Tentando em vão conter as lágrimas que corriam por seu rosto como rios, ele aguentou outra pancada. As roupas já estavam rasgadas havia muito, tanto tempo estavam naquela situação.
O rosto de seu captor elevava-se cobre ele, e mesmo com a face ferida, como se lhe doesse causar dor ao pequeno, era fácil ver como a diversão e o prazer cintilavam em seus olhos quando levantava a mão para bater-lhe novamente.
- Vê o que me obriga a fazer? – gritou o homem, chutando a lateral do corpo frágil – Se fosse um bom menino, não precisaríamos passar por isso!
Ele chorou, encolhendo-se quando mais um ferimento abriu-se pouco acima do seu quadril. Mais um para se juntas a todos os outros. Mesmo seu corpo já estar todo em frangalhos, o homem não havia mais batido em seu rosto fora o tapa inicial, que lhe jogara longe. Era como se quisesse preservá-lo e ver as mudanças em seu semblante sempre inexpressivo.
No momento, ele não conseguia se manter assim, tão distante.
- Eu não fiz nada, juro! – choramingou, tentando terminar logo com aquilo. Não aguentaria muito mais. Seu corpo não era forte, tão frágil quanto o de um recém-nascido, e aquela violência toda para com ele podia facilmente leva-lo a morte.
Mas se ele morresse, quem consolaria sua mãe? Seus amigos e seu irmão? Até mesmo seu pai? Quem geralmente tomava para si esse trabalho era o garoto.
Seu captor estreitou os olhos e comprimiu os lábios com uma expressão desolada, como se ver o pequeno naquela situação, fazê-lo passar por aquilo, lhe cortasse o coração. Mas era uma mentira, apenas mais uma que o homem lhe contara.
- Ainda está negando? Tentando me enganar? – balançou a cabeça em negativa – Sabe que mentir é feio e um pecado. Não quer ser um pecador, quer? – afastou-se um pouco, e o menino suspirou aliviado, acreditando que aquela tortura finalmente chegara ao fim, mas a única coisa foi que o homem começou a retirar o cinto de couro que prendia suas calças, fazendo-as penderem perigosamente de seu quadril.
O menino gritou e esperneou, tentando com todas as suas forças afastar-se do sequestrador, mas seu vigor era fraco, e estava ainda pior com o tratamento violento que vinha recebendo nos últimos minutos.
A aranha observava da parede, os lábios finos contorcidos em um sorriso de escárnio. Fez bem ao concordar em assistir a aula de etiqueta que o cúmplice daria ao garoto. Se ele já era bem bonito e desejável com aquele rostinho inocente, naquele estado de hematomas e lágrimas quase fazia seu amiguinho despertar. Bem, se isso acontecesse, seria fácil pra ele matar o outro homem e ter a criança para si, só para usar e abusar como quisesse daquele corpinho.
Apenas queria ver por quanto tempo mais o comparsa aguentaria sem desejar o mesmo. Para deliciar-se com as reações, a aranha se conteria.
Não por muito tempo.
- Não fuja de mim, gatinho – disse o homem enrolando a cinta na mão e observando o pequeno correr de si com cada vez mais afinco.
Patético.
- Por que está fazendo isso? – perguntou choroso – Nunca te fiz nada!
As feições do homem se torceram em raiva e os nós de seus dedos ficaram brancos com a força que fazia ao segurar a tira de couro.
- Cale a boca! – berrou se aproximando e puxando o braço do menor, marcando as falanges na pele branca – Você é realmente um cachorrinho, não é? Tão desobediente. Vê como estou ficando nervoso? – aproximou o rosto da face do menino, divertindo-se com o modo como ele tentava afastar-se de si, ficar o mais longe possível, mas todo o esforço em vão. O homem não o deixaria sair de perto dele nunca mais. Não agora que o tinha. O menino agora era sua propriedade, e mataria qualquer outro que o tocasse – Vamos, eu não quero ficar irritado com você. Não acha?
O menino concordou avidamente com a cabeça, seus cabelos meio molhados pelo suor desgrudando-se de sua testa.
O homem sorriu, afagando os fios e passando levemente os dedos no lugar onde lhe batera a primeira vez. O lábio abrira no canto, e a bochecha já começava a ficar em tons violeta, indicando um provável roxo. Encantara-se ainda mais pelo menor quando o conheceu justamente pelo fato de ser fácil de marcar, mas no momento aquilo era uma desvantagem. Tinha de se lembrar de não mais agredir o rosto do menino.
Levantou-se estalando a língua e se virando para a aranha, que ainda observava tudo, silenciosa e à espreita, como fora treinada e como sua profissão exigia.
- Trate do rosto dele. Não posso me concentrar sabendo que está machucado por minha causa – torceu os dedos, nervoso. A aranha lhe analisava divertida, deliciando-se com o semblante ferido do homem, e sabendo que aquilo era tudo uma encenação, cujo ator principal era a personalidade sádica que ele escondia por trás de um sorriso gentil e palavras afetuosas.
- Às suas ordens – respondeu irônico quando descolou-se da parede e se curvou ao home, um gesto de terrível desrespeito.
O cúmplice soltou um grunhido e saiu da sala arrumando as mangas do casaco. Aturava a aranha, mas somente porque era necessária. Também a descartaria assim que tivesse a chance, então poderia ter o brinquedo apenas para si.
Com passos lentos e calculados a aranha se aproximou da mosca e, sem tocá-la, sorriu.
- Vou costurar o boneco, então fique paradinho, certo? – soltou uma risadinha que arrepiou o menino até os ossos – Não vai querer que eu o fure com a agulha.
E por mais inacreditável que possa ser, Vossa Graça, a aranha o curou, deu-lhe mais vigor para continuar.
Mas de que adianta força para lutar quando a guerra já está perdida, e as batalhas perdem seu significado?
Se o mundo fosse justo e dos justos, eu poderia dizer algo contrário disso, que todo pequeno confronto faz sua diferença, mas aí eu estaria mentindo para vocês, Vossa Graça.
O mundo e a sociedade pertencem aos gananciosos, aos tolos e egoístas, e àqueles que possuem melhores recursos e melhores armas.
Quando o homem e a aranha tiraram do menino sua chance de ter e construir uma vida, na medida do possível, normal, a guerra perdeu-se e as engrenagens do destino voltaram a rodar, como deviam ter feito desde o início.
Essa é única certeza que dou-lhes, que sirva para alentar seus corações.
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