História Inexplicável - Cicatrizes

Quando Hermione abre os olhos aquela manhã começa a sentir seu corpo protestando por conta da posição desconfortável em que dormiu. Seu ombro doía e seu braço estava dormente. Focalizou o quarto ao seu redor, levando um pequeno susto ao perceber que esse não era o seu, encarou a mobília cara e lembranças da noite anterior lhe atingiram em cheio. Olhou para seu lado direito onde a cama do Malfoy ficava, mas essa se encontrava vazia naquele momento. Os lençóis bagunçados e espalhados pela cama, um travesseiro jogado a esmo no chão.

Hermione se levantou e se espreguiçou coçando os olhos em seguida. Amarrou o cabelo bagunçado e saiu do quarto, pretendendo achar Draco e avisá-lo que iria para sua casa. Seu corpo inteiro doía por conta da noite na poltrona. Quando desceu o lance de escadas sentiu o cheiro de comida exalando da cozinha e o seguiu, ficando surpresa ao encontrar o loiro debruçado sobre uma frigideira fritando – ou pelo menos tentando fritar– algo na mesma.

–Eu não sei cozinhar – Fala sem se virar para a mulher. – Mesmo assim achei que devia fazer algo para te agradecer por ontem, eu não me lembro exatamente do que aconteceu, mas se você está aqui é algo grave.

–Tudo bem–Responde dando de ombros mesmo sabendo que ele esta de costas e não veria o gesto. –Mas você me deve algumas explicações Malfoy, não vai fugir do assunto dessa vez.

O loiro se vira esquecendo-se momentaneamente do que estava fritando. Ele estava péssimo: Seus olhos estavam vermelhos e inchados e seu cabelo extremamente bagunçado, a pele geralmente pálida estava mais corada que o normal. E o curativo que Hermione fizera na noite anterior se destacava em sua face. Ele ergueu a sobrancelha que não estava machucada, não parecendo feliz com o tom de indagação de Hermione.

–Não devo respostas a você, Granger.

Ela cruzou os braços com teimosia.

–Sim, você deve. Eu preciso saber o porquê de você está agindo de forma tão estúpida! Você bateu o carro, sabe o quão grave isso é? Poderia ter se machucado seriamente. Céus, você poderia ter morrido! Por uma besteira chamada dirigir bêbado, você não tem idéia do quanto isso é incrivelmente irresponsável? Poderia ter matado alguém ou estar em estado grave nesse exato momento!

Os dois continuam se encarando aquele momento, a razão de um tentando sobrepor a do outro até sentirem o cheiro de queimado e o loiro voltar-se para o fogão e desligar o fogo xingando a distração.

– E lá se foi o nosso café da manhã. – Reclama depois de constatar que o omelete não tinha salvação.

Hermione revirou os olhos e assumiu o lugar na cozinha, fez outra omelete e fritou alguns ovos e algumas rodelas de salsicha, Draco colocou xícaras na mesa, uma garrafa de café e um bule de chá e os dois comeram ali mesmo. O silêncio durando apenas o tempo dos dois esvaziarem seus respectivos pratos.

– Podemos conversar?– Ela perguntou fazendo seu melhor olhar suplicante.

Draco brincou com a sua xícara vazia sem levantar os olhos para a castanha, seu semblante estava pensativo, ele parecia travar uma pequena batalha dentro de si. Quando finalmente encarou Hermione seu olhar estava duro, o que fez com que ela recuasse um pouco em sua cadeira, surpresa.

–Por que você se importa? Você poderia simplesmente sair daqui e fingir que nada aconteceu, seria melhor assim para mim e para você. Não consigo entender! Por que fica tentando meter-se na minha vida o tempo inteiro? Você tem uma maldita curiosidade insaciável ou o que?

Hermione se surpreendeu pela fala, percebeu que ele estava realmente tentando fazê-la se sentir culpada e não insistir no assunto, então seja lá o que tivesse acontecido tinha sido algo realmente grave. Ela se aprumou na cadeira e olhou no fundo dos olhos cinza de Draco e pensou na resposta. Por que ela se importava com ele? Por que tinha largado o seu jantar delicioso e saído às pressas do seu apartamento apenas para ajudá-lo? Por que havia passado a noite na casa dele, apenas porque ele havia lhe pedido para ficar? Ela respirou fundo, se surpreendendo com o quanto a resposta era simples e mesmo assim significativa.

– Eu nunca pensei que diria isso para você, mas quando você me segurou aquele dia e me impediu de cair, quando você me ofereceu abrigo no momento de desespero e me deixou entrar na sua vida e entender um pouco mais de Draco Malfoy eu me surpreendi. No inicio pensei que apenas me sentia em dívida com você, mas não é apenas isso. Quando você me pediu para ser sua amiga eu relutei comigo mesma, Hermione Granger amiga de Draco Malfoy? Seria mais fácil as estrelas caírem do céu, mas conforme os dias iam passando e eu tinha a oportunidade de te conhecer melhor comecei a gostar de você. Eu me importo porque sou sua amiga e é isso que os amigos fazem não é? Se importar um com os outros. E eu me importo mais do que já achei que um dia me importaria.

Os olhos do loiro se arregalaram diante das palavras de Hermione, ele ficou atônito por um tempo e piscou várias vezes, tentando voltar ao foco.

–Eu não estou acostumado a ter outras pessoas além da família se importando comigo. E às vezes nem minha família parece se importar muito– Fala simplesmente. – Você quer saber a verdade? Sobre o que fez com que eu quisesse mudar? Vou te falar a verdade... Ou melhor, vou te mostrar.

Draco deu as costas para Hermione e saiu da cozinha, ela o seguiu rapidamente, já que o loiro estava quase correndo pela casa. Eles subiram as escadas e passaram por vários corredores antes de chegarem ao principal, onde a maior parte dos quartos se encontrava.  Hermione se surpreendeu ao perceber que o loiro seguia para o quarto que havia emprestado para ela certa vez. Quando ele abriu a porta do quarto o cheiro de produtos de limpeza atingiu os dois, ele caminhou para o meio do quarto e abriu os braços sorrindo como um louco, agora seus olhos estavam mais vermelhos como se lutasse contra lágrimas. Hermione sentiu os pelos do seu corpo se arrepiarem, algo na atmosfera do quarto provocou aquela reação e diferente da primeira vez em que esteve ali, não parecia tão aconchegante.

–Sabe de quem é esse quarto?

–Da sua mãe, você me emprestou quando...

–Não é dela, minha mãe dormia com meu pai em outro quarto, você me viu chorando nele uma vez.

As bochechas de Hermione coraram com a informação, ela se lembrava de ter arrancando informação do loiro perguntado o porquê dele estar chorando, na época ele não parecera feliz e não aparentava estar melhor agora.

–Esse quarto era da minha ex noiva, a primeira mulher que amei e que fez questão de me mostrar que não sentia o mesmo. – Draco prosseguiu com a história, Hermione ficou chocada ao ouvi-la e encarou a cama com aversão pensando que já tinha dormido ali. Draco sentou na beira da cama e continuou a falar, repetindo as falas e expressões e apesar da história não ser das melhores, ele parecia mais relaxado à medida que falava, como se finalmente tivesse tirando um enorme peso da consciência. Falou do encontro que tivera com a mulher na noite anterior e os motivos que o levaram a parar naquele bar de beira de estrada.

–Você não tem culpa do que aconteceu. –Ela fala quando ele para de falar e fica encarando o nada.

–Será mesmo Hermione? Eu fui um cara mesquinho, arrogante, que ficava com qualquer uma e não estava nem ai para as consequências. Ela estava certa, sempre fomos comprometidos e eu nunca dei à mínima para isso.

–Não ouse! – Hermione caminha em direção a Draco e aponta o dedo para o rosto dele.

–O que?

–Não ouse se culpar! Você disse que quando começaram a namorar foi fiel a ela é isso que importa. Trazer alguém aqui quando você está viajando? Te trair daquela forma e de tratar como um lixo? Isso foi sacana da parte dela, não quero julgar ninguém, afinal eu não estou aqui para isso, mas foi errado da parte dela sim e você se culpar não vai adiantar nada!

Hermione sentou-se ao lado do loiro tentando se controlar para ouvir o resto da história.

–E o que aconteceu depois? Você disse que estava falindo e casar com ela seria uma alternativa para ajudar a salvar a empresa da sua família, mas ao romper o noivado com ela você ficou em apuros, não foi?

Ele assentiu.

–Fechei a empresa e investi boa parte do dinheiro que ainda possuía na empresa da família da minha mãe, era uma empresa grande, mas não se comparava ao que foi a Malfoy’s industry uma vez, mas eu não desisti. Não podia, me ajudou a superar aquela fase difícil.

– E sua mãe?

Ele riu.

–Assim que a empresa começou a afundar minha mãe pegou uma parte da própria fortuna e resolveu viajar pelo mundo, ela me abandonou totalmente, não recebo notícias dela há algum tempo. Eu sei que ela me ama mais que e fui eu mesmo que aconselhei que ela vivesse a própria vida por um tempo, para ajudar a superar a morte do meu pai, mas eu sinto falta dela, de tê-la ao meu lado. Quando mais um mês termina sem noticias dela eu me pergunto se realmente sou tão importante para ela quanto achei fosse. Ela não esteve ao meu lado quando eu mais precisei, se não fosse por Hollie... Eu teria desistido muito antes das coisas voltarem a dar certo.

–É claro que ela te ama, aposto que pensa em você todos os dias. Ela talvez só precise de mais tempo longe de tudo isso, nem todo mundo consegue ter a vida virada de cabeça para baixo e se recuperar tão rapidamente.

Draco riu e olhou para Hermione, seus olhos não estavam mais tão vermelhos.

–Eu não superei bem a morte do meu pai, não superei bem nada. – Ele riu novamente bagunçando os cabelos. – Quando muitos dos meus “amigos” começaram a me dar as costas e a pressão começou a cair em cima de mim eu só queria acabar com tudo de uma vez, ter Astória comigo me ajudou por um tempo, mas quando aquilo aconteceu eu perdi minha fé na vida. Perdi minha vontade de viver. Eu acreditava em Deus na época, mas depois de ver que ele me abandonou tão completamente percebi que não tem como um ser perfeito deixar alguém sofrer tanto sem fazer absolutamente nada.

Hermione abriu a boca para argumentar algo, mas ele a interrompeu com um gesto.

–Um dia eu estava tão saturado da minha rotina, nada mais tinha graça o mundo parecia ter perdido a cor para mim, tive um dia difícil, tive que oficialmente fechar a empresa, vender vários imóveis e ver muita gente me dar as costas. Eu estava tão infeliz que cometi uma loucura.

Ele ergueu a manga da camisa e o virou para cima, mostrando uma cicatriz horizontal mais branca que sua pele já pálida, Hermione surpreendeu a si mesma ao passar o dedo sobre a pele do loiro, entendendo o que aquilo significava. Segurou o pulso dele e passou o dedo novamente, como se conseguisse tirá-la dali com aquele gesto, sentiu que a cicatriz era mais quente que a pele dele e apesar de estar começando a se apagar pelo tempo ainda estava ali, representando um ato de desespero. Ergueu os olhos para Draco, sentindo os cantos de seus olhos inexplicavelmente se encherem de lágrimas, mordeu o canto da boca para tentar se controlar.

–Você...

Ele soltou a mão dela da dele e virou de costas tirando a camisa em seguida. Em seus ombros e por boa parte da extensão das costas havia um conjunto de pequenas cicatrizes. Hermione se segurou para não passar a mão também. Ele colocou a camisa novamente antes de se virar para ela. Ele parecia em dúvida entre estar aliviado por compartilhar aquilo ou se ficava com medo das possíveis consequências do ato.

–Eu tentei tirar a minha vida, duas vezes. Uma vez tentei me jogar de uma janela, quebrei o vidro com meu corpo, caí de costas no gramado e não aconteceu nada. E na outra vez tentei cortar a veia do meu pulso, não tive força para cortar fundo o suficiente e nem para ir para o outro braço, Hollie me encontrou sangrando no banheiro e se não fosse por ela eu não estaria aqui hoje. – Seu olhar se tornou distante novamente. –Ela me convenceu que tempos melhores viriam, não me deixou desistir. Ajudou-me a procurar tratamento – Um sorriso distante – Ela foi uma mãe para mim em muitos momentos.

Hermione levantou da cama exasperada.

–Porque tentou fazer algo tão estúpido? – Indagou apontando o dedo acusadoramente para o peito do loiro.

Ele a encarou espantado, não entendendo a raiva repentina da mulher.

–Ninguém sentiria minha falta.

Ela avançou para o loiro e segurou os ombros dele balançando-o com força.

–Nunca, jamais fale isso! – Ela diz pausadamente, para ter certeza que ele entenderia – Sempre existe alguém para sentir falta – As lagrimas começaram a descer naquele momento, Hermione não se importou com aquilo, precisava deixá-las transparecer.

–Existe mesmo? E a pergunta mais importante: Será que eu mereço essa pessoa?

Hermione fica de joelhos na frente de Draco, para que seus olhos fiquem no mesmo nível.

–Eu sentiria sua falta– Fala com convicção

Ele segura os pulsos da mulher a encarando profundamente, novamente ele parece surpreso, mas não fala nada. Os dois sustentam o olhar por um tempo e então ele sorri parecendo aliviado.

–Você não existia na minha vida naquela época, Hermione.

–Mas eu existo agora, por isso me prometa que nunca mais vai tentar fazer algo tão idiota e egoísta assim.

Ele assentiu.

–Eu te prometo. –Fala soltando os pulsos dela.

–Você procurou ajuda? Está melhor hoje em dia?

Ele assente novamente.

–Sim, eu melhorei gradativamente ao longo dos anos, com remédios e outros tratamentos. Resolvi continuar com minha vida e focar na empresa e o resultado você pode ver hoje. – Um brilho de orgulho se apossou dos olhos dele– Sabe o que é mais estranho?  Ultimamente eu me sinto melhor do que nunca, as coisas começaram a melhorar mais rápido, um dia não é apenas “mais um dia” ele sempre pode me surpreender e isso eu não vivia há muito tempo.

 Hermione sorriu diante da possibilidade.

– E quando você começou a perceber que estava melhorando de um jeito mais rápido?

–Quando você apareceu na minha vida, Granger.