História Infância - Cartas

Quando se é criança, nada mais importa a não ser os brinquedos e brincadeiras de faz de conta. Seu maior problema é aproveitar o dia de sol, e rezar para sua mãe não lhe encontrar quando você entra em casa sujo de lama.

O faz de conta é real, as aventuras são perigosas, o chão se transforma em lava e os gravetos em enormes espadas. Tudo era mágico, tudo era tão real a seus olhos, mas não aos olhos dos adultos, eles não entravam no castelo encantado que só você vivia.

O pequeno jardim da casa de seus avós se transformava na maior selva que somente alguém corajoso como você, tinha coragem de explorar. Os lugares tinham seu aroma característico e mesmo que fossem pequenos aos olhos maduros, aos seus eram os maiores impérios, mas eles não viam isso.

Você não entendia o porquê deles estarem sempre estressados, afinal, era tudo um faz de conta, certo? Se ao menos eles te ouvissem, não estariam tão sobrecarregados, poderiam brincar com você no enorme castelo o dia todo, mas eles não o viam. Eles estavam muito ocupados, brincando com números.

Você também começou a brincar com números quando entrou na escola. O alfabeto também surgiu, e com ele as palavras e pensamentos. Brincadeiras, amizades, elas ainda existiam. E com isso os números foram crescendo, até virarem problemas, cálculos, quebra-cabeças.

As brincadeiras foram diminuindo gradativamente, os números foram crescendo, mas ainda sim você vivia no castelo, no enorme castelo.

Mamãe e papai não viviam no castelo, o castelo de cartas deles já havia desmoronado há muito tempo, agora só havia baralhos. Você também conheceu o baralho, assim que ganhou sua primeira mesada. Eles estavam orgulhosos que você já lidava com cédulas, mas você queria comprar aquilo que não existia, você queria mundos inimagináveis, esse dinheiro não servia.

Seu castelo havia sido violado, a realidade e seus soldados o invadiram. Onde estava os campos floridos e infinitos que o cercavam? Animais falantes e pessoas bondosas? Você estava em outra dimensão?

Papai e mamãe brigaram, não se falavam mais. Isso era horrível, quem governaria o castelo quando o rei e a rainha estivessem fora de cena? Ora, era simples, ninguém. Você era inocente e fraco demais para lidar com isso sozinho.

Ops, seu castelo havia sido alagado, o céu chorava, águas pesarosas e salgadas. Você estava ilhado, mas ainda tinha sua mente para se divertir, certo? Errado.

Onde estavam seus amigos imaginários? Os animais falantes ou o simples aroma das coisas? Onde está a mágica? Você sabia, mesmo que não quisesse admitir. Você sabia que estava lá o tempo todo, trancado para você, aberto apenas para seu passado. Você não o via mais. Somente números.  

Você encarou a fria e gélida parede de seu quarto, você havia crescido. E seu castelo de cartas também havia desmoronado.