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História I am - Capítulo 1


Escrita por: Imadeleine

Capítulo 1 - Capítulo 1


O café está sutilmente ralo, mas é perceptível o sabor sem graça vindo de uma bebida que era para ser forte. Talvez meus pais tenham descoberto isso em mim, criaram tantas expectativas que agora se decepcionaram com a dura realidade. A garoa fina cai junto com as pequenas partículas de neve sobre meu casaco e cabelo. Porque diabos isso só acontece comigo? Vou chegar encharcado na minha mais nova obrigação. As pessoas não parecem se importar com o clima, como sempre não se importam com as mínimas coisas da natureza.

Aumento o volume dos fones de ouvido, colando-os no máximo, talvez eu tenha atravessado a rua de forma distraída, pois só vejo um senhor careca brigar comigo de dentro do seu carro preto, ou melhor, só vejo o movimento da sua boca brigando comigo. Ou, talvez, seja com outra pessoa.

Adoro ver o mundo assim, ouvindo música em um volume tão alto que me trará a surdez mais cedo. Parece que ele anda de forma lenta e monótona e não de forma agitada. Lá fora são apenas buzinas, motores de carros, pessoas ao telefone ou falando umas com as outras, passos no chão como os sapatos de salto, sirenes, turbinas de avião, helicópteros... Aqui dentro e apenas Florence And The Machine e eu, o eu destruído e frustrado.

Mais alguns passos e vejo uma placa de rua, verde e branca, um verde como um verde grama. Se eu sou detalhista? Sim. Rua quinze, era onde eu devia ir, mais precisamente no número setecentos e oitenta e nove, viro a esquina e já é possível ver o grande prédio de vidro e aço com algumas estruturas restauradas. Ando distraído e abobado até o grande prédio, e como as coisas só acontecem comigo meu tênis converse novinho sem quer foi parar dentro de uma poça d'água encharcado o mesmo. Olho para os meus pés, frustrado comigo mesmo por ser tão avoado. Retiro eles da poça e chacoalho na tentativa falha de remover a água deles.

Bufo e ajeito a mochila nas costas. Meus pés vacilam com medo de entrar naquele lugar, porém se eu não entrar vai ser pior quando eu chegar em casa. Empurro a porta através da barra de ferro, o grande salão que me recepciona é quente e aconchegante ao contrário do lado de fora que está gélido e nada paternalista. Subo as escadas de corrimão dourado, forradas com um tapete vermelho. Fecho os olhos com força me martirizado por estar deixando marcas de sapato no precioso tapete. Continuo a caminhada até chegar a minha sala, sala sete, professora Margot.

Não tenho tempo de me apresentar na antessala onde ela me esperava seu dedo indicador direito apenas faz um gesto de bater no ouvido para que eu remova o fone. Paro a música e os removo guardando no bolso do meu moletom. Seus olhos se direcionam ao meu tênis com olhar desaprovador. Ela ergue o olhar e franzi a testa. O silêncio é torturante a tal ponto de que consigo ouvir o relógio de corda na parede rodar seus ponteiros.

- Você deve ser Lim Changkyun estou certa? - Ela disse com o sotaque francês e afirmei com a cabeça - Você é mudo? - Neguei - Então fale comigo - Me repreendeu em tom cortante.

- De-desculpe - Gaguejei. Já comecei mal - Sim senhora Red, sou Lim Changkyun.

- Me trate por senhora, mas apenas Margot, esqueça o sobrenome - Ela me corrigiu. Seus pés caminharam até mim e vi seu corpo magro, alto e esguio me rodear. Sua vareta de madeira empurrou minhas costas e sua mão ajeitou minha postura. Ela voltou a ficar de frente para mim mantendo a distância de um passo com o mesmo olhar crítico e reprovar desde que cheguei - Já vi que vou ter muito trabalho.

Ela ergueu o rosto e seu nariz fino, comprido e arrebitado se ergueu mais. Ela se virou e caminhou me deixando ali.

- Anda! - Ela me repreendeu - Vai ficar fazendo o que aí parado? - Essa mulher tem olhos nas costas ou seu ouvido é muito bom para perceber que não estou seguindo-a?

Seu vestido preto, meias pretas e sapatos pretos me lembravam os inspetores de internatos. Sei cabelo vermelho estava bem penteando e preso em um coque refinado que provavelmente deveria ter demorado horas, ou ter usado uns 5 potes de gel para ser feito. O incrível é que ele parecia estar macio e não com aparência de produtos fixadores. A senhora Margot tinha uma aparência de uma mulher de quarenta anos, porém, uma das exigências do seu panfleto era: Nunca pergunte a idade de uma mulher, é descortês. E como ela está aqui para "formar cavalheiros" é melhor não arriscar.

Após subirmos um lance de escadas de mais ou menos dez degraus, adentramos em uma sala de grandes janelas com curvaturas, como meios arcos, perto do teto. A pintura de anjos e seres mitológicos foi feitas no teto côncavo, e, em frente às janelas, do lado esquerdo da porta, uma enorme barra se ferro, e atrás delas, espelhos. A senhora Margot parou abruptamente me fazendo quase bater com o rosto em suas costas, me sinto tão pequeno perto de sua altura, ela mais parece uma vara de pesca de tão magra e alta que é. Agora, de perto, pude notar o quão estranha é a pinta que ela tem em cima dos lábios pintados de vermelho. Afastei-me pedindo desculpas em sussurros.

- Vamos começar amanhã, porém hoje, quero lhe ensinar algumas coisas. - Assenti - A disciplina é algo fundamental na vida, no trabalho, no andar, no respirar, até mesmo no típico "tomar um cafezinho". Sendo assim, não seria nada diferente do balé clássico - Sua voz sua irritante às vezes, descobri que não gosto de pessoas com sotaque francês - Tire essa coisa que vocês jovens chamam de mochila das costas, quero trabalhar algo com você.

Hesitei alguns instantes, porém acatei sua ordem. Deixei a mochila pendurada no porta casaco das prováveis crianças que fazem aula aqui. Tirei o grosso e quente casaco que estava vestindo e o deixei ali também. Voltei até onde a senhora Red, ou melhor, senhora Margot se encontrava, mas o olhar desaprovador dela era constante, principalmente quando meu tênis estava fazendo um barulho como de um pato no chão de mármore branco. Sua cara se assemelhava a nojo olhando para mim, revirei os olhos e coloquei a mão nos bolsos do moletom.

- Já vi que meu trabalho vai ser dobrado - Ela suspirou - Você parece uma gazela manca andando. Já se olhou no espelho enquanto andava?

- Eu tenho coisas mais importantes para fazer do que me importar com o jeito que eu ando - Ela bateu com a varinha no meu ombro. Exasperei um "aí" e ela me olhou furiosa.

- Nunca me responda menino.

Senti meu celular vibrar algumas vezes, como se estivesse recebendo mensagens. Minha curiosidade era maior e eu não via a hora de olhar o que era, talvez seja só alguma notificação do Twitter.

- Você ouviu o que eu disse?

- Hãn? - Sai dos meus devaneios.

- Me de esse objeto tecnológico inútil - Ela estendeu a mão. Como ela sabe que estou pensando no meu celular? Estendi o mesmo junto com os fones que estavam enrolados nele - Na minha aula ele não existe - A senhora Margot os guardou em sua bolsa pequena lateral também preta - Agora voltando ao foco, ande de onde você está até o final da sala e se olhe no espelho.

Engoli em seco com medo de ser repreendido mais uma vez. Fiz o que ela ordenou e notei que meu quadril estava levemente para frente, meus ombros caídos e meu pescoço um tanto abaixando. Cara eu sou deplorável. Parei no fim da sala e a olhei.

- Se você visse alguém andando na rua assim, você acharia essa pessoa forte? Bem sucedida? Ou alguém por quem uma menina iria olhar?

- Não senhora - Respondi. Já vi que ela é extremamente a favor do heterossexualismo.

- Agora vamos fazer uma coisa - Ela caminhou até mim com seus saltos grossos batendo no chão. Ajeitou minha postura e ergueu minha cabeça - Repita o que fez e se olhe agora.

Fiz o que ela mandou e realmente agora eu parecia alguém mas confiante, não o cara fodido por dentro e por fora de alguns instantes atrás. Olhei para ela tentando passar neutralidade, porém meu semblante denunciava minha surpresa com tamanha mudança.

- Viu só, até o barulho do seu tênis desapareceu - Ela esboçou um leve sorriso, mas fechou a face novamente - Quando seus pais me procuraram eles não queriam te tornar uma "menininha" como sua mãe me disse que você havia comentado. Seus pais me procuraram para te tornar alguém forte e independente, alguém que passe confiança Changkyun. Posso não ser sua psicóloga, mas sei que é isso que ela quer também. Como eu havia dito, o balé é disciplina, e a disciplina leva ao poder. O balé ajudará você a controlar suas emoções e assim suas crises poderão ser controladas, como é o sonho dos seus pais.

Meus olhos marejaram. Chegamos ao ponto que eu não queria chegar. Agora ela me olha como o menino problemático, não quero a dó que o olhar dela esboça agora, prefiro seu olhar de repulsa a sua piedade.

...

Descemos mais um lance de escadas. Acabei de criar uma teoria que esse lugar é um grande labirinto, e com toda certeza eu irei me perder aqui dentro de tanto sobe e desce. Estou perto das salas de ensaio de música clássica. Arrumo a postura como a senhora Red me ensinou, tentando passar confiança no olhar, porém suspiro e solto os ombros desistindo de ser que eu não sou.

Mais alguns passos e noto que a senhora Red não me acompanha mais. O pânico me toma, porém o sonoro som de um piano preenche o vazio de estar só. É uma canção melancólica e dolorosa, posso afirmar que é a peça mais linda que já escutei. Mesmo sendo minha favorita desde a infância, nunca tinha escutado um solo de piano dela. Sempre ouvi orquestras, tenores, mas nenhum deles tocou A Time For Us em um piano, solitário, em um saleta escura como meus olhos podem espreitar um jovem lá dentro.

Olhei a minha volta, como se fosse fazer algo errado, e de certa forma era. Dei alguns passos e empurrei a porta da sala escura, graças às grossas cortinas, não consigo ver o rosto dele, mas mesmo assim sinto a paixão e o sentimentalismo com que ele toca a singela canção. As frestas de luz que entram pela cortina meio aberta me permitem ver suas mãos. Seus dedos aparentemente pequenos, para a sombra de um homem tão grande, dedilham nas teclas brancas e pretas do piano em tom amarronzado o melodioso repertório.

Meus olhos acumulam lágrimas que nem sabia que chegaram tão rápido. Respirei tentando remover os resquícios e engolir o choro. Ando tão dramático ultimamente. A música chegou ao fim e logo tratarei de virar para me afastar.

- Por que você chorou? - Uma voz grossa, porém suave aos ouvidos, me chamou - Espero não ter perdido a prática de tocar, pois se você chorou deve ter sido péssimo - Então ele tem bom humor?

- Não - Me virei e ri fraco. Eu ri? Quantos meses eu não faço isso? Um estranho sem face conseguiu essa proeza - Você foi ótimo. É minha peça favorita, sempre me emociono.

- Gosta de Romeu e Julieta?

- Contos trágicos são a minha praia - Ele riu. Queria parar o momento e correr até a senhora Red, seja lá onde esteja, roubar meu celular de sua bolsinha e gravar o som dessa risada. Não há nada mais encantador do que essa pessoa que eu nem sei quem é rindo.

- Prazer, meu nome é HyunWoo. E o seu?

- Eu sou...

- Achei você! - A voz da senhora Red me fez revirar os olhos - Vamos, não posso tirar os olhos de você um segundo que já some? - HyunWoo riu e eu quis me enfiar em um buraco na terra, como um tatu, por ela estar me tratando como uma criança na frente do primeiro cara que em consegui ter uma conversa normal sobre o que gosto de verdade. Sem precisar fingir que gosto de Miley para agradar, e apenas assumir minha paixão por Florence.

- Desculpe senhora Margot, eu me perdi.

- Tudo bem - Ela segurava a varinha entre as mãos. Sinto que a vontade de me bater com ela era grande - Desculpe Son - Ela o chamou pelo provável sobrenome com uma voz melosa. Essa mulher curte pedófila? - Isso não irá se repetir.

- Tudo bem Margot, ele não atrapalha - Viu, eu não atrapalho. O que estou dizendo, ou melhor, pensando?

A senhora Margot saiu e segurou a porta para mim, preparada para fechar assim que eu saísse.

- Ei, baixinho - Olhei para trás tentando ficar bravo, porém minha vontade era rir do apelido - Volte mais vezes, prometo tocá-la para você quantas vezes quiser - Ele se referiu à peça e eu sorri como um bobo.

Não tive tempo de responder, pois a crise de ciúmes da senhora Red me impediu. Ela fechou a porta e saiu marchando como um soldado a minha frente. Revirei os olhos e coloquei a mão nos bolsos do casaco a seguindo. Assim que chegamos a sala de dança mais uma vez, vesti meu casaco enquanto a senhora Margot batia o pé de forma frenética no piso propagando um barulho torturante. Desviei os olhos para ela enquanto colocava a mochila nas costas.

- Não quero você perto dele - Engoli em seco com a repreensão. Estendi a mão direita tentando ignorar o comentário dela pedindo meu celular. Ela retirou de sua bolsa e colocou na minha mão me encarando como se esperasse uma resposta afiada vinda da minha língua. Não vou me afastar de quem me fez bem e eu mal conheço direito.

- Por que eu faria isso? - Perguntei com a voz monótona.

- Ele é especial aqui - Com certeza é. Ninguém toca piano de forma tão esplêndida como ele - Não quero que você o machuque como muitos já machucaram.

- Do que você está falando? - Ela atiçou minha curiosidade.

- Senhora! - Ela me corrigiu batendo a varinha no meu braço - Se ficar longe dele não terá o trabalho de se martirizar para descobrir o que é. Será melhor para a sua sanidade - Sério mesmo que ela está jogando na minha cara o meu eu fodido?

- Obrigada pela aula senhora Red - Usei o sobrenome que ela pediu para não usar e seu rosto ficou vermelho como seu cabelo - Até a próxima.

...

Desço as escadarias do metrô o mais depressa possível, meu relógio só reafirma que mais uma vez, estou atrasado para pegar o trem. O lugar está lotado no horário de pico. Entro entre a multidão, empurro algumas pessoas de forma não intencional e sussurrando um mero pedido de desculpas. Corro até minha plataforma desesperado, chegando ofegante e a tempo para pegar meu transporte.

Adentrou e me sento em um banco no fundo, ao lado da janela, no penúltimo vagão. Abraço minha mochila e aumento o volume do fone de ouvido. Eu sou teimoso, porém aquele garoto é intrigante. Eu vou revê-lo, não para provocar a senhora Red, mas para ouvir a voz mais uma vez do garoto que me fez transladar ao redor de sua órbita convidativa e com força de atração parecida com a terra. Ele é como um magnetron e eu sou metal, ele inconsequente me atraiu para perto e eu agora me pego pensando o motivo.

Ao menos uma vez quero ver seu rosto. Para que só em minha memória eu possa guardar, como um segredo de amor proibido de um jovem do século dezoito. Sua sombra, sua voz, suas mãos... É como algo viciante, foi bom, mas não o suficiente.

Me pego pensando em nossa conversa rápida: "- Prazer, meu nome é HyunWoo. E o seu?" "- Eu sou..." Ao invés de dizer: "Meu nome é Changkyun" eu disse eu sou. Quem eu sou? Como posso dizer a ele "eu sou...", sendo que eu ao menos sei a resposta.

Agora me pego indagando, quem eu sou? Talvez eu pudesse respondê-lo: Sou um garoto depressivo, rejeitado, que segundo a minha psicóloga, se eu não melhorar logo, vou acabar desenvolvendo transtorno de bipolaridade, já que eu tenho tendência para isso, passo mais tempo sozinho do que acompanhado, odeio conversar, sou extremamente paranoico com atos e ações das pessoas ao meu redor e um completo fodido psíquica e emocionalmente que você não vai querer conhecer.

Suspirei. A cidade passava como um vulto pelo vidro do trem, o por do sol dava um ar alaranjado para ela e ao longe eu via o meu bairro já próximo. Porém, apesar de tudo, a senhora Red me poupou de responder essa pergunta que, com toda certeza, eu não saberia a resposta. Talvez um dia... Meu doce pianista HyunWoo eu saiba lhe responder que eu sou. 



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