Huntington Beach, Califórnia
Quinze anos antes
Na noite fria daquele domingo o rapaz inquieto aguardava à espreita. O toque do cano metálico em sua lombar era gélido e desconfortável. Acreditou que ter a pistola consigo o traria confiança, mas, em verdade, o angustiava. Quando decidiu sair armado de casa não tinha plano algum em mente e tentava acreditar que a presença do apetrecho em sua cintura seria utilizado apenas para assustar seu alvo ainda desconhecido.
Esperou a ponto de começar a sentir as pontas de seus dedos ficarem adormecidas pelo frio. Deveria passar das vinte e três horas quando o conhecido Mustang vermelho, modelo de 99, deslizou lentamente pelo chão britado e estacionou no espaço vago em frente à casa amarela da família Hetfield. Os faróis desligaram e o motor silenciou. Ele sentiu o peito bater mais forte com o nervosismo. Estavam demorando muito para saltar do veículo. Imaginou em sua cabeça a cena que se passava dentro do veículo, já que não podia enxergá-los graças aos vidros escuros. As portas destravaram depois de um longo minuto.
Ela desceu sorridente como sempre, e do banco do carona saltou o suspeito. De todos que ele poderia imaginar aquela era a última pessoa que gostaria de ter visto no momento. Sua cabeça girou e ele não conseguia analisar seus próprios sentimentos no momento. Confusão, descrença, raiva, mágoa, tudo se misturou num turbilhão dentro de seu peito.
Os alvos se abraçaram pelas cinturas e caminharam para dentro da casa com os hormônios eriçados e risos acalorados. Ele forçou suas pernas a acompanhá-los. A porta se fechou sem ser trancada e o rapaz se postou na sombra dos arbustos, os olhos faiscando e buscando enxergar da janela o cômodo interno. Precisava de algo que provasse mais do que seus olhos já pudessem ver... Não conseguia acreditar, não queria nutrir aquela vingança por alguém que ele tanto amava e respeitava, mas era impossível não sentir a dor afligi-lo quando, pelo vidro liso, enxergou mãos e beijos, roupas sendo arrancadas com paixão.
As mãos amigas tocavam as partes volumosas de sua namorada e as línguas se entrelaçavam como se já fossem conhecidas. Os olhares que trocavam pareciam cheios de admiração e intensidade. Depois de assistir àquilo, teve de ceder ao instinto que tomou conta de seus sentidos.
A porta se escancarou com o baque repentino, assustando aos amantes que se amavam no sofá. O agressor cego de raiva não notou a agilidade de seu subconsciente e já trazia a pistola destravada na mão.
— MATT! — a jovem gritou tomando rapidamente suas roupas despidas para cobrir seus seios nus.
— Matthew, o que é isso? — o amigo tinha terror nos olhos. — Matt!
— Como pôde? — a voz arranhou pela garganta seca. — Como você pode fazer isso comigo?
— Matt, por favor! Eu posso explicar! — a garota tentou ir de encontro ao namorado, mas foi jogada de volta ao sofá.
— Eu não esperava menos de você, sua vadia! — sua voz trovejava por toda a casa. — Eu não me importaria tanto se você estivesse com qualquer outro homem da cidade, mas não ele! Puta que pariu! Jimmy, como pôde?
— Matthew... Por favor, largue a arma. — o amigo implorava tentando manter a calma.
— Vão se foder! Vão se foder vocês dois! — sua mão tremia e os dedos apertavam o metal com demasiada força. — Eu jamais imaginaria ato tão baixo vindo de você, Jimmy. Acho que poderia esperar isso até mesmo de Zacky, mas você?
— Nós podemos explicar...
— Você não vê Jimmy? — ele podia sentir lágrimas quentes molhando seu rosto raivoso. — Eu já não acreditava mais que ela fosse a mulher da minha vida, eu já não era mais enganado por ela, mas eu tinha esperanças de que pelo menos a nossa amizade fosse eterna. Você era como um irmão! Seu filho da puta, você mentiu para mim! Hoje mais cedo você... — calou as palavras para grunhir o ódio que se acumulou no peito. — Eu não acredito que entre todos nós o maior traidor seria você.
— Matthew, eu a amo... — os olhos claros suplicavam. — Eu sei que você não iria me perdoar por isso, eu sinto muito! Mas, por favor...
— Você sente muito, seu filho da puta? Você sente muito? — Matthew gargalhou de forma maníaca e assustadora. — Você é um covarde! Você acha que ela ama a você? Acha que ela não trairia você também?
A pistola semiautomática estava apontando para o chão e a mira dançava perigosamente. Matthew não tinha controle em seus movimentos, sua atenção estava turva.
— É claro que o amo! — a garota chorava, a maquiagem dos olhos escorria e borrava seu rosto pálido. — Eu o amo como nunca amei você! Você é um idiota, Matthew, que não consegue enxergar nada além de si próprio! Você é só um egoísta filho da puta como qualquer outro!
A jovem cometeu o erro de se jogar para cima do namorado. O dedo pendia nervoso sob o gatilho e os corações, que até então estavam disparados, pararam por um segundo perturbador.
So stay away from me, the beast is ugly
I feel the rage and I just can't hold it
O tiro ecoou pela casa e zuniu dolorosamente pelos ouvidos do atirador. Os olhos da garota estavam grudados aos dele em choque. Por cima do ombro dela ele o viu caído. Olhos abertos. Matthew afrouxou os dedos imediatamente deixando a arma cair e sentindo seu corpo tremular. A garganta se fechou e ele sentia a dor tomando seu corpo. Começava no peito e o consumia pouco a pouco.
— Jimmy? — chamou. A voz embargada quase não saía dos lábios. — James?
— JIMMY? — a moça berrou com a voz histérica.
O líquido quente deslizou pelo chão de madeira encerada saindo do peito do amigo. Matthew deu dois passos e caiu de joelhos na poça que se formava. Puxou o rosto do amigo, apertou e balançou desesperadamente a cabeça sem vida. Os olhos apagados fitavam a escuridão da morte e apavoravam o homicida.
— Não. — murmurou ainda rouco. — Não... Por favor, por favor, não faça isso... JIMMY!
— Olha o que você fez! — a namorada gritava e soluçava em desespero. — Ai meu Deus, que merda Matthew, que merda você fez! Ai meu Deus...
Ele não havia feito aquilo. Recusava-se a acreditar nas palavras dela. Ele era seu amigo, seu melhor amigo, ele nunca faria aquilo para Jimmy. Não teve a intenção, jamais teria.
The nightmare's just begun
— Você. — sibilou voltando-se à garota. — Você fez isso.
Ela, desesperada, borrada pelo negrume dos olhos e descabelada, chegou a abrir a boca para gritar contestando, mas foi impedida pela mão forte que a agarrou. A cabeça loira bateu no chão e seu corpo foi imobilizado pelos membros dele, muito maiores e mais fortes que os seus.
— Você fez isso com ele! — a rouquidão estrondava outra vez. Os olhos úmidos em fúria. — Você, você, você!
— Matthew... — gemeu com o mínimo de voz que lhe restava na garganta pressionada pelas mãos másculas.
— Você matou a ele! Sua vadia, você acabou com as nossas vidas!
I must confess that I feel like a monster
Cego e descontrolado pelo frenesi, sendo alimentado por seu instinto animal, esticou-se para portar novamente a pistola suja de sangue. Os olhos dela se arregalaram, a boca já perdia a cor e seu corpo fraco e imobilizado, ao invés de lutar, congelou-se por fim. Ele não sabia o que se passava em sua cabeça. Estava tudo vazio e ele só conseguia enxergar o vermelho vivo. A arma ainda esperava por outro abate, o cão da pistola pronto para bater outra vez. Tudo o que ele sentiu foi o indicador escorregar pelo sangue e, trêmulo, puxar o gatilho.
Seus olhos encharcados só viam o borrão. Seu corpo de homem largou a pobre garota e se arrastou outra vez para o cadáver do amigo. Embebeu as roupas escuras em sangue abraçando o corpo já frio. As lágrimas desciam sem pausa e ele começava a se sentir fraco e impotente. Seu peito o fazia sentir uma dor surreal e seu olfato era embriagado pelo cheiro de ferrugem, provocando-lhe náuseas.
O que durou cerca de cinco minutos pareceu, para ele, a eternidade. Continuou imóvel e em choque mesmo quando viu as luzes azuis e vermelhas invadindo o cômodo pelos vidros da janela e a sirene ressoando por toda a rua. Os vizinhos deveriam ter ouvido os disparos e acionado a emergência.
Ele agora estava fraco, exausto e perdido. A dor e o medo se misturavam, doíam como ferro quente sobre seu peito. Ali no chão, abraçando o corpo vazio e sentindo o arrependimento e o sofrimento da perda, ele apenas parou e esperou pelo o que viria.
Why won't somebody come and save me from this, make it end?
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