19 DE NOVEMBRO DE 2014
Eram cinco e meia da manhã, mal conseguia manter os olhos abertos e o som alto do carro fazia minha cabeça explodir. Olho ao meu redor e vejo que só conheço Jeniffer, que está no banco da frente, o resto são rostos estranhos de pessoas barulhentas cheirando a álcool.
-Jeni?
-Está acordada ainda? Durma, ainda tem meia hora até chegarmos em Bradford.
-Onde estamos?
-Na estrada.
-Eu tenho que trabalhar as sete.
-Durma ok?
Eu fecho os olhos e sinto como se fosse a melhor coisa que eu já fizera em toda minha vida. Encosto minha cabeço nos ombros de alguém que estava do meu lado, era confortável e quente. Com o tempo fui me desligando, apenas ouvindo o som do motor e de carros que passavam em nosso lado, ignorando os gritos e conversas que me cercavam. Quando abro os olhos novamente, estou na frente do café, com meu avental em mãos.
-Florence, você está bem?
Aina me leva para dentro.
-Estou, só preciso de água.
-Onde esteve? Te liguei de madruga para desejar feliz aniversário.
-Obrigada. Eu saí com Jeni e seus amigos.
-Ah.- ela diz em tom indiferente, fecha a geladeira e estende seu braço me dando um copo de água - Já te disso que você deveria parar com isso.
-É, um milhão de vezes.
-Quando era por causa de Oliver eu até entendia, mas agora ele...
Oliver.
-Shhh. - eu pouso meu dedo em seus lábios pedindo silêncio - está falando alto demais.
-Não sei como vai conseguir atender alguém hoje, mas não posso mais cobrir seu turno.
-Vou ficar bem.
Tomo a água em apenas um copo e vou para o banheiro. Me olho no espelho e percebo que não estou em condições de ficar aqui. Me inclino sobre a pia e lavo meu rosto com água gelada, posso sentir o alívio subindo em meu sangue. Ouço de longe o som da porta se abrindo e logo em seguida passos seguindo até o ultimo salão. Ótimo. Clientes desde o primeiro minuto. Saio do banheiro e ignoro as pessoas que passam ao meu lado.
-Bom, ficarei no caixa hoje.
-Temo que isso não será possível. - Aina estende um papel para mim - Olhe, dia 19 de novembro, você fica no salão, lembra?
-Ótimo.
Reviro os olhos e saio em direção ao último salão.
-Moça?
Um homem de barba branca e aparência jovem me chama. Estranho, muito estranho.
-Eu gostaria de pedir um...
Eu o interrompo com uma risada alta. Seria realmente possível? Sua voz era realmente fina como se ele estivesse usando gás hélio?
-Perdão?
-Me... - eu dou risada - Me desculpe a pergunta mas... - eu tampo meu nariz disfarçadamente e me recomponho, tentando ficar séria - Tem algo de errado com a sua voz?
O homem me encara, sem entender.
-Receio que tenha algo de errado com você.
-Ah sim - fico irritada mas tenho que ser gentil com ele, afinal, estou em meu trabalho - Até porque eu tenho uma barba branca e falo com voz de duende.
Seu rosto fica ainda mais intrigado.
-Qual é seu nome?
-Florence.
-Florence. - ele faz uma pausa, analisando cuidadosamente meu rosto - Eu gostaria de um suco de laranja e - para você - um café. Parece estar realmente precisando.
Como se eu tivesse acabado de voltar para a realidade, percebo que estou no meu trabalho. Pensei que os efeitos já tivessem passado, mas pelo visto eu estava enganada.
-Olha, me desculpe, eu estou, completamente louca. Nas nuvens - eu pisco para ele - Se é que você me entende...
Ele hesita, e parece entender o que eu disse.
-Está sob efeito de drogas Florence? - eu assenti com a cabeça, respondendo sua pergunta - É melhor eu te tirar daqui.
--Gostaria muito, porém como pode perceber eu estou aqui para trabalhar.
-E não está funcionado.
Suavemente ele pega meu pulso e me puxa até o caixa.
-Infelizmente Florence não poderá trabalhar hoje - Aina parece chocada ao ver que estou com o homem de barba branca - Então por gentileza, terei que levá-la comigo.
-Sem problemas.
Sem problemas? Que tipo de suborno esse cara tinha usado com a pessoa mais teimosa do mundo? Ela obviamente deveria estar com medo, ele era realmente estranho. Dou um sorriso sem jeito para Aina e o sigo até seu carro. Vou no banco de trás, assim posso deitar. Sinto que dormi quando acordo em uma cama em um lugar totalmente desconhecido. Curiosa, me levanto, com os olhos ainda se acostumando com a luz. Abro a porta, ando até o fim de um corredor e não encontro ninguém. Não faço a mínima ideia de onde me meti, estava óbvio que eu não deveria entrar no carro de um desconhecido, ainda mais se ele tiver voz de duende e barba branca aos vinte anos. Aina. Assim que me lembro dela procuro meu celular, batendo as mãos no bolso, mas logo percebo que ele não está comigo. Eu sou muito burra, meu deus.
-Tem alguém aqui?
Meu grito volta para meus ouvidos com o eco que provocou.
-Estou subindo.
Vejo que tem uma escada do meu lado, bom, se ele está subindo preciso de algo para me defender. Ele deve querer vender meus órgãos ou alguma coisa assim. Estremeço só de pensar na ideia de meus órgãos sendo passados de mão em mão, em maletas trancadas. Olho ao meu redor ficando mais nervoso a cada passo que o ouço dando. Como em um conto de fadas vejo um taco de basebol em um canto embaixo de um largo espelho com moldura dourada. É como se eu estivesse em um videogame e aquela fosse minha arma. É muito mais pesado do que eu esperava, mas com esforço, o levanto e deixo posicionado em frente ao meu corpo. Ouço os passos se aproximando então corro para o quarto. A situação em que me encontro é tão ridícula. E mais ridículo ainda seria morrer no dia do meu aniversário. E por um cara de barba branca. Minha vida era um presente dos céus...
-Então você está aí.
Me viro assutada e solto um gemido. Não tinha percebido sua chegada ali, mas o taco continua me protegendo. Em minha frente, estava um rosto conhecido, mas a dor de cabeça forte não me permitia lembrar. Um cara alto, de barba preta, sorriso largo - e muito bonito - cabelo levemente bagunçado e pele branca mas ligeiramente morena estava parado na porta, tirando sarro de minha posição, que certamente deveria estar muito engraçada.
-O que está fazendo Florence?
-Como sabe meu nome?
-Você me disse hoje de manhã, lembra?
Minha cabeça gira, não estou entendo completamente nada. Começo a desconfiar que ainda estou sob efeitos então isso deve ser uma viagem da heroína, tinha que ser isso.
-Está me dizendo que você é o cara de barba branca?
-Então você estava realmente me vendo com a barba branca?
Seguro o riso quando me lembro da cena e do som de sua voz.
-E voz de duende.
-Uou, deve ter sido uma cena linda.
-Linda não é a palavra que eu usaria para descrever isso.
Ele entra no quarto, puxa uma cadeira e se senta.
-Deixe-me adivinhar, estava em uma festa de faculdade e abusou dos alucinógenos?
-Quase isso, mas era minha festa de aniversário. E eu estou no colegial
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