O lugar era imundo. O cheiro era insuportável. A névoa cobria quase tudo. Regina escutava gritos e gemidos, cortando o silêncio em ecos profundos e infinitos. Um homem tentou se levantar, mas, fraco e agonizante, caiu novamente. Com voz rouca e fraca, ele tentou gritar:
— Não me deixe, Regina! Ajude-me, por favor...
Era Daniel, desaparecendo entre a terra e um lago de lama que o engolia. Era um maltrapilho encolhido, o corpo esquelético, cadavérico. Até que desapareceu.
A névoa se tornava cada segundo mais densa e acinzentada. Estava cada vez mais difícil caminhar e respirar.
— O que está acontecendo?
Ela franzia o rosto, procurando uma saída daquele lugar. Olhou para trás e viu os restos do marido flutuando numa água fétida. Por um momento, sentiu alívio, mas em outro instante pena por ser ele.
Fazia frio e seu sobretudo havia se partido em pedaços na areia movediça quando olhou para o lado. Caminhou assustada, sem entender nada daquele pesadelo. O lugar era um pedaço do inferno, quase idêntico as descrições de um livro que ela leu anos atrás. Mas ela não parou. Passou sobre caveiras, pedaços de gente e ossos, viu corpos dilacerados, outros apodrecendo. O pavor tomou sua mente, e Regina fechou os olhos com força, meneando a cabeça, suplicando para sair do sonho ruim.
— Me tire daqui... — sua voz ecoou pela névoa, e tudo se transformou.
Ao abrir os olhos, ela estava de volta a vida, a Mary Way Village, sobre o chão do mirante.
O ar voltou a ser bom, a vista clareou com o brilho do sol e o frio se dissipou. Regina respirou fundo e exalou profundo suspiro. Olhou ao redor, reconhecendo aquela paisagem. Conseguiu sentir a textura das pedras da parede no mirante, tinha voltado do inferno. O vento bateu em seu rosto e cabelos, ela notou a sensação de paz.
— Se sente melhor?
Ela sabia de quem era a voz.
— Você?! Foi você quem me tirou daquele lugar horrível! — Regina se virou depressa.
— Sim.
Emma subiu os pequenos degraus do espaço, se aproximando da mulher. Toda de branco, estendeu a mão e tocou no rosto dela.
— Por que desapareceu? O que aconteceu, Emma? — A mulher não conseguia conter as mais tímidas lágrimas.
— Foi um erro meu. Me perdoe, por favor, jamais quis me afastar. Porém, foi necessário de qualquer forma.
A voz de Emma era suave como uma pétala de rosa. Regina sentia como se um instrumento musical tocasse a cada coisa que ela dizia.
— E por que eu estava no inferno?
— Antes da paz, todos nós devemos saber como é o inferno, muitas vezes. Na verdade, Regina, meu amor, você ainda vai viver no inferno enquanto permitir.
Regina estremeceu, sentindo a quentura da mão de Emma envolver sua pele numa energia maravilhosa.
— Onde estamos? Parece Mary Way Village lá em baixo, mas não é ao mesmo tempo.
Emma riu.
— É o seu paraíso. Um lugar marcante em sua mente, onde se sente bem e confortável para encontrar as respostas.
— Por que está falando desse jeito? Você é alguma criação da minha mente? Isso é um sonho?
— Naturalmente. Você é desse jeito, Regina. Gosta das metáforas, as entrelinhas das histórias e este sonho nada mais é do que a sua mente compensando a dor. Eu sempre estive ao seu lado, contudo, você me enganou.
— Nunca. Eu jamais faria isso.
— Para uma mulher jovem como eu, a paixão é um veneno. — Emma se sentou com Regina no degrau, olhando para seus olhos docemente. — Não sei exatamente o que é paixão e o que é amor, Regina. Preciso que me ensine. Nunca pude confiar em uma pessoa como você, por nunca ter confiado em ninguém a minha vida toda, por isso o mínimo do que fizer para mim será muito. Daniel e você... Doeu vê-los juntos pela primeira vez porque para mim, você era apenas minha. Sei que para você é um caminho árduo o que vem trilhando, contudo está na hora de abandonar o inferno e vir para o paraíso comigo. É aqui que temos que ficar.
— Então foi isso? Você me viu com Daniel e está pensando que eu te deixei. — Regina a abraçou com força. — Me perdoa, Emma.
— Não, não peça perdão, meu amor. Não chore mais.
— Onde você está? — Regina a olhou.
— Perto, muito mais perto do que você pensa. — Emma respondeu e sorriu. Afastou os cabelos do rosto da amada e lhe ofertou um beijo. As bocas se encontraram delicadamente e, o sonho antes pesadelo, findou-se.
. . .
Quando Regina abriu os olhos de súbito, o cenário era o teto de seu quarto. A cabeça pesava uma tonelada e os olhos se estreitaram para descer e conseguir enxergar na claridade. Daniel dormia, sentado numa poltrona no canto do quarto. A mulher se virou na cama para vê-lo, ainda vestia as mesmas roupas da noite anterior, o terno e a gravata. Olhando para ele, Regina buscou compaixão, mas nem isso havia sobrado para o marido. Ela se sentou na cama, sentiu a cabeça latejar, olhou para os lados. O silêncio chegava a fazer barulho na mente e ela tentou acalmar com uma massagem no meio da testa. As imagens que via com os olhos fechados eram as de segundos antes de cair no chão do salão, no centro cultural. Lembrou de algumas coisas; de como estava se sentindo antes e de como se sentiu mal depois; a vontade de vomitar; a tentativa de correr para o banheiro; Emma acenando para ela no meio das pessoas. Era só sua imaginação até cair e quebrar o copo que estava segurando. Não se lembrava do que veio depois, só do rosto das pessoas olhando assustadas para ela antes de apagar. Antes aquilo fosse preocupação. Agora eles deviam estar falando dela, comentando o vexame que a mulher do pintor famoso deu. Só lhe restou suspirar e tentar se livrar da dor de cabeça.
— Achei que fosse dormir mais. — Disse Daniel da poltrona, buscando apoio para se erguer e andar até a cama. — Se sente melhor. — Ele a abraçou ao se sentar perto dela na cama, apertando seu corpo contra o dele com força.
Regina tentou afastá-lo.
— Estou bem. Sentindo uma dor de cabeça terrível. Eu preciso de algo para tomar.
— Vou pedir para Belle trazer uma aspirina. Um chá também, você vai precisar, está com a aparência péssima.
Regina tentou olhar para si, só se viu com pijama. Tinham trocado sua roupa.
— O que houve ontem? Eu não me lembro exatamente.
Ele fez um carinho suave no rosto dela. A leveza de sua mão, fez ela se lembrar da suavidade de Emma no sonho antes de despertar. Regina entendeu isso como um sinal.
— Você desmaiou. Tomou alguns goles de espumante barato e caiu. Bem, foi isso que me disseram. Belle me chamou no meio da festa e quando eu vi você estava no chão. Te trouxe para casa com a ajuda dela. Depois agradeça.
— Assim que eu descer eu agradeço.
— Não pode sair da cama hoje, tem que repousar. — Daniel tocou em seu braço. — Vou mandar trazer o seu café da manhã, seu chá e ficarei aqui o dia todo ao seu lado. — disse, com voz leve. — Há muito tempo você não tem uma ressaca. A última vez foi quando tivemos aquele jantar em Memphis, se lembra? Foi uma noite incrível, nós até dançamos aquele tango. Temos que repetir isso.
Daniel dizia com ar sonhador. Era da vontade dele reviver momentos com Regina que depois de tempos se perderam na esperança de um dia melhorar da doença. Embora se sentisse perfeitamente bem hoje, a esposa estava prestes a estragar seus planos.
De cabeça baixa, Regina insistia na massagem entre as sobrancelhas e o fitava vez ou outra. Aborrecida com os ecos das palavras sem sentido do marido, ela tomou ar e resolver ser sincera.
— Não. Nós não vamos repetir jantar em Memphis ou em qualquer lugar do mundo. — Ficou muito séria. — Isso não está dando certo, Daniel. Chega.
Ele não entendeu.
— O que foi que você disse?
— Exatamente o que você escutou. Não dá. Eu sinto muito, estamos fadados ao fracasso, esse casamento não é mais o mesmo. — Disse como se estivesse tirando um peso das costas.
— Não... — Daniel estava confuso. — Não estou entendendo.
Ela se livrou do braço dele e do lençol. Se levantou da cama e andou até a cômoda alta onde ficava o espelho. Conseguia ver Daniel no reflexo.
— É claro que você entende. Será que não percebe que estamos mais do que afundados nesse barco? Essa relação não funciona mais, ela não é como antes. Sinto muito, mas eu estou cansada da vida que eu levo nessa casa, de aliás, da vida que eu levava em Nova York e continuo vivendo aqui. — explicou com uma impaciência nada compreensível. — Chegou em um limite para mim. Eu estou farta de tudo, Daniel.
Ele ficou quieto uma boa parte do tempo, e quando teve coragem de olhar para ela, virou o rosto com os olhos cheios d’água quase transbordando. Vendo aquilo, Regina não parecia convencida da tristeza dele, achou que era pura encenação, uma forma de fazê-la correr para pedir desculpas pelas coisas que acabou de dizer. Porém, calado e abalado, uma hora ele começou a convencê-la.
— O que aconteceu? Durante todos esses dias você vem agindo de uma forma muito estranha. Eu posso saber o que foi que aconteceu? Se aconteceu? — A voz dele estava frágil. — Você está doente?
Regina assentiu, levemente afetada.
— Aconteceu uma coisa, a propósito, duas. Mas eu não vou entrar no mérito da questão nesse momento. — Se virou, cruzou os braços. — Sinto coisas por você, muitas. Algumas boas, outras ruins e estou com medo que sobrem apenas as ruins. Então, por favor, me deixa espairecer um pouco. Estou tentando evitar que aconteça algo muito grave entre nós dois. Eu não estou doente, mas me sinto à beira de um ataque de nervos. Pode ser que o que aconteceu comigo ontem no centro cultural tenha sido só uma consequência do que ando passando.
— O que eu devo fazer para consertar essa situação? — os lábios dele tremeram. Foi a primeira vez que sentiu Regina tão distante. A possibilidade de ter perdido ela para sempre. — Você cansou de mim? Cansou de cuidar de um homem doente que não te dava garantia de felicidade? É isso, não é? Regina, entenda, por favor, eu estou me recuperando... É questão de alguns dias para...
— Chega. Para. Não precisa explicar! — esbravejou Regina. Eles trocaram o olhar mais triste e, arrependida, Regina pensou em confortar os pensamentos de Daniel, antes que ele entrasse em desespero. — Por enquanto não há nada que se possa fazer. Eu só peço que me entenda nesse momento e não fale sobre as viagens que quer fazer, o tempo perdido que quer recuperar, porque eu sinceramente não garanto que daqui a um, ou dois meses, vá ter o seu ânimo. É uma questão minha, que eu devo resolver sozinha, então, por favor, me compreenda.
Daniel se recolheu no próprio desgosto. Ela não o amava mais, dava para ver nos olhos escuros dela, que hoje já não eram mais os mesmos. Enquanto ela dizia tudo o que parecia engasgado há anos, o brilho havia partido das pupilas. Não disse mais nada.
Regina o deixou no quarto. Depois do banho de meia-hora e muito tempo refletindo sobre o que fez na frente do espelho, ela saiu do banheiro e não encontrou o marido no quarto. Ao fundo, conseguia escutar um burburinho, um som dramático, música triste que conhecia. Escolheu uma roupa, e conforme fazia isso o som chegava mais preciso aos seus ouvidos. Tristão e Isolda, concluiu.
Quando chegou no andar de baixo, descobriu de onde vinha a ópera. Daniel estava trancado no atelier, escutando a música mais dramática de sua coleção de CDs de música clássica. E se bem o conhecia, ele passaria o dia todo ali dentro curtindo a dor e a decepção.
Não se sentia arrependida de ter sido sincera, tinha feito uma coisa muito corajosa, por sinal. Só gostaria de falar com Emma e dizer que Daniel já sabia que o casamento fracassara, e elas estavam no mínimo mais livres para se amarem sem medo de serem descobertas. Nada de notícias até aquele dia. Mas e o sonho? Regina se lembrou do sonho, de Emma tão presente e suas razões aparentes sobre o sumiço.
Foi correndo para a cozinha e encontrou Belle esfregando um prato com mel seco sobre a porcelana.
— Daniel me disse que você o ajudou me trazendo para casa ontem. Obrigada. — disse a mulher, se aproximando devagar.
Belle não se moveu, continuava a cuidar do prato sujo.
— Não tem de que. Percebi que estava muito pálida. Vi o exato momento em que caiu no chão. — Ela terminou com a porcelana e limpou a mão em um pano de prato. Encarou Regina e viu o estado péssimo da cara dela. — Estava agora mesmo pensando em subir com o café da manhã. Se sente melhor? — Era quase óbvio que não, e Belle não devia ter perguntado.
— Um pouco. Do enjoo sim, mas a enxaqueca está terrível. — A sra. Mills andou até o armário, se deparando com remédios controlados, remédios manipulados e caixas de aspirinas vencidas. Não restara nada para ela, só teve o trabalho de jogar fora. — Ouça, você sabe fazer alguma coisa? Um chá?
— Para enxaqueca? Sim, pelo menos acredito que eu ainda saiba. Porém, no seu caso eu não acho que um chá para dor de cabeça resolva. — Belle atendeu ao pedido de Regina e colocou água numa chaleira para ferver.
Com a dor de cabeça, Regina se esqueceu o porquê de ter procurado Belle. O incomodo era gigante e não conseguia pensar direito, ainda mais com a música alta de Daniel estourando seus tímpanos a cada grave de orquestra.
— Eu tinha algo para perguntar...
Belle ficou atenta.
— É sobre a carta, não é? Quer saber se consegui encontrar a Emma.
Regina assentiu, mas mais se parecia com uma nuvem de mal estar. Descrente e pálida.
— Bem, senhora, eu devia ter lhe contado ontem sobre Emma...
De repente Regina levantou os olhos, teve um mal presságio, estava pensando no pior pela forma como a empregada começou a falar.
— Não me diga que ela está...
— Não. Não, absolutamente, não. — Belle se antecipou. — Não houve nada de errado com ela. Acontece que quando eu procurei a senhora na festa, era para contar sobre Emma. — Belle baixou a cabeça, olhou para as unhas roídas e o avental.
— E então? — Nesse instante a dor de cabeça de Regina desapareceu. Seu rosto voltou a corar de adrenalina, ansiedade e medo.
— Entreguei a carta para ela naquela manhã. — Belle desembuchou. — Só fiz uma promessa de que não poderia contar onde ela está escondida.
Regina parou com a voz presa na garganta. Belle encontrou a moça. Recebeu a notícia que queria. Aos poucos foi se recuperando, colocou a mão sobre o peito e tomou ar devagar.
— Devia ter me dito antes.
— Eu não podia. Além de ter prometido, ontem houve a festa, você estava muito ocupada. — Belle se sentiu nervosa.
Regina respirou longamente.
— Pelo o que há de mais sagrado para você, Belle, não me esconda nada!
— Não posso revelar, eu fiz uma promessa. — A garota abanou a cabeça muitas vezes.
Regina bateu as mãos sobre o mármore da mesa entre elas, bem no meio da cozinha.
— Eu pago o que você quiser, faço qualquer coisa, mas pela amizade que você tem com ela, se quer o bem dela, me fale onde ela está. — insistiu.
Pressionada, a empregada não viu alternativa, escolheu contar a Regina sobre o paradeiro da amiga e a entregou.
— Tá bem, mesmo que isso custe minha amizade com Emma...
A empregada contou, e foi o tempo da chaleira apitar com a água fervendo.
Regina saiu da cozinha com pressa, sem esperar pelo chá.
. . .
O chocolate quente sempre acompanhava Emma onde quer que ela estivesse. Aprendeu a fazer a bebida doce com a avó e realmente achava que quando ficasse mal, ele seria seu remédio. Três dias atrás, fez uma panela grande que dividiu com Zelena quando ela subiu para ver se tudo estava bem, porém, agora os últimos goles restavam na caneca que ela bebia enquanto se esquentava com uma coberta no sofá da sala dos tios no sobrado. Alheia a qualquer notícia de Regina, Emma desejou estar morta, porque nem o chocolate quente conseguia amansar a dor que sentia por ter sido traída.
Abandonou a caneca pela metade em cima do móvel ao lado do sofá e viu a foto ao seu lado de David e Mary Swan, casados, sorridentes na lua de mel. Algum dia ela e Regina seriam tão felizes quanto o casal da foto? Emma não estava conseguindo acreditar nem no futuro. Pensou seriamente em conversar com o tio quando ele voltasse e pedisse algum dinheiro emprestado para sumir de Mary Way Village, assim estaria matando dois problemas de uma só vez: Ficaria longe de Regina e jamais precisaria ver a mãe novamente. Felizmente sua espera não duraria tanto. O casal ia voltar no dia seguinte, só lhe restavam pouco mais de 24 horas esperando os tios entrarem por aquela porta.
Contudo, o que Emma viu foi um vulto quando olhou na direção do vidro. Levou um susto. Achou que fossem seus tios de volta. Não, não eram os dois, a sombra era de outra pessoa. Ela se levantou, deixando o cobertor cair no chão. Ficou absolutamente calada, esperando que alguma coisa acontecesse, e aconteceu.
A sombra bateu na porta com força.
O som do vidro incomodou, mas Emma se manteve quieta. Então, outra batida forte, repetida.
Emma engoliu em seco. Colocou a mão na boca.
— Emma... Abra... Por favor, você precisa abrir essa porta, eu sei que está aí dentro.
A voz era firme, bonita, cheia de emoção. Era Regina do outro lado.
Depois de uma briga consigo mesma para saber se abriria a porta ou não, a moça finalmente foi ver Regina. Abriu a porta e ergueu o rosto para ela apesar da pouca diferença de altura. Ali, à sua frente, estava a mulher da sua vida. A mulher mais bonita que conheceu, a mulher que ela havia conquistado e que havia conquistado seu coração antes. A mulher por quem ela estava sofrendo hoje.
Agora ela estava ali e era como se fosse morrer.
Regina lhe abriu o sorriso mais lindo, a prova mais explicita do alívio que sentia por rever Emma. Não deu tempo para a moça impedir que entrasse, ela mesma a abraçou e a apertou contra seu corpo, como se não se vissem há séculos. Emma queria evitar o abraço, havia uma coisa, porém, que enfraquecia cada pedaço do seu ser quando era tocada pela escritora. Se Emma fechasse os olhos e deixasse vir a mente as recordações do primeiro beijo, quando se sentiu mulher pela primeira vez, a primeira mulher de Regina, quando sentiu o prazer e o amor se unindo em um só, a paixão explodindo dentro dela.
Empurrou a mulher e se afastou, abraçando os próprios braços para esconder o arrepio que tomou conta da pele. Regina acordava todos os sentidos de Emma. Bastava um olhar, um toque ou o cheiro do perfume importado. A moça a olhava de canto, tentando não cair na armadilha de amar a mulher de novo.
— Maldita, Belle, você me paga. — disse entre dentes. Fechou os olhos e ficou completamente de costas para Regina.
— Não culpe sua amiga, ela só fez o que eu pedi porque eu pressionei.
— Nós não temos nada para conversar, vá embora. — Emma disse rígida.
— Emma, estou há dias te procurando, precisando de notícias suas, pensando que algo terrível pudesse ter ocorrido. Não sabe como estou feliz de te encontrar de novo.
Emma olhava para uma foto da avó na parede, permitindo que o orgulho falasse por si.
— Está feliz? Ou só aliviada por ter seu passatempo de volta? Só tenho uma coisa a dizer, o parque de diversões fechou.
Regina entendia a mágoa de Emma, por isso precisava ser cautelosa.
— Sei o que está pensando. Que te usei, que tudo o que eu dizia eram mentiras, que não vou me separar do Daniel e que queria uma aventura. Está enganada, Emma. Jamais fui tão verdadeira com alguém quanto fui com você.
Emma abanou a cabeça.
— Que garantia eu tenho? Você mente. Mente brilhantemente. Deve ter aprendido enquanto escrevia histórias de mulheres traídas, quando na verdade quem trai é você. — Emma falava com leve rancor.
— Eu nunca traí ninguém, tenho pavor de mentiras. Eu preferia fugir a ter de mentir para o meu marido, você sabia disso.
— Mesmo assim você enganou ele, e não satisfeita, me enganou. — Swan se virou sacodindo os cabelos castanhos. — A minha vida inteira eu fui enganada pelas pessoas, por uma mulher que ia e voltava para arruinar tudo. Eu não vou permitir que outra faça o mesmo de novo.
— Você estava do meu lado me dando apoio, oferecendo seu suporte enquanto eu decidia me resolver com Daniel. Por que de repente você inventou que eu traí a sua confiança? Entramos nisso juntas, nos entregamos juntas e quando você percebeu que não seria bem como queria, decidiu me culpar. Me diz o que há na sua cabeça? O trauma com a sua mãe fez tão mal assim para você se aborrecer com a primeira impressão que enxergou na esquina da rua? Você me viu beijar o meu marido, porque sim, ele ainda é casado comigo, e eu não o amo mais. Que isso fique bem claro.
Emma sentia nojo só de lembrar da cena.
— Parecia um beijo muito bom. Sabe quantos minutos vocês dois ficaram naquela esquina? Cinco. Um beijo de cinco minutos que eu contei.
— Eu fui forçada... — Regina retrucou.
— Você cedeu! — Emma devolveu.
Morria de raiva dela, estava corada, ao ponto de explodir.
— Se esqueceu de mim, se esqueceu do que sentia por mim na hora em que beijou aquele homem. Eu vi, não adianta negar. Você ainda ama ele. Não faça disso uma história como as dos seus livros, pois ainda ama o seu marido e não sabe como se livrar dele. Ouça, eu não sou uma personagem sua, eu não sou a Catherine da vida real para você construir seus dramas.
— Não. Eu não amo mais o meu marido. — Regina insistiu. Deu a volta nos móveis e andou até Emma, que tentou se afastar.
— Não chega perto de mim!
A mulher parou, e Emma não resistiu ao esforço de olhar para ela. Olhou a camisa de seda vermelha que ela vestia, sentia o perfume exagerado brotando do pescoço pálido, os cabelos muito escuros. Ia acabar se entregando para ela se continuassem muito próximas.
— Por favor, esquece o seu orgulho, porque é ele quem está te impedindo de entender a verdade. Eu sei muito bem que você não é uma personagem de livro, embora no início, quando te vi, eu pensasse que tivesse sido criação minha. Você foi tão real que me deu o presente mais bonito que nenhuma das minhas histórias mais vendidas pôde dar. Felicidade.
Emma pôs as duas mãos sobre os ouvidos e tampou, fechou os olhos e se afastou dela, tentando a todo o custo fugir.
— Vai embora daqui, me deixa em paz. — Na verdade, Regina tocou seu ponto mais fraco. O coração.
— Então você não acredita em mim? É mesmo isso que quer? Que eu vá embora da sua vida para sempre?
— Eu não posso cair na sua conversa duas vezes, Regina. — A moça soltou as palmas dos ouvidos. — Não vai acontecer de novo.
— Não há razões além do meu sentimento para me trazer aqui. Não vim atoa, eu preciso que me escute.
— Já escutei até demais, não acha? — Ela fitou Regina por cima do ombro, não viu lágrimas, mas viu atentamente dor na expressão da mulher. Será que ela estava mesmo sofrendo por amor?
Regina baixou os olhos, estava voltando a sentir o mal estar da ressaca e logo pensou em se sentar no sofá, mas seu olhar passou por algo sobre a mesinha de centro. A carta que mandou Belle entregar, aberta ali em cima.
— Minhas cartas... Você não responder uma sequer.
Emma, com um gemido de frustração, se virou para ela mais uma vez.
— Eu não devia. Não tenho talento com palavras, não sou poeta como você. Sinto muito. — falou seca.
A enxaqueca de Regina estava se deixando tonta. Emma viu aquele olhar desolado de alguém que não tinha mais nada a perder. Se ela soubesse o que a mulher disse ao marido mais cedo, essa conversa entre elas poderia ser diferente. Regina pensou em contar, mas sentia que nem isso ajudaria a convencer a jovem.
Exausta, Regina desistiu de falar. Engoliu o choro eminente e se dirigiu até a porta a passos largos.
Emma viu o vulto da mulher passando por ela. Regina chegara a um limite e não iria ultrapassá-lo. Então muita coisa se passou pela cabeça da moça. A culpa, o ressentimento e toda a carga que colocou num beijo entre a mulher que amava e o marido dela. Era pedir demais que Regina se separasse dele e ficasse só com ela? Aí se findava mais uma questão, Emma não queria ser a amante. Contudo, esse era o preço do amor por Regina. Se sentiu péssima, o pior ser humano da face da terra por ter feito a única pessoa que amou de verdade sofrer. Era confusa, medrosa, tinha receio de ser enganada como foi a vida toda por Ingrid e as pessoas de Mary Way Village. Mas onde foi parar sua coragem de brigar pela sra. Mills Colter?
Um mundo girava em sua cabeça, segundo após segundo em que os passos da escritora se aproximavam da porta. Emma não tinha mais tempo.
— Regina — chamou antes que a mão dela alcançasse a fechadura da porta.
A mulher parou, esperou, se virando devagar para um abraço desesperado. Então, elas se beijaram com paixão desordenada, puxando uma o corpo da outra, com as línguas entrelaçando nas bocas, até pararem para respirar.
— Eu te amo — Emma disse sôfrega e ofegante para Mills.
Um barulho na porta interrompeu as duas. Emma olhou pelo vidro, parecia-se com a sombra de Zelena. Soltou-se do abraço.
— O que faço? — Regina perguntou baixinho.
Com um gesto, Emma pegou na mão da mulher a levou até o corredor dos quartos.
— Fique aqui, eu vou ver o que ela quer. — disse, correndo em seguida de volta para a sala.
Zelena já estava dentro quando a moça voltou.
— Ora, aí está você, vim saber se está se sentindo melhor hoje?
— Perfeitamente bem. — Emma falou, fingindo na voz. Ajeitou o cabelo com as pontas dos dedos e foi pegar a caneca de chocolate quente em cima do móvel enquanto Zelena olhava a bagunça pela sala. — Penso até que vou voltar pra casa hoje. Meus tios voltam amanhã e aquela ideia boba de ir ver minha mãe já passou.
Zelena sentiu o cheiro de perfume forte no ar, achou isso estranho.
— Hum... Não vai esperar até seus tios chegarem? — perguntou enquanto fez uma careta desconfiada.
— Não, eu desisti de falar com meu tio, ele sempre tem a mesma resposta para tudo. — Foi limpar a caneca e voltou até a sala, parando na frente de Zelena e esperando que ela decidisse ir embora.
— Então, está bem. — Era um cheiro muito forte que Zelena não conhecia, e a fez espirrar.
Emma sabia que ela percebera algo de anormal.
— Oh, minha nossa, Zelena, você deve ter pegado um resfriado.
A ruiva espirrou de novo.
— Não acho que seja um resfriado... Tem esse cheiro. Você andou abrindo algum perfume da Mary?
— Não, eu não fiz isso. Olha, por que não desce e abre a loja? Já é um pouco tarde. Você apareceu tarde hoje. — Emma coçava os cabelos por trás da cabeça.
— Porque hoje é Domingo. Atchim!
Emma arregalou os olhos. Mas Zelena estava tão incomodada com o cheiro do perfume, que não achou estranho o desatento da moça.
— Atchim! Que cheiro forte! Me parece familiar. — A ruiva se lembrava do perfume, até gostava do cheiro, só não conseguia se lembrar de quem era, porque Mary, sua chefe na floricultura, jamais usaria um perfume desses. Talvez fosse de alguma cliente. — Bem, arrume a casa antes de ir embora. Se os seus tios descobrirem que você fez bagunça aqui, eles vão ficar feito duas feras. Nem quero ver a surra que você vai levar.
— Pode deixar. — Emma sorriu e andou até a porta. — Até logo, Zelena.
A ruiva passou por ela, deu uma última olhada na sala da casa com aquele ar de desconfiança e saiu esfregando o nariz vermelho.
Assim que ouviu o barulho da porta fechando, Regina saiu do corredor.
— Ela já foi?
— Acabou de sair. — A moça soltou um suspiro aliviado.
Regina se aproximou, com o cheiro que perturbou Zelena, mas arrebatou Swan como ninguém.
Elas se tocaram, se abraçaram. Emma se envolveu nos braços dela, e o rosto da mulher colou-se ao dela.
— Perdão por ter sido uma tola com você. — sussurrou a jovem, arrependida e enlevada.
— Olhe para mim. — Regina disse, dessa vez, colocando o rosto da moça entre as mãos. — Há uma coisa sobre Daniel que preciso dizer. Ele sabe que não o amo mais.
— Você contou sobre nós? — Emma se assustou.
— Não, pelo menos não ainda. Esta manhã senti a necessidade de falar como me sinto sufocada naquela casa e na vida com ele.
Os olhos de Emma brilharam.
— Quer dizer que vai deixa-lo? Mesmo depois do que fiz com você?
— Vou tentar me resolver com ele o mais depressa possível. — disse, atenciosamente, só para Emma. — Pode ser um pouco difícil no início, ainda mais agora que ele sabe. Eu não podia descarregar minha raiva e insatisfação de uma vez.
A jovem fez que sim, buscando nela toda a compreensão que outrora não teve com a escritora.
— Vai ser difícil até o fim. — Emma correspondia. — Apesar de tudo o que ele fez a você, ele ainda te ama. Você partiu um coração, Regina.
O rosto de Regina se transformou em um mar de remorso.
— Sei que é errado sentir pena dele, porém, é tudo o que consigo nesse momento.
— Antes a pena do que o ódio.
— Tive medo que estivesse me odiando e que eu tivesse partido seu coração, Emma.
— Por um momento, achei que te odiava, então soube que estava me procurando. Recebi as cartas, todas elas, e quando você passava com o carro pela orla a minha procura... — Emma subiu as mãos espalmadas pelos seios da mulher sobre a blusa cor de sangue. — Eu te amava todas as vezes de novo. — Agarrou-se na gola da blusa. — Não deixe essa pena que sente pelo seu marido estragar o melhor de nós duas. Quero ficar com você, ir embora dessa cidade, mas preciso que me garanta que vai terminar o casamento com Daniel. Eu não quero ser a amante. Quero ser a única.
Audaciosa, Emma cravou suas unhas nos ombros despreparados de Regina e pulou em seu colo. Deu adeus a camisolinha delicada que vestia quando caíram juntas no meio das cobertas improvisadas do sofá. Segurou firmemente os dedos da mulher que percorriam a altura da cintura e os pousou sobre o seio esquerdo. Regina pensou que o coração da moça fosse saltar do peito, mas ao invés, o bico do seio dela disse o que precisava. A mão se manteve ali todo o tempo em que a jovem se desfazia das roupas complicadas de Regina, até restarem as lingerie lilás.
Regina surrupiou a vez de Emma, virando o corpo por cima, e depois do beijo devasso na boca, fez seu caminho até as coxas da moça. A mão permanecia sobre um dos seios dela, mas ela sentia o corpo inteiro se inundar de saudade da mesma sensação prazerosa que a mulher lhe proporcionava. Sentiu tudo aquilo de novo, morrendo e voltando a vida com Regina entre suas coxas, o encontro entre a língua e o sexo. Segundos mais tarde o gozo e o corpo se descontrolando.
O auge do sexo se tornou mais intenso depois de tantos dias. Emma sorriu, matou a vontade de sentir Regina e quase adormeceu com a mulher ali mesmo, largadas no sofá da casa de seus tios. Se eles soubessem. Era melhor não deixar pistas. Mas enquanto não voltavam, elas terminavam de se amar, em silêncio.
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