História Improviso - Vivo

 Liam estava com a mão direita sobre o ombro esquerdo de Zayn, o guiando para fora do auditório por de trás do palco.

 O garoto estava tenso, não sabia se devia tentar manter alguma conversa com o professor, ou se devia seguir o exercício falando apenas o necessário. Aparentemente, o professor optou pela primeira opção.

 - Então, o que você está achando do primeiro dia? – A voz grossa, porem levemente rouca, fez Liam dar um mini pulo.

 Liam ajeitou a garganta para que sua voz não falhasse ao responder.

 - Degrau. – Avisou antes de passarem por uma porta – Está sendo melhor do que eu esperava. Chegar atrasado não estava nos meus planos, mas a aula está ótima.

  Zayn deu um sorriso de canto, se lembrando da cena. Liam iria se assustar se Zayn o dissesse que estava adorável daquele jeito, todo tímido?  

 - Então foi você... – ele comentou com ar de falsa acusação, mas a diversão era notável em sua voz. Liam agradeceu pelo fato de o outro estar vendado e não poder ver como havia enrubescido.

  Antes que o silêncio ficasse ainda mais incômodo, Zayn se pronunciou:

 - Você sempre quis fazer teatro?

 - Eu tinha uma certa curiosidade, mas me obriguei a fazer porque recebi uma nota ruim num seminário, por causa da timidez. Minha mãe falou que poderia ajudar...

 - Eu acredito que você nunca vai deixar de ser tímido, você só vai perder o medo de passar vergonha, – ele fez uma pausa – pelo menos foi o que meus professores disseram pra mim. – Liam riu suavemente, e essa doce melodia fez Zayn sorrir com a língua entre os dentes.

 - Mas e você, como foi parar no teatro? Quer dizer, dá pra ver que você gosta muito do que faz - o garoto se desesperou levemente, tentando consertar sua frase que o outro poderia ter interpretado como grosseira.

 - Eu literalmente cresci aqui. – Liam não respondeu, esperando que ele continuasse – Eu não tinha nem 10 anos... Minha mãe me deixava na casa de uma amiga pra poder trabalhar, e essa amiga, Molly, trabalhava numa companhia que estava começando a ter reconhecimento. Quando as apresentações eram pequenas, Molly sempre nos levava para assistir, e a cada apresentação eu ficava cada vez mais encantado, isso quando não invadíamos o camarim... – Liam via que o sorriso empolgado (digno de admiração) que zayn apresentava quando começou a falar, tinha se transformado num triste, talvez por alguma lembrança. Ele pareceu se recuperar, levantando a cabeça e continuando a narração – Aí eu tinha idade o suficiente pra entrar na turma infantil.

 Mesmo sabendo que ele não veria, o garoto apenas assentiu e deu um sorriso, enquanto observava suas feições. O sorriso, agora de lábios cerrados, não era triste, mas também não era alegre, suas sobrancelhas estavam levemente franzidas e o nariz torcido para o lado. Liam não poderia dizer no que o professor estava pensando, mas ele queria ver aquele sorriso alegre em seus lábios de novo.

 Eles estavam agora passando por um corredor que levava a outros tipos de sala, de outros tamanhos, com cenários e figurinos. Liam os fez entrar em uma delas. 

Guiando Zayn por corredores de araras e caixas cheias de roupas dos mais variados tipos, ele se perdeu no meio de tanta vida.

Vida. Ali ele conseguia sentir a vida.

 Zayn esticou um de seus braços e sentiu as peças penduradas, logo reconhecendo onde estavam, abrindo um sorriso genuíno. Se pudesse ver o sorriso de seu aluno, notaria que era exatamente igual ao seu. Ali ele se sentia vivo.

 Não se demoraram muito naquela sala, mas Liam fez uma nota mental para passar ali quando tivesse um pouco mais de tempo.

 - Qual a probabilidade de eu ter me perdido aqui dentro? – Liam perguntou rindo, pouco preocupado.

 ­­­- Comigo, essa probabilidade é mínima – Zayn se gabou.

 - Precisamos voltar pra sala, consegue chegar lá de olhos vendados? – Usou seu melhor tom desafiador, levantando as sobrancelhas freneticamente.

 - Aposto um croissant que consigo chegar lá sem olhos – respondeu ao desafio numa gargalhada, levando o outro a rir junto.

 - Se você conseguir nos guiar até lá, eu te pago o croissant, mas Dalila não pode saber disso – Liam falou baixo, como se fosse, realmente, um grande segredo.

 Os dois riram e, enfim, encontraram o caminho de volta para sala.  Quando pararam na porta, Liam fez menção de tirar a venda, mas Zayn o impediu:

 - Preciso ir vendado até lá dentro.

 E então adentraram a sala. Duan estava sentado numa cadeira que fora retirada da pilha, a feição emburrada, com o pé machucado sobre o joelho oposto e um saco plástico transparente, agora com mais água do que gelo, que fazia pressão sobre o ferimento. Jena estava sentada do outro lado da sala, conversando com Sarah, esta ainda vendada.

 Aparentemente todo o resto da turma já estava de volta, exceto pela professora.

 - E agora? – Pelo tom de sua voz, Zayn percebeu que o mais novo estava confuso, talvez até embaraçado.

 - Temos que esperar até Dalila decidir o que vai fazer – falou de forma calma, tentando acalmar ao garoto também.

 - Mas ela não está aqui – Zayn não conseguia entender o nervosismo repentino de Liam, minutos antes ele estava tão relaxado.

 - Então esperamos até que ela volte – a cada palavra dita, ele colocava o máximo de maciez em sua voz, ainda na expectativa acalmar o garoto.

 - Mas e se ela demorar? Você também é nosso professor, não deveria fazer algo ao invés de só ficar aqui comigo?

 Então este era o ponto. O homem não sabia se devia se sentir insultado ou lisonjeado. Liam estava nervoso por estar ao seu lado, o professor, conversando com certa intimidade (por menor que fosse) na frente da turma toda. Zayn simplesmente abriu um sorriso, disposto a desafiar a timidez de Liam.

 - Mas agora eu não sou o professor, sou sua dupla.

 E pela vigésima vez naquela tarde, Liam agradeceu por Zayn não poder ver como estava corado, sem nem entender porque aquela frase o deixara desconfortável.

 - Pelo amor de Deus, onde é que vocês estavam? – A doce e esganiçada voz de Dalila anunciou sua chegada, eufórica como sempre. – Bem, não importa. Façam um circulo de novo, prometo que essa é a última vez que vocês ouvem isso hoje – Ela se posicionou no centro da roda enquanto prendia o cabelo num coque e contava quantos estavam na sala.

 Zayn foi guiado até algum lugar do circulo, Liam ficou ao seu lado, em silêncio.

 Liam olhou para trás e começou a se comunicar com Duan, que não tinha se levantado, através de gestos. Apesar do tédio, o loiro estava bem.

 - Ah, pra que ficar em pé? Vamos sentar! – Dalila anunciou e logo se atirou no chão, cruzando as pernas. – Gostaram dessa atividade? Mais ninguém quase morreu? – Ela conteve uma risada ao olhar para a expressão de Duan, que, em resposta, apenas mostrou o saco com gelo. – Comentários?

 - No começo é bem ruim. Quando você está vendado, você praticamente não dá um passo sem achar que vai cair. – Alguém que estava vendado comentou.

 - O que mais? Espera, tirem essas máscaras! – A professora gargalhou quando finalmente percebeu que parte da turma estava vendada sem necessidade, já que a atividade tinha acabado.

 Zayn tirou sua venda delicadamente, sabendo que era observado por Liam. Virou para o lado apenas por que sentiu a necessidade de estabelecer um contato visual com o outro. Com um pequeno sorriso, observou o rosto do garoto, que, apesar de ter sido pego de surpresa, não desviou o olhar no mesmo instante. Os olhos castanhos tão intensos e curiosos, os lábios comprimidos e as bochechas começando a ganhar uma coloração avermelhada. O homem gostou daquele conjunto. Com a língua entre os dentes num sorriso contido, Zayn voltou a olhar para frente.

 - Ninguém tem mais nada a acrescentar? – Dalila soou incrédula.

 - Eu adoro essa dinâmica – Zayn respondeu, divertido, ainda com aquele sorriso. Liam fitava a boca do homem ao seu lado; não conseguia entender como alguém mordia a língua ao sorrir. Aquilo não doía?

 -Você não conta, Zee. – Respondeu a professora, tentando descobrir o que aquele olhar significava. – Diga – ela apontou para a criatura loira de fora da roda.

 - Acho que você se preocupa muito mais com a sua dupla e toma todo o cuidado com ela, como se você realmente fosse um anjo.

 Zayn olhou Liam de soslaio, este que não se atreveu a erguer o olhar.

 - Ótimo! Galera, pra vocês, pode não parecer muita coisa, mas esse dia foi muito produtivo, vocês verão que nas próximas aulas vamos usar muito do que foi praticado hoje. Alguém quer acrescentar alguma coisa? Não? Ok, então vocês estão dispensados por hoje. – Ao final dessa frase a sala já estava uma bagunça. – Ei, não se esqueçam de que a partir da próxima semana, quem se atrasar ou faltar vai levar suspensão!

 Liam se levantou rapidamente, e Zayn se levantou por impulso.

 - Até semana que vem – Liam disse isso rápido, com um sorriso sem mostrar os dentes, e saiu de perto do outro mais rápido ainda.

 - Não vai desistir das aulas só porque se machucou, né? – Liam zombou assim que parou na frente de Duan, que acabara de levantar.

  - É preciso mais do que isso pra me fazer desistir – Ele sorriu desafiador, entrando na brincadeira.

 - Tchau, meninos, preciso ir, semana que vem a gente se fala, beijos! – Jena parou ao lado deles por alguns segundos para dar o recado e saiu correndo, fazendo-os rir de seu jeito espalhafatoso.

 - Também preciso ir – anunciou Liam –, até semana que vem.

 - Até. – Deram um rápido abraço com tapinhas nos ombros.

 A sensação que tomava conta do peito de Liam era ótima, e ele não queria ter que esperar uma semana para senti-la novamente.