História I-Tec: Contos de Quatro Vidas - Thiago Wolff - O Adulto mais legal

Eu amava colegial! Uma taça com chocolate granulado, uma camada dupla de duas coberturas, depois três bolas de sorvete, mais granulado, mais cobertura, confetes, aquele canudinho de biscoito... Aquilo era uma delícia. Principalmente a combinação que eu fazia: sorvete de uva, abacaxi e morango silvestre e coberturas de limão e morango. Além do doce, havia aquele gostinho ácido que eu tanto gostava. A Sorveteria Medeiros era a melhor sorveteria do mundo, ou pelo menos da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Também era a única, das que conhecia, que tinha aquele colegial. A taça era gigante! O tio Marcos sabia disso, e por isso havia me trazido para Contagem. Era dia de comemorar, e nada melhor para comemorar que o Colegial da Medeiros.

_É isso aí, carinha – o tio Marcos trazia as duas taças para nossa mesa – Hoje você conseguiu o primeiro kyu. Você tem doze anos, a idade mínima para o exame Ikkyu, e passou com perfeição.

_Era só apresentar o primeiro e o segundo kata sem errar – falei – Nem é tão assim.

_Mesmo assim, eu fico muito feliz em saber que você está se dando bem!

Kendo. No início eu não queria fazer. Quando o tio Marcos ofereceu pagar aulas de alguma arte marcial para mim, eu pensei imediatamente no karatê, aliás, a Helen estava fazendo isso. Seria legal fazermos pelo menos uma coisa juntos. Eu esperava que ela fizesse aulas de violino comigo, mas ela acabou escolhendo aprender violão, então pelo menos no karatê estaríamos juntos. O problema é que o tio Marcos foi muito insistente com essa história de kendo e eu acabei cedendo. Bom, fico muito feliz de ter cedido. Entre virar o Daniel-san e usar uma espada de samurai – mesmo sendo só uma bokken, espada de madeira – usar uma espada samurai era bem mais legal. Helen podia até ter vantagens no guitar hero por causa das aulas de violão, mas eu queria ver ela tentar usar o karatê dela contra o meu estilo samurai. Bom... Eu já estava melhor que ela só de estar tomando um colegial com o tio Marcos.

O tio Marcos é demais! Ele tem um cargo executivo muito importante na Rodríguez Consolidated, e sim, ele conhece o André Rodríguez Jr., um dos homens mais ricos do Brasil. Mas não é só por isso que eu gosto dele. Ele sempre foi muito legal, sempre nos visitou, jogou videogame comigo e com a Thalita, e é um dos adultos mais legais que eu conheço.

_Aposto que você não estaria indo tão bem se estivesse fazendo karatê.

_Nem vem com essa, tio. – falei entre as colheradas de sorvete – Eu provavelmente estaria  aqui também, comemorando a faixa... Sei lá qual.

_Eu duvido... Em vez de treinar, ia ficar babando na loirinha lá.

_Babando quem?

_Aah, nem vem fingir de bobo, você sabe de quem eu tô falando.

O problema do tio Marcos era esse... Ele amava me zoar com a Helen. Na verdade, todo mundo me zoava com ela. Meu pai a chamava de minha nora, Thalita vivia falando que ela era minha namorada, e meus amigos Wesley e Kaique amavam sair e me deixar sozinho com Helen – como se isso fosse me fazer pedi-la em casamento. Quanto ao que eu mesmo sinto... Na verdade, não sei. Eu a acho muito bonita, e muitas vezes fico confuso quanto ao que realmente sinto, mas... A Helen é a minha melhor amiga e eu só tenho doze anos. Não seria certo... Seria?

_Ah... Thiago.

_O quê?

_Eu sei que ainda tá bem cedo, mas eu estive pensando em uma coisa... O que você acha de fazer o ensino médio no Colégio Isaac Brown?

_O Isaac Brown? – aquilo foi repentino.

O Colégio Isaac Brown é uma das melhores redes de ensino do mundo. São internatos financiados pelo chamado Grupo Newton, formado por três grandes empresas: Rodríguez Consolidated, Klein Corp, e Tempov Eletronics. Praticamente todo mundo queria estudar em um dos campi, mas não era tão simples assim. Além de ter que passar nos testes, você precisa ser recomendado por alguém que está dentro de uma das empresas do Grupo Newton. Assim como o Colégio Alferes é específico para filhos de policiais militares de Minas Gerais, o Colégio Isaac Brown é específico para parentes dos funcionários das empresas que compõe o Grupo Newton. Poder estudar lá... É um privilégio que poucos podem ter, mas...

_Entendi... Você já tava com a ideia de formar com seus amigos, não é? – o tio Marcos disse. Ele deve ter percebido o conflito interno no meu rosto.

Mas era verdade. Eu havia dito aos meus amigos que íamos formar juntos. Até me imaginava na festa de formatura com Wesley, Kaique e Helen. E depois da festa, a gente ia sair para fazer alguma coisa juntos, se nenhum deles topasse, com certeza a Helen toparia. Ela tinha que topar! Nossa formatura seria incrível. O problema é que ela não aconteceria dessa maneira se eu fosse para o Colégio Isaac Brown. Tudo bem... Todos dizem que eu tenho muito potencial para fazer muitas coisas incríveis – ser médico, ser médico, ser um empresário rico, ser médico, ser um cientista bem sucedido, ser médico – e, apesar de não querer ser médico e não ter decidido o que fazer da vida, eu também queria que esse potencial fosse bem aproveitado. O Colégio Isaac Brown me proporcionaria isso, seria uma oportunidade única na vida, mas a Helen não estaria junto. Eu não consigo ver tanta graça assim se a Helen não está, eu sentiria falta dela. Sentiria falta dela, do Kaique e do Wesley.

_Tá muito cedo pra você se decidir – ele concluiu – Deixa pra lá. Você ainda tem uns bons anos pra pensar em ensino médio.

_É... – o tio Marcos tinha razão. Pensar nisso estava me deixando desconfortável, e não faz sentido se eu tenho que decidir só daqui a quatro anos.

_Já que você vai passar a noite lá em casa – ele mudou de assunto – Vamos continuar a nossa comemoração com uma maratona Star Wars.

_Você arranja qualquer desculpa pra maratonar Star Wars, né tio? – ri enquanto terminava meu colegial.

_É... Mas dessa vez tem algo a ver – ele se defendeu – Os Cavaleiros Jedi foram inspirados nos antigos samurai, e você tá aprendendo a arte dos samurai, não é?

_É... Ponto pra você.

_Então é isso aí, tá decidido!

Definitivamente o tio Marcos é o adulto mais legal que eu conheço.