História Intervalo - Você tinha Harry e eu não tinha ninguém

Quando nascemos, o narcisismo de nossos pais renasce na forma de amor e nos é passado como o primeiro impacto em nossas virgens almas. Assim que conseguimos diferenciar nosso eu do resto do ambiente, manifestamos então esse narcisismo como primeira herança parental. Nós, enquanto bebês, acreditamos que somos perfeitos. Invencíveis. Nós sabemos quem pode nos fornecer o que queremos e exatamente o que fazer para consegui-lo.

Porém, com o tempo, vamos percebendo que não somos o único desejo de nossas mães. Não somos tudo na vida dela nem tudo o que ela precisa. Nossa alma sofre o primeiro abalo. O bebê é destronado. A partir daí, lutamos para conseguir o amor e a aprovação de volta.

Nunca foi algo difícil com Louis e eu, talvez porque ambos buscássemos aprovação um no outro. Agradar para ser amado. Buscamos esse ideal infantil que acreditamos ser a perfeição. O narcisismo se manifesta no amor, porque o objeto de amor é um reflexo do nosso ideal infantil. Amar a si mesmo através de um semelhante.

Eu não sei se seria amigo dele se não estivéssemos em uma banda porque eu e ele somos extraordinariamente parecidos.

Às vezes fugíamos, sob as luzes artificiais, fumaça e nenhum de nós dois pensava em viver. Apenas existíamos para aquele momento, nossos corpos um perfume vago e nossa alma um eco distante de som. Louis era brilhante naqueles momentos, um jardim de todas as belezas – seu rosto de rosas com contornos enrolados, sorrisos de lírios brancos amarelando-se, pele de papoulas com o rubro espreitando-lhe a presença, olhos de violetas que crescem no regalo dos rios, e pequenas camélias e miosótis sem perfume e... E alma como os girassóis isolados que giravam e queimavam em direção ao sol.

Nossas almas (narcisistas) se encontravam e choro à lembrança. Nem ao sermos felizes o éramos... Ambos ansiando e esperando.

Por que Louis conheceu Harry. Não havia semelhança, nem necessidade de agradar. E ainda... Eu sempre me perguntei, sou eu o que você desejava tudo o que você sonhou? Serei eu o suficiente para você? Talvez o que me fez te amar tanto foi que você me mostrou como é se apaixonar por mim primeiro.

O pós-março 25 esvoaçou-se como dias, sobretudo para mim, a quem o tempo não pode ter mais ação do que um instante que focou a minha vida inteira. Atingimos o sofrimento máximo e nada mais já nos faz sofrer. Você queria que eu ficasse Louis e lamento ter-lhe causado esse sofrimento... Mas eu sei que você não deve perder a sua essência tentando ajudar o outro, porque a relação mais importante que você tem na sua vida é com você mesmo.

O ódio é uma emoção autodestrutiva. É como a sua alma comete suicídio.

Você é a minha perfeição. Havia um estranho, sim, no meio do nosso jardim, no relógio de nossas imperfeições que marcavam horas irreais... E Louis meu amor, nada vale a pena senão o saber de que nada valeu a pena. Talvez fora daquele jardim, das árvores próximas e flores afastadas, exista algo de real para mim, merecedor do meu olhar. 

Você tinha Harry e eu não tinha ninguém.

Nós dois sabemos, por intuição dolorida, que o mundo onde eu e você éramos dois, se existia, estava além do alambrado de flores proibidas, no lugar onde não há nada.

O nosso amor era o perfume da consciência própria, obscuramente dois, sem saber quando um começava e outro terminava. Eu não poderia deixa-lo trair-se daquela maneira. A loucura do nosso sonho o assustou eu acho - e assim morremos, atentos ao matar o jardim separadamente, para que Harry não percebesse que éramos um só, cada um o reflexo do outro, o eco de seu próprio ser...

E provavelmente, enquanto estamos sentados aqui esperando para viver por alguma coisa que irá nos mudar para sempre, como em romances, a vida está fazendo o mesmo, esperando pela gente.

Esperando.