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História Insight - Ato III e IV: Final


Escrita por: Yubaba-chan

Notas do Autor


Dedicado total e irrevogavelmente às Shanirôs unidas, as mais incríveis sakurafãs que vocês respeitam.

Capítulo 2 - Ato III e IV: Final


 

ATO III

 “I can’t erase it

From my mind

I just replay it, love

I think of all of the time.”

 

-◊♦◊-

Naruto mantinha os olhos fechados para ouvir melhor o tic-tac do relógio. Procurava um ritmo novo no som metódico, tamborilando o indicador contra a própria fronte para criar uma harmonia. Qualquer coisa que o distraísse do caos de dentro de sua cabeça.

Tic-tac. Duas batidas. Percebeu que o som do relógio tinha uma semelhança com o coração. Ambos batiam duas vezes, rapidamente, e a cada batida ficava mais próximo do fim de algo.

Estava prestes a se felicitar pelo efeito calmante que a distração lhe causou, mas entre o pulsar do relógio e o tic-tac de seu coração, lembrou que a melodia em seus sonhos soava quatro batidas.

Dois corações que batiam juntos, seios nus colados ao seu peito. O aperto dos braços femininos em seu corpo tornava-o inteiro, seguro contra tudo que não estava dentro daquele cerco. Ali, era só ele e ela, só os dois. Não havia medo, arrependimento, nem pesos da consciência.

Abriu os olhos o mais rápido que pôde. Era inútil tentar fugir dos próprios pensamentos.

Naruto inspirou fundo e, sentando-se com os cotovelos apoiado sobre os joelhos, descansou a cabeça sobre as mãos. Imagens do sonho, imagens reais, da noite anterior, de toda a tragédia que havia acontecido naquele curto período de tempo passando por sua cabeça como slides borrados.

Ele tinha conseguido foder com tudo que lhe era importante. Procurou um jeito de se reparar, mas nem mesmo sabia por onde começar.

Resolveu, então, começar saindo de seu sofá-cama favorito — percebendo que aquilo havia se tornado seu refúgio —, caminhou pela sala vazia e puxou as persianas para abrir a janela. Deixou a luz entrar, a brisa refrescante da manhã tocar seu rosto. Encheu os pulmões do ar fresco e lentamente liberou-o.

Sob o sol morno, percebeu que tudo começou com o comentário de Sasuke. Aquela sutil insinuação foi como uma pequena dose de adrenalina em seu coração entorpecido. E depois Sarada e todo o seu embaraço inocente foram capazes de potencializar sua angústia.

Se não tivesse notado o tom malicioso de seu amigo, teria se sentido daquele jeito? Se nunca topasse com Sarada, esse sentimento afloraria algum dia? Se tivesse seguido diretamente pra casa em vez de ir até a clínica, hoje seria mais um dia como todos antes de ontem? Acordaria pelas manhãs, às vezes um pouco cedo demais, mas Hinata já estaria de pé, esperando na cozinha com seu café da manhã em mãos e um sorriso caloroso nos lábios. Desejar-lhe-ia um bom dia no trabalho e lhe aguardaria, sempre tão paciente, até a noite.

Tudo seria como era antes?

Talvez, mas a pergunta que deveria fazer é: Se nada tivesse acontecido ontem, viveria o resto da vida fingindo não sentir o que sentia?

Não. Não conseguia acreditar nisto.

Ele amava Sakura. Por muito tempo se convenceu que não, mas ele a amou por todo esse tempo, secreta ou inconscientemente. E ele ainda a amava. Sabendo disso agora, não podia acreditar que suportaria tudo do jeito que estava.

Negligenciou seus sentimentos por muito tempo. Isso desencadeou atitudes descuidadas que afetaram todos que estavam ao seu redor. Foi covarde com Hinata ao não ser sincero sobre o que sentia, foi ausente como pai ao se refugiar no trabalho para se distrair, e acabou se esquecendo que havia duas pequenas pessoas que o viam como um herói e exemplo a ser seguido.

Isso se seguiu por anos, porque achou que era o único afetado. Ele devia ser.

Reparar tudo era o que mais queria, mas sabia que não dependia apenas dele.

Afastou-se da janela, dobrou calmamente o lençol fino no qual se enrolara horas antes e dobrou o sofá-cama de volta para o lugar.

Não podia reaver o tempo que perdeu, mas estava disposto a enfrentar suas próprias fraquezas.
 

Saiu da sala, a procura de Hinata. Ela estava em casa, ele podia sentir a presença suave de seu chakra. Foi diretamente até a cozinha, mágoa e surpresa fazendo sua garganta se fechar ao notar a mesa limpa, exceto por prato cheio de frutas e cereais coberto por uma cúpula de vidro, esperando-o. Naruto quase se sentou, mas o costume gentil, depois do que ele tinha feito, da maneira que a havia deixado na noite de ontem, lhe trouxe urgência. Ele precisava falar com ela, precisava vê-la.

— Hinata? — chamou, ouvindo o suave eco de sua voz se perder pela casa.

A porta entreaberta da cozinha chamou sua atenção. Passou pela soleira, cerrando os olhos diante a luz do Sol. A varanda de madeira estava um nível acima do chão do quintal, dando ao Hokage uma visão privilegiada do Kanshoh, o pequeno jardim escondido no fundo da casa. Assim, não foi difícil localizá-la.

Uzumaki Hinata estava meio escondida entre as cercas vivas de podocarpo, apenas podia ver sua cabeça coberta por um grande chapéu de palha trançada. Um pouco hesitante, desceu os degraus e caminhou até lá, parando quando a viu voltar o rosto em sua direção, os olhos claros lampejando ao encontrar os seus. Por um instante, ela sumiu entre as folhagens até aparecer em sua visão novamente e, parecendo indecisa, ela veio em sua direção, trazendo consigo um vaso médio cheio com um pequeno arbusto de folhas laminadas e pontudas, e as extremidades sarapintadas de pequenas pétalas lilases e brancas.

— Bom dia — ela disse, a poucos passos de Naruto. O tom baixo e usual quase o fez pensar que tudo entre eles estava bem, mas os olhos dela não estavam nos seus, e não houve um sorriso ou qualquer insinuação no rosto feminino.

Quem poderia culpá-la?

Abriu a boca para retornar o cumprimento educado, mas fechou-a quando Hinata passou por ele e se afastou, fazendo o caminho que tinha feito, subindo calmamente os degraus da varanda e se sentando à mesa externa.

O Uzumaki sentiu o rosto esquentar com a sutil rejeição, contudo não podia acovardar-se com tão pouco. Puxou o ar devagar e refez os passos, tentando ignorar a umidade fria que se formava em sua palma. Limpou-a no antebraço protético e apertou firme, reunindo forças.

— Hinata... — chamou quando parou em frente a mesa, apoiou as mãos sobre as costas de uma das cadeiras vazias. — Eu preciso conversar com você.

A morena assentiu, mesmo que a atenção parecesse estar no material disposto sobre a mesa. Papéis absorventes, folhas avulsas de jornal e uma prensa de madeira. Ela dedilhava as flores do vaso, escolhendo as mais coloridas, cortando gentilmente os caules jovens.

Sentindo o estômago gear em ansiedade, Naruto girou os olhos ao redor, buscando maneiras de organizar os pensamentos quando sua cabeça encheu-se com memórias da noite anterior.

Não houve uma resposta de sua parte quando Hinata fizera-o perceber a quem ele chamava naquele momento que deveria ser só deles dois. Ele havia traído a confiança dela, feriu-a com sua deslealdade e, mesmo assim, foi ele que acabou sendo confortado com um abraço firme, enquanto as lágrimas escorriam em torrente. Só depois ele percebeu quão egoísta estava sendo, ali, preso entre os seios dela, sentindo os dedos afagando seu cabelo com cuidado, ele se ergueu num átimo e afastou-se, sem conseguir olhá-la, com que coragem poderia fazê-lo? Puxou as primeiras peças de roupa que viu na gaveta e vestiu-as às pressas. Antes que saísse porta afora, a viu se levantar, pronta para segui-lo, preocupada, então se interrompeu, quase desesperado, e pediu: “Por favor, me deixe sozinho.”

Foi a última coisa que disse a ela.

Sentou-se de frente para a antiga Hyuuga e, mesmo que ela não tivesse os olhos sobre si, acreditou que estava atenta aos seus movimentos e a sua voz.

— Ontem... — começou, inseguro, a ansiedade se agravando quando, meio escondido atrás das flores, o rosto de Hinata se avermelhou. — Eu sinto muito. Sinto muito por ter te desrespeitado daquele jeito, eu- — Esfregou a mão no rosto, procurando encontrar as palavras certas. — Aconteceram tantas coisas ontem e eu bebi... Não quero culpar o álcool, mas, merda, isso é tão errado... Eu estava magoado, vi coisas, percebi... E-eu usei você, não é? Eu não pensei nisso, não pensei em nada...

— Naruto, por favor — Hinata sussurrou, interrompendo-o. Os olhos brancos ergueram-se por poucos segundos para logo retornarem para as flores. Ela balançou a cabeça. — você não precisa...

— Preciso — rebateu firmemente, alarmado. — Eu preciso muito. Não posso guardar tudo isso... Não posso mais. Eu guardei todos esses sentimentos aqui dentro e não imaginei que eram tantos, eu tentei escondê-los de mim, não percebi que eles eram eu. Parte do que eu sou. Eu tenho vivido todo esse tempo mentindo pra mim sobre mim mesmo, pra você, e isso acabou comigo... e eu machuquei você... e sinto muito, mais do que posso falar.

Inspirou profundamente, entremeando os dedos pelos cabelos. Mordeu o lábio, sua garganta tão apertada que ele mal estava suportando. Não havia maneira de dizer sem que pudesse magoá-la, naquele desabafo não havia lugar para eufemismos, mas mesmo assim se procurou se abrandar:

— Hinata... você sempre olhou por mim. Eu fui idiota por não perceber antes, mas quando eu soube que você poderia me fazer feliz, que poderia me fazer esquecer um amor inocente e um sonho infantil que persistiu por tempo demais... Eu quis tanto isso, que agarrei com as duas mãos quando tive a chance. E quando você disse “sim” pra mim, e eu vi nos seus olhos algo que nunca vi nos dela — Ele preferiu não usar nomes, já o havia dado a Hinata na noite anterior e achou que era suficiente. —, eu achei que estava livre, pra amar você e seguir em frente. E eu segui... Quando você pôs Boruto em meus braços e depois Himawari, eu pensei “Eu tenho uma família”, não existia mais vazios, você tinha preenchido todos. Mas eu estava afastado dela, e quando notei isso, me senti culpado. Me reaproximei, achando que seria diferente, porque agora havia você, havia nós... Achei que não existiam mais sentimentos por ela e me enganei. Forcei a presença dela na nossa vida, porque queria afirmar pra mim mesmo que não havia mais nada, isso foi um erro que me fez ir para longe de você, pois percebi que não era digno de estar ao seu lado, não sou...  Porque, Hinata... nunca houve apenas você no meu coração. O amor que sinto por ela nunca deixou de existir, não é inocente e, mesmo que não seja idiota o suficiente pra sonhar, eu ainda a cobiço.

Foi como se o peso mundo saísse de suas costas, de repente. Mesmo que ela não tivesse erguido o olhar pra ele, Naruto expirou, aliviado por ter conseguido dizer tudo que tinha na cabeça, por finalmente ser sincero consigo mesmo.

O som que preenchia o silêncio de palavras era sopro da brisa entre as folhagens. E ele aguardou, ansioso e temeroso, por algum gesto de Hinata. Longos minutos se passaram antes que ela levantasse o rosto, as íris interruptas sempre pareciam olhar através dele e não foi diferente desta vez. Ela assentiu antes de puxar o chapéu da cabeça e pousá-lo sobre o colo.

— Eu... — ela hesitou, surpreendentemente um sorriso pequeno tingiu os lábios antes que continuasse: — Eu sempre pensei quanto tempo levaria para que percebesse isso.

Se não estivesse tão atento às reações de Hinata, o Hokage seriamente duvidaria de seus ouvidos.

— Você-

A morena ergueu a mão, um pedido mudo para que ela pudesse falar.

— Eu já sabia dos seus sentimentos pela Sakura-san... — O tom foi diminuindo ao fim da frase, quase como se não quisesse dizê-la em voz alta. Os olhos baixaram mais uma vez para seu trabalho de oshibana. — Na verdade, eu sei disso há muito tempo.

Naruto meneou a cabeça, confuso.

— Não entendo...

Ela ficou quieta por mais um momento, talvez também procurasse palavras como ele fizera antes, até voltar a falar.

— Você falou sobre mentir para si mesmo e não notar isso... — Os olhos translúcidos se fixaram num ponto sobre seu ombro. — mas o único que não notou foi você. Eu sempre vi como você sorria quando a via e a forma como a olhava, sem perceber... Era como você deveria olhar pra mim. Eu constantemente tentava ignorar isso, me fazendo acreditar que era algo da minha cabeça, porque quando você me olhava... eu sentia como se me amasse também. Mas... era diferente, como se apenas fosse retribuição do que eu te dava e não um gesto espontâneo.

A morena prendeu os lábios, sua cabeça baixa, enquanto ajeitava calmamente as Iris sobre a prensa, cuidando para que nenhuma delicada pétala se ferisse com o aperto trêmulo de seus dedos. Uma gota desabou sobre o papel e ela suspirou, esfregando o indicador contra a área úmida, tentando atenuar o estrago, mas outra uma gota caiu, então mais outra e outra... Ela afastou a prensa para o centro da mesa e esfregou os olhos. Ela nunca havia sido de palavras, mas agora vieram sem que precisasse se esforçar:

— Desde que nasci, esperavam feitos grandiosos de mim. Eu sempre ouvia como eu deveria ser e agir, fui treinada para me tornar uma grande kunoichi. Meu pai dizia que um dia todo o clã Hyuuga seria minha responsabilidade, e eu precisava ser forte, uma líder... E enquanto o ouvia falar de guerras passadas e a importância de nosso doujutsu para o mundo shinobi, tudo que eu pensava era que gostaria de aprender o nome de todas as flores do nosso jardim. — Mesmo que sua vontade fosse de libertar todas as lágrimas que prendia severamente, ela sorriu. — Eu sonhava com uma família e uma vida comum, sabia que nunca seria a herdeira que otou-sama queria... Por isso, por muito tempo eu fui a decepção dele, e todo esse tempo eu tentei ser uma ninja melhor para agradá-lo... mas quando Neji-nii-san morreu... E-eu... sabia que não poderia mais seguir com isso, otou-sama teria que entender... Ele entendeu, mesmo que houvesse amargura no seu olhar. Quando eu disse a ele que me casaria, abriria mão de meu lugar como Hyuuga, otou-sama me desejou prosperidade. Eu fiquei tão aliviada, porque finalmente não precisaria me esforçar para ser boa em algo que nunca almejei, eu podia ser algo sempre quis, e pela primeira vez senti que podia ser a melhor. A melhor esposa e a melhor mãe, mas... eu falhei.

Ela se levantou, pronta para sair dali, mas Naruto apertou os dedos ao redor de seu pulso e manteve o agarre firme, então quando ela tentou se afastar, o corpo voltou num solavanco direto para o peito dele.

— Por favor, não fuja agora — ele disse num fio de voz. Ela mergulhou o rosto no peito largo, agarrando a base das costas dele com uma firmeza que nunca tivera antes, permitiu-se chorar.

— Eu sou inútil — ela sussurrou muito baixo, receando que ele ouvisse, mas precisava desabafar. — Eu devia ter te segurado mais forte, eu-

 — Hinata, não. — Implorou, apertando-a firme.

— Eu podia ter te dito antes... Quão valioso é um amor distante? Não fui corajosa o suficiente. Eu o deixei sozinho.

Seu enlace sobre ela afrouxou enquanto ela ainda murmurava com tanto autodesprezo, levou as mãos sobre os ombros femininos, apertando-os em um gesto de amparo.

— A falha não foi sua. Fui eu. — forçou a voz a sair firme. — Eu estive sozinho por muito tempo, mas você surgiu como um dia ensolarado, Hinata, você me aqueceu. Não importa o tempo que tenha levado, você me fez feliz.

—... Mas não o suficiente — a voz dela era menos um sussurro. Eles ficaram em quietos por um momento até que Hinata voltasse, hesitante, a falar. — Eu sempre olhei por você, Naruto-kun, mas... por muito tempo eu estive longe, por não ter coragem de me aproximar. Sempre acreditei que, como o Sol, eu pudesse alcançá-lo... fazer com que me sentisse, mesmo estando distante, mas eu me enganei. E percebi isso tarde demais, porque seu coração já estava cheio.

Naruto prensou os lábios, negando, mesmo que não houvesse certeza suficiente em si.

— Depois de tudo, houve o momento em que eu pensei não amá-la mais. Eu estava certo disso, porque... eu já não pensava mais nela, sabia que nunca haveria... nós. Esse sentimento era como uma árvore que não floresceria, então eu apenas desisti.

— Acredito que possamos, eventualmente, deixar de gostar de alguém que amamos. Por estar magoado ou confuso... Naquele tempo em que Toneri veio... Eu me obriguei abandonar meus sentimentos por você, mesmo que no fundo do meu coração eu ainda o amasse, este mesmo coração pedia distância... Eu estava cansada de sentir tanto e você não perceber. Você não desistiu verdadeiramente, Naruto-kun, apenas cansou. Pode não ter florescido, mas você manteve a árvore viva em você.

Uma cerejeira sem flores, mas com raízes fundas em seu coração. Naruto não encontrou forças para negar mais uma vez.

Puxou todo o ar que podia, sentindo-se exausto. Nem mesmo todo o trabalho que tinha para com a vila lhe degastou tanto quanto isto.

Recostou-se a mesa, percorrendo os olhos sobre a paisagem calma do jardim.

—... Eu queria não ter machucado você — ele sussurrou sem tirar os olhos da paisagem delicada. — De todas as pessoas, você é a última que eu pensaria em magoar... E pode não acreditar, mas se eu pudesse escolher, eu escolheria amar você.

Ela se aproximou num movimento hesitante. Pela visão periférica, notou que ela observava seu perfil, os olhos brancos cintilavam melancólicos.

—... Naruto-kun... — Os dedos que se enrolaram em sua mão apertaram de leve. — Eu sei que o que sente é forte, mas eu não quero que vá embora... n-não vou desistir de você... de nós.

Seu coração descompassou, tomado por um complexo de emoções. Pesar, frustração, tristeza, medo. A reação conformada de Hinata era um duro golpe em seu peito. Ela devia repulsá-lo, esperava isso pelo olhar cintilante de mágoa da noite passada. E durante o resto da noite, enquanto lutava para fechar os olhos e esquecer, ele se viu no tempo de sua juventude novamente. Sozinho e faminto por amor. Acordado por horas, pesando as possibilidades. Um divórcio? O rosto de Boruto e Himawari lado a lado em sua mente, como lembretes. Um clã como o Hyuuga não aceitaria um laço desfeito dessa maneira, mais que um acordo matrimonial, as implicações políticas que aquilo envolvia... Um divórcio não poderia acontecer. Ficar? Era a única alternativa. Mas podia ver perfeitamente o rosto frio de sua esposa por detrás das pálpebras, as bochechas rubras pelo calor do ato carnal, o ar quente que escapava dos lábios, batendo diretamente em rosto enquanto ela sussurrava seu próprio nome. Hinata. Não Sakura. Ficar não era uma decisão apenas sua.

 Olhou para mão delicada segurando a sua, lhe oferecendo amparo e uma segunda chance.

Talvez, se ele tentasse com mais ímpeto...

Hinata sustentava uma expressão cheia de insegurança, mas a constância no aperto em seus dedos era o que realmente importava.

—... Para onde mais eu iria? — As palavras evasivas soaram firmes o suficiente para que a morena expirasse aliviada.

Quando ela entrou no cerco de seus braços, afundando o rosto na base de seu peito, Naruto inspirou fundo. Mesmo que ainda houvesse peso suficiente em sua mente para atordoá-lo, arrancar aquela carga de seu peito foi tão bom. Ele tinha se confessado. Hinata sabia de seus sentimentos, mas ainda estava ali. Ele não ficaria sozinho. Poderia recomeçar. Puxar as raízes daquela árvore antiga fora e finalmente permitir que o sol o tocasse...

Os olhos azuis se abriram repentinamente com o insight.

— Eu preciso fazer uma coisa — disse, voltando o rosto para baixo. Afastou, hesitante, as mãos dos ombros pequenos, e Hinata fez o mesmo, ainda mais devagar. — Eu prometo que não vai levar tempo, eu vou...

Naruto percebeu que sua palavra não tinha mais tanto valor para ela, então lentamente calou-se. Arrastou os pés com calma até a porta e calçou os sapatos.

— E-está indo até ela... 

Ele assentiu lentamente, tentando não pensar no timbre trêmulo da voz feminina.

— Tenho que falar com Sakura-... — engoliu o sufixo carinhoso, expirando o ar com força para fora dos pulmões.

Hinata concordou brevemente, mas não precisava de muito para notar que ela estava vacilante.

Naruto voltou-se para ela e tomou o rosto suave entre as mãos.

— É a última vez que magoei você, Hinata. — Afagou o maxilar delicado e pressionou os dedos para que ela sustentasse seu olhar. — Eu juro. Nunca mais.

Pressionou os lábios contra a franja negra e se afastou. Se ele queria tentar verdadeiramente, precisava revelar todos os segredos.

— Naruto — Hinata chamou. A voz suave levemente rouca pelas emoções. Quando o loiro se virou para ela, viu ainda nos olhos pálidos lágrimas empoçadas, mas quando ela piscou tornou-se apenas um brilho hesitante, assim como as palavras sussurradas que saíram logo após: — O que você sente por... — ela fez uma pausa pra inspirar fundo. —... por Sakura-san foi forte o suficiente para durar até aqui.

— Sim? — respondeu baixo, mesmo que não fosse uma pergunta.

— Mas... não é o bastante. — Havia um peso temeroso em cada palavra dela, como se fosse muito custoso dizê-las. — Para ela sempre foi o Sasuke-san. Ela... E-eu não quero machucar você, mas, Naruto-kun... Ela nunca irá correspondê-lo.

O corpo dele se aqueceu, envergonhado com a preocupação genuína de Hinata, mas também sentiu frio. Aquelas palavras não deviam fazer seu coração se apertar, porque sabia que eram verdades. Sempre soube. Não havia por que semear esperanças quanto a Sakura, então não o faria.

Mas estava doendo.

— Eu sei — disse lentamente antes de sair.

 

 

-◊♦◊-

Apenas braços vazios...

como um elo quebrado

 

Naruto estava diante ao espaçoso quintal aberto da propriedade Uchiha. Hesitante, ele contemplou a casa ao longe. Os longos pinheiros negros — símbolo de poder patriarcal — cercavam a habitação e contrastavam com a suavidade da nova arquitetura.

Assim como imaginava que seu próprio clã fora um dia, os Uchihas eram estritamente tradicionais. Lembrou-se das casas antigas e vazias do distrito Uchiha, e como uma em especial — a mansão principal — lhe parecia imponente e intimidante, com seus telhados curvados de cerâmica negra e paredes altas de concreto. Os jardins abandonados eram feitos apenas de pinheiros negros, muros de bambu e arbustos rasteiros; uma paisagem metódica feita em verde escuro das plantas e cinza de pedras. Ilustrava uma residência para abrigar pessoas poderosas, sem dúvida, mas nunca lhe pareceu receptiva.

Agora, mesmo que a floresta escura ao redor fosse semelhante àquela de suas lembranças, a casa cor de marfim escondida entre as árvores inspirava... aconchego. O gramado do quintal era amplo, verde límpido, apenas interrompido pelas largas rochas planas que trilhavam um caminho para a varanda aberta, construída sobre uma fundação ligeiramente mais alta que o resto dos cômodos, que eram blocos visíveis mesmo pelo lado externo. Nas beiradas do telhado terracota pendiam madressilvas jovens, recém-floridas. Grande parte das janelas largas encontravam-se abertas, as cortinas tremulando com a brisa da manhã. Esta era uma visão acolhedora, este era definitivamente um lar.

Seus pés se arrastaram até a escada baixa que subia para varanda. Puxou a respiração algumas vezes quando se prostrou ante a entrada. Quando ergueu a mão para bater, a porta se abriu num rompante, sobressaltou-se quando encontrou um par de olhos verdes lhe encarando, desconfiados.

— Naruto — Sakura disse com seu timbre feminino e grave. Havia um matiz hostil na voz, enquanto jades lhe vistoriavam dos pés à cabeça. Ela pôs o corpo para fora e fechou suavemente a porta atrás de si. O loiro tencionou, engolindo seco, mas antes que pudesse teorizar sobre a aparente irritação da mulher, sentiu uma dor crua e súbita em seu pé esquerdo.

— AI! — arfou, seu corpo se curvando ligeiramente em direção a área afetada. Sakura tinha pisado forte na ponta de seu sapato, sentia os dedos latejarem. Ergueu a cabeça. — Que droga, Sakura-chan.

Ela mordeu o lábio inferior e cruzou os braços.

— É você mesmo... Desculpe, eu apenas queria testar uma coisa — disse, envergonhada, mas logo sua expressão lampejou, irritada novamente. — Mas culpa é sua, de qualquer maneira.

— Do que você está falando? — Experimentou pisar o chão com o pé dolorido e prendeu uma reclamação.

— Você estava na feira, semana passada.

— Eu?

— Aparentemente. — Sakura cerrou os olhos, e continuou, entredentes: — Eu havia comprado algumas coisas para o jantar e estava a caminho de casa quando você apareceu ao meu lado e ofereceu ajuda. — Ela meneou a cabeça, colocando as mãos sobre os quadris. — Eu deveria imaginar... você sendo um cavalheiro, tch... Mas aceitei... E quando lhe dei a bolsa, você sumiu. Um bunshin simplesmente... — ela balançou os dedos, simbolizando uma explosão. — As pessoas ficaram olhando meus legumes rolarem pela feira e... oh, ei!, você ainda consegue rir disso! Foi tão humilhante que eu sinto que pisar no seu pé apenas não é o suficiente, shannaro!

Naruto até tentou segurar um sorriso, mas era tão impossível atuar com Sakura. Quando estava com ela, tudo ocorria naturalmente.

— Desculpe, Sakura-chan, eu só... — interrompeu-se quando ela ergueu a palma e sacudiu.

— Vamos conversar melhor sobre isso, ok? — A kunoichi empurrou a porta da frente com o quadril e entrou, deixando-a aberta para que ele a acompanhasse.

Naruto hesitou antes de segui-la. Ele tinha um motivo para estar ali e precisava estar preparado para a reação de Sakura, mas temia as consequências.

Ela vai ficar irritada, com certeza. Meneou a cabeça. Provavelmente tentará me acertar, mas eu preciso fazer isso.

Tirou os sapatos no hall de entrada, que ficava abaixo do nível da sala, e subiu o degrau. É só a Sakura-chan, encorajou-se. Mas parou subitamente sobre o piso de tatame, sua respiração presa na garganta. A sala ampla e iluminada estava vazia e bem organizada, exceto por uma pilha de livros abertos sobre a mesa de centro e... uma capa negra jogada sobre o sofá.

Deus, como Naruto podia ter esquecido?

Automaticamente concentrou-se, pesquisando a assinatura de Sasuke ao redor. O fluxo de chakra familiar surgiu com uma retração mínima. Ele não estava muito perto, mas isso pouco significava. O Uchiha poderia aparecer em minutos com a técnica de cintilação corporal, ou em segundos com seu ninjutsu de espaço-tempo. Claro que Sasuke não utilizaria tal poder se não fosse uma situação emergencial. Mas Naruto acreditava plenamente que qualquer elevação em seu chakra ou no de Sakura, o colocaria em alerta.

Sakura-chan precisa manter a calma.

Aproveitando que sua percepção estava aguçada, deixou que a assinatura de Sakura envolvesse seus sentidos e o levasse a ela.

Para ele, sempre foi difícil descrever como se sentia o chakra de alguém. Era uma combinação perfeita de energia física e espiritual. Como estar na presença da pessoa, perto o suficiente para sentir o calor humano. Além da percepção de tato, também havia cheiros particulares, fracos quando de desconhecidos, mais quase saboreáveis se pertenciam a pessoas próximas.

Naruto podia distinguir inúmeras assinaturas. Da torre do Hokage, sentia facilmente Himawari, Boruto ou Hinata. Kakashi poderia estar fora de sua vista por quilômetros e ele ainda sentiria o característico cheiro de chá branco e pergaminhos antigos do chakra de seu antigo sensei. Sasuke esteve em outras dimensões e ainda foi possível percebê-lo — sândalo e fumaça —, mesmo que fosse necessária muita concentração para captá-lo de forma sutil.

A sensação do chakra de Sakura lhe era diferente. Não pela inquestionável força que provinha dele, ou pelo aroma fresco que emanava. Era... apenas complicado de descrever. Sentia-o intenso. Como uma chama viva que parecia tremular sob sua pele.

No momento em que seu coração parou, e Sakura deu-lhe tudo que tinha para que retornasse a viver, passou a senti-la com mais vigor, tão perceptível quanto o chakra de Sasuke, mesmo que Sakura não tivesse uma alma fraterna que se ligasse a sua, eles criaram laço igualmente forte.

Perguntou-se esperançosamente se ela sentia o mesmo.

Naruto parou sobre a soleira da cozinha e observou o perfil feminino. Ela usava um vestido acinturado, vermelho profundo. O loiro se perdeu na forma que o tecido agarrava à cintura delgada e balançava solto depois dos quadris, a bainha acabava a um palmo acima dos joelhos.

— Ei, — Sakura disse sem olhá-lo, estava concentrada colocando diversos temperos em uma bacia. — você quer...? — começou, mas então sorriu e revirou os olhos. — O que eu estou dizendo, você é o Naruto, é claro que você quer. Pegue dois ovos para mim.

Ainda hesitante, ele avançou até o balcão no centro do cômodo, alcançando a cesta de vime cheia de ovos brancos.

— Aqui.

— Quebre-os. — Ela estendeu a bacia para que ele fizesse como ordenado. Assim que as gemas e claras escorreram para dentro do recipiente, ela usou hashis para misturar homogeneamente os ingredientes.

O silêncio que se impôs logo após lhe deu um pequeno sopro de coragem para falar:

— Sakura-chan... — mas sua voz foi definhando quando a iryou-nin lhe virou as costas, chamando sua atenção para o símbolo Uchiha, um grande e imponente leque redondo bordado entre as omoplatas femininas.

Ela ergueu a perna esquerda e esfregou o tornozelo contra a panturrilha direita. As suripas balançaram sob os pés femininos, elas eram feitas de veludo preto e tinham, no mínimo, três números a mais que os que pés de Sakura. Obviamente eram calçados masculinos.

— Mm? — ela ronronou.

Aqueles sinais não poderiam ser mais claros.

Acovardou-se.

— Onde ‘tá o teme?

— Está com Sarada — ela respondeu, um sorriso quase irritado esticando os lábios rosados.

De repente toda aquela coisa de espontaneidade se evaporou. Ele sentiu que não conseguiria contá-la.

— ...Treinando? — disse, aéreo. A única coisa que conseguia ouvir com clareza era seu coração palpitando rápido. Engoliu seco.

— É, você sabe, ele precisa ensiná-la com o sharingan e o jeito-Uchiha-de-ser.

— Isso se parece com Sasuke.

Sakura se virou, segurando uma frigideira retangular, depositando-a sobre o fogão e logo acendendo uma das bocas. Naruto observou-a despejar um fio de óleo sob a superfície da panela, depois um pouco da mistura de ovos e outros elementos que ele desconhecia. Ela empurrou a franja para longe dos olhos com as costas das mãos e, com auxílio dos hashis, pôs-se a enrolar cuidadosamente as lâminas de omelete.

— Mas eu me sinto realmente excluída, porque Sasuke-kun não me deixa acompanhar os treinos! Não é como se fosse algo extraconfidencial!

 —... Você já falou com ele sobre isso? — perguntou, mesmo que sua cabeça não estivesse completamente em sintonia com a conversa.

Os olhos verdes estavam nos seus, cintilando irritadiços. Naruto observou os lábios dela se movendo, mal conseguindo se fixar nas palavras. Enquanto ela dissertava, ele tentava absorver o máximo daquele momento. Da forma franca que ela falava, sem receio de ultrapassar algum limite, tão à vontade. Ele sempre gostou de ouvi-la, da forma que ela sorria empolgada ao tentar lhe explicar sobre todos os benefícios de uma erva ou uma nova técnica medicinal que ele não fazia a mínima ideia de como funcionava, ou mesmo quando brigava com ele.

 Talvez fosse a última vez que a veria agir tão espontaneamente perto de si.

—... e eu tive que fazer aquela droga de Gōkakyū depois que nos casamos, porque “é um rito de passagem que todo Uchiha deve ter”, tsc! Eu nem mesmo tenho afinidade com Fogo, mas ele praticamente me obrigou a fazer aquela droga.

— Esse é o Sasuke — murmurou com uma risada baixa enquanto observava Sakura caminhar até a mesa de jantar. Aproximou-se e sentou-se quando ela gesticulou para que o fizesse.

A rosada habilmente cortou os rolinhos de ovo frito e distribuiu as fatias entre dois pratos.

— Tome. — Ela lhe estendeu hashis limpos. Naruto pegou hesitante, seu estômago se torcendo em gelo de ansiedade, mas sentia fome. Tirou os olhos da médica para o seu prato e prendeu os lábios firmemente quando percebeu algo inusitado. — O que há? Nunca comeu tamagoyaki?

—... eles estão verdes.

Sakura bufou.

— São apenas alguns vegetais. — Ela pescou um rolinho de seu próprio prato e levou a boca. — Mm, está ótimo. Prove.

— Sakura-chan... — Ele menou a cabeça. A rosada nunca fora um símbolo gastronômico e tinha tendências a recriar todo tipo de comida em versões muito saudáveis... e nem sempre muito saborosas.

— Ah, não acredito. — a voz feminina estava estarrecida. — Você continua não comendo vegetais?

— Eu como — mentiu. — Só que...

A médica riu, definitivamente ela não acreditava nele.

— Você é um bebê chorão — disse ela, ainda sorrindo. Ela comeu mais um e pegou outro entre os hashis. — Vamos, coma. Eu comprei todos os ingredientes hoje cedo, estão frescos.

 — Esse é o problema.

— Não pode recusar se você sequer provou — ela insistiu. — Não dá pra viver apenas de lámen, você sabe.

O Hokage sorriu.

— Na verdade, dá. Vale-lámen vitalício, lembra?

Ela grunhiu, apertando o tamagoyaki com os pauzinhos ameaçadoramente.

— Agora você está apenas me irritando. — Sakura se curvou sobre a mesa e empurrou os hashis contra os lábios de Naruto. — Coma.

Sem alternativas, o loiro abriu a boca e deixou que a médica depositasse a comida em sua língua. Mastigou.

— Caramba — sussurrou. Estava gostoso. Muito gostoso.

Sakura sorriu, ainda curvada sobre a mesa, se divertindo com sua reação surpresa.

— Como sempre, eu estava certa. É bom, não é?

Ele assentiu, comendo rapidamente os rolinhos dispostos em seu prato. Arriscou roubar um dos dela, mas a Haruno estapeou sua mão.

— Quando aprendeu a cozinhar... ér...assim?

— Eu sempre cozinhei assim — a rosada murmurou, os olhos verdes cerrados. — Apenas me aperfeiçoei. Agora sei que condimento combina com que tipo de alimento, em vez de apenas escolhê-los por seus benefícios... hm... — Ela corou. — Ok, talvez eu não cozinhasse muito bem, mas agora definitivamente posso fazer algo bom e saudável. Veja, eu apenas adicionei cebolinha, salsa e folhas daikon nos ovos e assim seu café da manhã tem mais Vitamina K, que é fundamental para manter a densidade mineral óssea, a salsa ajuda a prevenir retenção líquida e daikon tem muita fibra, então, você sabe, é ótimo pra manter o intestino-

— Ok, são muitos benefícios, mas... ew. Não quero ouvir sobre intestinos funcionando agora.

Sakura riu, dando de ombros. Ela apoiou um cotovelo sobre a madeira e deitou o rosto contra a mão, observando-o comer.

— Você ainda é o ninja cabeça oca número um.

Naruto sentiu o peito se encher de calor com o sorriso que ela lhe deu. Era tão cheio de carinho... Ele quase podia acreditar que não era o único a se sentir como se sentia.

Mas ele era.

Sakura não o amava como ele queria. Ela não estaria aqui, vestindo um brasão que não era seu, usando calçados masculinos e com marcas de lábios sobre o pescoço, inspirando em cada gesto pertencer a outro.

Ela nunca seria sua. Era por isso que estava ali. Assim como foi com Hinata, ele precisava ser sincero com Sakura. Confessar o ajudaria a seguir em frente, não haveria mais um “e se” para perturbar seu inconsciente.

Seus olhos estavam presos em Sakura, calmamente desfrutando de seu café.

— Sakura-chan.

— Sim?

— Eu amo você.

Uma pausa tensa se fez até ser cortada por uma risadinha de Sakura. Naruto esperou que ela reagisse mais agressivamente, mas ela apenas baixou os olhos para seu prato vazio.

— Um “obrigado” já basta. Eu apenas lhe fiz um bom café da manhã, Naruto. — Ela se levantou rapidamente e recolheu seu prato, levando-os para a pia.

O loiro inspirou fundo.

— Eu vi você e Sasuke ontem à noite — as palavras saíram num único fôlego.

Ouviu-a ofegar, mas o som foi abafado pelo som de vidro se quebrando. Naruto tentou engolir o nó seco que se formou na garganta, até mesmo esfregou a garganta, mas era inútil. Aquela dor não era física.

— Eu estava indo pra casa — continuou quando ela não fez nada além de observá-lo com olhos arregalados. Levantou-se da cadeira e se aproximou dela. —... eu encontrei com Sarada e ela disse que não tinha conseguido falar com você, me pediu que eu te avisasse que estaria com os avós. Eu estava logo atrás de você e queria apenas te dar um susto... Sakura-chan, eu não pretendia espiar, mas eu vi e... E-eu apenas fiquei surpreso e-

Surpreso? — ela sussurrou. — Que droga isso significa? Você ficou... surpreso... por eu estar com o meu marido? Você invadiu nossa privacidade e... — Sakura cerrou as pálpebras com força, o rosto pálido ganhando um tom rosa profundo. — Quanto você viu? — a voz dela era baixa e enrouquecida, olhos verdes cintilando em mágoa e constrangimento. Ela meneou a cabeça. — Não importa... Eu quero que você vá embora.

A expressão dela foi um golpe duro no peito de Naruto. Ele estendeu a mão, mas recolheu-a quando Sakura arredou para trás, se distanciando.

— Eu fiquei surpreso porque doeu ver vocês juntos... doeu muito, Sakura-chan.

Não. — ela o cortou, se aproximando e empurrando o peito dele com firmeza. — Não quero saber. Vá. embora. Saia daqui.

— Ontem percebi que ainda amo você — disse num suspiro muito baixo. — Que eu nunca deixei de te amar de verdade. — Se interrompeu quando a rosada pegou seu colarinho e o puxou em direção a saída, caminhou duramente, mas conseguiu emendar entre os solavancos: — Eu contei pra Hinata... Ela disse que já sabia.

A mão dela desconectou-se de sua roupa no mesmo instante.

— O que você disse a Hinata? — ela arfou, o rosto empalidecendo.

— A verdade. — Toda a carga de emoção estava quase tirando seu ar. É necessário que seja assim. — Eu disse o que sinto por você. O que sempre senti.

Sakura balançou a cabeça com veemência, os braços cruzados contra o peito com força, como se estivesse se contendo. Talvez estivesse.

— Você não me amava, era apenas outra competição entre você e o Sasuke.

— É mais idiota que eu se acredita nessa merda! — ele rugiu, fazendo-a se espantar com sua expressão colérica. — Está mentindo pra si mesma mais uma vez e eu odeio isso.

— O que quer que eu diga?! — ela gritou também. — Que inferno você pretende? — um som engasgado saiu da garganta dela, mas ela mordeu o lábio e endureceu a voz. — Por que está fazendo isso agora?

— Porque é um adeus, Sakura-chan — soluçou, entorpecido. Desviou os olhos dela para a porta e suspirou. — Eu precisava dizer a você, porque só assim eu posso seguir em frente. Eu não quero manter esse sentimento comigo. Quero olhar para trás e acreditar que fiz tudo ao meu alcance.

Sakura se abraçou com mais firmeza, os ombros mexendo em desconforto. Ela não o olhava.

— E você já fez?

Uma onda de amargura subiu por sua garganta com o tom indiferente.

— Sim...

Ela lhe deu as costas. O brasão Uchiha cintilando.

— Ótimo, então você pode ir.

Ele não esperou que ela pedisse mais uma vez.

Depois de calçar seus sapatos, abriu a porta e saiu. Mal chegou ao primeiro degrau, no entanto. Toda a tensão e ansiedade ebuliu tão de repente que ele quase perdeu o equilíbrio. Apoiou a mão no joelho e sentou-se na escada. Respirar tornou-se complexo, então ele se concentrou puxar o ar e soltá-lo. Devagar, uma, duas vezes.

— Eu fiz o que pude — insistiu num ofego baixo. Acabou.

Não tinha sido nada como confessar a Hinata. Não houve alívio ou leveza depois que as palavras saíram. Seu coração estava... vazio. Sem mais árvore ou raízes ou sol. Não havia nada.

Sem forças, Naruto recostou a cabeça entre os joelhos e tentou a todo custo só respirar. Ele sequer sentiu a presença dela, apenas se sobressaltou quando dedos suaves tocaram o topo da sua cabeça.

Sakura tinha o rosto corado, marcado por lágrimas. Ela afagou carinhosamente seu rosto e sentou ao seu lado.

Ele não fez um gesto de alerta ou pediu, mas deitou a cabeça sobre o colo macio e seja lá o que estava prendendo sua respiração, sua garganta se destravou com um grunhido rouco e então percebeu que estava chorando. A rosada não falou, apenas corria o polegar abaixo de seus olhos, espantando cada gotinha que escorria. Não soube quanto tempo ficaram ali, mas demorou bastante até que seus olhos secassem.

— Eu sinto muito... — ela sussurrou, os dedos indo e vindo em seus cabelos. — Eu nunca quis mentir pra você.

— Tudo bem, Sakura-chan — ele disse, finalmente respirando fundo, mas seus olhos permaneceram baixos. Podia ver o padrão dos fios que construíam o vestido dela, o vermelho naquela área estava mais escuro, molhado de suas lágrimas. Um sorriso torto chegou aos seus lábios. — Eu estou sendo apenas um bebê chorão. Além de tudo, o erro foi meu. Tirei conclusões precipitadas sobre sua reação e não pensei muito em como seria a minha.

— Tudo foi dito tão de repente... — O loiro podia sentir as vibrações da voz dela contra seu ouvido, tinha um efeito calmante. — Eu fiquei tão chateada, eu estou, mas fui muito fria, você já está tão magoado. Eu sinto muito.

— Não. — Ele cerrou os olhos. — Eu não cheguei a pensar que o que sinto fosse um fardo pra você. Você apenas tentou se livrar disso, eu entendo.

— Naruto — ela arfou, parecendo indignada. — Você não é um fardo. Eu não estava tentando me livrar de você.

— Sakura-chan, por favor... — Tentou se levantar, mas ela apoiou a mão em seus ombros, impedindo.

— Eu menti pra você porque queria que você se livrasse de mim — disse ela, lentamente. Naruto estacou sobre o colo dela e esperou que ela continuasse. — Queria que você fosse feliz ao lado de alguém que pode te amar totalmente. Eu nunca poderia ser essa pessoa, Naruto, você sempre mereceu mais. Mesmo antes, quando estávamos no País do Ferro, eu não estava brincando com seus sentimentos. Sasuke estava longe e você estava disposto a interceder por ele... Tive tanto medo, eu apenas não queria perdê-los.

A confissão o silenciou. Fitou os olhos verdes, pensativo.

—... E se eu acreditasse em você, Sakura-chan? Se eu tivesse dito “eu também te amo” e tivesse ficado ao seu lado?

— Provavelmente eu seria Uzumaki Sakura agora.

Naruto assentiu devagar, mesmo que não acreditasse naquilo. Ele nunca desistiria de salvar seu amigo e Sakura também não. Mesmo que a tentativa vã de matá-lo naquela época fosse surreal, Sakura apenas vira aquilo como uma forma de salvação.

Houve um momento de silêncio que o shinobi apreciou, as mãos de sua amada tocando gentilmente o topo de sua cabeça de maneira quase maternal.

— Você está parecendo algo como lixo, sabia? — ela murmurou, os dedos pálidos acompanharam as curvas arroxeadas abaixo de seus olhos.

— Obrigada pelas palavras gentis, Sakura-chan. Você realmente sabe como levantar uma pessoa...

— De verdade, por que está andando por aí como se não precisasse descansar? — prosseguiu ela, fingindo não ouvi-lo. — Você não pode ser tão negligente consigo mesmo, Naruto. Com o seu tipo de alimentação e tantas horas sem dormir vai acabar deixando o posto de Hokage vazio em breve.

— Eu sou Uzumaki Naruto, o maior shinobi desta geração — disse a ela, lhe mostrando seu melhor sorriso convencido. — Não é tão fácil assim — Apontou para si mesmo e sua aparência cansada. — me derrubar.

— Algumas gotas de um bom sonífero numa tigela de lámen e eu poderia derrubar o maior shinobi da geração e toda sua prepotência — Sakura rebateu calmamente, batendo com os nós dos dedos na testa de Naruto.

— Hinata jamais iria tão longe, você sabe, ela não é uma companheira controladora — ele grunhiu num sorriso contido antes de acrescentar: — Isso se parece com você.

Os lábios de Sakura formaram um círculo em perfeita indignação. Ela empurrou os joelhos pra cima, tirando-o de seu colo.

— Sonífero definitivamente é algo de Hinata, porque se fosse eu, apenas acertaria sua cabeça até você estar em sono induzido, shannaro!

— Eu vejo... — Não conseguiu segurar o riso nervoso que tão logo se dissipou. — Eu consigo ver tudo isso tão facilmente, Sakura-chan... Como seria se fossemos nós dois. Se seria fácil e leve como é quando estou com você ou se seria mais sério. — Ele sorriu e meneou a cabeça. — Eu duvido muito disso, é impossível ser sério quando estou com você.

— Naruto...

— Acho que eu tenho sonhado muito com isso sem perceber, porque é tão real. Eu me vejo caminhando ao seu lado depois do trabalho e você reclamando sobre como o hospital te cansa, mesmo que você ame isso também... e — inspirou. — como se pareceria uma criança, minha e sua. — Ele olhou para expressão surpresa e emocionada de Sakura e sorriu. — Se ela teria seus olhos ou os meus. Se diria shannaro! ou dattebayo! ou uma mistura dos dois.

Prendeu os lábios, de repente constrangido por ter lhe confessado até isso. Mas não havia mais motivos para manter qualquer esperança quanto a ela, havia? Por que não deixar todo o sentimento e expectativas saírem?

— Eu sei que isso nunca vai acontecer — disse depois que Sakura ficou em silêncio. — Por que você ama o teme. Sempre foi ele, não é?

Os olhos verdes estavam empoçados mais uma vez, cintilando como estrelas.

Sim.

Naruto assentiu e estendeu a mão até o rosto dela. Limpou uma gota que escorreu sobre a maçã do rosto.

— Está tudo bem, Sakura-chan. Vai ficar tudo bem.

Apertou as pálpebras, sentindo os braços dela se enrolarem em volta de seu pescoço. O ombro macio e contra seu rosto. Inspirou devagar, como se a qualquer momento ela pudesse evaporar de suas mãos, seus dedos se moveram com temor pelas costas mornas. Sentindo a lateral do pescoço de Sakura aquecendo sua bochecha, Naruto tremeu, o desejo de que tudo pudesse dar certo entre eles se tornando tão forte que quase não pode se conter.

— Prometa pra mim que você vai tentar de verdade — ela sussurrou em seu ombro. — Você merece ser feliz, Naruto. E Hinata pode fazer isso.

— Eu prometo — proferiu com firmeza. Ele nunca conseguira negar nada a esta mulher. — Eu prometo.

— Obrigada — ela inspirou com a voz inflamada, os braços se apertaram mais a sua volta.

Seu rosto moveu-se levemente para a direita, foi um gesto inocente, mas fez com que sua boca se arrastasse, firme, sobre a pele quente do pescoço da rosada. Ela se enrijeceu levemente, mas não o empurrou.

— Obrigado por ter me ouvido, eu sinto muito por te magoar — expôs, sincero. — Eu precisava disso. Puxar raiz por raiz, mesmo que me machucasse. — Naruto afastou-se do cerco dos braços dela e explicou quando percebeu a confusão no rosto úmido. — Meu amor por você, Sakura-chan, eu o guardei por muito tempo. Isso acabou tornando tudo um pesadelo pra mim. E sempre ouvi que contar era o melhor jeito de afastar os pesadelos da cabeça. Achei que te arrancar de uma vez fosse o melhor jeito de te deixar saber, mas desenterrar pouco a pouco foi o ideal, assim eu pude organizar melhor o que sinto.

Ela assentiu e apertou sua mão.

— Eu entendo.

Naruto se levantou devagar e puxou a Sakura para que o imitasse. Eles se entreolharam por um momento breve até que o Uzumaki suspirou.

— Era assim que eu imaginava um adeus.

Sakura baixou o rosto quando ele desceu calmamente os degraus, sentindo a leveza que tanto esperou. Mesmo que esta fosse mais acre e dolorida.

— A partir de agora verei você apenas de longe, não é? — a rosada sussurrou, fazendo-o parar.

Naruto encontrou no rosto distante um misto de sentimentos. Ela estava de pé, com as mãos escondidas atrás das costas. Parecendo hesitante e conformada, havia uma tristeza no semblante, por mais que ela tentasse esconder. Ele a conhecia bem demais para perceber isso. E também nunca pôde suportar ver nos olhos dela.

— Não por muito tempo, Sakura-chan... Eu estarei focado em cumprir minha promessa, mas, acima de tudo, nós somos companheiros de time. E companheiros nunca se separam, dattebayo.

Conseguiu arrancar um sorriso dela, foi autêntico o bastante para que resplandecesse em seu peito.

 E com isso, Naruto percebeu que o adeus talvez não fosse tão necessário. Ele podia viver para cumprir mais uma promessa a ela, contanto que toda vez que a encontrasse terminasse com um até logo. 


Notas Finais


- O nome Hinata significa “Lugar Ensolarado”, seu hobby favorito é oshibana (Flores prensadas). Eu só queria deixar bem claro a analogia que o Naruto sobre o Sol e a árvore de cerejeira. Ficou claro? Por favor, digam que sim, porque na minha cabeça ficou lindo, aaaa
- Kanshoh significa "jardim de sentar", são jardins geralmente centrados ou feitos em torno de uma residência.
- Tamagoyaki é uma omelete comum, que é enrolada como um rocambole, depois fatiada em tiras grossas.
- Suripa é um tipo de pantufa utilizada apenas em ambientes internos.
Se deixei passar alguma coisa, me perguntem.

7 meses pra fazer um epílogo, isso não existe! Mas esse enredo só me veio a cabeça há pouco tempo. A história ia ser muito diferente se eu tivesse postado o que tinha em mente inicialmente, e, segundo pesquisas, a maioria ia detestar. Fica aí o mistério sobre a primeira versão desse epílogo. Eu tenho tanta coisa pra falar que nem sei, aaaaaaaaa, alguém me socorre.

Obrigada, Lisa, pela tour *todo dia pedindo att de insight*. Vero, Ana, Vit, Veveta, Jackie, Carine, Bia, Duda, Bruna, porque todas vocês merecem duplo agradecimento sim.

Até a próxima, amores ♥


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