História Ilusões - Capítulo I - Por uma amizade

E cá estava eu, praticamente no início das aulas, estando em abril e aguardando minha amiga, que estava, mais uma vez, atrasada.

Ainda não havia me acostumado com o horário das aulas, mesmo depois de quase dois meses, e bocejei enquanto esperava por Lucy, impaciente.

Os rostos conhecidos me cumprimentavam, e isso era um bom passa-tempo, se parasse para pensar. Era bom poder reencontrar alguns dos rostos com quem só conversava no colégio.

— Será que terei meu tempo de atenção? — Uma garota de olhos e cabelos claros e com roupas em tons de rosa, aproxima-se de mim com um largo sorriso no rosto e me cumprimenta com um abraço. Lucy.

— Mais já? Você nem demorou. — A ironia estava mais que presente em minha voz, e ela não pode deixar de revirar os olhos diante da minha ousadia. Mas ela já me conhecia muito bem, e sabia como eu era.

— Eu tinha que estar arrumada. — Ela alisa a saia rosa choque, e dessa vez, quem acaba por rodar os olhos sou eu.

— Não estamos mais no primeiro dia de aula. — Digo, olhando o movimento nos corredores.

— Não foi só no primeiro dia de aula que ele apareceu. — A loira dá ênfase, e sei muito bem de quem ela está falando.

Zayn Malik. Ninguém menos que o garoto mais belo da escola. O fetiche perfeito para qualquer adolescente do primeiro ao terceiro ano, se não menos. 

Ele era novato, e Lucy só soube de sua existência graças ao meu irmão Collin, de quem Zayn era um amigo distante. Minha amiga viu o moreno de olhos castanhos cor-de-mel somente uma vez, e graças a algumas características — como o sorriso, mistério e a arrogância incrivelmente sexy — dele, foi meio que impossível de tirar o garoto da cabeça dela.

Eu entendo que Zayn era um adolescente atraente além da conta para todas ali — inclusive eu, que não resisti aos seus encantos —, mas também sei que esse tipo de garoto nunca quer nada com nada. O lance é ficar, como diria meu irmão, e mesmo que irresistível, tratar as garotas como objetos te tirava um ponto.

Mas Lucy gostava de acreditar que, ao contrário dela, as demais meninas daquela escola só tinham a recíproca vontade de ficar com ele, ou estavam sedentas em ter seu próprio clichê com o bad boy perfeito.

E é por algumas das características já mencionadas que me arrependo profundamente de ter tido algo com aquele garoto. A sensação de ter sido só mais uma em seu caderninho, cujo nome já deve ter sido riscado, faz meu estômago revirar.

Paro de pensar no garoto que fez mais do que somente ficar comigo e olho Lucy, que ajeitava os cabelos perfeitos enquanto se admirava num pequeno espelho.

— De qualquer forma — Enfim respondo. — É melhor se prevenir. Você sabe que ele não deve ser...

— Uma boa pessoa. — Lucy me imita e termina a frase por mim, e antes que eu possa responder mais alguma coisa, o sinal bate, avisando-nos sobre o início da primeira aula.

Lucy fecha seu armário depois de pegar um batom vermelho e caminha comigo até a sala de aula, passando o mesmo nos lábios.

Enquanto anotava o material no caderno, a mal humorada de nossa professora mais antiga, literalmente, nos explicava a matéria de forma cansativa.

Os alunos que deveriam estar entediados, e não ela , me calo e volto a olhar para a senhora, que com a cara fechada, falava sobre a matéria sem menor empolgação.

Quando volto a copiar o conteúdo, a senhora se cala e repreende um aluno de sobrenome conhecido, chamando não só a minha atenção, como a de muitos alunos da classe.

— Senhor Malik — Ela chama, e viro meu corpo para encarrar o garoto, que se sentava nos fundos. — Pode fechar a boca, ou quer nos explicar o assunto de hoje?

O giz em sua mão gira com graciosidade, mas antes de eu me perder no movimento simples e comum, a voz de Zayn ecoa pela sala, dando uma resposta grosseira para a professora:

— Desculpa professora, mas se o que está passando realmente fosse um conteúdo decente, eu calaria a minha boca. — Ele curva os lábios de modo debochado enquanto se encosta na cadeira, e o modo como as garotas o comem com os olhos me irrita de uma forma irreconhecível.

— Senhor Malik, não pense que só porque é novo, que suportarei esse tipo de comportamento. A próxima gracinha que fizer, te mandarei para a secretaria. — É a palavra final, mas escuto alguns sussurros ao fundo, que tenho certeza que a professora não escutou. Ela termina com sua explicação e volta a escrever na lousa, e quando percebo Zayn me olhando, viro-me rapidamente.

⋆⋆⋆

A aula finalmente acaba, mas Lucy não me acompanha quando termino de arrumar as coisas e saio da sala. Minha preocupação aparece quando meus olhos capturam uma das poucas tatuagens expostas de Zayn passando pelo ombro da loira, que estava em meu campo de visão, e também na sala.

Mas antes mesmo que eu vá interromper aquela gracinha — e salvar a vida dela, provavelmente —, Collin, meu irmão, segura em meu cotovelo e me faz parar.

— Deixa eles. — Diz com um tom relaxado.

— Não, não deixo não e... Você estava fumando? — Pergunto incrédula. Collin fumar não era novidade, mas dentro de uma unidade escolar já era absurdo. Não que eu estivesse sendo certinha.

— Talvez. — Sorri e passa o braço em volta do meu pescoço. — Qual é mana, deixe a garota ter a chance dela. Você sabe como a Lucy está eufórica com essa possibilidade.

— E isso piora as coisas. — Digo olhando enquanto Lucy – dentro da sala – solta um risinho charmoso para o seu caçador.

— São adolescentes, e só querem se divertir. Não dê uma de certinha no seu último ano, maninha. — Suas palavras me chocam, talvez porque sejam um tanto verdadeiras. Pensar em Zayn ferindo minha melhor amiga me magoa imensamente, e talvez isso tenha me deixado careta. Mas não voltarei atrás.

Com uma interrupção dramática, Lucy e Zayn saem da sala, e a loira lança uma piscadela que ele mal percebe antes de se aproximar de nós dois.

— Deixe-me adivinhar: assunto de mulher? — Lucy balança a cabeça, eufórica, e Collin sorri. — Então vou vazar. — Ele sai de perto de nós para ir conversar com um grupinho de pessoas.

Quando olha Lucy, ela parece prestes a explodir. Sei o que ela falará — mas escutar o óbvio parece muito pior do que só refletir sobre ele. Mas posso tentar ser uma boa amiga para ela, e estar lá quando as coisas derem errado. Daqui a alguns anos, nos lembraremos desse dia e eu direi um "eu avisei" recheado de orgulho, antes de ela me jogar uma almofada no rosto.

— Vai. Fala logo. — Digo enfim, e me sinto como Nagasaki quando a feath boy finalmente chega.

— Ele me chamou! — Ela sussurra com a voz estridente demais, e tento continuar sorrindo, mesmo com o alerta que a minha mente já preparou.

— Ele? Ah é. — Bato na testa dramaticamente. — Você só iria ficar desse jeito se o Justin Bieber te seguisse no Instagram, ou se Zayn te chamasse para dar uns amassos.

— Tente ser mais legal! — Ela finge estar ofendida, mas não consegue. Se o motivo de sua felicidade fosse outro, talvez eu conseguisse ficar tão animada quanto ela.

Mas não ficamos animados quando conseguimos ver um futuro tristonho reservado para alguém que gostamos.

Antes de divagar com todos os prós e contras dessa "relação" tóxica e passageira, eu me forço a sorrir para ela, e sussurro para mim mesma — mentalmente —, que isso dará muito errado. Era um pressentimento muito forte.

— Aproveite. — Digo enfim, e o sorriso contagiante de Lucy aumenta ainda mais. — Mas poupe-me dos detalhes.

— Pode deixar. — Ela responde contente, e antes de irmos para o refeitório, eu me pergunto se devo ou não contar para a minha amiga que já fiquei com o cara dos sonhos dela.

O dia foi cheio. Não completamente, mas minha mente fez com que parecesse. Finalmente posso ir para casa, mas ver Lucy acenando discretamente para Zayn do outro lado da rua me agoniza de uma forma estranha.

Aquela mentira começava a me consumir com a possibilidade de um relacionamento da minha melhor amiga e do meu caso rápido e secreto, e eu mal podia esperar para aquele dia acabar.

⋆⋆⋆

Mais um dia na escola, e dessa vez, cheguei atrasada de propósito para Lucy sentir um pouco da minha raiva por todas as vezes que ela se atrasou. Fogo se combate com fogo, num sentido figurado, claro.

Foi gratificante encontrá-la plantada no meu armário, eu jurava ter até visto algumas raízes grudadas em seu salto enorme e de cor nude.

— Precisa regar. — Digo brincalhona, mas seu cenho franzido é um sinal de que ela não entendeu a piada.

— Por que demorou tanto? — Ela pergunta com os braços cruzados. 

Meu lado vingativo sorri, mas eu não me permito fazer a mesma coisa externamente, para evitar qualquer confusão.

— Dormi demais. — Dou de ombros. Mas eu estava mentindo. Acordei no mesmo horário de sempre, arrumei-me e fiz mais tudo que faço normalmente, e aí fiquei enrolando no quarto, vendo o que acontecia no mundo pela TV... Mentira, eu estava vendo o Insta da Kendall.

— Quer saber? Não importa, porque eu consegui isso. — Ela me mostra o celular, e eu ergo uma sobrancelha.

— Você já tem esse celular faz tempo, mostre-me algo novo! — Falo indignada, e como a mania que ela aparenta ter, revira os olhos.

— Olhe a tela, besta. — Diz impaciente, mas logo sorri. Quando olho para a tela do celular, vejo o nome de Zayn na lista de contatos. Especificamente: Mozão. Só reconheci graças a uma foto dele, que nem pretendo saber onde ela arranjou.

— Tenho que me preocupar? — Pergunto irônica, mas isso não a abala de jeito nenhum, e um sorrisinho aparece em seu rosto.

— Trocamos nossos números. — Ela diz alegre.

— Legal! — Não era isso que minha mente planejava soltar, mas eu sei me controlar. — Já mandou mensagem para ele?

O som de uma porta de armário batendo chama nossa atenção, mas Lucy não demora muito para responder.

— Está louca? Tenho que esperar três dias, para não parecer desesperada.

— Essa regra é bem antiga, e você está desesperada. Verdade nunca estragou um relacionamento. — A última palavra logo ardeu em minha boca, e a cara feita por Lucy me fez ficar ainda pior.

— Ai, que meigo! Até você acredita que ficaremos juntos! — A alegria dela me contenta por um tempo, mas vou esclarecer as coisas independente de tudo isso.

— Não foi o que eu quis dizer. — Defendo-me, mas ela parece ignorar.

— É tarde para voltar atrás. Agora, vamos para a sala de aula, não há muito o que fazer aqui fora. E vou te contar os detalhes de ontem à noite, mesmo que você não queira saber. — E ela me puxa sala adentro.

"É tarde para voltar atrás" , suas palavras logo são codificadas de outra forma em minha mente, e quando vejo Zayn entrar na sala, encarando rapidamente nós duas, eu percebo o quão burra fui de entregar a minha virgindade de bandeja para ele.