História Inefável - Enquanto há

     Fazia alguns dias que eu perdia o sono, sempre após ler artigos de noticiários sobre a situação de refugiados do oriente médio, a persistente calamidade e miséria dos países africamos, m lista de empresas que ainda utilizam de trabalho escravo, e tantas outras situações que sempre me partem o coração. Eu sei que em todas as vezes que leio ou escuto coisas sobre esses assuntos, acabo por perder dias tentando enfiar na minha cabeça "Namjoon, tenha esperança".

     Eu não posso salvar o mundo, mas é como se o fato de eu tomar consciência de seus problemas me tornasse responsável por eles. E não sei lidar com isso. Minha impotência me levava a uma quase crise de ansiedade. Meus olhos marejados, a boca entreaberta devido a minha respiração ofegante, e uma sensação de sufoco por dentro, enquanto só conseguia pensar "Por que? Eu não consigo entender... Por que as pessoas simplesmente não se ajudam? Até quando, qualquer outra coisa vai ser mais importante que uma vida?".

     Nesses momentos difíceis, eu só sou capaz de negligenciar qualquer indicio de felicidade, E Hoseok sempre percebe minha mudança de comportamento, sempre acabava se sentindo responsável por não conseguir me animar. Mas, mesmo ele não sabendo, apenas a sua presença já me era um calmante natural. Eu conseguia relaxar vendo seu sorriso e sua espontaneidade. Me doía também porque, por dentro, eu negligenciava a sua própria felicidade. Como ele pode sorrir dessa forma enquanto tantas coisas acontecem lá fora? Fechei os olhos, me culpando, enquanto suspirava pesadamente, tentando tirar aquela sensação do meu corpo.

     Ainda bem que você sorri, Hobi, um de nós precisa continuar sorrindo. E é por vê-lo tomando café, agora, que consigo sair do fundo desses pensamentos.

-Obrigado Hobi, eu...

-Tudo bem, Nam, não se sinta culpado. Eu estou aqui.

     Ele me deu um sorriso fraco; Hobi nunca me pressionara para ficar bem, aliás, nenhum dos membros fazia isso, eles não me diziam que as coisas iam ficar bem, mas diziam que estariam lá enquanto estivessem difíceis. Eles se certificavam de que eu não ficasse só, ou me sentisse assim. 

     Mas por que eu sinto que todos ao meu redor estão alheios ao mundo que eu vejo? Aos problemas? As dores? Isso tudo pesa tanto.

-Ei, Nam. -Sua voz suave acalmava meu sufoco instantaneamente, ao passo que fez meu coração correr. Olhei-o, mas com medo de que por alguns segundos ele pudesse me ler.

-Talvez seu coração esteja te perguntando sobre esperança. A razão pela qual as pessoas continuam aqui, apesar de tudo.

     Eu o ouvi atento, segurando sem perceber o choro. Minha garganta doía ao sustentar um nó, que me desmoronaria em qualquer tentativa de fala naquele momento. Não posso chorar agora. Respira Namjoon.

-As pessoas criam afetos com o mundo, com o ambiente, elas depositam sua esperança no futuro de forma que acreditam até que aconteça. Isso é esperança, Nam. Ao redor do mundo, as pessoas inventaram formas de se salvar das coisas ruins que acontecem. Através de desejos, de um querer que é exteriorizado, que não fica preso na garganta.

     Surpreendido, meu coração acelerou. Controlei a respiração e sua voz suave me embalou, diminuindo meu sufoco interno, fazendo um fio de calor crescer na boca do estômago, minha garganta ardia um pouco menos que antes.

-As pessoas não desistiram do mundo antes, por mais que pareça o contrário. Por isso, ao anoitecer, elas faziam um pedido à primeira estrela que brilhava no céu, ao soprar um dente de leão, quando encontravam um trevo de quatro folhas, ao jogarem moedas em fontes e quando viam arco-iris. Mesmo que nos pareça bobagens, essas pequenas atitudes de desejar são esperança, Nam, são formas de não desistir de tudo. -Ele fez uma pausa, percebendo minha respiração que se tornara ofegante novamente. - Não é como se fosse culpa sua. Você não pode ser a única estrela do céu, nem o último dente de leão ou arco-iris. Nam, tire o mundo das suas costas para perceber que é muito mais dificil carregar a si próprio, e fazer isso não é desistir.

     Hobi evitara meus olhos, até que finalmente os olhou profundamente, sem um vestígio de dúvida sobre suas palavras.

-Na verdade Nam, a esperança não esta no ato de desejar. Ela é a possibilidade de até hoje, ainda, podermos desejar. Porque ainda há estrelas, há dentes de leão, há trevos de quarto folhas, há arco-íris. Eu sei que aí dentro parece não existir solução, e tudo bem ser assim.

     Ele segurou minhas mãos geladas, aconchegando-as no calor das suas, enquanto meu coração recusava se acalmar. Meu olhar sobre Hoseok era de pura admiração. Minha boca abria e fechava sutilmente, na minha falha tentativa de formular qualquer frase. Ele estava me esperando.

-Hobie... podemos olhar o céu hoje? Esperar por estrelas cadentes? -minha voz trêmula e baixa, ressoou infantilmente.

     Pude ver surgir suas covinhas, através de um sorriso genuíno que transmitia um "sim" silencioso para mim. Eu preciso fazer um pedido enquanto ainda há estrelas, enquanto ainda podemos desejar.