1. Spirit Fanfics >
  2. If Tomorrow Comes >
  3. If you send for me you know I'll come

História If Tomorrow Comes - If you send for me you know I'll come


Escrita por: oicamren

Notas do Autor


Gente, eu tinha planejado aparecer aqui bem antes, mas minha irmã me fez o favor de quebrar meu notebook. Então, tudo o que eu tinha escrito ficou "preso" lá por um tempo. Me perdoem por isso, afinal, apareci mais rápido que de costume. E me perdoem também se encontrarem alguns erros de digitação. Já que fiz boa parte desse capítulo pelo celular, é provável que os encontrem. Enfim, espero que gostem.

Música do capítulo: Come away with me - Norah Jones (Pode tocar desde já)

Capítulo 20 - If you send for me you know I'll come


Fanfic / Fanfiction If Tomorrow Comes - If you send for me you know I'll come

“Escrever a história é um modo de nos livrarmos do passado.”

Mais tarde, naquela mesma noite, caminhei até o Brandon Hill com uma animação crescente dentro de mim. O céu estava estrelado, transformando as ruas de Bristol em algo ainda mais bonito e iluminado. O percurso de subida até o ponto mais íngreme do parque, local em que sempre me encontrava com Camila, foi feito enquanto eu tinha uma única música em mente.

Celular e fone de ouvido eram como uma coisa só para mim, e eu raramente deixava de carregá-los juntos por aí. Não sendo aquela uma das ocasiões especiais, não demorou muito para que eu deixasse de resistir e puxasse o celular do bolso da calça, conectasse o fone de ouvido a ele e desse play na música cujas estrofes saltavam em minha mente.

Come away with me in the night (Venha embora comigo à noite)

Come away with me (Venha embora comigo)

And I will write you a song (E eu vou te escrever uma canção)

Em pouco tempo eu havia adquirido uma mania estranha de pensar demais em Camila. Eu ouvia músicas, assistia filmes, lia livros e, enquanto fazia a tudo isso, estava sempre pensando nela. Eu a comparava com letras de canções, me imaginava no final feliz dos livros e a via embutida entre personagens literários que eu adorava e odiava.

Come away with me on a bus (Venha embora comigo em um ônibus)

Come away where they can't tempt us (Venha embora comigo para onde eles não possam nos tentar)

With their lies (Com as suas mentiras)

Eu conseguia me imaginar em diversos cenários, entre vários enredos que terminavam em um final feliz. Mas, ao mesmo tempo, sabia que finais felizes eram conjurações do impossível na vida real.

I want to walk with you on a cloudy day (Eu quero caminhar com você num dia nublado)

In fields where the yellow grass grows knee high (Em campos onde o capim amarelo cresça até os joelhos)

So won't you try to come (Então, você não pode tentar vir?)

Ainda assim, também podia afirmar que, sem pensar duas vezes, iria embora com Camila para onde quer que ela me chamasse. Conversaria com ela em um dia nublado, um daqueles que parecem seus dias favoritos, assim como em qualquer outro dia ou lugar. E ela não precisaria me escrever uma canção para me recompensar, porque talvez fosse eu quem deveria e gostaria de escrever para ela. Não uma única canção, porque elas eram pequenas demais para carregar tudo o que eu pensava sobre ela. Facilmente, lhe escreveria todo um livro.

Come away with me and we'll kiss (Venha embora comigo e nós vamos nos beijar)

On a mountain top (No alto de uma montanha)

Come away with me (Venha embora comigo)

And I'll never stop loving you (E eu nunca vou deixar de te amar)

E eu não precisava beijá-la no topo de uma montanha. Nós realmente não precisávamos nem nos beijar. E mesmo que quiséssemos, para mim o topo do Brandon Hill já era mais que o suficiente. Possivelmente, jamais a amaria, porque não sabia como fazê-lo. Porém, andaria em círculos, feliz de tê-la encontrado durante um passeio despreocupado em meio àquele parque.

A música continuava a soar em meu fone, conforme andava ao encontro de Camila, e o afastei assim que a visualizei. A voz melódica de Norah Jones soando baixa pela distância que ele mantinha de meu ouvido, não levando muito tempo para finalmente ser silenciada por completo.

A figura da mulher, aquela que ali iria encontrar, surgira como um raio. Veloz e impactante. Ela havia feito uma fogueira no alto do parque – tinha quase certeza que isso contava com a ajuda de Dave – e estava sentada no chão, por cima de uma simples toalha estendida, tocando acordes aleatórios em seu violão.

Provavelmente, era proibido iniciar qualquer tipo de fogo por ali, seja ele controlado ou não, então quis socar Camila por estar nos levando a fazer coisas que fugiam das regras. Porém, não o fiz de fato, porque estava me importando mais com a sua companhia do que com as condições nas quais aquele nosso encontro era realizado.

De longe, eu conseguia visualizar a garrafa de vinho tinto e mantas, fora a pequena cestinha do seu lado, que eu imaginava conter algum tipo de comida. Apesar do grande número de estrelas que enfeitavam o céu acima de nossas cabeças, o tempo estava ficando cada vez mais frio, conforme a noite avançava.

Camila, que estava distraída com a prática de seu instrumento, subiu seu olhar por um segundo. Um único segundo, o suficiente para pôr seus olhos sobre mim e deixar com que seu sorriso mais bonito passasse a enfeitar seu rosto. Por si só, Camila era linda. Porém, quando ela deixava um sorriso amostra, se tornava sinônimo para a perfeição.

Eu assistia seu sorriso crescer e se abrilhantar, enquanto andava até onde ela estava. Suas mãos estavam estendidas, como se pedisse que eu fosse mais rápida e que perto dela ficasse ao me aproximar. Boba ela se pensasse que em um lugar distante eu ficaria.

Camila e eu tínhamos coisas em comum. Eu não podia dizer se eram muitas ou poucas, porque mesmo tendo conhecimento de fatos novos a cada um de nossos encontros, sempre sentia que não a conhecia o suficiente para ter precisão em algo que a ela se referisse. Porém, independente de quantidades, eu sabia que nos assemelhávamos em alguns tópicos.

Tópico em questão. Nós éramos pessoas tácteis. Gostávamos de contato, calor humano, pele com pele. Entretanto, mesmo em semelhanças, tínhamos diferenças. Nesse ponto, a grande diferença entre nós duas era que Camila, ao contrário de mim, clamava pelo contato que tanto desejava.

Se Camila quisesse um abraço, ela iria te pedir por uma aproximação, ou quem sabe roubá-lo enquanto você estivesse distraído. Se Camila quisesse um beijo, ela iria te pedir permissão para concedê-lo, ou quem sabe roubá-lo enquanto você estivesse distraído. Se Camila quisesse o seu coração, ela não iria pedir por nada, ou sequer precisar roubá-lo enquanto você estivesse distraído. Ele estaria em suas mãos, porque você, por livre e espontânea vontade, já o teria entregado.

Eu não. Eu jamais iria pedir por um abraço, jamais iria clamar por um beijo, jamais iria querer um outro coração e, muito menos, tentar roubá-los. Se até mim eles viessem, ótimo, não os afastaria. Porém, de forma alguma, estaria em busca. Eu era do tipo que "antes de querer, tinha".

Antes de querer pedir um abraço, tinha vergonha. Antes de querer clamar por um beijo, tinha insegurança. Antes de querer um outro coração, tinha medo.

– É tão bom ficar aqui, sabia? – Perguntou, me segurando um pouco mais forte entre seus braços. À essa altura, eu já estava jogada por cima daquela mesma toalha estendida sobre o chão que ela permanecia.

– Não fazia ideia até esse minuto.

– Existem tantas outras coisas que você não deve fazer ideia... Mas não se preocupe, eu estou aqui para te ajudar com isso. – Ela comentou, como se não dissesse nada demais. E talvez, em sua cabeça, aquilo fosse realmente algo normal para ser dito. Porém, para mim, suas palavras pareciam sempre tão grandes e cheias de significados, que me faziam ficar desconcertada e tomada de expectativa a respeito de suas próximas ações.

– Por que você trouxe vinho? – Perguntei para desviar a conversa do assunto anterior. – Eu pensei que quisesse distância de bebidas, especialmente depois do que aconteceu.

– Uh, e eu realmente quero. A bebida não é pra mim.

– Não?

– Não, o vinho é totalmente seu. Não quero te embebedar. Só quero que tome o suficiente para que se sinta relaxada. – Ela disse.

– Por que isso?

– Você pensa demais, Lauren. Você pensa no que falar, no que fazer e pensa até mesmo no que os outros estão pensando. E eu realmente não acho que isso seja um defeito. Acredite, você fica fofa quando parece questionar a si mesma sobre tudo. Mas a minha mãe era o ser mais espontâneo de todo o mundo, e se eu vou te apresentar a ela, mesmo que simbolicamente, quero que ela tenha o direito de conhecer a sua versão mais espontânea também.

Não a questionei. Não impliquei com o fato de ela querer apresentar para a mãe uma versão de mim que não existia. Eu sempre seria a Lauren que pensa demais, não seriam algumas taças de vinho que me fariam mudar para sempre. No entanto, se elas tinham o poder de me transformar por algumas horas, assim eu faria, porque assim Camila queria. E porque, acima de tudo, era a ela que eu queria agradar.

Ela tomou uma taça pequena de suco, e eu uma maior de vinho. Ela me encarava enquanto eu me dava ao trabalho de degustar a bebida. Vai ver fosse porque eu tomava o vinho como se fosse uma bebida muito forte, vai ver porque ela gostasse de manter seus olhos em mim, assim como eu gostava de os manter sobre ela. Pelo menos, eu gostava de pensar que sim, já que ninguém me encarava da mesma maneira que ela fazia. Havia tantas coisas que para mim eram tão novas e para ela aparentavam ser tão triviais, comuns...

Ficamos sentadas por algum tempo em silêncio, apenas olhando o fogo. Eu me sentia feliz, o vinho correndo pelo meu corpo. Inclinei a cabeça para trás e deixei que minhas costas batessem no chão, fixando meus olhos no céu bonito daquela noite. Eu adorava manhãs claras de sol forte, mas gostava ainda mais de noites estreladas.

Além da noite magnífica, bastava virar a cabeça para ser presenteada com o perfil bem moldado de Camila. Ela tinha voltado a ficar distraída com o violão e parecia intocável, inalcançável, sendo banhada pela luz das estrelas e tendo sua pele revestida pelo brilho do fogo.

Ela era como uma deusa. A mistura perfeita entre Apolo e Afrodite. Não como uma filha dos dois, como assim vinha a ser Himeneu, o deus do casamento. Ela simplesmente carregava em si características que eram relacionáveis a ambos.

Era muito linda, podia facilmente ser associada ao deus da juventude e da luz. Camila era uma divindade solar. Iluminava a si mesma e, por misericórdia, deixava que sua luz cobrisse aos outros também.

Ao mesmo tempo, era bela, instigante, misteriosa e não abdicava de sua áurea sensual. Eu podia quase tocar toda aquela manifestação de beleza e sexualidade que dela escapava.

Eu sorria baixinho de mim mesma, sentindo-me bêbada com apenas uma taça e meia taça de vinho. Bêbada de Camila, daquela noite, do destino, bêbada de coragem, de vida. Era até como se entendesse o que ela pretendia quando me pediu para ser mais espontânea durante aquele tempo, mesmo que no fundo soubesse que jamais a compreenderia de fato.

Eu gostava de enigmas. Eu gostava do sentimento de juntar detalhes ou procurar por pistas, de ser provocada e instigada incessantemente por coisas que surgiam de diversos pontos, de forma sucessiva, mas que levavam a um único fim. Gostava de tentar ler e entender pessoas, de ver e ler histórias intrigantes dignas de serem contadas em um dos meus livros. Gostava do pulsar contínuo em meu peito, do sangue correndo veloz entre as veias, exclusivamente pela tensão de estar perto da revelação. A consciência se fazendo presente ao desenrolar do enredo da história.

Camila era um enigma. Porém, um daqueles em que a diversão se encontra no ato de buscar e de nunca descobrir.

Levantei-me outra vez, inquieta, sem saber o que fazer ou o que dizer. A toalha que estava abaixo de mim se enrolava na ponta do meu pé, por conta do vento frio que vez ou outra dava as caras por lá. Olhei para Camila por uma, duas e até três vezes, mas ela mal notou, parecendo perdida demais em seus próprios pensamentos.

Aproveitando de sua desatenção, pousei a taça de vinho, agora vazia, na grama. Me arrastei até onde ela estava e sentei em seu colo, com cuidado para não bater, mesmo que acidentalmente, em seu pé e provocar qualquer reação de dor desnecessária.

E quando ela sorriu, não resisti em retribuir, contente porque ela não havia achado minha ação invasiva. Esperei por qualquer movimento seu, porque eu sabia que ele viria, e não me surpreendi quando senti suas mãos em minha face, tomando meu rosto entre as suas mãos.  Fiquei apenas olhando-a por um instante, antes de abaixar os lábios para encontrar os dela, sentindo o sabor do vinho que ocupava minha boca se misturar com o gosto de Camila.

Uma sensação inexplicavelmente deliciosa tomando conta de mim, de uma forma que me fez gemer e inclinar a cabeça para que ela pudesse assumir o controle do beijo e me dar mais daquele sabor. E foi o que Camila fez, inclinando-se sobre mim, provocando a minha língua com a dela, enquanto eu me ajeitava em seu colo e suspirava.

Ela respondeu ao meu suspiro, penetrando minha boca lentamente com a língua, quase que imitando o ato sexual, e fazendo com que aquele ponto central do meu corpo se acendesse, ficando úmido quase no mesmo instante, pronto para que ela me preenchesse e saciasse o desejo intenso que fazia com que eu quase me contorcesse em seu colo.

Camila sorriu com a boca colada à minha. Ela sabia exatamente o que fazia comigo e gostava disso. Era tão fácil me perder nela naquele minuto. O modo como Camila prestava atenção, como olhava para mim como se me adorasse, a sexualidade intensa, tão natural e inconsciente, dando a entender que sequer ela percebia que existia.

Mas eu sabia que, apesar de qualquer inocência presente em seus atos, ela tinha conhecimento de cada passo que dava. Ela não era do tipo que fazia as coisas sem um objetivo bem determinado por trás.

Aos poucos, ainda que superficialmente, nós estávamos aprendendo como ler uma a outra. E, de certo modo, me assustava pensar que alguém pudesse me conhecer melhor que eu mesma. Em outras palavras, era aterrorizante imaginar que alguém conseguisse saber o que eu queria, como queria e quando queria, de uma forma que nem eu mesma tivesse conhecimento. No entanto, qualquer outra parte de mim ficava absurdamente feliz com a sua confiança, com o modo como ela tomava conta do meu corpo e mente, me fazendo quase desfalecer de desejo, ainda que jamais tivéssemos passado de alguns beijos.

Depois de alguns minutos, inclinei o corpo para trás, ambas respirando pesadamente, buscando ar. Deixei-me beijá-la de leve nos lábios mais uma vez.

– Você me deixa louca rápido demais. – Falei com sinceridade, deixando que o efeito do vinho se sobressaísse ao meu bom senso.

– E isso é uma coisa ruim? – Ela perguntou, erguendo as mãos, como se estivesse se rendendo às minhas palavras lançadas em tom de acusação. Porém, o mais surpreendente era que aquilo não havia soado como uma brincadeira. Ela estava fazendo uma pergunta de verdade, não apenas retórica. Camila me encarava seriamente, tentando descobrir a resposta antes que eu abrisse a boca.

Corri o polegar pelo seu lábio inferior.

– Não, eu gosto que você saiba como e o que fazer para me deixar fora do meu estado comum. Mesmo que isso faça eu me sentir como uma boba, sem defesas contra você. – Sussurrei, sacudindo a cabeça, mantendo meu olhar sobre sua boca. – Mas é uma droga que você queira me provocar justo quando estamos em meio a um parque público, enquanto você torceu o tornozelo e, principalmente, quando deveríamos estar prestando homenagens para sua mãe. O que ela vai pensar de mim?

– Mãe, essa é a mulher que eu queria que você conhecesse. – Camila gritou. – A mulher que se preocupa com o que você vai pensar sobre ela, mesmo quando, muito provavelmente, não consegue dar dez passos sem se atrapalhar com os próprios pés.

– É tudo culpa da sua filha! Ela sempre me faz entrar em seus jogos, mesmo quando nós duas temos consciência de que vou perder. – Gritei também, como se a mãe de Camila pudesse me ouvir de onde quer que estivesse.

– Não a dê ouvidos, mãe, nós duas sabemos que eu sou péssima em convencer as pessoas. – Camila disse, descaradamente mentindo. Ela sabia exatamente do seu poder de persuasão.

– Eu estava pensando agora e me dei conta de que mal sei o nome da sua mãe, Camz. – Sussurrei de encontro ao pescoço dela.

– Camz?

– Era esse o nome da sua mãe? – Questionei, meio perdida entre minhas ações.

– Não... Você me chamou de Camz. É a primeira vez que me chamam dessa forma, mas não importa, eu gosto.

– O nome da sua mãe... – Eu sussurrei outra vez, em um pedido mudo para que ela não fugisse daquele tema, porque ficaria envergonhada demais em dar-lhe explicações sobre um apelido que, inconscientemente, a havia dado.

– Sinuhe, esse é o seu nome. Mas ela preferia que a chamassem de Sinu, então acho que ficaria mais feliz se a chamasse dessa maneira também.

Eu quis responder. Queria dizer que tudo bem então, que a chamaria pela forma que ela gostava. Mas fiquei sem palavras. Imersa no ato de observar Camila.

Eu continuava em seu colo, tendo uma visão privilegiada de seu rosto. Meus olhos vasculhavam cada centímetro de sua pele, buscando conhecer cada detalhe de cada mínima parte de seu corpo. E, sem resistir, permiti que minhas mãos corressem entre seus cabelos. Pelo que parecia a primeira vez, nós estávamos imensamente conectadas – física e mentalmente.

E então, com o lampejo de atenção que me restava, encontrei algo sob meus dedos. Uma linha um pouco mais espessa, coberta pelos cabelos da jovem que estava na minha frente. O corpo de Camila ficou um pouco mais rígido, mas ela não se afastou. Com os olhos colados em meu rosto, ela esperou, pacientemente, até que eu arrastasse seu cabelo para trás, me permitindo visualizar o que ali se encontrava.

Não demorou muito para que meu olhar encontrasse uma cicatriz em sua pele, iluminada pelas chamas que dançavam. Ela ficava na lateral do seu rosto e parecia ser pequena, pelo que podia ver, já que seus cabelos cobriam sua extensão. Porém, tocando-a, dava para saber que não era tão ínfima. Ainda assim, o pouco que era visível tornava-se facilmente identificável conforme exposto à vermelha luz do fogo, tornando-se uma pequena linha esticada e reluzente, dourada pelo reflexo das chamas.

Encontrar aquela cicatriz, que antes era como um segredo para mim, me fez pensar que Camila estava lá quando sua mãe havia sofrido o acidente. Para ser mais direta, ela também havia se acidentado. Provavelmente, também havia visto a morte de perto.

Ela era forte. Forte por ter se recusado a seguir caminho com aquela que imaginamos sob vestes pretas e foice na mão. Forte por sempre aparentar tanta confiança. Forte por ir todos os dias ao lugar favorito da mãe que perdeu e mesmo assim cantar e tocar para todos que por ali passam. Forte por encobrir mesmo aquilo que parece grande demais para não ser mostrado.

À essa altura, eu já estava sóbria outra vez. A seriedade agia, me fazendo voltar ao meu estado normal. Me fazendo também pensar que Camila merecia alguém que a cobrisse de carinho e que a motivasse a continuar sorrindo, mesmo que encontrasse alguns desafios pelo caminho. Eu não era essa pessoa e sabia disso. Mas sabia também que não me importaria em fingir ser aquilo, mesmo que por alguns minutos, por algumas horas, por alguns dias ou semanas... Pelo tempo que ficasse em Bristol, eu podia fingir ser o porto-seguro de Camila.

– Você é linda, Camila Cabello. – Inclinei-me para a frente e beijei a ponta da cicatriz, sentindo seu corpo estremecer em baixo de mim e, repentinamente, ela se tornar imóvel. Beijei-a por uma outra vez e senti o corpo dela ficar ainda mais tenso. – Por dentro, por fora, em todos os sentidos...

– Não... Isso não é verdade. Você só não me conhece direito, não todas as partes. – Ela deixou o ar escapar e inclinou a cabeça levemente, se afastando de mim aos poucos.

– Então me deixa te conhecer por completo!

– Você me odiaria se o fizesse.

– É incrível nossa facilidade em se auto destruir por causa de pessoas. É incrível como nos deixamos influenciar pelo o que outros dizem. Mas como é difícil acreditar em si mesmo e ter a certeza de que somos pessoas incríveis, mesmo cheia de defeitos. Você é o que você luta e acredita que seja. Não importa se alguém um dia te considerou um ser humano odiável. As opiniões das pessoas são diferentes. Por que você não me deixa decidir se vou odiar ou não? Me conte o que aconteceu. – Sussurrei, esfregando os lábios para cima e para baixo na pele marcada, sentindo o cheiro gostoso dela. – Me conte tudo. Quero conhecer você de verdade. – Falei, afastando a cabeça e levantando os olhos para ela.

A expressão de Camila era ao mesmo tempo tensa e pensativa enquanto me olhava. Por fim, ela soltou o ar outra vez e levantou as mãos.

– Eu estava feliz, inabalável. Tinha finalizado meus estudos, incluindo o tempo de prática necessário; tinha um emprego garantido aqui em Bristol, para trabalhar exatamente com o que eu desejava; tinha uma família unida e alegre, que me apoiava em todas as minhas decisões; tinha um noivo incrível, que conseguia cativar todos meus amigos e parentes... Faltavam poucos meses para o meu casamento, cerca de cinco, para ser mais precisa. E eu pensava que não podia querer mais nada na vida, que tudo o que estava acontecendo era só um prelúdio do futuro perfeito que eu estava por ter. Mas eu estava enganada. Aquele era o suspiro de Deus, agraciando-me com felicidade extrema para compensar pelos anos de inclemência que eu teria pela frente.

Ela balançava a cabeça, quase que se negando a reviver aquele período. Porém, seu corpo dava sinais de que estava mais relaxado. Eu continuava sentada em seu colo, suas pernas esticadas, uma das mãos colocadas para trás, dando suporte para o seu corpo, enquanto a outra mão se incumbia de passear entre os fios do meu cabelo, acariciando-o lentamente.

– Todas as pessoas próximas estavam empenhadas em me ajudar com os preparativos para o casamento, e isso incluía a minha mãe. Nós tínhamos feito uma viagem de carro para Londres. Nossa família tem muitos conhecidos por lá e estávamos aproveitando para convidá-los pessoalmente, além de contratar serviços para a cerimônia. Ela estava muito empolgada, sempre querendo dar palpites, participar de tudo. E, naquela viagem em especial, eu lembro de insistir tanto para que ela fosse. Eu queria que ela estivesse lá me ajudando a decidir o vestido, escolhendo os pratos que seriam servidos, assistindo a cara da tia Katy quando descobrisse que eu iria casar antes do seu filho mais velho... – Ela sorria enquanto narrava aquela história. Um sorriso nostálgico, mas não um daqueles que te transmitem o quão bom havia sido a época, mas um que mostram que havia algo negativo por trás de tudo.

– E ela estava... Ela também queria isso, Camila! Você não pode sequer pensar em se culpar, sendo que a sua mãe queria estar ali para você, com você.

– Eu não só posso, eu me culpo por aquilo. Você sabe quantas vezes ela me pediu para adiar a viagem de volta? Sabe quantas vezes ela insistiu para que eu faltasse um mísero dia no trabalho para não precisássemos voltar às pressas de Londres?

– Não faço ideia... Eu não decidi ainda se acredito ou não em destino, mas sei que certas coisas têm que acontecer e vão acabar por acontecer, independente dos caminhos que tomamos. Talvez acontecesse mesmo que vocês tivessem voltado no dia seguinte, assim como a sua mãe queria. E agora você estaria se culpando por não ver voltado um dia antes.

– Esse é o problema, o talvez. A única certeza que tenho é que ao voltar naquele mesmo dia, decretei a morte da minha mãe. Ainda lembro do momento exato. Your song tinha começado a tocar e minha mãe estava cantarolando junto com o Elton John. Eles soavam perfeitos juntos. Tão perfeitos que eu me deixei levar pela melodia por alguns segundos... – Eu queria que o choro represado na garganta dela fluísse livre, porque era claro que ele estava lá, uma vez que seus olhos brilhavam graças as lágrimas que se acumulavam nos seus olhos. Queria ouvi-la da forma mais livre e espontânea que ela costumava ser, mas sentia que ela estava contendo-se ao máximo para manter a postura firme. – Não era noite e eu sequer estava tão cansada assim. O sol brilhava feito louco e estava quente, muito quente, de uma forma atípica para aquela data. Mas eu cochilei enquanto dirigia, e nós fomos parar do outro lado da pista, colidindo com um carro parado no acostamento.

E então ela não resistiu mais. Balançou a cabeça sem olhar para mim, tentando esconder as lágrimas que rolavam dos olhos. Já tinha assistido Camila chorar em outra ocasião, mas não havia me sentido tão tocada quanto aquele dia. Porém, ainda assim, não sabia o que fazer. Então, na falta de ideias, só apertei ligeiramente no seu ombro, deixando com que prosseguisse com a sua história.

– Eu dormi... O quão ridículo é isso? Eu, que mal consigo pregar os olhos durante a noite, dormi naquele maldito dia.

– Camila, não foi...

– Não ouse dizer que não foi minha culpa. Não depois de eu não conseguir mais entrar em um carro. Não depois de eu ter apelado para drogas para esquecer minha realidade por um segundo. Não depois de eu ter afastado todos a minha volta. Não depois de eu ter ouvido minha irmãzinha perguntar se a nossa mãe não ia voltar para casa por minha causa. Não depois de eu ter passado dois anos assistindo o meu pai me culpando pela morte dela. Não depois de eu ter contado a história para você. – Ela me interrompeu, irritada. Mas foi diminuindo o tom da sua voz progressivamente, enquanto lágrimas escorriam de seus olhos. – Não me faça acreditar que a culpa não foi minha, porque eu vou lembrar que ela é, assim que você não estiver mais aqui comigo para insistir na mentira.

– Então eu vou estar com você quando precisar de mim por perto, sempre. Não foi sua culpa. Não foi sua culpa. Não foi sua culpa. – Eu repeti por intermináveis vezes, intercalando beijos no rosto de Camila, até que ela parasse de chorar.

E assim que limpou suas lágrimas, fez com que eu saísse do seu colo, apenas para pegar seu violão e dar início a série de homenagens para sua mãe. Camila tocou, cantou, “conversou com sua mãe” e chorou por mais uma série de vezes. E eu estive lá por ela em cada uma das vezes que deixou uma sequer lágrima escapar dos olhos, pronta para secá-la e estimular ela a continuar com o que antes fazia.

Fiquei sentada ao lado de Camila a noite inteira, enquanto ela, estirada na toalha, transmitia seus sentimentos pela mãe das mais diversas formas. Era tão especial e particular, que eu mal conseguia entender sobre tudo o que ela falava. Apesar disso, não era minha preocupação entender. Não ligava para o que ela queria dizer com todas aquelas palavras bonitas e sensações que eu conhecia os significados, mas não tinha atuando em minha vida. Não ligava porque o importante era que a voz dela dava a sensação de ser real. E eu tinha a sensação de ser real quando estava com ela.

Antes dela, estar com alguém era a coisa mais difícil do mundo para mim. Falar sobre sentimentos, se permitir e tentar entender o amor eram coisas distantes da realidade. Mas, com ela, conversar, viver e sentir pareciam coisas perfeitamente naturais. Mesmo que o meu mundo não fosse guiado por aquelas coisas.

Naquela noite, por conta dos discursos de Camila para sua mãe, descobri que o amor era inescrutável, insondável e também misterioso. Era inescrutável, porque não podia ser entendido facilmente. Era insondável, porque não se podia sondar ou compreender por completo. E era misterioso, porque era inexplicável em alguns pontos, como por exemplo, continuar amando alguém mesmo depois de sua morte.

Depois daquele momento, nós voltamos para posição inicial da noite, comigo sentada em seu colo, e Camila ficou totalmente imóvel por alguns minutos. As costas retesadas sobre o apoio de seu próprio braço, cabelos à frente dos ombros como um lenço negro e pernas ainda esticadas sobre o gramado verde estendido pelo chão. Nós nada falávamos. Ela queria manter-se em silêncio, e eu queria respeitar sua decisão. Apenas os olhos se moviam pelo meu rosto, analisando-o.

De repente, piscou os olhos e libertou-se da imobilidade com um rompante. Apressada, jogou o próprio corpo um pouco para trás, parecendo desesperada e preocupada com algo que passava por sua cabeça.

– Eu preciso te dizer que te enganei. Enganei até a mim mesma, porque já sabia que não poderia fazer isso. – Ela começou a falar sobre um assunto aleatório, como sempre fazia. Mas não me importei e continuei atenta às suas palavras, porque sabia que dali sairia uma conclusão coerente. – Como uma primeira grande lição sobre o amor... Você precisa saber que ele não é um sentimento que possa ser definido, não por completo, assim como eu não posso. Por esse motivo, talvez eu jamais possa te ensinar de verdade a amar, assim como eu talvez jamais possa te fazer me conhecer realmente. Mas existem características comuns a ele, as quais eu posso te explicar, assim como existem certas coisas minhas que posso te contar.

Camila congelou. Meu estômago começou a dar voltas, embrulhando ao ver aquele pico de melancolia tomar de conta do rosto de Camila. Conhecia aquele olhar, conhecia muito bem: era medo. Já o tinha visto no rosto de Taylor, quando chegou o dia em que andou sem as rodinhas auxiliares da bicicleta. Já o tinha visto no rosto de Allyson, enquanto estava grávida e começou a sentir diversas dores pelo corpo. Já o tinha visto no rosto de Maia, quando dera um ultimato para nosso relacionamento, pedindo para que eu decidisse se a amava ou não. Já o tinha visto no reflexo do meu próprio rosto, no dia em que havia decidido assumir a minha homossexualidade aos meus pais.

– Confiança. Essa é a primeira e talvez a mais importante característica presente no amor. Você confia naquele que ama. Confia não apenas no sentido de deixá-lo te conhecer, não apenas no sentido de contar tudo o que contigo acontecer. Mas confia como se ele fosse a sua rocha, a sua base. Confia como se pudesse ter certeza de que ele estaria no fundo do precipício em que você saltasse, posicionado para te sustentar. E, além disso, como se ele estivesse pronto e disposto para segurar em sua mão e saltar junto com você. Confia suas características, confia suas histórias, sua família e seus amigos... Confia a si mesmo nas mãos dele.

– Confiança... – Falei baixinho, apenas para mim mesma, tentando absorver o que havia sido dito.

– E é apenas por esse motivo que confiei em você para te contar sobre essa parte da minha vida.

– Isso significa que você...

– NÃO! – Ela bradou, interrompendo meu raciocínio anterior. – Isso não significa que eu te amo. Na minha visão, não existe aquilo que chamam de amor à primeira vista, amar alguém demanda tempo, e nós ainda não tivemos o bastante. Mas eu acredito que as pessoas podem se apaixonar à primeira vista... Às vezes, olhamos alguém e sentimos nosso interior queimar, seja de desejo ou pela simples ilusão de aquela pessoa pode ser o que esperamos, e então pensamos “é, eu poderia até mesmo vir a amá-la um dia”. Isso não quer dizer que você a ame, mas que crê que facilmente vai acabar fazendo isso e que torce para que, eventualmente, ela venha a te amar também.

– Entendi.

– Não, você não entendeu... Eu posso não estar dizendo que te amo, mas estou dizendo que eu estou completamente apaixonada por você, Lauren.

Camila disse todas as palavras em tom alto o suficiente para se fazer entender. Ela parecia confiante, mesmo que tivesse mordido os lábios por duas vezes antes de revelar-me suas palavras. Mas senti como se, depois de soltá-las, já não tivesse tanta certeza sobre o bom senso em sua ação.

Eu respirei fundo pelo tempo que julguei necessário para me acalmar. E sem conseguir fazer isso por completo, resolvi me afastar. Saí do colo de Camila e me sentei ao seu lado, mantendo os olhos sempre no chão, porque não conseguia encará-la naquele minuto. Eu não estava triste, revoltada, decepcionada ou portando qualquer outro tipo de temperamento que possa ser considerado negativo. Eu estava sem ação, sem conseguir falar nada. E isso não era porque não havia gostado de ouvi-la dizer aquilo para mim, o nervoso interno era apenas porque eu não sabia como respondê-la.

– Eu-eu não sei o que dizer... – Respondi entre balbucios de relatar meus pensamentos, finalmente encarando-as nos olhos.

– Tudo bem, eu já esperava por isso. E, para falar a verdade, eu estou feliz de que não tenha dito um simples “eu também”.

– Está?

– Sim. Inclusive, precisa me prometer que quando alguém disser que te ama ou que está apaixonada por você, nunca vai responder com um “eu também”.

– O que eu devo dizer então?

– Eu não posso responder isso por você. Seja criativa.

Aos poucos, os significados sobre o amor e o que se relacionava a ele tornavam-se diferentes, conforme passavam a serem visualizados de perto por mim e passavam a ser absorvidos para dentro de mim. Para falar a verdade, não só os significados sobre amor, mas tudo ficou diferente quando aquela garota passou, discretamente, a habitar em meu coração.

Talvez eu já estivesse completamente apaixonada por Camila naquela época.

Infelizmente, eu não sabia.


Notas Finais


Esse capítulo foi escrito, unicamente, com a intenção de deixar a vida da Camila um pouco mais exposta para vocês, além de fazer uma desconstrução sobre o personagem da Lauren. O fato dela "não amar", não significa que ela não seja carinhosa, afetuosa ou coisa do tipo. Espero que isso tenha ficado claro. Tô muito ansiosa pelo próximo capítulo. O que vocês acham que vem por aí?


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...