1. Spirit Fanfics >
  2. In your colours >
  3. In-feliz Aniversário

História In your colours - In-feliz Aniversário


Escrita por: monnec

Notas do Autor


Oi, pessoas!
Não vou enrolar muito. É sério.

Vamos ter uma música de BTS no meio da fic. Eu não sei se a tradução está boa porque peguei da internet, desde já me desculpem.
Mr. Querosene, eu sei que está acostumado com capítulos de mais de 10K words, por isso acho que vai ficar felizinho com esse de +7K kkk

Aos que não gostam de capítulos grandes, me desculpem.
Boa leitura!

Capítulo 7 - In-feliz Aniversário


Fanfic / Fanfiction In your colours - In-feliz Aniversário

Min Yoongi

   Alexis era um enfermeiro que eu confiava, sem dúvida nenhuma. Ele era quase dez anos mais velho e tinha carisma o suficiente para que eu impedisse minha omma de trocar o homem por um mais experiente. Por algumas vezes segredei meus estados de espírito ao formado em enfermagem e ele devolvia palavras bonitas e brincadeiras idiotas, tentando me fazer ficar melhor. Isso quando não me carregava para aquela sala maldita e começava suas torturas chinesas em mim. Eu já falei que odeio os exercícios de reabilitação? Ah, foda-se, não custa nada salientar que eu realmente odeio os exercícios de reabilitação.

   – Yoon, seus reflexos estão melhorando aos poucos. Isso é excelente. – ele disse sério enquanto enfiava uma agulha no fim da minha perna.

   – Caralho, Alexis! Eu senti isso! – estremeci.

   – Ok... – ele retirou a agulha, fincando-a mais em cima. – E agora?

   – Menos que antes, mas ainda sinto.

   – E agora? – senti a agulha sendo retirada no entanto não senti mais nada. Ante a minha negativa, o enfermeiro voltou a espetá-la no lugar anterior.

   – Posso ser sincero com você? – o mais velho murmurou um “diga” enquanto esperava alguma reação minha de sua última investida contra minha pele. – Na moral, gostaria muito que deixasse de atuar como um idiota e parasse de me confundir com balões coloridos de festa de aniversário de criança de oito anos. Eu não vou pocar, beleza?

   – A sério que não?! Ohh, eu fiquei tão esperançoso!

   E dizendo isso, o filhote de satanás voltou a invadir minha epiderme com, nada menos que, duas agulhas em simultâneo.

   – Vai se foder, animal! – resmunguei, tentando mover minhas pernas.

   Era oficial. Definitivamente eu odiava os exercícios de reabilitação.

[...]

   Eu ainda não tinha visto Hoseok hoje. Logo ao acordar da minha soneca da tarde, senti o perfume feminino de Aileen junto à minha cama. Suas mãos delicadas faziam um carinho no meu cabelo enquanto a mulher me observava dormir. A voz de meu appa também estava presente no cômodo, porém ele sussurrava coisas amáveis para a esposa, incluindo também o amor que tinha pelos filhos e que cada vez amava ainda mais nossa família.

   Seria errado fazê-lo sofrer por eu não ser mais digno desse amor? Seria errado infernizar a vida do casal Min para que, quando eu realmente decidisse meu perdido futuro, eles não sofressem tanto?

   Sim, seria. Eles não mereciam mais desgostos, já que o maior desgosto de ter um filho cego e cadeirante foi alcançado com sucesso.

   – Vocês dois não sabem namorar num lugar mais privado? – perguntei, os assustando.

   – Você já estava acordado? – DakHo quis saber. – Podia ter dito mais cedo.

   – E perder a oportunidade de ouvir que eu sou seu filho preferido, appa? Nunca.

   – Convencido.

   – Como se você não fosse. – Aileen devolveu. – Aliás, Yoonie foi buscar os genes todos de você, querido.

   – Appa, considere isso um elogio já que a omma está te chamando de sedutor, gênio e poderoso.

   – Ok... – minha mãe murmurou, fingindo indignação com aquilo que ouvia, porém sua voz se tornou séria a seguir. – Acho que você já descansou da sessão com Alexis, são seis da tarde e Hoseok quer te levar para sair.

   – Ele já chegou?

   – Não, mas vem te buscar. Pelo que entendi vão jantar fora e andar por aí, ele está mortinho por te levar a dar uma volta no carro e mostrar que é um bom motorista. – a Min sorriu. – Ele é um amor, não é, querido?

   – Sim, ele é. E o melhor de tudo é que cuida desse mal-humorado, sedutor, gênio e poderoso sem se queixar um segundo que seja. Começo a achar que Hana tem razão.

   – Em quê aquela pirralha adotada poderá ter razão? – desconfiei.

   – Ué, que vocês dois se dão muito bem.

   – Aish! Ela não tem mais nada que inventar não? Eu vou matar aquela garota.

   – Vai nada. – appa me ergueu no colchão. – Agora ajuda seus velhos porque nós vamos te enfiar dentro de uma roupa bonita. Daqui a pouco o menino chega.

   Uma hora depois eu estava dentro do veículo. O mesmo seguia em velocidade moderada pelas ruas asfaltadas, fazendo curvas e mais contracurvas. Às vezes eu me pegava apertando o cinto de segurança quando o automóvel se movimentava mais do que o normal ao subir ou descer um morro, e isso rendia um sorriso nervoso e um pedido de desculpas de Hoseok.

   Não demorou muito quando o garoto estacionou o carro, mostrando que tínhamos chegado ao puxar o ruidoso freio de mão. Apalpando, retirei o cinto e esperei que o Jung contornasse o veículo, retirando a minha prisão do porta-malas e me encaixando na mesma.

   – Posso saber onde Vossa Mercê está me levando?

   – Para um restaurante. Pensei que soubesse.

   – Vai continuar com o suspense? Isso é abusar de minha deficiência física.

   Ele me prendeu com o cinto e apertou o alarme do carro que fez um pequeno barulho denunciando que estava devidamente trancado.

   – Viemos ao meu restaurante preferido e vamos comer meu prato preferido. Não pretendo te envenenar, patrão.

   – Não seria má ideia.

   No entanto minhas mãos agarraram os braços da cadeira de rodas quando esta se virou drasticamente para trás, numa meia volta. Eu já estava preparando meus piores xingamentos quando ouvi a voz daquele desgraçado.

   – Yoongi hyung, vou te pedir uma coisa e espero do fundo do coração que você possa cumprir. – ele não me deu tempo para pensar quando seu aroma de hortelã atingiu meu rosto. – Por favor, pelo amor de tudo aquilo que rege as boas ações do universo, eu imploro que você se esqueça de suas limitações e de seus problemas. Eu quero fazer com que essa noite seja divertida e preciso que me ajude. Você pode me ajudar?

   – Isso é algo impossível.

   – Por favor, hyung. Por favorzinho. Faça isso por nós, faça isso por você.

   Ele insistiu por mais alguns minutos, amanhando a voz e provavelmente fazendo beicinho ou talvez a famosa cara de cachorro caído do caminhão de mudanças. Sabia que era difícil o pedido daquele cuidador, sabia que era completamente impossível esquecer que eu não poderia ver ou andar, mas...

   – Tudo bem. Mas não se acostume. Você quer uma noite divertida, então terá uma noite divertida.

   – Sério? – seu timbre se elevou em descrença. – Sério mesmo? Você é o melhor hyung do mundo! – Jung se aproximou mais e colou seus lábios na minha bochecha, contudo se afastou assim que deu conta do que fez. – Eu até ia pedir perdão, mas como está no modo quero-ser-feliz nem vai achar ruim minha demonstração de afeto, não é mesmo?

   – Só não me faça arrepender, Jung Hoseok.

   Pela segunda vez minha cadeira foi virada, agora talvez para a direção da entrada do restaurante. Muito subtilmente o acúmulo de ar travado em meu pulmão escapou pelas minhas narinas. Deus, obrigado por não deixar que o garoto reparasse na ponta dos meus dedos tremendo, na minha pele quente e nas minhas bochechas rosadas, agradeci sem ao menos entender totalmente o porquê de minha reação exagerada. Era sempre assim, sempre a mesma droga quando envolvia esse pirralho.

   Calma, Min. Você só não fode a quatro meses, não aja como um moleque virgem vendo peitos pela primeira vez. Se controle. Me adverti mentalmente.

   – Senhor Jung? – uma voz formal e feminina chamou por ele à medida que íamos diminuindo a velocidade.

   – Sou eu. Tenho uma reserva para hoje.

   – Certo. Acompanhem-me, por favor.

   O garoto voltou a caminhar, seguindo a mulher que julguei ser a maître. Nós seguimos por um caminho onde vozes alegres, gargalhadas e até um choro de criança se ouvia; o cheiro da comida era notável, dando água na boca, porém não consegui identificar de que se tratava, pois aquele aroma não parecia com nenhum prato coreano que eu conhecia.

   Subimos para o primeiro andar num elevador e a primeira coisa que notei foi a diferença das vozes, que agora eram mais calmas como se fossem sussurros. Andamos mais uns metros e então a mulher se pronunciou.

   – Essa mesa está bem para o senhor?

   – Perfeita.

   – Ótimo. Irei chamar um garçom que ficará à sua disposição.

   O garoto agradeceu e então empurrou minha cadeira, ajustando a altura para que minhas pernas ficassem debaixo do tampo da mesa. De seguida ouvi algo se arrastando no chão, então se sentou.

   – Presumo que você goste de pizza.

   – Presumo que você esteja feliz. – devolvi, encolhendo os ombros. Sim, eu gostava de pizza. Gostava de uma maneira assustadora até.

   – Muito, hyung.

   Hoseok fez o pedido assim que o garçom se acercou de nós. Eu apenas me mantinha calado ouvindo sua voz incrivelmente decidida enquanto o mesmo dialogava calmamente, explicando os ingredientes que queria que adicionassem e os que queria que retirassem.

   Até o momento nada de novo tinha acontecido e a minha promessa de me manter no modo quero-ser-feliz, como o próprio referira não estava sendo tão difícil assim. Bom, não estava sendo difícil antes do rapaz ter aproveitado os míseros segundos que estava com a boca aberta para comer a minha fatia, e enfiou um pedaço de pimentão na mesma.

   – Que droga é essa, Hoseok?

   – Não era você que gostava de pepper? – atiçou, ainda controlando a gargalhada que queria eclodir de si.

   – Vai se foder.

   Devolvi, virando o copo de água que o mesmo me ofereceu.

   – Já faz um tempo desde a última vez. – ele murmurou, talvez tão baixo que pensara ser impossível eu ouvir, contudo captei bem esse som na minha mente e acabei por concordar. Também fazia um tempo desde a minha última vez. Com quem foi a minha última vez mesmo?

   E sem poder controlar, minha mente voou aos acontecimentos do dia anterior ao acidente. Jimin estava largado no chão da sala, no pequeno apartamento de Seokjin hyung. O menor estava morto de cansaço já que havia acabado de chegar da academia; claro que já estava de banho tomado, pois nunca na vida Jin iria permitir que alguém se deitasse pingando de suor no tapete felpudo que sua mãe lhe dera.

   O dono dali permanecia na cozinha, preparando qualquer coisa comestível ou não para nós. O certo é que o cheiro que vinha de lá era bem delicioso, e isso foi o suficiente para me levantar do sofá e seguir a pequena nuvem invisível que me direcionava ao de cabelos castanho claro.

   – Jimin tá cansado demais pra você, é?

   – Ele foi fazer uma visita ao submundo, daqui a pouco volta, dizendo que foi divertido rever os parentes. peguei impulso e me sentei sobre o balcão, ao lado de uma tábua com cenouras cortadas em rodelas. Qual o feitiço que está preparando dessa vez?

   – Vou fingir que não chamou minha panela de caldeirão, meu cozido de poção mágica muito menos eu de bruxo.

   – É o nosso jantar?

   – Parte dele. Tenho o arroz terminando de ser preparado e fiz algum lamen também. o mais velho foi até a geladeira, tirando de lá dois ovos para os colocar no caldeirão. Vai ficar me olhando?

   – Não tenho nada para fazer.

   – Eu até ia dizer para comer alguém, mas você me assustou durante a semana toda.

   – Até parece que rodei a cidade. rolei meus olhos Só foram quatro pessoas diferentes e se eu soubesse não tinha fodido com a imbecil da... Como se chama mesmo? fiquei pensativo por um segundo. Ah, foda-se, não me lembro.

   – A irmã daquele rapaz que te bateu?

   – Essa mesmo. Sabia que o infeliz é mais novo que eu e ainda por cima sentou o soco na minha cara?

   – Sim, Yoonie. Eu sei. Seu olho esquerdo roxo faz questão de me lembrar disso.

   – Aish. É uma pena que ele tenha quase o dobro do meu tamanho.

   – Qualquer um consegue ser maior que você. Jin deu de ombros, misturando os ingredientes na panela antes de a tampar. Mas pelos seus relatos ele deve ser um monstro. Eu já te avisei centenas de vezes: olha por onde anda, Yoongi. Um dia desses você vai acabar se machucando a sério e, conhecendo como te conheço, vai ser um filho da puta comigo e com a bela adormecida na sala.

   – Ao invés de cozinheiro nas horas vagas ou estudante de arquitetura, profeta seria uma boa profissão para você, já que insiste em profetizar desgraça na minha vida.

   – Profeta não é uma profissão.

   Pulei da bancada e perfiz meu caminho para sala, enquanto gritava a minha resposta em voz robótica. Informação desnecessária eliminada com sucesso.

 

   Calma, pensei ao organizar minhas lembranças. Afinal Jin hyung tinha sim me avisado sobre o acidente, não da forma como realmente iria acontecer mas...

   – Vão querer sobremesa, senhores? – a voz do garçom me retirou das lembranças e foi aí que reparei que tinha passado o jantar todo calado, mergulhado em memórias de quando ainda podia ver e andar por conta própria.

   – Não. Traga a conta, por favor. – Hoseok tomou a palavra. Esperei que os passos do garçom se afastassem e então me virei para o mais novo.

   – E se eu quisesse sobremesa?

   – Ninguém mandou ficar pensando na morte da bezerra. – o timbre do mesmo denunciava o quanto emburrado o garoto estava. Eu tinha prometido que lhe daria uma noite divertida, porém tudo o que consegui foi manter minha boca calada, não deixando oportunidade para que ele tagarelasse sobre algum assunto sem importância. Nem ao menos tinha comentado sobre o modo como ele dirigia ou sobre a pizza deliciosa que acabáramos de comer. Aquilo definitivamente não tinha sido diversão nenhuma. Mas também... Como eu iria proporcionar diversão a alguém sendo que, mesmo antes do acidente, diversão era a última palavra que poderia combinar comigo?

   O garçom retornou e meu cuidador pagou o que devia, se levantando a seguir e me conduzindo para o elevador. Em minutos eu já estava sentado no banco do passageiro enquanto esperava o rapaz enfiar a cadeira de rodas no porta-malas e tomar o lugar do motorista.

   – Agora vamos para onde?

   – Para casa.

   – Pensei que ainda fôssemos passear. – murmurei.

   – Para você ficar preso no seu mundo e me deixar sozinho? Não, obrigado.

   – Deixa de ser infantil, Hoseok.

   – Eu estou sendo infantil por não querer passar o fim da noite com alguém que pouco se importa em cumprir a promessa que fez? Vou te deixar em casa e depois saio de novo. Afinal hoje é quinta-feira, meu dia de folga, mas mesmo assim decidi sair com você.

   Ok, eu não estava preparado para ouvir isso. Ele estava chateado e isso o tinha deixado completamente puto comigo, o que me fez sentir uma pequena – grande – parcela de culpa. Jung era um rapaz que, para mim, continuava sendo uma incógnita. Eu conhecia tanto seus momentos de euforia: quando ele, Alexis e Hana gargalhavam horrores com as minhas teimosias, como seus momentos de raiva: agora. Só que ainda assim queria conhecê-lo mais, queria descobrir curiosidades sobre ele, o que gostava de fazer, qual era seu hobby preferido, que tipo de aluno era na escola, qual eram seus desejos para o futuro... Queria saber tudo sobre ele. Desde a hora que nasceu até a primeira palavra que foi dita.

   Sorri sem emoção. Não havia duplo sentido em querer entender aquele garoto, eu apenas queria dar a ele o que o próprio me pediu. Appa tinha razão, Hoseok cuidava de mim sem resmungar e nessas três semanas, o garoto não deu nenhuma indicação que queria se despedir. E quem agradecia por isso? Eu, certamente. Sim, aquele garoto merecia o botão do foda-se ativado. Merecia que eu me permitisse ser feliz e deixá-lo feliz, ainda que por uma ou duas míseras horas.

   Vencendo minha hesitação, estiquei o braço esquerdo, tocando suave no antebraço do motorista. Senti seus olhos pousados em mim, então sorri. – Olhe para a estrada, você não quer deixar outra pessoa inocente no mesmo estado que eu, pois não?

   – Desculpe, hyung.

   – Eu não quero ir para casa. – ele levou um tempo respirando profundamente. Talvez cogitando a ideia de ter o resto de sua noite estragada, pelo que logo acrescentei. – Sei que estraguei seu jantar, mas quero compensar isso. E se você me conhece sabe que estou sendo sincero.

   – Sim, eu consigo ver sua sinceridade. – suspirou, virando o carro na esquerda.

   Não falei mais nada, nem o garoto. Deviam ser mais de nove e meia da noite; o céu escuro, como me lembrava, e o frio cortante da noite me revigorava a cada segundo que passava. Seok pôs uma música e abriu um pouco as janelas do veículo, permitindo que a corrente de ar gelado contornasse meu rosto e fizesse meus cabelos esvoaçarem ligeiramente.

   Tateei a porta e encontrei o botão do vidro, apertando e abrindo a janela toda. O carro, que antes estava quente, agora tinha perdido drasticamente o calor, já que eu sentia o frio fazendo cócegas em minha orelha e deixando minha respiração alterada. Eu amava isso.

Eu quero ter tempo para dormir

Sem chance de descansar, vivo nos holofotes

Ahh você quer a minha vida?

Vocês desesperados, apenas serão bala para o meu canhão

Seja bonzinho comigo, você será arrastado como um criminoso

No palco, meu estilo prevalecerá e todos serão atingidos (ok).

   A voz de Hoseok acompanhou o rap que eu não tinha reparado que estava tocando. Demorei um milésimo de segundo para identificar a música, enquanto o motorista ao meu lado aumentava aos poucos a velocidade do veículo, cantando totalmente absorto no ritmo desafiador da canção.

Mas eu não estou satisfeito apenas estando aqui

Eu vou subir mais para o topo, mais alto (alto alto)

É isso mesmo, meu método é diferente

Mas eu sigo essa estrada não importa o quê

Eu costuro ponto por ponto

Se eu não consigo, coloco um fim nisso

É impossível, não tem mais como eu pronunciar desisto

Eu amo minhas regras e o trabalho que eu faço com meus parceiros.

   Meu tronco e cabeça já acompanhavam os movimentos. Era óbvio que eu conhecia essa música, uma das minhas preferidas de onde tirei inspiração para fazer meus próprios rascunhos. Sorri largo, ao acompanhar baixinho a voz do meu cuidador.

Jogador da minha própria liga

Eu me tornei o supervisor acima deles

Então, seguindo

Do 1VERSE

Vou desenhar uma imagem ainda maior

Pelo resto da sua vida, continue gritando dessa posição

Os sonhos se realizam

Honra e riqueza não é para você

Todos beijam meus pés depois de tudo, (chu)

Clique, eu sou gato e todos são ratos

Sou eu que escolho e marco um X como KAWS

Ano que vem vou mudar para minha casa

E então vou cumprimentar os meus tijolos

Abra os olhos e observe a minha ambição

Limpe seus ouvidos e ouça bem

Esta será a primeira e a última vez que falo isso

   Sabendo a parte que vinha a seguir, ignorei minha aparência de mal-humorado sem graça e deixei a voz fluir, cantando junto com ele.

I love I love I love myself

I love I love I love myself

I know I know I know myself

Ya playa haters you should love yourself brrr

   – Agora sua vez! – Jung gritou por cima do som. – Quero ver se consegue rappar tão rápido quanto ele. – eu não era um rapper profissional, mas aceitei o desafio do mais novo. Esticando meu pescoço para os lados como se estivesse me preparando, comecei.

Volte, volte para verificação de microfone

Chame-me de persistente ou durão

Sim neste jogo de rap, eu sou generoso

Faço os rappers se reabilitarem

Aqueles que começaram a relaxar

É o meu primeiro plano hashtag

Otário melhor correr

Eles enchem meu Instagram gang gang

Essa é a sua vida

Minha vida é apenas diariamente

Receber salário no dia de pagamento

Tenho um Rolex no pulso

   – Puta merda, respira, Yoongi!

   Seokie aconselhou, gargalhando com a destreza da minha língua e a facilidade em acompanhar a letra. Eu também sorri, mas sem deixar de cantar.

Click clack até o bang bang

Click clack até o pow

Eu sou tão maneiro, como você ousa cobiçar?

Mesmo se você tentar voar em minha direção

É muito alto para você alcançar

A diferença é muito grande, você não poderia ver

Depois de acabar com as suas desilusões sobre seus carros de merda

E depois que todos terminarem de brincar disso

Então voarei acima de suas cabeças, como uma mosca em cima de um cadáver.

   Minha mão esquerda simulava estar segurando um microfone ao mesmo tempo a destra fazia os típicos movimentos de alguém cantando rap. Nunca dei tantas graças por pelo menos ter meus membros superiores funcionando.

Click clack até o bang

Você e você

Fui sempre grato

Por não ganhar nada facilmente

Não é minha culpa que sua vida é tão ruim

Continue a viver assim vagamente

Desculpe, mas continue me observando

Porque eu vou ganhar ainda mais a partir de agora

Então enquanto isso viva saudavelmente.

   Foi então que o garoto me acompanhou na última parte da música. Quando essa acabou, o mesmo se desmanchou em gargalhadas ao me ver respirando com dificuldade. Se fosse a quatro meses atrás eu não estaria tão cansado, mas a falta de prática e a minha atual situação não contribuía nem um pouquinho. Apesar disso, naquele momento me senti revivido e nem sequer era por causa do botão do foda-se ligado, era natural. Eu estava natural e genuinamente feliz.

   – Nem chocolate eu como tão depressa quanto você fazendo rap! Que agilidade, hyung!

   – Aqui é Min Yoongi, meu caro.

   – Correção: aqui é Min Metido Yoongi. – a velocidade do automóvel foi diminuindo até o mesmo parar, num lugar meio esburacado e certamente de terra batida. – Chegamos.

   – Onde mesmo?

   – Num precipício. – revelou, saindo do carro.

   – Graças a Deus chegou o meu dia.

   – É, graças a Deus mesmo. – ele abriu a porta do meu lado e retirou meu cinto. Seguidamente virou minhas pernas para o exterior, meus braços se ergueram para o alcançar, contudo me assustei quando Jung passou um de seus membros superiores por detrás da minha perna e o outro por detrás das minhas costas, elevando-me como se fosse uma princesa. – Aposto que quando você ficar melhor, quem vai precisar de aulas reabilitação sou eu, já que minha coluna vai ficar toda empenada.

   – Não vai me colocar na cadeira?

   – Não.

   Hoseok deu mais alguns passos, então se baixou, me sentando no chão. Ele pediu que me amparasse em meus braços e logo a seguir senti as pernas do rapaz envolvendo as minhas. O tronco masculino se aproximou das minhas costas, suas mãos fizeram uma pequena massagem em meus ombros antes que o queixo dele encaixasse aí. Sim, eu estava sentado entre as pernas do meu cuidador com ele atrás de mim, respirando perto de mais da minha nuca.

   – Na nossa frente tem um pequeno precipício de poucos metros. – explicou, já que eu não poderia visualizar. – Durante o dia dá para ter a dimensão do tamanho mas agora de noite parece muito maior porque as árvores lá embaixo dão a impressão disso ser enorme. – não me pronunciei, pelo que o garoto continuou. – Também dá para ver a cidade daqui. Não é como a capital, com arranha-céus e...

   – Eu sei a diferença de uma cidade do litoral e uma cidade do interior.

   – Que bom então.

   O mais novo se calou por algum tempo. Eu desconfiava que ele tivesse olhando para a paisagem e pensando na vida, ele tinha tanto para pensar e isso significava que tinha muito para sofrer também. Enquanto eu possuía boas memórias, Seok não dispunha disso visto que sua infância e adolescência foi resumida em apanhar, sofrer, apanhar, sofrer, numa sequência infinita de apenas esses dois verbos.

   Também aproveitei o tempo para pensar em como tinha me divertido nesses últimos dias, principalmente no dia do algodão doce e hoje mesmo, no carro a minutos atrás. Appa e omma com certeza dariam um prêmio ao moço por ter me feito cantar. Sorri silencioso. Eu cantei. Fazia quanto tempo que não cantava assim?

   Contudo, uma ventania fez com que o menino grudado nas minhas costas se estremecesse por completo. Ele está morrendo de frio, conclui ao reparar nos minúsculos tremores de suas coxas na minha lateral. Sem pensar muito bem, me inclinei para a frente, tirando o casaco. Depois agarrei nos braços de Hoseok e os puxei, fazendo com que se encostasse ainda mais em mim. Peguei no casaco em meu colo e, num movimento como aqueles toureiros espanhóis, contornei a peça de roupa acima das nossas cabeças, pousando-a nas costas do garoto.

   – Hyung...

   – Cala a boca. – interrompi. – Ajeita o casaco aí porque não sei se ficou bem.

   – Ficou ótimo. Obrigado, mas...

   Foi aí que tomei consequência do que estava realmente acontecendo quando algo me incomodou atrás.

   – Você não está com frio, pois não?

   – Estou mas não foi isso que me fez arrepiar. – ele respondeu tímido. – Desculpe.

   – Não se desculpe por isso. Pelo menos você pode fazer isso. – deixei que meu riso nasalado e sem emoção escapasse. A última coisa que me iria fazer afastar dos braços aquecidos do meu cuidador era sua ereção. Ele era o cara que me ajudava a limpar a bunda, constrangimento e ficar sem graça devia ser algo proibido entre nós.

   Enquanto o garoto falava de qualquer coisa para mudar de assunto, apalpei o bolso da calça, sentindo a caixa e o pequeno objeto curvo lá dentro. Fazia muito tempo desde a última vez e pelos vistos essa noite seria a noite de reviver alguns momentos de antes da minha tragédia. Minha tragédia, sorri nasalado, eu é que sou uma verdadeira e triste tragédia.

   – Está rindo do quê? – o hálito quente dele chocou na parte de trás do meu pescoço. – Não deve ser de mim, certamente.

   – Você acertou. – concordei, conseguindo tirar a caixa de cigarro e o isqueiro. – Acende um pra mim.

   – Onde você arranjou isso?!

   – Não vai dar uma de Min Aileen e acende logo. – levantei o braço, para que o garoto pegasse. – Aproveitei que foi ao banheiro e pedi ao garçom para comprar pra mim. Os restaurantes costumam ter aquelas máquinas de tabaco e, com a gorjeta que eu dei, ele não hesitou em ser rápido o suficiente para que você não visse.

   – Estou vendo que o papo de que Min Yoongi consegue tudo o que quer é mesmo verdade.

   – Exato. Agora acende logo.

   Bufando vencido, a caixa foi tomada da minha palma, bem como o isqueiro. Segundos depois eu já dava a primeira tragada, sentindo a velha sensação de queimação do meu pequeno vício escondido. Assoprei a fumaça azulada, libertando meu pulmão daquela combinação tóxica e percebendo logo o efeito que o simples tabaco aceso entre meus dedos causava em mim.

   – Por Deus, Yoongi, apaga isso. Não consegue sentir o quanto fede?

   – Toma – ofereci. – Experimenta.

   – Os céus que me livrem!

   – Deixa de ser dramático, experimenta.

   – Não insiste. Cigarro e eu, definitivamente, nunca iremos ter uma boa relação. – respondeu e no mesmo minuto começou a tossir igual um desalmado. Minha gargalhada começou a se ouvir, mas aumentou ainda mais quando virei o pescoço para trás e soltei o fumo na cara do garoto. Jung deve ter respirado de surpresa porque eu jurei que aquele menino fosse morrer com o ataque de tosse que teve a seguir. – Que... D-Droga, hyu-hyung! – bravejou entre tosses. – Estou quase te empurrando para esse precipício!

   Controlei meu riso aos poucos e por fim dei uma última tragada, jogando o toco para longe de mim.

   – Agora vai ficar com esse hálito podre. – resmungou. Seu corpo se mexeu um pouco e então novamente ouvi a voz do mais novo. – Chupa isso. – colocou um pirulito na minha mão. – Pelo menos vai neutralizar um pouco esse bafo de fumante.

   Abrindo o plástico, provoquei. – Tem certeza que não vai voltar a cutucar minha traseira com esse negócio aí embaixo?

   – Yoongi!

   Seu tronco se afastou das minhas costas por um segundo, porém no instante que eu percebi o que aquele ser humano ia fazer, puxei seus braços para a frente, rodeando-os no meu corpo. – Eu fiz uma pergunta. Não me lembro de ter te pedido para afastar.

   O suspiro masculino brincou em meu ouvido e, ainda abraçado, apoiou o queixo no meu ombro novamente, inclinando o rosto para encostar em mim.

   – Obrigado, hyung. Realmente estou tendo uma noite fantástica.

   – Aproveita que estou de bom humor pra ficar nesse grude porque te garanto que isso não volta a repetir.

   – Será? – a pequena risada causou um pequeno formigamento no meu estômago. Eu já disse que adorava quando ele ria por minha causa?

   – Claro que sim. – fingi estar pensativo. – Aliás, não. Esse seu grude todo pode voltar a acontecer. Bom, isso se algum dia você conseguir fazer meu pau subir.

   A reação seguinte me fez gargalhar novamente. Seok se afastou, me dando um leve soco nas costas e exasperando coisas sem sentido. A única coisa que ouvi foi o quanto eu era idiota. É, não podia negar. Eu era mesmo um idiota, pensei, ainda gargalhando.

[...]

   Passavam das onze da noite quando chegamos em casa. O carro estava estacionado lá em baixo e Hoseok guiava minha cadeira de rodas até o final do corredor onde estava meu quarto adaptado. Estava cansado e isso era denunciado pelos bocejos alongados que partiam de mim.

   – Eu devia te dar um banho. – o garoto pensou alto, assim que travou minha cadeira, ao deixá-la em algum lugar do cômodo que partilhava comigo. Ele se afastou por algum tempo, talvez indo ao closet, porém tive resposta de onde o garoto fora logo após ouvir o barulho da água. – Vou lá embaixo preparar uns sanduíches para nós, tudo bem para você? A essa hora sua empregada já terminou o serviço.

   Apenas encolhi os ombros, não pronunciando. Isso rendeu um suspiro pesado do mais novo e uma porta sendo aberta, mas não fechada.

   Suspirei e joguei a cabeça para trás. Um sorriso surgiu como relâmpago em meu rosto, mas tão rápido veio como foi embora já que minha consciência gritou para que parasse de agir como se tudo estivesse bem. Na boa, pra quê ficar fingindo? Qual a necessidade de agir como um felizardo? Nem eu, em meu perfeito estado, sorria assim com tanta frequência, porque agora iria andar com a boca aberta, garantindo maior número de rugas na minha velhice?

   A questão era: eu iria algum dia envelhecer e ter rugas?

   Sorri sem emoção. Tá, eu tinha cantado como a meses não cantava, tinha gargalhado como a meses não gargalhava, tinha fumado, ficado ao frio tal como gostava e ainda ganhei de brinde um rapaz duro atrás de mim. Sorri novamente. Não eram todos os dias que isso acontecia, mas seria o suficiente para esquecer minha inutilidade?

   Jung pediu que lhe desse uma noite divertida e foi isso que teve. Controlei meus pensamentos, ativei meu... Como era? Botão do foda-se? É, deixei esse botão ligado e o fiz rir, tagarelar e me abraçar. Não posso negar que me senti bem com isso, mas não era essa a minha vida. Não era correto criar expectativas em algo falso. Eu cumpri minha promessa, agora era hora de voltar à realidade.

   – Hyung! Cheguei com nossos sanduíches e suco, mas vou te ajudar no banho primeiro, tudo bem? – sua voz invadiu o quarto, baixa por causa das horas embora transbordar contentamento. – Hana está acordada e esteve falando comigo por um ou dois minutos, me desculpe a demora por isso. Ela estava vendo Grey’s Anatomy e eu sem querer dei um spoiler do episódio seguinte.

   Não respondi. Hoseok deve ter entendido que eu não mantinha meu humor anterior, contudo não disse nada, me levando para o banheiro e dando um banho relativamente rápido. Quando acabou de me vestir e me deitar, correu para o banheiro, se lavando rapidamente para depois se sentar na borda da minha cama com nosso lanche.

   Nós comemos num silêncio extremamente confortável, que fora interrompido pelo cuidador assim que esse terminou de mastigar o último pedaço.

   – Eu queria te agradecer pela noite. Me diverti imenso, hyung.

   – Não quero saber. – devolvi, pousando o copo de suco vazio na bandeja ao meu lado, no colchão e me encostando no edredom.

   – Mas eu tenho que te dizer que-

   – Você não entende que eu não quero saber? – o interrompi. – Já te dei o que queria, agora me dê o que quero. É justo.

   – Sim, eu sei, mas-

   – Hoseok.

   – Porque você simplesmente não se deixa ser feliz!? Foi divertida a noite e não minta dizendo que não gostou. Eu vi nos seus olhos que se sentiu bem e que teve um bom momento. Eu sentia a satisfação que emanava de você. Você estava feliz, hyung! Doía? Me diz se doía ficar daquela maneira?

   – Pensei que não tivesse pena de mim.

   – Eu não tenho pena, Yoongi! Aish, porque fala tanto disso? Por acaso quer que as pessoas sintam pena de você?! Eu falei que vi o quão bem nosso passeio te fez. Seu temperamento exalava a boa satisfação de estar ali comigo, ao ar livre, sorrindo igual um idiota enquanto tentava me matar intoxicado. Eu vi seu sorriso, seu olhar. Estava estampado na sua cara, mas ainda assim vai fugir de novo e se aprisionar nesses pensamentos depressivos que te afundam cada vez mais?

   – Você está me irritando, Jung Hoseok. – avisei, rangendo os dentes. – É melhor parar com isso.

   – E você está sabe que estou falando verdade, só é teimoso demais para-

   – Você não é ninguém para me dar apoio moral, seu infeliz de merda!

   A raiva subiu, atravessando cada nervo do meu corpo. A combustão se alastrava em minha pele, tão rapidamente quanto um incêndio descontrolado, queimando tudo o que visse pela frente, sem nem ao menos perceber o que realmente estava à frente. Talvez fosse essa a minha desculpa perfeita quando minha mão esquerda agarrou o copo que a minutos pousei na bandeja e mirou na direção que a voz vinha. Minha fúria não permitiu que controlasse minha força ou que sequer pensasse duas vezes antes de jogar o objeto de vidro no garoto.

   O ruído dos vidros estilhaçando no quarto me fez acordar, dissipando momentaneamente todo aquele ódio contido. Entretanto não tive oportunidade para balbuciar uma palavra que fosse, quando a porta do cômodo foi aberta de rompante.

   – Eu ouvi um barulho, o que acontec... – omma não terminou sua fala. – Hoseok, querido! O que aconteceu com sua mão?

   – Nada, senhora Min. Eu só deixei cair esse copo, me perdoe pelo barulho e por ter incomodado.

   Ele estava com a voz embargada. Estaria chorando?

   – Solte isso, querido. Vai acabar por se cortar ainda mais com esses cacos. – a voz da mulher se tornou mais próxima à medida que ela adentrava mais. – Hana está na sala vendo televisão, vai lá que ela faz um curativo pra você.

   – Não, são só uns cortezinhos.

   – Cortezinhos nada, Seokie. Olhe só! Se não tivesse catando esse vidro, não ficariam esses pedacinhos fincados na sua pele. Vai lá, eu vou pegar uma pá e uma vassoura.

   – O-Ok. Obrigado e desculpa, senhora Min.

   Passos apressados foram direcionados para fora do quarto, onde agora só estávamos eu e omma. Minha mente continuava travada. Eu permanecia todo bloqueado, imerso em cólera.

   – Vai cuidar do seu querido. – sugeri com escárnio.

   – É melhor você controlar sua língua, Yoongi. Eu ouvi a discussão, estava passando no corredor e ouvi o quão duro você foi com ele! – Aileen estava nervosa pelo que seu volume passou a aumentar gradativamente. – Aquele garoto só estava fazendo o trabalho dele e você fez questão de machucá-lo física e psicologicamente também! Acredite, se ele pedir demissão, eu estarei feliz em despedi-lo e ainda o irei recompensar por isso!

   – O erro foi seu por ter contratado uma criança para cuidar de um estorvo como eu.

   – Sabe, ele não estava sangrando pelo copo ter batido, até porque não bateu, mas sim porque se abaixou para catar os pedaços e apertava o vidro com a própria mão para segurar as lágrimas. E ainda por cima mentiu para te proteger! – omma respirou fundo, controlando-se. – Faz ideia do porquê ele quis sair contigo, ou melhor, trabalhar no dia da própria folga?! – perante a minha falta de interesse a mulher prosseguiu. – Ele queria que te ver feliz, me jurou que esse seria o melhor presente que poderia receber.

   – Não me diga que...

   – Sim, Yoongi. Jung Hoseok está fazendo aniversário. Aliás, já fez porque passam dois minutos da meia-noite. – meu coração doeu, porém não mais intensamente que a fúria onde estava mergulhado. – E sabe a última coisa que ganhou de presente? Uma mão machucada e a alma ferida. – ela sorriu nasalado, quase transbordando desprezo. – Você não tinha o direito de ter feito isso! Infeliz de merda? Sério isso? E você é o quê, Min Yoongi? Não foi nisso que se transformou?

   E com essas perguntas retóricas, saiu, me deixando atormentado em meio a notícia.

   Hoseok tinha feito aniversário, abdicou de se divertir com seus amigos numa balada ou festa qualquer para estar com um inválido como eu, me deu a melhor noite desde o meu acidente e me fez, pela primeira vez, querer continuar a viver. Mas a troco de quê?

   “Eu apanhava na escola por crianças muito maiores que eu, eu apanhava em casa pelo meu pai e mais tarde passei a apanhar do cara que dizia que me amava”. Não, eu não queria fazer parte dessa listagem. Aliás, eu não fazia parte dessa listagem. Omma disse que o copo nem acertou nele, felizmente. Contudo, nesse exato momento eu desejava com todas as forças que ele tivesse se machucado, sentido dor, só para aprender de uma vez por todas que eu não queria nenhum pouco daquela compaixão.

   Eu não queria alimentar sonhos! Eu não queria que as pessoas esperassem boas coisas de mim! Qual era o problema dos outros com a minha vida?! Se eu queria fugir, me deixassem fugir! Porque caralhos achavam que, pelo facto de necessitar de alguém para me vigiar 24 horas por dia, minha mente também deveria ser controlada, monitorada?!

   Porém uma movimentação no meu quarto foi ouvida e meu coração acelerou uma batida assim que o aroma que eu tanto passei a identificar com maestria tomava conta do ambiente. Não era hortelã dessa vez, mas sim o shampoo com que ele lavava os próprios fios lisos.

   – Hoseok?

   Não obtive resposta, ao invés disso ouvi a gaveta da cômoda sendo aberta.

   – Deixa ver se estou entendendo. – sorri irônico. – Está indo, não é mesmo? Cansou de bancar o anjinho que iria me fazer feliz? Você até que aguentou bem e por muito tempo eu quis que não fosse embora. – nenhuma resposta, então continuei. – Fiquei sabendo que fui responsável pelos últimos minutos de merda do seu aniversário. – dessa vez uma gargalhada fria eclodiu da minha garganta. – No fundo você já sabia que eu não prestava mas mesmo assim quis aventurar em passar sua noite comigo. Sinceramente eu não sei quem é o mais ridículo aqui nesse quarto.

   – Boa sorte na sua recuperação, senhor Min.

   Seu baixo murmúrio completamente sufocado em lágrimas me amoleceu, só que isso não chegou nem perto da pontada em meu peito ao ouvir senhor Min. Minha mente recorreu ao dia que sua voz balbuciou essas duas palavras quando eu estava na sacada, tomando vento fresco e chateado com omma por ter contratado um garoto praticamente da minha idade para cuidar de mim. Eu não queria ouvir senhor Min, eu queria que ele soletrasse qualquer coisa, inclusive Suga, mas não o tratamento mais formal que poderia haver comigo.

   – Estou pouco me fodendo para a minha recuperação. Mas é isso? Está desistindo, não é?

   – O senhor é o único daqui que não pode desistir.

   Eu esperei que ele acrescentasse mais alguma coisa à pequena frase, porém ouvi apenas um fungar de nariz e a porta do quarto sendo aberta e posteriormente fechada. O aroma do shampoo permanecia lá, no entanto somente minha respiração tirava o cômodo do silêncio absoluto.

   Ele tinha ido embora. Eu tinha feito com que ele fosse embora.

   Porém eu esperei. Três, cinco, dez, quinze minutos. E foi aí que minha mente sofreu o pequeno baque do que tinha acontecido.

   Ele realmente tinha ido embora. Eu realmente tinha feito com que ele fosse embora.

   Todo o ódio que anteriormente sentia se transformou em decepção e fracasso. De um momento para o outro deixei de desejar morrer para desejar voltar o tempo atrás, pelo menos para impedir que ele fosse. Eu continuava de cabeça quente só que de uma maneira diferente. A confusão se mesclava aos meus dedos, puxando meus cabelos para trás, para frente, numa verdadeira bagunça, expondo como estaria a balbúrdia que ia no meu interior.

   – Você devia ter ficado aqui. – rosnei entredentes. – Você sempre aguentou meus surtos. – respirei fundo, concluindo que o ato era incapaz de me fazer acalmar. Novamente aquela onda de ira tomou conta de cada pedaço meu. Minhas mãos se esticaram pela cama, alcançando a bandeja que a minutos atrás estava os nossos sanduíches. O objeto não permaneceu por dois segundos na minha pose, pois esse mesmo voou pelo quarto, batendo sonoramente em algo que não conseguia ver. O ruído exageradamente alto do metal só aumentou ainda mais minha ferocidade já que minha destra encontrou o abajur sobre e mesinha de cabeceira. O estrondo foi maior que o anterior. Dessa vez pude escutar o vidro da lâmpada se despedaçando.

   – Yoongi? – a porta do quarto foi aberta rapidamente, denunciando a voz assustada de Hana. – Yoongi, pelo amor de Deus, se acalme!

   Gargalhei alto, tacando o relógio despertador que permanecera em minhas mãos até ser atirado em qualquer direção. A seguir gritei. – VOCÊ QUIS IR EMBORA E EU ESTOU POUCO ME FODENDO PRA ISSO! – ignorando completamente a minha irmã, eu gritei o tão alto que conseguia. Queria que Jung Hoseok ouvisse, mesmo sabendo que ele já tinha desistido de mim. – ESTOU CAGANDO SE VAI DOER OU NÃO! QUER IR? ENTÃO VAI! OU MELHOR, VOCÊ JÁ FOI, NÃO É MESMO?

   – Omma, appa! Yoonie está fora de controle! – o timbre agudo e aflito de Hana me fez rir, rir alto. E foi exatamente o que fiz, sem ao menos tentar esconder o quão doente e perturbado poderia parecer.

   – Yoongi! – a voz grossa de DakHo foi elevada perto de mim. – Yoongi, se controle! – ele não esperou reação nenhuma da minha parte, já que apenas minha gargalhada histérica e transtornada era a única coisa que dominava meu corpo. – Aileen, traga o calmante!

   Os passos apressados de omma a guiaram até o lugar onde estariam todas as minhas drogas receitadas.

   – Vocês vão me apagar, né? – dessa vez não gritei, talvez os pegando de surpresa pela tonalidade baixa e rouca do meu timbre. – Vão me drogar e depois lamentar o quão fragilizado o filho mais velho dos Min está, não é mesmo? – estendi o braço direito. – Toma, querido appa. Pode enfiar aí a seringa que a omma te deu. Verifica primeiro a dose, não quero incomodar vocês o resto da noite. Vai que tenho outro surto psicológico, né?

   – Filho...

   – ENFIA ESSA PORRA LOGO!

   No mesmo instante a picada foi sentida em minha pele. Era questão de minutos até que meu corpo reconhecesse os químicos e me apagasse. Nesse meio termo encostei minhas costas na cabeceira da cama, passando as mãos pelo rosto e notando que o mesmo estava seco. Nenhuma lágrima escorrendo e nenhuma lágrima ameaçando escorrer.

   – Omma... – ouvi o sussurro triste de Hana e então a movimentação, denunciando que ela teria saído do quarto, se segurando para não desabar ali. Eu conhecia a minha irmã e infelizmente sabia que ela teve medo de me tocar e agora tinha medo de como eu iria ficar.

   – Me deixem sozinho, por favor. – pedi.

   – Claro que não!

   – Tudo bem, ele está se acalmando, querida. – appa respondeu, atendendo ao meu pedido. O homem se afastou um pouco para dar lugar a Aileen. Essa deixou um beijo no alto da minha cabeça e então saiu, provavelmente indo dar apoio a outra filha. A mão grande de DakHo fez um pequeno afago no meu cabelo e então ele se abaixou para deixar um beijo ali. – Ele vai voltar, Yoonie. Mas enquanto isso você irá aprender a dar mais valor aquele menino.

   O Min respirou fundo e então saiu também, fechando a porta e me deixando sozinho.

   Arrependimento não chegava nem perto daquilo que sentia de verdade. Eu precisava me desculpar, contudo não iria tirar o rótulo de monstro que criei para mim mesmo. Essa era minha realidade, o meu novo eu. Um garoto que tinha de tudo um pouco mas que acabou miseravelmente doente.

   Eu precisava dele. Tinha que admitir que sim. Eu precisava daquele garoto. Droga, ele tinha sido responsável pelas minhas principais melhorias e, se eu quisesse viver, ele tinha de estar presente, agindo como a âncora que era e impedindo que meu navio boiasse sem rumo. Ainda não tinha certeza se queria continuar vivo ou não, porém a minha principal certeza era que eu queria alcançar o perdão daquela esperança em formato de moleque todo-certinho. Eu precisava daquela gargalhada contagiante, precisava daquela timidez, precisava daquelas conspirações satânicas com Alexis, precisava de tudo que adquiri nessas últimas semanas com o novo cuidador. Mas ao mesmo o odiava. Odiava fortemente. Odiava com todas as minhas forças.

   Odiava e precisava. E sinceramente não sabia qual era o mais intenso entre esses dois.

   Meu corpo pesou com o efeito do calmante, porém ainda tive tempo de chegar à conclusão que acima de tudo, apesar de o odiar...

 

 

 

 

   Eu preciso que me perdoe

porque preciso de você, Hope.


Notas Finais


Postei e saí correndo.
Não me odeiem, eu avisei sobre os lencinhos!

Até o próximo!


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...