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História If Tomorrow Comes - Definitely


Escrita por: oicamren

Notas do Autor


Demorei? Demorei. Porém, finalmente estou de volta! Talvez o capítulo não tenha ficado as mil maravilhas que eu planejei inicialmente, mas aqui estão as palavras que levarão vocês a entender uma parte da estória - pelo menos aquela que interessa que vocês saibam agora. Eu amo vocês e tenho certeza que sabem disso. Leiam com carinho.

Música do capítulo: I found - Amber Run

Capítulo 22 - Definitely


Fanfic / Fanfiction If Tomorrow Comes - Definitely

Existem certas ocasiões em que um homem tem de revelar metade do seu segredo para manter oculto o resto.

As ruas de New York estavam branquinhas como algodão, sendo tomadas pela neve que caía incessantemente do céu. E toda aquela imensidão branca, que se projetava pelo chão, só contribuía ainda mais para que os letreiros e telões se tornassem visíveis e chamativos. Eles pareciam brilhar e iluminar a cidade mais que nunca.

Era dezembro e estava muito frio. Por conta dos tristes acontecimentos que marcaram o mês de setembro daquele ano, a cidade não estava tão lotada de turistas e residentes de cidades vizinhas, que adoravam o clima natalino da cidade. Porém, mesmo em luto, as pessoas desfilavam de um lado para o outro, cobertas em seus casacos, gorros, luvas e cachecóis, aproveitando para usar peças dedicadas unicamente para aquele período do ano.

Era como estar em um típico filme de Hollywood. Muita, mas muita decoração tradicional, frio, neve, “Jingle Bells” nos alto-falantes e aquele espírito de renovação tipicamente americano.

Faltavam 2 dias para o Natal. E, mais uma vez, a garota de olhos verdes estava se aventurando com seu pai em meio a “Big Apple”. Os dois sempre ficavam encarregados de fazer as compras de última hora para aquele que era o dia mais esperado do ano para a família. Sempre surgia um telefonema de algum parente ou amigo avisando que passaria a festividade com eles, então tinham que correr para comprar presentes e mais alimento.

A garota se gabava de ser a mais velha entre os irmãos, pois assim tinha o direito de ser a acompanhante de seu pai naquela tarefa. A maioria das outras garotas de 12 anos estava preocupada em preencher listas e mais listas com pedidos de presentes, mas não aquela garota. Ela só queria segurar a mão de seu pai e se sentir como a dona do mundo, conforme passavam por meio de todas pessoas e lojas que ocupavam a região.

E posso contar um segredo? Você promete que vai ficar entre nós?

Tinha algo que motivava ainda mais sua felicidade ao ser a responsável por cumprir aquela tarefa árdua com seu pai.

Os dois sempre arrumavam tempo para passar no Rockefeller Center no caminho de volta para casa. Eles patinavam por horas e, depois de não aguentarem mais, entravam em uma competição maluca de quem conseguia tomar mais sorvete. E pode apostar que ele não pegava leve com ela. Gostava de levar as competições a sério, afinal, ele não queria ser aquele tipo de pai que deixa os filhos ganharem. Ele queria ser do tipo que mostra aos filhos que às vezes se perde na vida e que os força a serem melhores do que são.

Porém, já havia pelo menos um ano que o pai não conseguia ganhar da garota. Dois potinhos de sorvete e ele já sentia como se seu cérebro estivesse congelando. E, de quebra, precisava de alguns minutos para se recuperar e ter forças para carregar sacolas e fazer o caminho até em casa.

Naquele 23 de dezembro, eles não fizeram nada de diferente. Fizeram as compras, patinaram no gelo, competiram sobre quem tomava mais sorvete e decidiram caminhar para casa. Não tinha nada de errado com a rotina outra vez adotada. O problema real foi o que eles encontraram quando estavam entretidos em dar passadas longas para chegar o mais rápido possível em casa.

Num beco haviam dois rapazes, ambos cercados por quatro homens, sendo nocauteados com socos e pontapés. Não era uma briga justa, qualquer um que passasse por ali perceberia isso. A grande questão é que todos percebiam e ninguém fazia nada. A não ser que desviar os olhos contasse como algo.

No entanto, o pai daquela menina era diferente do resto, e ela sabia disso. Não foi à toa que apertou a mão dele mais forte, não querendo que eles se separassem. Mas, não foi à toa também que ele se soltou mesmo assim e foi questionar sobre o que aqueles homens faziam.

Foi uma abordagem amigável, afinal, ele não era louco o bastante para ser agressivo em uma posição que se veria contra quatro homens. Mas não levou muito tempo para que o seu rosto se contorcesse em irritação e as mãos se fechassem de uma forma que as tornava vermelhas. Ele estava com uma expressão mil vezes pior do que quando tinha descoberto que a garotinha havia pintado todas as paredes do apartamento com giz de cera. E ela jamais pensara que aquilo fosse possível.

Mas lá estava ele dialogando fervorosamente com aqueles homens imensos. E lá estava ela, segurando as lágrimas nos olhos, com um medo palpável de que a cena se transformasse e seu pai acabasse no chão, levando uma surra, assim como os outros dois rapazes.

No entanto, diferente de todos os cenários que ela projetou em sua mente, os homens saíram caminhando na direção oposta a do seu pai, desaparecendo segundos depois de sua vista. E assim que ela não conseguiu mais vê-los, correu para perto de seu progenitor, assistindo enquanto ele ajudava os dois homens a levantarem e os entregava algumas células de dinheiro para que pegassem um táxi.

Seus olhos verdes brilharam, mesmo que ainda transbordassem o susto sentido pelo ocorrido, quando ela viu os dois rapazes agradecerem o seu pai e tomarem o seu rumo, abraçados. Ela ficou admirada por ver tamanho carinho e cuidado que ambos transmitiam, um checando os ferimentos do outro enquanto caminhavam.

 O que aconteceu, pai? Por que aqueles homens estavam batendo nos dois? – Ela resolveu perguntar depois de alguns segundos. Nunca havia sido uma criança com papas na língua, mas sabia medir o momento certo para começar os questionamentos. E, usando desse conhecimento, ela esperou até que seu pai parecesse menos atordoado para questioná-lo sobre algo.

 Eles... – A voz do homem morreu lentamente. Ele já havia tido uma bela dor de cabeça meses atrás, quando as perguntas sobre o atentado do 11 de setembro começaram. Agora, como ele explicaria para a sua filha de 12 anos que algumas vezes pessoas do mesmo sexo se viam apaixonadas umas pelas outras e que precisou defender os dois por terem sido flagrados trocando carícias?

 Eles ficaram com inveja porque aqueles dois garotos eram muito amigos? – Ela continuou perguntando, percebendo que seu pai não a responderia sem um estímulo. – Porque uma vez a minha amiga Alexa ficou com muita inveja de mim, só porque a Sarah quis repartir o lanche comigo. Mas eu disse para ela que a nossa amizade era maior do que qualquer lanche que a Sarah pudesse me dar, então ficou tudo bem.

 É, meu anjo... Basicamente, foi isso aí. Aqueles homens ficaram com inveja da felicidade que os dois rapazes emitiam. Algumas pessoas não suportam assistir o amor florescendo em outras.

 E por isso batem nelas?

 Sim...

 Nossa, então eu nunca vou amar alguém. Não quero levar uma surra em público. Meus colegas iriam rir de mim.

 Não, querida, não, não por isso. Eles não levaram uma surra por conta do amor. – Ele bateu a sua mão na própria testa, se censurando por estar falando asneiras para sua filha. – Faça o seguinte, esqueça tudo o que eu disse. Sua mãe vai me matar se souber as besteiras que ando te contando.

 A minha professora diz que minha memória é, definitivamente, muito boa. – Ela disse, saboreando o gosto de usar uma palavra que havia entrado recentemente em seu vocabulário.

 Será que você consegue esquecer se o Noel te trouxer um presente de Natal extra?

 Sim, definitivamente.

 Você, definitivamente, é uma oportunista de primeira. – O pai respondeu, dando ênfase na palavra difícil que sua filha estava viciada.

Não levou um segundo para que os dois caminhassem abraçados para longe dali, carregando sorrisos nos rostos e sacolas de presente nas mãos.

A garota, no entanto, carregava uma coisa extra. Em sua mente inocente ainda jazia o pensamento de que jamais amaria.

Eu estava desestruturada.

Não esperava que minha amiga, de um momento para o outro, decidisse que já se sentia à vontade para compartilhar comigo aquele que era o grande segredo que a envolvia – esteja isso ligado ao envolvimento de uma terceira pessoa ou não. Ao mesmo tempo, tentava entender o porquê de considerar tão importante desvendar aquele mistério.

Não era algo ligado diretamente a mim ou sequer me envolvia. Era passado. Um passado que dizia respeito a Allyson e Camila.

Então, por que me sentia tão desesperada em relação àquela revelação?

Talvez fosse minha veia de escritora e leitora falando mais alto. Estava chegando ao que eu considerava como o clímax da história. O ponto auge, no qual o leitor tem um choque de realidade sobre tudo que ocorreu na trama e boa parte do que está por vir.

Quem sabe fosse minha preocupação falando mais alto. Às vezes, o poder de decisão cai como uma luva. Você se sente como o rei do mundo por simplesmente poder decidir algo. Outras vezes, no entanto, isso significa mais responsabilidade do que você é capaz de suportar. E esse era um dos casos no qual eu preferia não ter que decidir nada.

Até então, eu estava sendo poupada de ter que escolher um lado. Entretanto, assim que soubesse do que se tratava a rixa das duas, eu me veria forçada, mesmo que moralmente, a tomar uma decisão sobre qual das duas apoiar. E se tinha uma coisa a qual eu temia, era ter minha relação afetada com qualquer uma delas.

Conhecia Allyson há anos. Sabia exatamente da sua moral e caráter. Tinha pleno conhecimento de suas características mais marcantes, dentre as quais o bom senso e a compreensão estavam envolvidos. Com exceção de Camila, ela não tinha desafetos. Se no final de tudo, eu resolvesse apoiar minha amiga de longa data, não seria nenhuma surpresa para mim. Afinal, no fundo, eu sabia que havia sido algo marcante e sério o bastante para ela.

Surpresa mesmo eu estava com o quanto me sentia afetada pela possibilidade de ficar contra Camila. Já não suportava a ideia de me ver a odiando em algum momento. Odiá-la significaria, automaticamente, manter-se afastada dela. Significaria não ter mais noites de conversa e beijos em seu quarto, significaria não mais visitar o Brandon Hill para manhãs de canto, significaria que não mais haveria danças na chuva ou sequer corridas pelo gramado. E o mais importante: significava não mais se ver envolvida, ainda que indiretamente, com o amor.

Mesmo que estivesse sempre ressaltando sobre a sua incapacidade de me ensinar sobre o amor, em poucas semanas, ela já havia me instruído mais sobre aquele sentimento estranho do que eu havia descoberto durante a vida toda. Era comum que mantivéssemos conversas sobre aquilo que ela considerava como os pilares do amor. Ela os chamava de ‘a triple aliança do C’: compreensão, cuidado e carinho. Entretanto, sempre brincalhona, costumava dizer que, no meu caso, era incluído um quarto pilar. Um C de Camila.

Porém, os momentos nos quais eu conseguia entender algo de verdade eram aqueles que estavam fora do âmbito das palavras, mas que eram expressos em ações. Era bonito assistir como ela cuidava de sua irmã, como queria agradar ao seu pai e como, incrivelmente, se sentia intimamente ligada à sua mãe.

Não queria dar o braço a torcer, mas precisava ser sincera comigo mesma e assumir que, mesmo que superficialmente, sentia que podia entender um pouco o que era o amor quando assistia a devoção e carinho de Camila para com uma pessoa que sequer continuava viva.

Pelo que era a primeira vez na minha vida, eu estava interessada em entender realmente o amor.

Já havia passado uma hora desde o momento em que recebera a tal mensagem de Keana e, desde então, não havia conseguido retornar para a casa da minha amiga. Ela não estaria lá quando eu chegasse, então não valia à pena ir até lá e esperar por ela. Eu queria chegar e ser agraciada com respostas. Ainda que minha mente não conseguisse parar de formular possibilidades, não queria ir até lá e ficar sofrendo de ansiedade.

Eu precisava de distração e, por isso, decidi caminhar até alguma cafeteria próxima. No entanto, distração foi tudo o que não encontrei no caminho.

Parado alguns metros a minha frente estava ninguém menos que Charlie. Ele caminhava distraído, passando pelas pessoas como se não as notasse, sem desviar o olhar da frente por um único segundo.

Ele havia sumido durante semanas, desaparecido completamente do radar, mesmo depois de me prometer respostas. Porém, se ele estava empenhado em esquivar-se delas, naquele momento em que o tinha na minha frente, eu estava mais que obstinada em obtê-las.

— Eu cheguei a cogitar que tivesse deixado Bristol outra vez. – Disse, de forma a atrair a atenção dele.

Vi como seus olhos cresceram em surpresa quando ele virou e me encontrou parada, o encarando. Seu cabelo loiro estava exposto e penteado para trás, como ele sempre costumava usar, e sua barba permanecia intacta. A calça jeans parecia desgastada, mas o moletom cinza na parte de cima era novo, assim como a camisa branca por baixo dele, que era brilhante ao ponto de parecer ter sido retirada da lavanderia pouco tempo antes. Gostava do fato de que ele usasse roupas tão simples, mesmo que tivesse dinheiro o bastante para andar como um dos lobos de Wall Street.

— É uma pergunta simples, babe. – Ele respondeu rapidamente, ocultando sua surpresa, mantendo um sorriso no rosto, tentando fazer daquela situação um momento descontraído. Porém, tudo o que eu não estava era descontraída. – Um homem precisa trabalhar.

— O que um homem precisa é honrar com sua palavra.

— Uou, vai com calma. Nós podemos marcar de...

— Não, Charlie. Não podemos marcar nada. – Interrompi, mesmo que de forma rude. – Você vai me falar o que sabe. E vai fazer isso agora.

Ainda que temesse uma reação negativa, depois de ter agido de forma tão incisiva, não abaixei minha cabeça por nenhum segundo. Assisti ele passando as mãos pelo cabelo por cerca de cinco vezes e percebi seus olhos saindo de um mar tranquilo para um azul característico de mares tempestuosos. Esperei por três minutos até que tivesse uma resposta definitiva.

Depois que tomou consciência de que eu não sairia dali sem uma resposta, Charlie se viu obrigado a ceder. Não houve um “sim” e nem houve um “não”. Recebi um único aceno positivo e então só precisei segui-lo, até que entramos em um estabelecimento, que logo percebi se tratar de uma espécie de hostel.

O lugar era grande demais para uma pensão e pequeno o bastante para não ser caracterizado como um hotel. A decoração não fazia o tipo precária, mas também não portava nenhum luxo. O branco das pilastras chamava atenção, mas o salmão nas paredes ainda era a cor predominante ali. Os móveis eram todos em madeira, o que, normalmente, os tornaria uma parte estranha ao resto do conjunto. Porém, incrivelmente, combinavam com o resto do ambiente.

A mulher loira, que ficava na recepção, mal se atentava para quem atravessava o salão, porque estava distraída demais em verificar seu celular e mascar chicletes. Logo, Charlie não teve muitos problemas para me guiar entre os corredores até o quarto que estava reservado em seu nome, mesmo que eu fosse uma estranha ali.

— Eu juro que não entendo toda essa sua curiosidade sobre o assunto. – Ele disse, deixando com que um tom amargo se alojasse em sua voz. – Desde que nos mudamos, você mal se preocupou em saber sobre a nossa vida. Não ligava para Allyson, recusou os convites para vir nos visitar e sequer respondia os cartões de fim de ano. Por que quer desvendar o passado agora que está aqui?

— Você tem razão. Talvez eu tenha sido uma péssima amiga para Ally e não tenha participado o suficiente da vida dela. Mas eu achei que vocês estavam bem, que ela não estava precisando de mim. E agora que sei que as coisas não eram as mil maravilhas, quero ter a chance de reparar o tempo perdido.

— Você gostaria de beber alguma coisa? – Perguntou-me quando entramos no seu quarto e fechou cuidadosamente a porta. O lugar tinha as paredes brancas, no mesmo tom absurdamente claro que as pilastras no salão do estabelecimento. O ambiente fechado estava quente, o que fez Charlie arrancar o moletom cinza por cima de seu corpo, revelando uma camisa tão branca quanto as paredes.

— Não, obrigada.

— Eu não sei bem como começar, Laur. Eu estou confuso. Mas disse que iria te contar o que eu sei, então vou fazer isso. Porém, vejo tem algo que não se encaixa ainda. – Retrucou enquanto sentava-se em uma poltrona que ocupava o quarto. Não tinha outra por perto, por isso ele indicou que eu sentasse na ponta da cama, o que acabei fazendo por falta de opção.

— O que não se encaixa?

— Eu tenho falado com Ally por esses dias, você sabia? – Perguntou de forma retórica. – Ela me pediu para que eu não te contasse nada sobre o que já aconteceu.

— Então foi por isso que você não foi me encontrar aquele dia?

— Aquilo que te falei não foi uma desculpa inventada. Claro que o pedido dela contribuiu muito para a minha falta de comunicação, mas eu realmente tive que voltar para Londres, Lauren.

— Então, o que há de errado nisso? Eu mesma já tinha te contado que ela não queria que eu soubesse nada.

— O problema não está na Allyson querendo deixar isso tudo para trás. Eu conheço os motivos dela, e eles também deveriam ser os meus... O que eu não entendo é por que Camila iria me pedir a mesma coisa?

Minha cabeça começou a fervilhar entre mil pensamentos. Tudo o que eu havia perguntado para Charlie se referia aos motivos que levaram ao fim da relação que ele mantinha com minha melhor amiga. Nem eu entendia o interesse de Camila naquilo.

— E-ela te pediu para não me contar nada? – Gaguejei como uma criança que está aprendendo a falar, lançando a afirmativa dele como uma pergunta, mesmo que já tivesse entendido de primeira.

— Nem você consegue compreender, não é? – Ele continuou falando, como se lesse minhas expressões. – Nunca dá para entender ela por completo. Quando se trata de Camila, só se pode ter certeza de uma coisa... Ela vai bagunçar a sua vida no final.

— Nós não estamos aqui para falar sobre Camila. – Rebati na defensiva. Estava cansada das pessoas tentando prever a forma que Camila iria agir comigo ou tentando me convencer a tomar distância dela, mesmo que indiretamente.

— Para falar a verdade, se estamos aqui para falar sobre a minha vida com Ally em Bristol, também estamos aqui para falar sobre Camila. Mas como tudo o que você está interessada é em ajudar Ally, vou ser objetivo.

Não era segredo para mim que Charlie também conhecia bem Camila, afinal, ele e Ally ainda mantinham um relacionamento sólido durante a época em que as duas mantinham uma amizade. No entanto, eu não estava ali para ouvir murmúrios sobre a jovem do parque. Meu único e genuíno interesse era em entender um pouco mais sobre o que havia acontecido na vida da minha melhor amiga nos últimos anos.

— Um ano depois da morte da mãe de Camila, Ally descobriu que estava grávida outra vez. Nós estávamos nas nuvens de novo, mas com cuidado redobrado depois do que havia acontecido na última gravidez... Como você pode ver, ainda não temos um filho. – Charlie disse, mantendo lágrimas nos olhos.

 

— Existe o conceito de que os homens têm que ser durões e capazes de conter suas emoções. Só que, naquele momento, só tinha vontade de chorar. Nunca havia me sentido assim antes, nem mesmo durante a perda da primeira gestação. Não queria demonstrar nada na frente da Ally por medo de que fosse fazê-la se sentir pior. Só que finalmente entendi que ficar calado é que estava piorando as coisas para mim e para ela, porque eu parecia distante e desinteressado. Quando contei como me sentia, as coisas melhoraram por um tempo, até que Ally simplesmente decidiu que nós deveríamos acabar tudo, que ela não poderia me dar o futuro que eu queria e coisas do tipo.

— Isso parece com algo que ela realmente faria... Mas por que não contar para ninguém sobre essa gravidez? Nem mesmo os pais dela sabiam!

— Nós tínhamos perdido um filho na 25ª semana, estávamos esperando que a gestação passasse desse ponto. Mas acabou que só chegamos na 20ª. Foi Ally que preferiu não contar para ninguém. Ela disse que seria humilhante ter que dar essa notícia para os pais outra vez, e então eu respeitei a decisão dela.

— Eu sinto muito por tudo o que aconteceu... Meu Deus, eu só quero voltar para casa e abraçar minha amiga. – Meus próprios olhos enchiam de água, e eu mantinha todos os meus esforços para não chorar. – E-eu preciso ir embora. Eu tenho que ver a Ally. – Continuei balbuciando.

— Eu posso te deixar lá. – Ele ofereceu. Levantou no mesmo segundo e já ia colocar seu moletom outra vez, mas eu também me ergui e o impedi de continuar com o que fazia.

— Não, eu realmente quero ir sozinha. Tem uma série de coisas sobre as quais preciso refletir. Não está tarde, você não precisa se preocupar.

— Talvez não deva mesmo me preocupar com você andando sozinha pela noite de Bristol. – Charlie debruçou sobre mim o seu olhar mais debochado. – Camila parece ter te ensinado como se virar por aqui.

— Qual o problema de todos vocês com Camila? Ela é incrível para mim e me tratou muito bem desde que cheguei aqui.

— Você está mesmo defendendo ela? Qual é o lance entre vocês duas? – Ele continuou insistindo no assunto, tentando tirar algo de mim a qualquer custo.

— Não tem lance algum, Charlie!

— Lauren, eu não quero ser o chato da história, mas não vou ter minha consciência tranquila se não te deixar avisada. Camila só está brincando com você. É o que ela faz com todo mundo. Ela e Keana provavelmente dão risada de você todas as noites. Será que não percebe que você é só o experimento social das duas?

— Do que você está falando? – Perguntei já irritada. Ele olhou-me com seu rosto bonito e angustiado, e vi que sua face estava marcada pelo cansaço. Nenhum de nós dois tinha realmente dormido muito, pensei. E então ele sorriu levemente, era mais a sombra de um sorriso, eu diria... A lembrança de um sorriso que aquela boca já sorrira em outra ocasião pelos motivos corretos.

— É só olhar para a relação estranha das duas que você vai saber do que eu estou falando.

Ele não falou mais nada, mas me acompanhou até a porta do quarto e me instruiu a não deixar com que a recepcionista me visse por ali. Eu não achava mesmo que ela fosse levantar seus olhos atentos do foco que mantinham em seu celular, então mal me preocupei em importuná-la. Também não busquei insistir no assunto anterior que mantinha com ele, porque isso provavelmente nos levaria para uma briga, e eu precisava da nossa relação amigável intacta, porque havia grande chance de que eu precisasse de mais de suas respostas no futuro.

La fora, parei o primeiro táxi que passou na esquina de uma rua que corria paralela ao rio Avon. O sol já quase não aparecia, mas ainda podia ver reflexos brilhantes na água esverdeada. Nuvens de vapor pairavam. Entre a rua e o rio havia uma enorme área cheia de carros, delimitada por uma cerca de arame enferrujado – provavelmente as docas estavam lotadas naquele dia específico. Apesar de tudo, o trânsito até a casa de Ally estava fluindo bem.

Em poucos minutos, estava de pé em frente à construção em estilo georgiano da minha melhor amiga. Visualmente parecia a mesma de sempre, mas eu a encarava de forma diferente daquela vez. Em um simples atravessar de portas, ela podia ser cenário de grandes transformações. Talvez não fosse da maneira transcendental que estamos acostumados a associar a palavra “transformação”, mas como um sinônimo de uma mudança na forma como enxergaria Ally dali em diante.

Entrei na sala com o máximo de cuidado possível, como se estivesse invadindo a casa. Coloquei minha cabeça para dentro primeiro e inspecionei o lugar, não encontrando ninguém ao alcance dos meus olhos. Depois inclinei o resto do corpo e entrei de vez, aproveitando para retirar meu coturno – que na verdade era de Camila – e deixá-lo próximo à entrada.

Algumas folhas soltas e cheias de rabiscos estavam sobre o sofá da sala, o que me deu a certeza de que Ally já estava lá. O aroma de café fresquinho também pairava pelo ar, fazendo-me ir longe na memória. Eu não era uma grande fã de café, mas ele era um ponto indispensável durante as tardes em família.

Na cozinha, minha amiga balançava levemente seu corpo de um lado para o outro, como se em sua cabeça toda uma sinfonia ganhasse vida e lhe imprimisse a necessidade de colocar os quadris em movimento. Tão leve, tão delicada, tão Ally...

Por mais injusta que fosse comigo ou com alguns outros, minha amiga não merecia que a vida fosse tão ruim com um ser humano como ela.

Perguntava-me o porquê da vida agraciar com o poder de gerar outro ser humano aqueles que aquilo não queriam. Perguntava-me verdadeiramente o porquê de mulheres que sonham com a maternidade não conseguirem, por vezes, manter suas gestações.

E a contínua série de questionamentos que se implantara em minha cabeça, deixara-me atordoada... Levando-me assim para uma realidade alternativa em que as únicas pessoas presentes eram nós duas, na qual a simples menção de olhar para Ally fazia com que uma enxurrada de lágrimas quisessem escapar de meus olhos.

— Boa tarde, sumida. – Minha amiga disse, abrindo um sorriso quando me notou na cozinha. Era um sorriso forçado, daqueles que soltamos quando queremos parecer compreensivos, mesmo quando não temos ideia de como agir, mas ainda assim era um sorriso.

Eu podia sentir que, apenas de ver meu rosto, ela já havia percebido que eu sabia ao menos uma parte da história. E, diferente dela, eu não queria manter em segredo minhas descobertas. Eu queria contar tudo o que me fora dito, colocá-la entre meus braços e abraçá-la da forma mais reconfortante possível.

— Eu sinto muito. – Repeti incontáveis vezes, enquanto a mantinha agarrada a mim. Não sabia o número exato de vezes que havia usado aquela sentença, mas podia ter certeza que haviam pedidos suficientes para demonstrar meus pêsames pelo que havia ocorrido, por minha ausência e pela injustiça que era a vida. – Eu sinto muito que você tenha passado por isso outra vez.

— Quem? – Ela perguntou, afastando-me levemente de seu corpo, deixando que eu visualizasse seu rosto vermelho e olhos banhados de lágrimas. – Quem te contou?

— Charlie... Ele voltou para a cidade, e eu o encontrei por acaso, então fiz com que me contasse. – Ally suspirou de tristeza, porque Charlie era uma das peças principais em toda aquela história e porque sentia que naquele momento a verdade lhe escorregava das mãos um pouco cedo demais. – Me desculpe por não ter estado aqui para você durante esse tempo e por reaparecer agora querendo que você simplesmente reviva tudo aquilo que já superou, apenas para que eu me sinta mais bem informada.

— Não é bem assim, Lauren. Você não tem motivos para me pedir desculpas. Charlie e eu, como casal, decidimos não contar para ninguém que eu havia ficado grávida outra vez... Mas foi apenas minha a decisão de não contar para ninguém sobre a perda. Então não se culpe por não estar aqui quando, de fato, eu precisei. Indiretamente, foi uma escolha minha passar por tudo isso sozinha.

— Uma escolha idiota, mas que entendo. Você é uma mulher forte, Ally, e eu mais que te admiro por isso.

— Eu... Eu preciso de um banho. – Ela disse inesperadamente, cortando todo o clima melancólico que estávamos envolvidas. Era de se entender que ela não quisesse permanecer naquele assunto por muito tempo. – Você põe a mesa?

— Claro.

Sem esperar um segundo sequer, ela saiu dali apressada. Esperava que ela fosse ficar aliviada, mas não que, mesmo depois de algumas revelações, ela parecesse ainda mais estarrecida.

Estava dando voltas, ou pelo menos era assim que me sentia no meio desta história toda, de modo que em mim crescia uma necessidade irreparável de colocar todos os pensamentos no papel. De qualquer forma, sentia que tudo findaria em uma narrativa concêntrica e que, finalmente, eu estava chegando ao centro da coisa toda.

Sabia que, no fim, talvez doesse em minha mente, ardesse minha pele e queimasse meu interior. Tinha certeza que quando tudo estivesse em pratos limpos, eu gritaria pela casa, bateria minha cabeça nas paredes e não mais dormiria, na esperança de encontrar uma solução na imensidão da noite. Mas, ainda assim, queria desvendar até o último dos mistérios, porque se tinha algo que não aceitava era sofrer pela incerteza.

Contra todos meus instintos, desliguei meu pensamento. Cedi à ideia de dedicar alguns minutos para tarefas cotidianas, sem que fosse interrompida pela minha própria voz refletindo em alto e bom tom dentro da minha cabeça.

Coloquei todos os pratos e talheres sobre a mesa, assisti o final de um documentário na TV, subi as escadas e adentrei o quarto em busca do meu livreto, para que pudesse ler a frase daquele dia, e então retornei para a sala com a mais límpida certeza de que as revelações daquele dia já haviam sido finalizadas.

“Vamos jantar” foi a única coisa que ouvi de Ally durantes as duas horas que vieram depois. Nós comemos em silêncio, assim como gostávamos. Mesmo assim, por diversas vezes me vi tentada a iniciar algum assunto, porque queria, desesperadamente, acabar com o clima ruim que parecia ter se instaurado. Porém, de tanto pensar se deveria mencionar algo, acabei por não falar nada.

Deixei que ela retirasse todas as louças da mesa, mas ajudei a lavá-las e secá-las, na intenção de que ao menos uma outra palavra saísse de sua boca enquanto compartilhávamos do mesmo cômodo da casa. Mas nada aconteceu, nenhum sussurro escapou de sua boca. E então, sem querer incomodá-la, me restou voltar para a sala sozinha.

Fui tomada por uma frustração absoluta. Não iria conseguir dormir sem saber o resto da história de Ally em Bristol, mas também não tinha coragem para questioná-la ainda mais. Por que Keana tinha que me contar sobre os planos dela?

Encostei a testa na mesa por alguns momentos, para me acalmar. Minha cabeça era pesada, especialmente com tantas coisas ocupando-a. E não mais aguentando aquela posição, retirei todos os papéis que ali estavam e deitei-me no sofá por longos minutos, sem fazer nada de especial, apenas olhando para o teto, esperando que uma resposta surgisse ou que ao menos criatividade tivesse para escrever algo.

— Vai dormir aí? – Ally perguntou quando veio até a sala. Ela sentou na poltrona e, despreocupadamente, ficou me encarando com suas intensas orbes castanhas.

— Não, só estou aqui pensando.

— Isso não é novidade.

— Idiota... – Respondi baixinho, fazendo com que nós duas iniciássemos uma gargalhada que parecia não ter fim. – Você sabe o porquê de tantos pensamentos.

— Sim, eu sei de tudo o que preciso e quero saber. Mas quanto a você, realmente precisa e quer saber o que me levou a brigar com Camila?

— Definitivamente.

— Foi ela... Foi ela que me fez perder o bebê. 


Notas Finais


Apostas sobre como a Lauren vai reagir?


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