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História Intimamente Emma - Infelizes


Escrita por: WoundedBeast

Notas do Autor


Olá, meninas e meninos.

Como prometido, antes do previsto, aqui está o décimo capítulo.

Façam uma boa leitura.

Capítulo 10 - Infelizes



Regina foi se afastando com o carro, deixando a jovem Emma para trás com pena na consciência, mesmo assim, ela ainda não sabia se teria coragem para ver a moça quando anoitecesse. Por um momento se arrependeu de ter conversado com ela, ter encontrado logo Emma, a pessoa errada na hora errada. Embora mil ideias surgissem enquanto dirigia, Regina não estava em um bom momento para coloca-las no papel. Em um segundo que fechou os olhos, perdeu a jovem de vista no retrovisor, já havia virado a curva e dado a volta inteira no quarteirão, contudo, era tarde demais para encontrar com ela de novo e dizer que não iria até sua casa à noite.

Regina estacionou na garagem da mansão, saiu de seu Plymouth com o embrulho na mão e voltou para dentro de casa tendo a certeza de que mais ninguém a viu sair. Quando chegou, viu Belle conduzindo o marido até seu atelier de pinturas, empurrando a cadeira de rodas. A moça o deixou no recinto e logo saiu para terminar o almoço. Regina largou o sobretudo negro sobre o cabideiro na entrada, deixou o embrulho com os remédios sobre o móvel e seguiu até seu escritório, se trancando lá até o meio-dia. Escreveu um capítulo inteiro de Intimamente e desistiu, sofrendo para terminar. Há dias vivia com uma enxaqueca, e pensava que era por pensar demais na traição que sofreu. Estava tentando fazer o possível para ignorar as cartas do marido e da tal Beija-Flor, só que devia viver com ele, o homem em quem acreditava, e toda vez que olhava para ele se lembrava da sensação, da decepção de descobrir algo improvável.

Dava pequenas tragadas em um cigarro de um maço fino que arranjou quando foi no centro da cidade, mas nem por um decreto ela se acostumara com o sabor amargo que ficava na boca. Não era a primeira vez que fumava, já havia experimentado um daqueles do marido quando mais jovem e tinha preferência por coisas mais refinadas como um charuto Havana que o sogro deu de presente a Daniel uma vez, mas foram poucas as experiências. Estava tentando achar alguma coisa que entorpecesse, um relaxante, uma distração. Ela logo abandonaria o cigarro durariam pouco tempo porque no final de um o que lhe restava era ansiedade ao invés do contrário.

Então chegavam as horas do dia em que não havia outra alternativa a não ser encarar Daniel, como no almoço e no jantar. Regina se sentava com o marido, esperava Belle servi-los e a dispensava com um agradecimento breve. Em todos aqueles dias, Regina puxava um assunto e deixava o resto para Daniel, enquanto suas respostas eram limitadas a um “Uhum” ou “Sei”. Ele gostava de falar mais que ela sempre sobre pintura, ideias ou da recuperação que ele acreditava que viria. Regina no mínimo limpava a boca, sorria sem a necessidade de mostrar os dentes e terminava a conversa deles com um: “Estou satisfeita, querido.” E ela via duplo sentido na frase, se satisfeita pela refeição, poderia também estar satisfeita pelo casamento, ele podia acabar ali naquele instante.

Com o tanto de trabalho que dava para Belle, outro dia a moça foi ao seu escritório pedir as contas. Andava saturada tendo que cuidar da casa e do sr. Colter, então Regina sugeriu que ela indicasse uma pessoa para ajudar a moça na casa. Belle concordou e saiu aliviada do escritório. Foi nesse mesmo dia em que Regina levou Daniel no médico, o dr. Whale, e ele lhe recomendara homeopatia, pois fazia parte de seus testes com pacientes portadores de paralisia transitória. Regina não disse uma palavra entre o caminho do consultório do dr. Whale até a mansão, Daniel falou sozinho sobre uma recuperação que ele queria, mas Regina sabia que não viria.

Ele fez um comentário sobre as olheiras exageradas dela, mas a mulher contou que estava com alergia a maquiagem e ele acreditou. A mentira de Regina não triscaria nele nem um pouco, ela se sentia no direito, por isso em dois ou três dias ela recusou almoçar com ele, mandando Belle dizer que estava sem fome e que a empregada o fizesse companhia.

Hoje, Regina almoçou com Daniel, seguindo a rotina do “Uhum” e do “Sei”. O levou até o atelier rapidamente e voltou ao escritório. Perdeu uma tarde tentando escrever, mas não tinha vontade, ela precisava que Emma aparecesse de novo para a empolgação voltar. Se lembrou do aniversário da moça, na fala dela na calçada antes de partir com o carro. Não seria justo enganar a moça já que pessoas enganadas eram capazes de coisas assustadoras. Regina via Emma como uma força impulsiva e sedutora. Ela poderia dar um jeito de ir até sua casa e dizer o quanto Regina era mal caráter. Certo, ela estava pensando besteiras, coisas fora do contexto e no fundo não acreditava que Emma fosse tão incompreensiva. O terceiro cigarro do maço tinha se findado quando Regina decidiu que não iria jantar com o marido essa noite. Ela mirou uma prateleira no lado direito do escritório e largou a guimba do cigarro no cinzeiro, caminhando até  onde queria, a mulher pensava em escapar do jantar daquela noite com um bom pretexto. Enfiou a mão entre livros organizados alfabeticamente e pegou um exemplar de uma obra sua de quatro anos atrás, chamada, Redenção. Um de seus últimos livros lançados e o terceiro mais vendido entre a lista do The New York Times. Regina o abriu e deu uma olhada, era um exemplar que guardara para dar de presente a algum amigo do marido ou dela quando recebia visitas em Nova York, mas Por alguma razão não entregou aquele. O enredo falava sobre uma mulher traída em busca de redenção sobre a vida, e isso era no mínimo irônico se tratando de um livro que a própria Regina escreveu, como se previsse o que aconteceria quatro anos mais tarde em uma noite num cômodo da mansão em que estava morando. Ela pensou em dar aquele livro para a jovem, ela ia gostar de ler algo parecido, até porque estava entretida com a metade da história escrita de Intimamente.

Regina não percebeu que ficara tarde e se assustou quando ouviu as batidas de Belle atrás da porta do escritório. Ainda segurava o livro, estava relendo, tentando encontrar ela mesma na personagem principal quando foi interrompida. Ela se levantou de onde estava sentada e abriu a porta.

— Com licença, senhora. O sr. Colter está a sua espera para o jantar. — comunicou a jovem empregada.

Regina deu um leve suspiro, pensou se escaparia da refeição para ir ao aniversário de Emma. O que seria melhor para ela? Olhar para o marido irritante com as mesmas conversas, correndo o risco de apertar o pescoço dele pelo ódio acumulado dos últimos dias ou ter uma boa conversa com Emma sobre qualquer assunto, comendo um bom pedaço de bolo ou torta? A escritora pensou por seis segundos.

— Diga ao meu marido que estou ocupada, não posso parar. Ouça, menina, quanto está cobrando para ficar aqui esta noite?

Belle não entendeu.

— Como, senhora?

— Preciso que você fique aqui e tome conta do Daniel para mim, eu pago um valor a mais, o que você pedir. Apenas hoje e você me indica quem faça esse trabalho das próximas vezes. — Regina tentava convencer Belle.

Um pouco mais de dinheiro não faria mal para a empregada. Belle estava ganhando muito bem na casa do casal, porém andava cansada do trabalho em excesso. Tinha um incentivo agora, não custava tanto de sua energia ficar o resto da noite sentada ao lado do pintor, assistindo a algum programa ruim na TV ou esperando ele dormir para cochilar na poltrona em seguida. A moça assentiu prontamente, mas sabia que Regina andava escondendo algo sério, não questionou, na verdade se sentiu obrigada a ajudar a sra. Mills de quem secretamente sentia pena.

— Tudo bem, senhora. Eu fico.

— Preciso de mais um favor seu. Diga ao meu marido que não quero ser incomodada, que estarei a noite inteira no escritório e não sairei até terminar de escrever o que preciso. Eu vou sair de casa e não pretendo voltar cedo. — Regina passou pela moça com o livro na mão e procurou o sobretudo escuro que vestiu mais cedo.

— Sim, senhora. — Belle viu a mulher se vestir com o casaco e sair apressada pela porta principal da mansão.

Regina correu, descendo os degraus na entrada da casa, sentindo um alívio imenso por não precisar encarar o marido por algumas horas mesmo que poucas. A rua estava ligeiramente úmida de uma garoa fina que desceu do fim da tarde e agora, Regina conseguia escutar as botas fazendo barulho no chão molhado enquanto andava apressada até a casa de Emma. Mas ela viu a caminhonete parada na porta da casa, havia mais alguém lá dentro com a jovem. Regina parou, desistiu de seguir, não era o tipo de pessoa muito sociável, e um pavor de tentar ser simpática com outros que não fossem a jovem subiu sua cabeça. Ela deu meia volta retornou cabisbaixa, decepcionada pela própria covardia. Se odiava em parte por nunca ter sido um exemplo de carisma, era na maior parte das vezes retraída, misteriosa e não mudaria porque seu ego pedia para ser daquela forma. Ela parou no meio da rua, estava muito escuro quando olhou novamente na direção da casa de Emma. Conseguia escutar um ruído tímido vindo lá de dentro, uma música que ela estava tentando reconhecer ou algumas músicas, pois o ritmo mudara. Não queria voltar para casa, então olhou o livro em sua mão e decidiu esperar. Se sentou no degrau de uma casa a venda dois lotes do de Emma e ficou ali. Acendeu um cigarro que achara no bolso interno do casaco e esperou.

Estava olhando o céu, cheio de nuvens nebulosas ameaçando uma chuva que perduraria toda a madrugada, ela perdeu a noção de que horas eram. Mas não demorou tanto quanto achava que aconteceria. Um casal saiu de dentro da casa da jovem, ela os reconheceu. Eles se foram e a menina parou na porta, depois o portão, não dava para ver Regina de onde estava.

A sr. Mills sentiu medo de se aproximar, mas não havia saído de casa para não ver a jovem. Quando Emma entrou, ela saiu de trás do muro e tocou e andou até a casa, o portão, a porta. Respirou fundo, o coração estava disparado, ritmado como se um impulso o mandasse ficar daquele jeito. Ela tocou a campainha e Emma apareceu mais rápido do que pôde piscar.

— Feliz aniversário, Emma! — disse para a jovem, olhando bem para ela, seu vestido de saia rodada, o rosto corado, os cabelos escuros em trança. Teve a impressão de que o peito se apertou quando a viu, e talvez fosse pelo flash que teve da primeira e última vez que entrou naquela casa, a casa de Emma, da garota que trazia inspiração para ela.

— Eu estava esperando por você, eu não estava enganada. Sabia que você viria. — Emma, sem pretextos tomou a mão livre da mulher e a puxou para dentro de casa. Fechou a porta sem tirar os olhos dela, notando que um dia todo se passou e que por algum milagre a escritora parecia melhor do que quando a viu cedo.

— Estive pensando se não seria interessante aparecer um pouco. Veja trouxe isto. — Regina mostrou o livro para a garota.

Emma a fitou primeiro, depois pegou o livro nas mãos e abriu.

— Foi você quem escreveu isso?

— Uhum. — Regina gemeu a resposta, assentindo.

Emma deu uma passada rápida pelo livro com os olhos e disse:

— Sei que ainda vou preferir Intimamente, mas é óbvio que vou ler esse livro também.

As duas ficaram sem reação, quietas como se não precisassem dialogar, apenas se olhar e entender que não estavam em um sonho.

Emma apontou o caminho da sala para Regina, e a mulher caminhou devagar pelo chão de madeira, os tapetes, olhando tudo de novo. Nada tinha mudado desde que esteve ali.

— Senta, eu vou trazer um pedaço de torta que ganhei dos meus tios. — disse a jovem, espiando o jeito dela.

A mulher se acomodou, cruzou as pernas e assentiu.

— Vou aceitar um pedaço de torta, ainda não jantei. — disse aquilo despreocupada.

Emma apertou os lábios aparentemente ansiosa, girou nos pés e foi até a cozinha e um minuto mais tarde trouxe um prato com o doce, entregando para a escritora. Se sentou numa cadeira de balanço velha, que mais se parecia um ornamento na sala do que um lugar, estava óbvio que a avó Swan deixou mais aquele objeto de herança para a moça. Emma não mudara nada dentro da casa onde viveu a maior parte de sua jovem vida, tudo tinha aspecto antigo, embora tudo fosse conservado. Assim, Emma se encostou na cadeira, trocando um olhar com Regina que durou todo o tempo em que a mulher saboreou a torta de cereja. Ela via Regina lamber os beiços, limpar o canto dos lábios sujos de cobertura; um envolvente jogo de adivinhação que a escritora propunha a moça inconscientemente.

Até aquele momento, as palavras haviam escapado dos lábios de Emma e novamente ela sentia uma mistura de sensações fortes dentro de si. Não estava acostumada com isso, então de súbito, comentou a única coisa que veio em mente:

— O que o seu marido fez pra você?

Regina terminou de mastigar a última lasca de torta que colocou na boca. Pousou o prato sobre a primeira mesa que encontrou, uma ao seu lado onde ficava o telefone, mas curiosamente ele não estava ali hoje. Ela ficou mais séria, tomou ar, jogou os cabelos para trás e meneou a cabeça.

— Longa história. — disse ela.

Emma apenas olhava.

— Eu tenho todo o tempo do mundo para ouvir. Por que você não se abre comigo? Eu não pretendo contar para ninguém o que quer que você me diga. Vamos fazer um acordo? Me conte seu problema e eu conto algum segredo meu.

Parecia justo para a sra. Mills. Ainda receosa, Regina não deu uma resposta, simplesmente tomou ar de novo e começou.

— Estou casada há muitos anos com meu marido, nós namorados por algum tempo e decidimos nos unir. Eu morava em São Francisco quando o conheci, ele também era de lá, mas sempre vinha visitar alguns parentes em Wisconsin, pois a família dele era uma família endinheirada. O pai dele era um homem de negócios e a mãe uma excepcional artista de quem eu acho que ele herdou o talento para pintura. — Regina começou a história com uma entonação conflitante na voz. Emma estava sempre atenta, disposta a escutar algo assustador ou não. — Me apaixonei por Daniel no início, ele era um homem carinhoso, atencioso e sedutor, daqueles que te dão frio na espinha quando se aproximam, pois bem, eu me via envolvida por ele, mas isso nunca passou de uma paixão que não evoluiu para amor de verdade. Mesmo sem amá-lo como eu queria, me casei com ele. Minha mãe achou a ideia perfeita, porque Daniel era um bom partido, um homem bonito e rico que me daria uma vida confortável para sempre. Eu achava que nunca encontraria alguém como ele. O tempo passou. Vivemos anos bons como marido e mulher. Me formei, sonhando em dar aulas em Havard, mas acabei trabalhando para alguns jornais locais. Depois de oito meses casada, comecei a escrever contos, e então decidi que precisava publicar, foi assim que me tornei uma escritora. Mas enquanto eu produzia livros atrás de livros, Daniel perdia o brilho do homem que ele foi um dia. Suas pinturas foram diminuindo, ele andava cansado, já não viajava tanto para divulgar seu trabalho nas galerias e para os clientes, não dava mais as caras. Seu corpo sofreu uma transformação inesperada; Começou por uma das mãos que parava, os dedos não respondiam, depois o braço que perdia a força, até que ele foi se consumindo aos poucos e as pernas não permitiam que andasse sozinho. Parei com minhas histórias por dois anos para encontrar com ele a solução para a doença que ele tinha, fomos aos melhores médicos do país em todos os estados possíveis, mas ele piorava. Com algum esforço, Daniel ainda conseguia se mexer, trocar de roupa, andar devagar e tomar banho quando nos estabelecemos de vez em Nova York. A verdade era que ele só estava se mantendo por conta dos remédios, e pensando em ajuda-lo, eu o coloquei em uma fisioterapia, mas isso foi deixando ele mais cansado com o passar dos anos. Voltei a escrever, e vendi mais livros após o segundo sucesso, foi assim que me tornei uma escritora famosa. Daniel tinha parado de pintar há algum tempo e mesmo que vivêssemos uma situação confortável com o dinheiro que eu ganhava, ele nunca aceitou que eu fosse a única a pagar as contas da casa. Voltou a pintar com o único fio de força que possuía e até fez um quadro para mim. Ele acreditava que estava melhorando, depois desacreditava quando não conseguia segurar o pincel como devia e seus lapsos de esperança iam e vinha a cada vez que terminava um quadro. Mas eu, a escritora e esposa dedicada me cansei de ser a esposa dedicada para o marido que precisava muito de mim. Aquilo começou a se tornar uma rotina maldita, sem hora para acabar. Eu me dei conta de que não estava sentindo nada por Daniel que não fosse pena e o cansaço me consumia tanto quanto ele sofria disso. Comecei a desejar que Daniel morresse, que ele nunca encontrasse a cura e sempre que fazia isso, eu me sentia culpada, destruindo algum objeto de vidro no meu escritório por raiva de mim, do que eu era capaz de desejar. Alguns livros surgiram da minha angustia, um deles vendeu bem, foi quando Daniel decidiu que devíamos consultar esse médico daqui, Whale. Encontrei essa cidade, pesquisei tudo sobre esse homem, ele é mais um entre os melhores do país em doenças neurológicas, pesquisei também se seria útil para mim viver aqui. Adivinhe o que pensei de Mary Way Village quando vi a foto da cidade na imobiliária?

— Não gostou. — respondeu Emma.

Regina confirmou.

— Odiei. Eu sabia que esse lugar poderia ser minha ruína, mas também poderia ser o ponto final. Se Daniel não encontrasse as respostas para a doença dele aqui, ele não iria para lugar algum e eu tinha uma certeza. Em alguns anos, ele morreria, eu só não podia ter pressa, isso aconteceria uma hora ou outra, mais cedo ou mais tarde e eu iria embora daqui.

— Então é isso que te faz ser assim? Você está esse tempo todo esperando seu marido morrer?

— Em partes sim, mas agora, recentemente, descobri uma coisa muito grave e não sei o que devo fazer. — a mulher baixou os olhos, sentindo o nó subir a garganta.

— O que é? — perguntou Emma.

Regina voltou a fitar Emma, mas em seus olhos não havia um vazio como enquanto contava sobre seu casamento para a jovem, havia ódio.

— Naquele dia em que encontrei com você no mirante... Quando voltei para casa, inventei de arrumar um cômodo que ainda estava bagunçado com caixas da mudança. No meio de alguns livros que pertencem ao Daniel, encontrei cartas de uma mulher para ele. São cartas antigas, mas elas diziam muita coisa. — Ela parou de repente, lembrou exatamente da cena em que pegava as cartas e lia uma por uma, do desespero quando se deu conta do que havia descoberto, do choro dos dias seguintes. — Daniel teve uma amante durante nosso namoro e depois que nos casamos. Ele sempre foi um homem viajado, sempre precisava sair de São Francisco para divulgar as obras dele, visitava muitas cidades, muitos estados e eu nunca desconfiei de nada. Ele nunca me fez desconfiar das atitudes dele, nunca deixou pistas, porque sempre voltava para casa com algum presente para mim, me enchia de amor e atenção como um homem repleto de saudade. Nunca percebi nada. — havia uma grande indignação na voz de Regina. A veia da testa dela estava saltada, forçava as sobrancelhas para baixo numa expressão braba.

Emma não sabia se estava com pena ou tão indignada quanto após escutar tudo o que Regina contava. Não tinha visto Daniel mais que uma vez em sua vida, não prestara a atenção nele, mas sabia desde aquela manhã que o problema de Regina era aquele homem. Tinha faro para os problemas dos outros e tudo o que queria agora era ir até a casa no fim da rua quebrar a cara do homem que estava fazendo  tão mal àquela mulher sentada no seu sofá. Felizmente, Emma teve uma ideia melhor. Se levantou da cadeira de balanço e  abriu o armário mais próximo, no corredor da porta e trouxe para Regina uma taça.

— Beba, vai se sentir melhor. — A moça serviu Regina.

Ela segurava a taça olhando para Emma e se perguntando vagamente sobre a bebida.

— Onde conseguiu isso?

— Esse vinho está guardado desde a noite em que o sr. Gold veio jantar comigo. Bem, sei o que está pensando. — Emma ficou parada de frente para ela. — Eu comprei especialmente para a ocasião, mas não gosto muito de beber, se bem que... Okay, devo contar meu segredo, eu prometi. — A moça pigarreou. — Já pensei em beber muito ao ponto de ficar louca e não me lembrar onde eu estava, mas nunca tive coragem.

A escritora franziu o cenho.

— Por que você pensou em fazer isso?

— Queria esquecer de tudo, esquecer a vida que eu levo, me esquecer da minha mãe. — Emma deu um gole na taça que segurava, seguiu o olhar da sra. Mills e se sentou sobre a mesa de centro, muito próxima da mulher na frente do sofá.

 

De repente, Regina não soube como agir em relação à Emma. Não tinha coragem de dizer que bebia quando estava chateada, que andava fumando cigarros e que estes eram ruins e tinha vergonha disso. Contudo, ela queria que a conversa entre elas se prolongasse, e isso requeria coragem da parte dela. Bebeu o vinho em sua taça em apenas um gole, esperou a bebida ferver no estômago e aquela tonteira característica começar.

— Sua mãe, não é? O problema é ela.

— Sempre foi. Ela não é uma boa pessoa.

— Você passa maus bocados por causa dela, isso é muito injusto, Emma.

— Sou injustiçada desde o dia em que nasci. — outro gole de Emma e a taça dela estava um dedo de vinho para acabar. — Minha mãe engravidou para dar o golpe do baú. O homem era político, ele e a família tiveram que sair da cidade quando minha mãe fez o favor de subir no palco e contou para a cidade toda que ele tinha um caso com ela. Eu nasci, o plano da Ingrid deu errado e ela pensou que eu era um grande estorvo que implicaria todas as tentativas dela de ficar rica. Ela enganou muitos homens que foram apaixonados por ela. Ingrid sempre foi bonita, mas o que tem de bonita, tem de ruim e as pessoas dessa cidade começaram a entender que ela era uma ameaça. Eu não passo um dia sem que me olhem torto na rua, as pessoas de Mary Way Village me julgam como sendo a nova Ingrid, eu cresci com esse apelido. Tive poucos amigos, dos que restaram apenas duas ainda falam comigo, Belle, a sua empregada, e Ruby que me arranjou o emprego no restaurante da mãe dela quando fui demitida da loja de ferragens. Tudo o que acontece comigo é culpa da maldição que a Ingrid me rogou quando nasci, como se a sombra dela estivesse sempre atrás de mim ou para você como escritora, que deve gostar de metáforas, é como se a minha sombra fosse a dela.

Emma, ao longo do discurso, não conseguiu deixar de revelar o rancor. Parecia invocada, um pouco inconformada.

— Essa mulher destruiu a sua vida.

— Ela destruiu a minha vida me fazendo filha dela.

Regina se sentiu livre para encher a própria taça com mais vinho. Se esticou e pousou a garrafa de volta na mesa e percebeu a proximidade de Emma com ela naquele instante. A garota não se mexeu quando ela encostou seu ombro no dela. Pararam naquela posição e se olharam de canto. Deu para sentir como estavam respirando rápido, mas Regina quebrou o momento voltando a se encostar no sofá.

— Acho que temos algo em comum, Emma, duas pessoas que nos destruíram.

— Não temos apenas isso em comum, sra. Mills. — Emma a encarou séria.

A mulher estava na metade da taça, deu outro gole intenso e a findou.

— Você não precisa mais me chamar de sra. Mills. — disse para Emma.

— Sei disso, por educação às vezes eu esqueço. — Emma não quis beber mais, largou a taça e encarava Regina na esperança da mulher continuar o assunto sobre formalidades.

— Nunca mais me chame de sra. Mills, Emma. — Regina atirou as palavras. — Para você eu serei apenas Regina.

Os olhos de Emma brilharam levemente felizes, esboçou um sorriso tímido de quem se sentia deslumbrada.

— Está bem, Regina. — pronunciou o nome dela com ênfase. — Como eu dizia, não temos apenas duas pessoas destruindo nossas vidas em comum. Há uma coisa em que você e eu somos iguais.

— E que coisa é essa, eu posso saber?

— Somos infelizes, como se nada nos completasse.

Apesar de ligeiramente alta pelo vinho, Regina compreendeu o que a moça disse. Houve um tempo e ela replicou:

— Como se estivesse faltando algo que não podemos descrever o que é, mas isso não faz mais parte da culpa que Daniel e Ingrid possuem.

— Isso fica apenas por nossa conta...

— Somos infelizes porque queremos.

A moça assentiu.

— Você gosta de ser infeliz, Regina?

— Há momentos em que prefiro ser masoquista, pois sofrendo eu crio histórias para pessoas que sofrem. Se parar para pensar e entender o que eu tenho aqui dentro, é perda de tempo querer sofrer. — Regina estava vagamente alienada com o álcool subindo-lhe a cabeça.

— Talvez seja por isso que ainda tenha decidido cuidar do seu marido, ele é sua fonte de masoquismo.

Regina sorriu, entendendo tudo, igual a uma piada de duplo sentido que precisava raciocinar para fazer rir. Ela começou a se sentir lenta até para pensar. Via Emma ali sentada na sua frente, bonita, rebelde e como ela infeliz. Foi a primeira vez que desabafou sobre sua vida com uma pessoa e sentia que não podia ser com outra, devia ser com a vizinha, nessa sala, nesse sofá, nessas horas que passavam.

Emma esperava, admirando a escritora, as expressões marcantes, linhas de expressão no rosto, a pose de mulher bêbada desleixada, largada no sofá, dona de tudo. Contou quantas vezes ela inspirou e soltou o ar pelas narinas, quantas vezes os olhos se moveram na direção do relógio no alto da parede, quantas vezes a luz vinda da janela dançou pelo rosto pálido dela. Eram segundos lentos, de quem precisava entender uma mulher como Regina.

No aparelho de som, o disco dos Bee Gees já tinha rodado inteiro duas vezes desde que Regina chegou, elas nem perceberam, só quando Emma achou que estava esfriando muito e foi fechar a janela, com isso andou até o móvel onde ele estava ligado.

Regina atentou para isso.

— O que está fazendo?

— Já ouvimos esse disco duas vezes, está na hora de parar. — Emma olhava a mulher por cima do ombro.

Ela fez um sinal com os dedos.

— Deixe, gosto de música romântica.

Regina se levantou e andou até Emma com pressa para impedi-la de desligar o som, cambaleou, antes de chegar e acabou empurrando a garota contra o móvel quando um corpo esbarrou no outro. Ela se apoiou na madeira do móvel e olhou para Emma, encurralada no espaço que sobrara entre o corpo de Regina e o dela.

— Desculpa. Eu... Acho que devo ir embora.

Estavam muito próximas, os rostos lado a lado, olhos, bocas, narizes centímetros distantes. Sem dizer nada, foram tentar se olhar, até que os lábios quase se tocaram. A pele de Emma se arrepiou quando Regina expirou seu hálito de vinho, e isso a fez excitada. Podia sentir os seios endurecendo, o meio das coxas pinicar, ela sabia o que significava e apenas uma vez na vida sentiu isso, por um garoto na época da escola. Os olhos dela estavam quase se fechando quando Regina se afastou. A mulher ficou tão confusa quanto ela.

— Tenho que ir, está ficando tarde.

Emma tremia, sentindo que estava prestes a perder algo muito bom.

— Você não devia ir para casa assim.

Regina permanecia de costas para a moça.

— Assim como?

— Você está bem alta, o que seu marido vai pensar? — disse Emma, ofegante.

— Eu paguei para Belle tomar conta dele hoje. Até o que ele sabe, estou no escritório escrevendo sem parar. — olhou para Emma uma última vez. — Feliz aniversário, Emma.

Ao dizer isso, Regina deixou a jovem e saiu ela mesma da casa com alguma pressa nos passos errados que dava até passar pelo Hall e a porta. Emma ficou sozinha, escutando de novo a última música do disco, ainda presa na estante, sem conseguir esquecer sua excitação pela proximidade da mulher e ela.


Notas Finais


Acho que Emma já percebeu que o lance com Regina é mais do que admiração.
Eu ficaria muito feliz se vocês me contassem a opinião de vocês sobre o que há entre elas.

Vou tentar ser tão breve quanto fui essa semana, okay? Me aguardem, o enredo está se desenrolando.

Obrigada pela leitura e fiquem bem.


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