Calma era tudo o que Bonnie não estava conseguindo ter. Estava um pouco insatisfeita e insegura com a roupa¹ que escolheu para ir ao cinema com Kai, mas não tinha mais tempo para se trocar pela quarta vez, ele estava na sua porta batendo já de forma impaciente contra a madeira antiga.
Estava quase apertando a maçaneta quando o ouviu dizer:
– Bonnie?! – Sentiu-se arrepiar ao ouvir a voz dele e afastou-se um pouco da porta, sentindo o pulsar frenético do seu coração, ela acreditava que era só o nervosismo – Eu sei que vocês mulheres têm essa mania de nos deixar esperando... E eu gostaria muito, de ficar aqui aguardando você pelo resto da minha vida, mas eu acho que ela não será muito longa se eu ficar nesse frio.
Ela riu, abriu a porta e fez um sinal com a cabeça, incentivando que ele entrasse na sua casa. Kai entendeu e entrou, estava bem agasalhado.
Mesmo que o frio de Mystic Falls em dezembro não fosse fácil de suportar, não era tão rigoroso quanto o inverno russo pra que Kai morresse só de ficar a esperando por alguns minutos fora da casa dela, ela abriu a porta não por acreditar naquela “dramédia”, mas por que ainda estava envergonhada pelas coisas que falou para ele no dia anterior, deu motivos de sobra para ele se zangar naquela manhã e apesar do tom bem humorado de Kai ao protestar sobre o frio, ela não queria dar mais motivos para ele acabar se zangando com ela. Já achava que Kai foi legal em tê-la perdoado sob a condição de que ela fosse ao cinema com ele, não sabia se teria a mesma sorte se o deixasse plantado na sua porta por mais tempo.
– Me perdoa, por deixar você esperando. Quer alguma coisa? – Ela perguntou – Uma agua... Ou...
Ela parou de falar quando percebeu que Kai não prestava atenção no que ela falava e sim nela, e com isso, quero dizer que ele estava atento ao corpo dela. Desde aquela noite em que ele e Bonnie quase transaram – Kai não conseguia parar de pensar em como seria possuir aquele corpo pequeno e tentador. Não era como da primeira vez, era um desejo muito maior, parecia que o consumiria em fogo ardente a qualquer momento. Ele se perguntava por que a merda do seu autocontrole sumia perto dela. Ficou tão distraído ao imaginar mil formas de arrancar o vestido da jornalista, que não prestou atenção do que ela dizia. Saiu de seus devaneios quando ela perguntou bem perto dele.
– Kai? Aconteceu alguma coisa?
– Não... – Disse ainda distraído
– Quer alguma coisa?
Ele ficou muito tentado a dar uma resposta indecente, mas se deteve:
– Não, obrigado – Respondeu – Vamos?
– Vamos – ela respondeu.
Violência, sangue, morte... Era maravilhoso ver todas aquelas pessoas sofrendo, Kai tinha de se conter a vibração que passava pelo seu corpo, toda vez que o Freddy Krueger fazia uma nova vitima. Bonnie por outro lado, estava assustada em ver todas aquelas cenas de morte.
Aquilo foi tão perturbador para a jovem que ela devaneou com Allette andando por aquele corredor escuro, usando uma camisa social branca – Igual a garota do filme, que estava tendo um pesadelo e nele, vestia somente a camisa do seu namorado e uma calcinha – tentava fugir do vilão, mas ele a pegava. Bonnie olhava a garota no filme sonhando e ganhando cortes em todo o seu corpo, na vida real e via Allette. Parece que o protagonista do filme tinha o poder de atacar suas vitimas em seus sonhos e provocar nelas machucados reais e fatais. Bonnie imaginava sua amiga assassinada no lugar da garota que estava sendo cruelmente ferida por Krueger, enquanto se via no lugar do namorado da vitima, tentando de maneira ineficaz, ajudar ela.
Bonnie escutava aquela cançãozinha perturbadora em sua mente enquanto assistia Allette perder a vida:
Um, dois, Freddy vai te pegar.
Três, quatro, feche bem o quarto.
Cinco, seis, segure a sua cruz
Sete, oito...
Ela fechou os olhos com força e depois os abriu devagar, olhou para a tela do cinema, sua lucidez recém-retomada, a fez ver as coisas como realmente eram, só um filme, nada daquilo foi real.
Exceto a morte da sua amiga.
Percebeu que o seu rosto estava cheio de lágrimas e que estava fungando de maneira angustiada – Estava chorando. Kai só percebeu que ela não estava bem, quando Bonnie se levantou e abandonou a sala de cinema sem dizer nada para ele.
Bonnie saiu praticamente correndo da sala de cinema, queria fugir o mais rápido possível daquelas imagens perturbadoras, Kai foi atrás dela, chamando pela garota, mas a ela parecia não ouvi-lo.
– Bonnie – Kai finalmente a alcançou, já na saída do estabelecimento, segurou o braço da jovem, fazendo-a parar.
Ficou frente a ela e notou uma Bonnie que até então não conhecia, a Bonnie vulnerável. Ele sentiu certa angustia ao ver aquelas lagrimas banharem o rosto delicado dela.
– Bonnie, o que aconteceu? – Perguntou vendo o corpo dela tremer e soluçar, Bonnie estava abraçando o próprio tronco, tentando se acalmar, sem sucesso.
Kai a abraçou, por bastante tempo, enquanto Bonnie se acalmava. Os soluços da jovem contra o seu peito estavam fortes no começo, mas pouco a pouco foram ficando menos frequentes.
Kai afastou seu corpo do de Bonnie devagar, para poder olhá-la nos olhos.
– O que houve?
– Aquele filme... Eu... – Ela fungou e passou as mãos pelas bochechas, secando suas lágrimas – Eu... – Sentiu a vontade chorar voltando com tudo.
Kai voltou a abraçá-la e acalmá-la.
– O que aconteceu? – perguntou.
– Eu perdi uma amiga – ela soluçou – Ela foi assassinada... Ver aquelas cenas de assassinato... Foi perturbador pra mim.
– Eu não sabia – Mentiu com a voz pesarosa – Me perdoa.
Bonnie se afastou e disse:
– Eu quero ir pra casa.
– Tudo bem, eu levo você.
– Me perdoa pelo péssimo encontro – Kai pediu quando estacionou o seu carro na frente da casa de Bonnie – não foi a minha intenção te deixar assim.
– Eu sei – ela respondeu, estava um pouco mais calma, mas seu corpo ainda estava meio que franzido, demonstrando um pouco da vulnerabilidade que o choro deixou – Eu não tinha falado sobre isso com você.
– Espero que você me dê uma oportunidade para eu me redimir.
Bonnie olhou para ele sorrindo fraco.
– Claro – Ela sorriu e beijou o rosto de Kai provocando um pulsar intenso no coração do jovem advogado – Tchau.
Desceu do carro de Kai e ele a observou, até que ela entrasse em sua residência.
Kai dirigia até a sua casa pensando em Narciso e em quanto ele seria burro se tivesse existido.
Já ouviu falar de Narciso? Ele foi um personagem da mitologia grega, que inspirou o adjetivo “narcisista”. Narciso foi um jovem belo e que despertava amor de homens e mulheres, mas nem mesmo as ninfas – Que inspiraram a descrição: “ninfomaníaca”, por serem sedutoras e também excessivamente belas, ao ponto de enlouquecer qualquer homem – conseguiam vencer a frivolidade e a arrogância do rapaz. Mas Narciso acabou se apaixonando e foi por si mesmo, ao ver o seu reflexo em um lago², passou dias e dias definhando até morrer, por conta da sua excessiva autoestima.
Kai já ouviu diversas vezes que era Narcisista, e achava que era uma boa qualidade até certo ponto. Ele achava Narciso meio ignorante, “morrer de amor”, Kai desconhecia frase mais idiota que essa. Não considerava Narciso um homem trouxa, por gostar bastante de por si mesmo, mas pelo fato de ter se apaixonado. Malachai amava muito a si mesmo, mas não cometeria a loucura de encarar a sua belíssima face no espelho a ponto de esquecer que tinha uma vida e acabar a perdendo pouco a pouco. Ele sabia que não tinha vida eterna, mas também não iria perdê-la por coisas banais, ele iria morrer de velho e bem famoso, foragido em algum país da América do Sul.
A paixão era o gatilho para atitudes impensadas, atitudes idiotas.
Estava se apaixonando pela Bonnie.
Mas não ia deixar que a paixão destruísse o seus planos. Nunca havia nem começado a se apaixonar por ninguém, muito menos por uma das peças de seu jogo, se pegava quebrando a cabeça para descobrir o que Bonnie tinha de especial e em como iria destruir aquele domínio que ela exercia involuntariamente sobre ele. Tinha que agilizar as coisas, antes que estivesse tudo perdido.
Teria que matar outra garota pra relaxar um pouco e também para manter Bonnie instigada a encontrar o maníaco de Mystic Falls.
Entrou na garagem da sua casa e saiu do seu veículo.
Dentro de casa, ele foi até o compartimento do imóvel que era uma espécie de ”almoxarifado” aonde guardava seu pequeno arsenal. Arsenal esse que era constituído em grande parte pela coleção de machados de Malachai que se encontravam sempre pendurados nas paredes levemente amarronzadas, pra que ele tivesse uma vista melhor de todos eles, havia também algumas armas de fogo em cima de móveis de madeira alguns tons mais escuros que as paredes, mas ele preferia matar com machados, recolheu um deles e analisou-o bem. Era afiado e pesado o suficiente, não tão bom quanto aquele com que matou Allette, mas dava pro gasto. Já tinha em mente quem iria assassinar, alguém que já observava há dias, a vizinha de uma das melhores amigas de Bonnie.
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