História Identidade Trocada - Frágil

Chen não gostava de mentir para os pais. Por mais que estivesse de certa forma decepcionado com os mais velhos, mentir era algo que independentemente dos fatos não era do seu feitio.

Mas às vezes é necessário mentir para encontrar uma verdade.

Yi Fan o encarou meio incerto quando após caminharem algumas ruas o irmão mais novo disse que não poderia ir ao colégio naquele dia. "Você não vai fazer merda, certo?" Ele questionou em uma esquina na qual eles iriam se separar. E o mais novo respondeu "Tenho algo muito importante para fazer, prometo que te conto quando puder."

Assim cada um seguiu uma direção.

Jongdae conhecia bem o caminho feito pelos Wu em direção ao colégio. Estava de fato preocupado com o amigo, inclusive após a cena protagonizada após a sua noite de bebedeira.

Esperou sentado na calçada silenciosamente até que avistou Yi Fan caminhando lado a uma menina que assistia algumas aulas em conjunto. Ela também era estrangeira pelo o Kim sabia, e tinha uma boa pronúncia em mandarim - o que conseguiu escutar quando eles se aproximavam - mas diziam que ela tinha vindo dos Estados Unidos apesar da aparência oriental.

Os fios eram loiros bem claros e curtos, e suas roupas estavam longe de serem parecidas as das meninas da escola. Amber preferia usar as bermudas masculinas e blusas largas em vez das saias com pregas e camisas baby-look. Não era comum encontrar uma menina e um menino caminhando e conversando sozinhos, mas para Jongdae ver os dois daquele jeito poderia ser uma demonstração de afeto de seus países de origem, nada além disso.

Os dois não tinha notado a sua presença na rua, talvez estivesse em uma situação deplorável ou um estivesse muito focado no outro, mas ainda assim, Jongdae precisava falar com o Wu... Mas desistiu naquele momento quando conseguiu observar os dois dando as mãos.

É, talvez não fossem só amigos.

_____

Chen não conhecia bem a cidade.

Ele tinha passado quase toda a sua vida em uma cidade do interior na China e conviver com as mudanças era sempre um desafio. Não sabia como pegar o ônibus sozinho, é muito menos o metro. Era como se tudo fosse impossível e ele estivesse perdido em um país que não entendia nada. Apesar do bom coreano, as localizações sempre o deixava com a sensação que estava em um país estrangeiro.

A sua salvação era Minseok. O coreano conhecia bem a cidade, e por isso, os dois embarcaram uma viagem para o outro lado da cidade. Para Chen a cidade não era tão grande quanto Shangai ou Pequim, mas não tão pequena quanto à sua antiga cidade, ao norte na China.

As ruas pareciam todas iguais quando os dois abandonaram o transporte coletivo, era compostas por casas parecidas com as da sua rua e adolescentes com uniformes iguais de outros colégios, em seus terninhos amarelos. O Kim pareceu perceber a mesma coisa quando se aproximaram de um colégio, e removeu o terno amarelo, o jogando na mochila sem ter medo que fosse amassado.

- Tira isso, se não irão ligar para os nossos pais no hospital. – Disse enquanto removia a gravata e abria os primeiros botões da camisa. Minseok bagunçou o próprio cabelo rosa tentando aparentar mais idade, e fez o mesmo com o mais novo. – Está melhor, parece um pequeno delinquente. – Falou após sua mão remexer no cabelo do outro.

- E você continua com essa cara de criança. – Resmungou baixinho para si mesmo.

- O quê? Me respeita, sou o hyung aqui. – Minseok disse em tom sério. – Estamos chegando... O que faremos?

O mais novo parou uns instantes no topo da colina, dava para ver o hospital próximo e ainda não tinha certeza do que faria. Não poderia chegar no local e pedir informações do seu parto... Aconteciam vários em um só dia, centenas por semana, e considerando os últimos anos, após o seu nascimento ocorreu milhares de novas vidas nascendo naquele local.

Tinha sido ideia de Chen ir até o hospital. Nada adiantava procurar o cartório no qual tinha sido registrado, naquele momento a ideia que antes era brilhante, tinha se tornado idiota. Não existia nada a se fazer, e o Wu sentia seu corpo desmoronando pouco a pouco no meio daquela rua ensolarada.

- Não sei, Minseok... Eu não sei. – Confessou sem graça, tinha feito seu amigo também faltar aula para lhe levar até aquele hospital para no fim não conseguir nenhuma resposta.

O mais velho segurou em seu pulso, era apenas para puxa-lo na direção do hospital, mas também era um lembrete que estava ali ao seu lado... E Chen soube disso quando observou o sorriso bonito do Kim. Minseok transmitia uma calmaria por onde passava, e o mais novo se sentia bem apesar de tudo.

- Eu tenho uma ideia. – Minseok disse enquanto os dois corriam morro abaixo. – Vamos!

O vento batia em seus corpos, e Chen sentia que poderia voar.

_______

Jongdae sabia que todas as vezes que assumia o papel de Chen era arriscado.

Porém, naquele dia, parecia que tudo estava bem. Tinha recebido uma mensagem de texto do Wu falando que não iria na escola naquele dia, e ele não pensou duas vezes antes de entrar na turma em que o outro teria aula... Era impressionante como ele já tinha decorado todas as salas e horários, além dos lugares que Chen sentava.

Era como se aos poucos abandonasse a sua personalidade e vivesse a vida do Chen. Tinha aprendido a conversar com alguns amigos, e por mais que dissesse que estava fazendo aquilo pois gostava de ser “apagado”, e em certo momento, aquele não era mais o seu motivo.

O sorriso de Junmyeon era seu motivo.

Seria completamente inapropriado e até mesmo insano admitir aquilo, mas ele precisava estar próximo ao mais velho. E estava pensando seriamente em conversar com Chen sobre aquilo... No fundo ele temia a reação do Wu, mas algo o dizia que sabia que o outro compreenderia e até mesmo o aceitaria. O amor entre dois homens não era algo que a sociedade aceitava, principalmente a sociedade chinesa, na qual o Wu tinha sido criado, mas confiaria nele.

- Você está atrasado. – Junmyeon disse, enquanto observava o amigo sentado na cadeira ao lado. – Você realmente tem problemas com horários.

- Mas eu só atrasei alguns minutos. – Resmungou e isso fez o mais velho sorrir. – Não posso fazer nada se o hyung é sempre tão pontual, você deveria dormir um pouquinho mais de manhã!

O professor chamou a atenção da turma na frente da sala, e ambos estudantes se ajeitaram na carteira. A turma inteira calou-se com aquela ordem, ninguém queria – ou até mesmo iria – desafiar aquele comando.

- Meus hábitos de sono são bons para saúde. – O mais velho rebateu em um sussurro enquanto o professor virou de costas.

Jongdae sorriu, aquilo era algo que Junmyeon nunca faria uns tempos atrás. O menor provavelmente se esconderia atrás dos seus óculos e permaneceria prestando atenção até mesmo na respiração do professor. Mas diferente do mais velho de tempos atrás, Junmyeon estava mais relaxado e até sorria mais, existia um brilho de diversão em seus olhos enquanto dizia suas palavras.

- Não tão bons assim, já que você não cresceu muito. – Respondeu ainda em um sussurro minutos após quando o professor deixou a sala por uns instantes. Deveriam permanecer em silêncio igual aos demais alunos, mas ambos estavam eufóricos.

- Quer ir lá em casa depois da aula?

Antes que o falso Chen pudesse confirmar, o professor retornou e apenas com um acenar de cabeça disse que gostaria sim. Ele ainda se lembrava muito bem da casa do mais velho, mas aquela vez seria diferente... Talvez fosse a oportunidade perfeita para lhe confessar quem era, mas ao mesmo tempo não poderia: Aquele segredo também envolvia o verdadeiro Chen.

_______

Apesar da cara de criança, Minseok era mais velho. As pessoas tendiam a confundir a sua idade e apontar menos idade, inclusive a recepcionista do hospital. A princípio ela não acreditou que aquele rapaz era maior de idade – ele tinha apresentado uma identidade falsa que usava para conseguir bebidas – o que de fato não era, mas quando ele começou a falar de forma mais mole e doce, ela sorriu lhe passando informações e ligou para um setor do hospital.

A credencial foi conseguida de forma fácil, Minseok afirmou que eles eram estudantes de medicina e uma de suas professoras tinham pedido para que eles fizessem uma análise em prontuários, e tudo foi facilitado quando uma tia do coreano que era médica naquele local a poucos meses confirmou a história por telefone ao se passar por professora deles.

O local cheirava a mofo, e Chen acabou espirrando. Era grande a poeira acumulada entre os papeis, e um funcionário do local os observavam como águias desde o momento em que chegaram.

- O que vocês estão procurando? – Ele questionou com cara de poucos amigos.  

- Estamos procurando registros de um caso que ocorreu na noite de 21/09/1992. – O mais velho respondeu diante a crise alérgica do outro.

O responsável apenas apontou para um grande fichário antes de informar – Estamos digitalizando aos poucos, mas é muita coisa, vocês devem procurar no arquivo de setembro de 1992, talvez o encontre.

_______

 Jongdae tinha combinado de encontrar Junmyeon no portão do colégio. E quando foi liberado mais cedo da aula resolveu procurar por Yi Fan.

Fazia dois dias que Chen matava aula, e aquilo o preocupava. Apesar de que naquele dia ter recebido uma mensagem sendo informado que o Wu mais novo não iria, não melhorava a situação... Tinha algo errado, isso ele sabia. Queria correr até a casa dos Wu e conferir se o amigo estava bem, mas faria isso após deixar a casa de Junmyeon, e quem sabe assim poderia encontrar a mãe de Chen.

Mesmo contra as regras do colégio, Jongdae correu pelos corredores a procura de Yi Fan, não tinha o telefone dele e sequer sabia se poderia se convidar para ir na casa dos Wu mais tarde, mesmo que tenha sido muito bem convidado.

- Yi Fan! – Chamou quando o encontrou caminhando em direção a saída, tinha uma aglomeração de pessoas próximas, não ninguém dava muita atenção a eles.

O mais novo percebeu que a mesma menina loira estava já do lado de fora do portão, e parecia observando o mais alto... Provavelmente voltariam juntos para a casa e achou melhor não rotula-los... Poderiam ser amigos ou até mesmo namorados.

- Sim? – O mais alto virou em sua direção e o encarou.

Para os outros, o Wu poderia ser alguém realmente que impõe medo, mas no fundo era uma pessoa muito bondosa... Ele realmente gostava dele, mesmo sem conversarem muito, e mesmo sem querer, Yi Fan guardava o segredo dos dois.

- Preciso saber se ele está bem.

- O Chen? – Questionou e recebeu apenas uma afirmação com a cabeça. – Ah sim, o Chen está bem sim, Jongdae, ele disse que tinha que...

- Chen?

Foi como se o tempo desacelerasse. Jongdae sentiu todas suas células congelando quando escutou aquela voz tão conhecida e tão próxima. Ele não queria virar e o encarar nos olhos, principalmente após aquela grande mentira.

E quando virou seu corpo lentamente, encontrou Junmyeon o encarando... Jongdae sentia-se quebrando junto ao mais velho. Todo aquele tempo que levou para conquistar sua confiança tinha sido desmanchado em poucas palavras, e aquele olhar perdido o feriu como uma faca fincada em sua barriga.

- Você é o Jongdae... – Junmyeon balbuciou no meio daquela multidão.

Antes mesmo de Jongdae conseguir reagir, Junmyeon correu em meio a multidão se misturando entre as pessoas.

________

Chen estava sentado no sofá quando seus pais chegaram juntos. Ainda estava longe da hora que Yi Fan costumava a chegar, ele parecia desviar do caminho da escola para casa todos os dias.

Sobre o seu colo tinham diversas xerox, que Minseok insistiu em tirar. E mesmo que o mais velho tivesse insistido em permanecer consigo até aquele momento, Chen achou melhor ficar sozinho por alguns minutos... Precisava colocar seus pensamentos em ordem. Tinha tempo para desistir daquilo, mas no fundo, precisava ouvir o outro lado da história.

Queria saber a verdadeira história.

Mesmo que ele já soubesse de tudo, queria escutar a sua mãe e o seu pai lhe explicando tudo, cada detalhe.

Quando os dois o viram sentados naquele sofá, lhe deram boa tarde e quando o mais novo Wu não respondeu, eles o encararam preocupados.

- Mãe, Pai, precisamos conversar. Quando vocês me falariam que sou irmão do Jongdae?