensa assim? — perguntou, enfiando um canapé na minha boca sem nem me dar chance de negar — Come um pouquinho, relaxa.

— Eu não guero gomer — respondi de boca cheia, fazendo o exequível para engolir aquilo de maneira veloz; mostrei o véu pra ela e vi seu semblante ficar levemente mas sério — Não sei onde a Mia se enfiou. 

— Como assim não sabe?

— Não sabendo. O véu dela tava no banheiro, e a janela... bem, parecia um pouco aberta demais. — expliquei, e Charli arregalou os olhos.

— Calma, não entra em pânico! — não sei se disse para mim ou para si mesma — Você já procurou no resto da casa?

— Ainda não, vim falar com você primeiro.

— Ótimo, então você vai procurar lá em cima que eu falo com as meninas e a gente olha aqui em baixo. — ela ordenou, limpando os farelos da mão — Não fala nada pro Arthur ou pra Lily ainda, eles já estão muito desesperados com os preparativos e vão ficar ainda mais loucos com isso. E além do mais, pode ser um alarme falso. 

Eu assenti e saí frenética, subindo as escadas para esquadrinhar cada canto lá em cima. Quando alguém perguntava o que eu estava fazendo, era obrigada a mentir dizendo que havia perdido um brinco, rezando para que ninguém notasse as pérolas que eu já usava. 

Procurei em todos os cantos, atrás das portas, embaixo das camas e dentro dos guarda-roupas, e nem sinal da Mia. Esperava muito que as meninas já tivessem lhe achado lá embaixo, pois não podia acreditar naquilo.

Mia não podia ter fugido à uma hora do seu casamento. 

— Achou? — Charli apareceu na porta, ofegante, e eu balancei a cabeça em sinal negativo — Merda. Eu não acredito que ela fez mesmo isso. Não, não, na verdade, eu acredito — voltou atrás — não sei porque ainda me surpreendo. É da Mia que estamos falando, tava indo tudo muito bem pra ser verdade...

Todas as reclamações que saiam da boca de Charli eram as palavras que eu queria dizer e não conseguia, pois estava muito ocupada pensando na minha morte — que seria causada, obviamente, por Lily e Arthur.

Uma vez que a própria Mia não estava ligando muito para como a cerimônia seria, e Luke aceitaria se casar até com os pés amarrados nas costas contanto que fosse com ela, eles decidiram suas exigências e aceitaram a oferta de Arthur para organizar tudo. Ele logo formou a gangue que precisava, incluindo todos que achava necessário, e eu obviamente dei um jeito de me enfiar no comitê de organização — estava solteira há tanto tempo, que aproveitava todas as oportunidades de ajudar no casamento alheio para garantir que algum dia estaria envolvida com algo do tipo. 

Indo da decoração do local às bebidas da festa, tudo havia sido decidido por nós. Mia e Luke não queriam nada extravagante ou com muitos convidados, por isso optaram por fazer a cerimônia numa cidadezinha do interior da Austrália, no jardim de uma simpática propriedade dos Hemmings (era à cerca de cinco minutos andando da praia, numa vizinhança calma, silenciosa e bem reservada, onde caberia perfeitamente os sessenta e três convidados). E se o sigilo pedido a eles tiver realmente funcionado, é provável que não apareça nem nenhum paparazzi.

De fato, até então tudo estava indo muito bem. Mesmo as despedidas de solteiro haviam terminado com saldos positivos: ninguém acabou tatuado, ferido, com amnésia ou em coma alcoólico. Um grande passo para nosso círculo de amigos.

— O que a gente faz agora? — Emily se juntou a nós duas, suas feições contorcidas em preocupação.

— Chamamos a polícia? — sugeri, fazendo Charli suspirar.

— Ai Hanna, não é pra tanto mulher. Vamos avisar aos outros primeiro, mas sem deixar que os convidados percebam nada errado. — ela coçou o queixo, pensando; a situação era séria, mas sempre seria engraçado ver Charli tomando as rédeas para solucionar algum empecilho  — Vamos nos dividir e dar uma volta pra procurar por ela, a cidade é pequena então não deve ser tao difícil se cada uma for para um lado. Quem tiver alguma notícia primeiro avisa. 

— Tudo bem — Emily suspirou — Eu e Izzy vamos para o centro então. Cuidado pra não se perderem, a cidade é pequena mas vocês não conhecem.

— Okay, mãe. — charli devolveu e em seguida me encarou seriamente — Hanna, o Luke não deve saber que a Mia fugiu. Você pode falar com os meninos e tentar fazê-los atrasar a vinda pra cá? Liga pra um deles lá de fora, assim pode conversar com mais tranquilidade. Ah, e lembra de não fazer muito alarde. Vou tentar sair com o Mason e procurar ela por aí também.

— Okay. Te vejo mais tarde então.

— Até mais, Hanna.

Voltei ao meu quarto apenas para apanhar meu celular, e saí porta afora. Estava nervosa com aquela situação, e o primeiro número que me veio a cabeça para discar foi o de Michael. Havíamos nos reaproximado um pouco quando Mia e Luke voltaram, mas ainda sentia um friozinho na barriga sempre que estava perto dele. Eu era romântica, enfim, e por vezes ainda me via pensando se poderíamos ser nós dois naquela situação caso as coisas não tivessem acontecido daquela forma.

Não exatamente, é claro, pois eu não fugiria.

— Alô? 

— Mike, tudo bem? — perguntei casualmente, só então me tocando da situação; sacudi a cabeça e tentei soar mais centrada, antes que acabasse puxando assunto sobre o clima — Uh, vocês ainda estão o hotel? Preciso conversar com você.

— Preciso conversar com você também, estava indo te ligar. Mas pode falar primeiro.

— Bem, eu não sei bem como dizer isso, mas... Hm... Não entre em pânico...

— Hanna, você tá em pânico — ele riu nervoso — O que foi?

Respirei fundo antes de dizer a verdade.

— A Mia meio que... sumiu. — soltei, mordendo os lábios nervosamente.

— Merda — ele murmurou — Droga!

Eu não sabia o que dizer, e se pudesse não diria nada, mas tinha a missão de retardar os meninos. Tentei encontrar alguma sentença que se encaixasse, já que Michael não disse outra palavra sequer.

— Hm, Mike, se você puder não contar pro Luke ou atrasar ele aí, prometo que vamos achá-la o mais rápido possível. 

— Isso não vai ser problema, Hanna. — ele soltou uma risadinha, e eu senti que coisa boa não vinha dali — Ele também sumiu.