História I Love You, Idiot Elf! - A Dança Dos Anjos Negros

Ártemis bramiu raspando as patas douradas no chão, estava impaciente. Enquanto era acariciada por sua dona de exuberantes cabelos esbranquiçados o restante do grupo prestava atenção nas severas palavras do líder da Guarda Sombra. A situação era crítica, se encontravam na entrada da floresta numa missão de patrulhamento de áreas. Alguns relatos de moradores revelaram ouvir estranhos barulhos da mata fechada, como se alguma criatura estivesse rondando o local.

- Cada um deverá seguir por uma trilha em acompanhamento de mais dois parceiros, seguiremos juntos até o conjunto de flores Ocarinais e logo em seguida poderão se dispersar. - Nevra olhou atentamente para cada um dos subordinados até parar em Lua, no mesmo instante sentiu um aperto no coração. Não queria que ela se machucasse, mesmo sendo uma simples missão havia muitos riscos. - Entregarei um mapa da área para cada um antes de irmos. Aguardem minhas ordens.

A moça respirou fundo arrumando o cantil de água preso à cintura enquanto esperava o mapa, Ártemis bramiu novamente alertando-a de aproximação. Em passos autoritários o chefe da Sombra se aproximou entregando-lhe um papel enrolado, estranhamente seu olho cinza não a encarava.

- Agradeço por fazer parte desta missão, Lua. Mesmo sendo da Absinto seu gênio para aventura é notável. - o vampiro sorriu antes de acariciar o focinho da Danalasm que por alguma razão se afastou, contrariada. - Acho que ela não gostou de mim.

- Ártemis é um pouco arisca, não é muito sociável. - desculpou-se envergonhada, alguns integrantes da patrulha observavam a cena curiosos. - Mas eu agradeço por me deixar fazer parte da missão.

- Não me agradeça, foi Miiko que deu a ideia. - hesitando por breves segundos o rapaz prosseguiu com sua frase: - Como você não está acostumada com este tipo de patrulha, peço que monte sua mascote por motivos de segurança. 

- Montá-la? Ela não vai me aguentar! E como assim segurança?

Nevra desviou o rosto notando os olhares curiosos dos outros. Imediatamente todos voltaram a suas atividades.

- Danalasms são mais fortes do que pensa, principalmente fêmeas de raça pura. Ela vai aguentar seu peso sem problemas, as patas em ouro sólido são muito resistentes. Agora monte, partiremos em minutos. - ele se afastou sem mais explicaçöes, enquanto o observava dando instruções para o restante levou uma das mãos até o pescoço, tateando uma área lisa de pele. 

Estranho... O que aconteceu quando ele me mordeu? Por que não consigo lembrar? 

- Adiante! - seus pensamentos foram interrompidos ao ouvir a ordem de Nevra, imediatamente todos passaram a caminhar em posição silenciosa atrás do líder. Montando sua Danalasm com cuidado notou com surpresa que ela aguentava seu peso sem qualquer vestígio de dificuldade, como se nem estivesse ali. 

- Boa garota... - sorriu segurando suavimente em seus chifres azul brilhante para se apoiar. Ártemis não esperou seu consentimento, no mesmo instante tratou de acompanhar o restante em passos delicados. Os subordinados caminharam por alguns minutos em uma trilha aberta até chegarem num amontoado de flores vermelhas opacas. 

- Chegamos nas flores Ocarinais, a partir de agora sigam as trilhas em trios. Ao menor sinal de perigo voltem e anunciem aos outros. - Nevra separou as equipes deixando a jovem na companhia de dois rapazes de expressões arrogantes, pareciam fortes e habilidosos. - Dou uma hora para verificarem as áreas.

Todos começaram a se dispersar, a dupla de Lua trataram de seguir na frente para "maior vantagem" praticamente a ignorando em todo o trajeto. Ártemis bufou percebendo o jeito orgulhoso de ambos, seus passos eram suaves sobre o solo gramoso.

- Calma, vai ficar tudo bem. - sussurrou a moça acariciando seu pescoço coberto de pelos brancos, sua atenção voltou-se para os lados notando a vasta diversidade de plantas e árvores de copas altas que os cercavam. Não faziam nem cinco minutos que separaram-se do grupo e simplesmente a paisagem era perturbadora e desconhecida. - Com licença, não acham que estamos nos infiltrando demais na floresta? Pode ser perigoso como Nevra disse.

Os rapazes viraram-se para ela com desdém.

- Escuta aqui, garotinha. Somos experientes em missões como esta, então não venha bancar a líder só porque é a namoradinha do chefe da Absinto. Fique quieta e apenas nos siga. - uma raiva incontrolável tomou conta de Lua ao ouvir tais palavras. Descendo de sua mascote se aproximou de punhos cerrados.

- Eu vou falar uma coisa para vocês, seus... - sua frase foi interrompida ao sentir um estranho formigamento no corpo, olhando para o lado notou um tipo de energia misteriosa que a puxava em direção a uma raiz de árvore. Dando as costas para os subordinados caminhou até ela sentindo a energia ficar mais forte, imediatamente começou a cavar a raiz com as próprias mãos até encostar em algo sólido. Seus olhos se arregalaram. Era um pedaço do Grande Cristal. 

- Incrível! Como você conseguiu? - indagou um dos rapazes, incrédulo. Lua voltou-se para eles com uma expressão confusa, nem ela sabia explicar como o achara. - Temos que voltar e contar ao Nevra.

Não houve tempo para responder. Rosnados furiosos atraíram suas atenções onde três Black Dogs de porte grande os cercavam pela frente, Ártemis bramiu empinando ameaçadoramente enquanto todos empunhavam suas armas. Lua apertou o cristal mais forte contra a mão.

- Fique atrás de nós. Você não é uma guerreira experiente. - advertiu o outro subordinado posicionando-se diante dela. Os Black Dogs não esperaram, num segundo avançaram contra eles de modo devastador, os rapazes contra atacaram com habilidade enquanto o terceiro animal avançou em direção a jovem. - Cuidado!

Lua se esquivou do ataque tratando de defender-se como podia, nessas horas arrependia-se por não fazer parte da Obsidiana. Tentando atacá-lo no dorso com sua adaga buscou um modo de aproximação segura, de repente gritos amargurados a fizeram distrair, ambos os guerreiros estavam gravemente feridos, um com um corte no abdômen e o outro no braço fazendo-o perder sua arma. Seu corpo paralisou quando os Black Dogs avançaram contra eles.

Não houve mais tempo.

O primeiro caiu morto no chão com uma mordida no pescoço, o segundo guerreiro teve sua cabeça arrancada obrigando a jovem a fechar os olhos devido ao horror da cena. O cheiro de sangue se alastrou devastadoramente.

- Malditos... - murmurou, cerrando os punhos. O cristal doeu sobre a pele devido a pressão. - MALDITOS! - seu grito amargurado atraiu os animais para si, agoram eram três contra dois. Segurando sua adaga de prata com firmeza tentou ignorar as lágrimas nos olhos. Morreria tentando vingar os guerreiros. As feras avançaram novamente, Ártemis empinou de maneira furiosa golpeando o primeiro com seus fortes chifres. Aproveitando a deixa de sua mascote a jovem atacou o segundo com habilidade, adrenalina correu puramente em suas veias a fazendo enfiar a lâmina o mais fundo possível no pescoço do Black Dog que caiu morto aos seus pés. Estava com arranhões nos braços, mas não desistiria. - Ártemis!

A Danalasm estava encurralada com os outros dois que tentavam atacá-la por ambos os lados, a albina correu para socorrê-la, mas antes que chegasse até ela sentiu braços a enlaçarem com firmeza, imobilizando-a. Dois guerreiros surgiram do meio das árvores e avançaram contra os animais em um ódio imensurável. Eram Valkyon e Ciel. Bastou poucos segundos até que os Black Dogs caíssem mortos no chão. A faeliana tremeu dos pés a cabeça ainda imobilizada nos braços do sujeito que a segurava. 

- Lua, você está bem? - uma voz desesperada adentrou seus ouvidos sem surgir efeito. Era como se não o escutasse.

Seus olhos encontraram-se com os de Valkyon, depois de Ciel. Olhou para os corpos dilacerados dos subordinados da Sombra e logo após para os dos Black Dogs. Seu corpo tremia. Sangue pingava de seus ferimentos. Ártemis bramiu se aproximando, um corte em sua pata esquerda fazia o vermelho manchar seus pelos brancos.

- Lua! - gritou novamente a voz conhecida. Era Nevra quem lhe segurava. - Está me ouvindo?

- Estou... - sussurrou, soltando-se de seus braços. Todos a olharam com preocupação, por alguma razão seu semblante estava inerte. Sem nenhuma emoção.

- Graças ao Oráculo, nunca senti tanto medo de perder alguém. - confessou Ciel guardando a espada manchada de sangue negro. Se aproximando da garota abraçou-a rapidamente, seus olhos castanhos revelavam a sinceridade de todo o temor que sentira. - Está muito ferida?

A mesma não respondeu. Seu olhar estava perdido, sem foco.

- O que aconteceu aqui foi uma fatalidade, devemos esvaziar a área o mais rápido possível. Não sabemos se outro ataque pode vir a acontecer. - Valkyon colocou a mão no ombro da moça de modo preocupado, ela não se virou. - Lua, você está bem?

- Qual eram os nomes deles? - indagou num fio de voz, Nevra suspirou.

- Richard e Calvin. Eram irmãos e guerreiros excelentes. - dando uma pausa, prosseguiu: - Serão enterrados com todas as honras. 

Lua se calou. Não conseguia olhar. Não podia. Ignorando os três rapazes caminhou para longe dali em passos calmos sendo seguida por sua mascote. A adaga de prata e o cristal continuavam em suas mãos.

Contudo, antes de partir, sua visão encontrou-se com um dos Black Dogs. Mesmo estando morto teve certeza que os crueis olhos dourados ainda a seguiam observando cada um de seus passos.

(***)

- COMO ISSO FOI ACONTECER?! - o grito da Kitsune ecoou por toda a Sala do Cristal acompanhado pelas indomáveis chamas azuis de seu cajado. Ninguém ousou levantar a voz. - Como em plena missão de patrulhamento, dois guerreiros são mortos por Black Dogs? Onde estava o resto da equipe para ajudá-los?

Nevra deu uma passo a frente, seu olhar estava cabisbaixo.

- Todos foram separados em trios e seguiram trilhas diferentes. Valkyon e Ciel estavam conversando comigo quando ouvimos gritos, infelizmente já era tarde. Os rapazes já estavam mortos.

- Você não pensou que deixar a equipe separada traria uma chance maior de ataque? Lua quase morreu pelo seu erro! 

Miiko continuou seu sermão em uma raiva notável, não só por ter perdido dois homens, e sim no ataque anormal que ocorrera. Black Dogs em pleno dia e tão próximos as fronteiras era algo perturbador. Enquanto isso, a jovem faeliana encontrava-se perdida em pensamentos, faziam duas horas desde que voltara da floresta e um turbilhão de acontecimentos a tomaram de uma só vez. Ezarel quase infartara ao saber do ocorrido ocasionando uma verdadeira preocupação, Ewelein a havia liberado depois de constar que os seus ferimentos não eram graves, Ártemis - para seu alívio - estava em plena saúde e com apenas um pequeno corte na pata, Keroshane e Ykhar a interrogaram sobre todo o ocorrido fazendo-a quase perder a cabeça. As imagens e o cheiro de sangue ainda estavam impregados em sua pele.

- Lua, poderia repetir onde encontrou o pedaço do cristal? - levou um tempo até que a mesma saísse de seus devaneios. Miiko esperava sua resposta.

- Foi numa raiz de árvore, eu senti uma energia estranha me atraíndo até ela e quando começei a cavar acabei encontrando-o. - suas bochechas coraram ao ver todos a encarando.

- Agradeço por isso, enviarei os líderes de guardas para verificar se não há outros. De qualquer maneira, o pedaço já foi fundido ao Grande Cristal.

A reunião terminou em um clima tenso, ninguém estava com ânimo depois das perdas que sofreram. Valkyon, Nevra e Ciel haviam ido para a floresta devido as ordens da líder e seguer os agradecera, precisava pedir desculpas pela forma que partira da floresta. Ezarel também fora obrigado a ir na verificação ordenada, mesmo contra sua vontade. Sentindo-se exausta demais, caminhou até a Cantina a fim de comer algo quando alguém tocou seu ombro. 

- Como você está? - a brownie de orelhas ruivas a olhou com preocupação. Lua abriu um sorriso forçado.

- Estou bem, na medida do possível. 

- Sinto muito pelo que houve, deve ter sido horrível. - abrindo sua bolsa, retirou um livro de capa azul antes de entregar para ela. - Quis dar algo para você, dessa forma pode pensar em outra coisa. É um dos meus livros favoritos, conta sobre as diversas raças de Eldarya. Quem sabe não desperte sua curiosidade?

A faeliana folheou o livro rapidamente, embora não estivesse com ânimo para leitura achou a atitude da amiga muito gentil. 

- Muito obrigada, Ykhar. Nem sei o que faria sem você. - ambas trocaram um abraço antes de se despedirem. Disposta a ler em paz, a jovem se dirigiu até a Cerejeira Centenária. Precisava pensar em outra coisa que não fosse as mortes de Richard e Calvin ou no ataque dos Black Dogs. Como o dia estava ventoso inúmeras pétalas rosadas desprendiam dos galhos dando uma paisagem primaverial ao lugar, era o que bastava para lhe trazer um pouco de paz.

Sentando-se embaixo da árvore, se pôs a ler o livro com interesse. As páginas estavam bem cuidadas e revelavam diversas raças eldaryanas que jamais havia imaginado existir, algumas mais chamativas com asas ou orelhas e outras humanóides. Havia também criaturas extintas, como o lendário Dragão Vermelho - criador da pedra Europa - e o atraente passáro de Cem Cores. Fascinada, passou a folhear as páginas com furor quando seus olhos bateram em cinco palavras.

Cristalys, Fadas do Grande Cristal.

- Mas o qu... - sua cabeça latejou. Já havia escutado isso antes. Fada do Cristal. Quem lhe falara isso?

Lembranças voltaram como uma torrente de informações. A Velha, claro. Junto de Ezarel, haviam se encontrado com a feiticeira em busca da pedra encantada e no final ela lhe chamara assim. Seu corpo tremeu. A memória daquelas unhas retorcidas segurando seu pulso, os olhos cinzas opacos e o sorriso repleto de dentes amarelos ainda lhe causavam temor. Principalmente, a maldita profecia que resolvera esquecer.

Sem saber o porquê retornou sua leitura.

"Guardiãs do Grande Cristal, essas poderosas fadas são responsáveis pela ordem e proteção de Eldarya. Bondosas, determinadas e de corações puros, as Cristalys podem irar-se com qualquer um que ousar tocar o Cristal, sua aparência modifica a olhos azul fluorescente devido ao grande fluxo de maana em seus corpos, podendo também usar isso contra seus inimigos liberando-o em forma de energia. Elas podem {...}"

O resto da página estava ilegível. Parecia que a tinta havia sido burlada, fazendo a escrita se desfocar. Lua fechou o livro, passando as mãos na cabeça que voltava a latejar.

Olhos azul fluorescente. Aura de energia devido a raiva. Por que isso era tão familiar? Era como se... Já tivesse passado por isso.

Seu corpo moveu-se sozinho, num milésimo de segundo se pôs a correr em direção a única pessoa que poderia responder suas perguntas.

Miiko.