História Invisible Line - Recuperados

Yoongi chorou por muito tempo, mas à medida que os incontáveis minutos passaram ele se acalmou e se conformava com a situação. Era uma dor grande, nem um pouco fácil de suportar e lhe dar com aquele turbilhão de coisas ao mesmo tempo não era nada fácil, mas ele, mesmo que de forma inconsciente agradecia por ter alguém esperando pacientemente ao seu lado. Mesmo sem nenhuma palavra, o outro lhe confortava de maneira sem igual. O peso saia com as lágrimas, mas o coração mesmo só era aliviado com sua presença.

Enquanto aguardava, muitas coisas passaram-se pela mente do Incubus, muitos pensamentos, e dúvidas. Se questionava sobre o que iriam fazer uma vez que sabia a verdade, como iriam lidar com isso. Lutar ou fugir? Persistir ou desistir? Se enfrentassem, estariam correndo risco de vida, se não, também seria o mesmo. Mas ele se sentia injustiçado pelo que aconteceu, estava irritado consigo mesmo e irado com aqueles que causaram o sofrimento de tanta gente. Seria uma decisão a se tomar e ele sabia que só poderiam fazer isso juntos, por isso decidiu por tocar no assunto apenas quando o outro se controlasse completamente.

“Namjoon... O que vamos fazer? ”. Yoongi pergunto após um tempo, a voz baixa e a fala minimamente entrecortada pelo recente choro. A cabeça ainda colada ao peito do mais alto, sentindo ali o seu confortável calor de perto.

“Não quero deixar isso passar em branco, não quero ser miserável como já fui uma vez.”. O infernal soltou com a determinação quase sólida de tão forte, por si estava decidido, mas sabia das suas condições, até que a linha se desfizesse, era fraco. “Porém isso só poderá ser feito por nós dois, eu quero enfrenta-los, não só por mim, mas por você e por todos os outros. ”

Era estranho pensar em como se sentiam livres para falar sobre o que sentiam agora, mesmo sem palavras diretas eles sabiam que não eram mais só amigos, tanto as memórias como o coração deixavam mais do que evidente que a relação que tinham era especial. Sem nem mesmo saber definir o que era, eles sabiam que havia algo.

“Ótimo, eu não aceitaria outra resposta.”. O celeste levantou-se, se não fosse o rosto vermelho e os olhos inchados iria parecer que ele nunca havia chorado, tamanha foi a mudança na voz. Ele sorriu minimamente para o ser a sua frente. “Quero justiça, e vamos conseguir... Por todos eles. ”

“Você tem certeza? Sabe que não vai ser fácil Yoongi, há um longo caminho a percorrer para que possamos pelo menos achar uma chance de fazer isso. ”. Namjoon decidiu por perguntar mais uma última vez, apesar de conhece-lo tão perfeitamente em todos os aspectos a ponto de saber que quando ele se decidia, ia até o fim.

“Eu sei, Namjoon, mas não podemos nos calar, não podemos agora fingir que nada aconteceu e continuar vivendo! ”. Yoongi se ajeitou na cama e o fitou no fundo dos olhos, suspirou uma vez e levantou o queixo, determinado. “Vamos fazer isso. ”

O Incubus sorriu, um sorriso de canto satisfeito e não desviou o olhar. “Então temos que nos planejar, primeiro, voltaremos até o espírito para sabermos o próximo passo para destruir a linha que nos prende...”.

“A essa altura a névoa deve ter desaparecido, sendo assim Jimin poderá nos dizer a maneira mais rápida de acabarmos com isso, certo? ”. Yoongi viu Namjoon concordar com um olhar esperto, nem precisaram falar mais nada, o resto do plano a respeito disso já se formou automaticamente na mente de ambos, uma vez desfeita a linha, não existiria mais o sistema polar e o demônio poderia recuperar as suas forças e seria melhor em uma eventual batalha mesmo com metade de sua aura ausente.

“No momento, as nossas oportunidades de obter informações estão na casa de Hoseok, precisamos ir para lá.”. O Incubus disse, apesar de parecer estar com pressa, não se moveu por enquanto, precisava refletir primeiro, mas sem antes saber de mais coisas, não podia concluir nada ainda.

“Então vamos, eu irei dirigir todo o caminho até lá e assim poderá descansar...”. O Ishin do Fogo levantou-se, a ansiedade crescente em si. Tocou o ombro do outro por acaso, mas parou ali quando um pensamento súbito acometeu a sua mente. O toque trouxe o pensamento como num raio e foram precisos segundos para que o outro afastasse a sua mão dali, como se tivesse ficado assustado. “O que aconteceu com você? ”. Yoongi se sentiu incomodado de uma hora para outra, olhou os próprios dedos, meio perdido, sentiu algo ali através do tecido fino da blusa que o infernal usava.

“Do que está falando Yoongi? Eu estou bem...”. Mesmo sabendo que não iria escapar de explicações, ele tentou desviar-se e também levantou da cama, indo em direção a porta, aquilo não era o assunto que mais lhe interessava falar.

“Durante o tempo em que estive na Haled... Você... Você disse que impediu que eu passasse pelo que passou, não é? Mas você não estava aqui também! ”. Não sabia ao certo porque, mas à medida em que as ideias iam surgindo em sua mente ele temia descobrir, temia a verdade, porém nada lhe impediria de saber. “O que aconteceu com você? ”. Repetiu de forma tão firme que diante daquilo seria impossível ele não ceder e lhe contar.

Namjoon ainda estava de costas, mas parou no meio do caminho, sabia que era tolice esconder isso do mais baixo, só acabaria complicando as coisas, mas não queria vê-lo sofrer mais uma vez, pois estranhamente sabia que ele sofreria. Não havia sido tão pior do que ser banido do céu, mas não foram os seus melhores anos. Com um suspiro, ele ergueu o olhar para o celeste que já estava em sua frente, com um olhar determinado em saber a verdade, mas ao mesmo tempo com um fundo de receio, não tendo escolha, ele cedeu.

“A minha punição durou quinhentos anos, o mesmo tempo em que está aqui. Mas passei trezentos deles encarcerado em um dos Calabouços da Punição, no Inferno. Ouvia gritos e lamentações o tempo todo e acredite, mesmo para alguém como eu isso não era a melhor coisa. Sofri algumas torturas, mas nada de muito ruim acho que nem para isso os guardas queriam se aproximar de mim...”. Namjoon encarou o anjo que já parecia tremer, assustado com o que ouvia, ele sabia sobre essa reação, sentiu o coração apertar-se, mas parar ali no meio só serviria para deixa-lo pior. “Não fique assim, estou te garantindo, foram só chicotadas que em quase nada doeram, só serviram para deixar arranhões. ”

“Mas quando toquei o seu ombro...”. Ele não precisou mesmo terminar a fala, o maior sorriu e tirou a blusa que vestia, virando de costas, Yoongi colocou uma das mãos na boca, surpreso.

Na pele levemente bronzeada haviam, na altura dos ombros, duas pequenas cicatrizes, uma de cada lado, tinham cerca de dois centímetros cada e pareciam estar em um ponto estratégico, cortes profundos haviam sido feitos ali, com toda a certeza. Com os dedos trêmulos, o Anjo do Fogo tocou uma das cicatrizes de forma tão leve que mal deu para o infernal sentir.

“Eles cravaram pequenas lanças aí, quando sabiam que eu poderia perfeitamente destruir as correntes e as grades, com isso eu ficava com os braços paralisados na maioria das vezes. Ficou por tanto tempo que as cicatrizes estão presentes até hoje e-”. O Incubus não terminou de falar, afinal foi surpreendido pela atitude do mais baixo.

Yoongi, em um ato totalmente impulsivo e consequentemente impensado, o abraçou por trás. Envolveu-o com os seus braços e encostou o rosto em suas costas, sem se importar com mais nada, algumas lagrimas queriam sair, mas ele não choraria mais uma vez, precisava ser tão forte quanto o outro estava sendo, e de uma hora para outra sentiu-se culpado. Em mais um gesto dominado de emoções, ele ergueu o queixo e depositou perto das regiões pequenos selares, carregados de sentimentos.

“Yoon-gi?!”. O Incubus piscou muitas vezes, o arrepio violento passando pelo corpo todo como mini ondas de choque o deixou estático, algo em si começava a despertar de maneira calma, sutil, um calor confortável que se instalava no corpo e principalmente nas bochechas. Não podia ser, ele nunca ficava corado, nunca!

“Me desculpe... Me desculpe, eu não sabia que você...”. O celeste queria expressar-se, mas não conseguia fazer isso com êxito, pois as emoções e pensamentos eram muitos, só se sentia culpado de alguma forma por estar vivendo, fazendo amigos e se divertindo na Terra durante o tempo em que alguém tão importante para si vivia nas piores condições possíveis, mesmo que ele dissesse que não havia sido tão difícil, custava em acreditar.

“Não precisa d-dizer isso, eu não quero ouvir algo assim de v-você.”. O demônio se amaldiçoava no momento por não conseguir voltar as suas condições normais, o toque, mesmo que sutil e inocente ativara os seus instintos e a proximidade só intensificava tudo, era difícil se conter diante daquilo.

Vendo que não aguentaria muito mais tempo com aquele contato, ele desprendeu rapidamente as mãos do outro de si e se afastou.

“Namjoon? ”. Yoongi também pareceu surpreso com a separação repentina em um momento como aquele, ergueu uma sobrancelha enquanto via o outro se vestir rapidamente com o olhar voltando-se para tudo, menos para o seu rosto. 

Que diria, ele, um Incubus fugindo de momentos como aquele? Havia ficado confuso e embaraçado quando as coisas sempre costumavam ser ao contrário, o tempo que estava passando na Haled e com o Ishin estavam mexendo com alguns de seus aspectos e ele não gostava nada disso, precisava, imediatamente voltar a si ou enlouqueceria, pensaria em um plano à parte quanto a isso.

“Temos que ir, quanto mais rápido chegarmos à casa do feiticeiro, mais tempo nos resta. O espírito nos dirá o que fazer e se o Serafim estiver lá, poderemos até mesmo conseguir algo. ”. Mesmo estando de certa fora se sentindo estranho, ele optou por reassumir o foco da situação.

Aliviou-se quando o outro assentiu sem mais perguntas e saiu do quarto dizendo que ia buscar o carro, ele informou que logo o encontraria lá em baixo e quando se viu sozinho, suspirou de forma longa, Yoongi definitivamente estava ficando perigoso.

Ao descer, depois de alguns minutos, viu que o anjo já se encontrava dentro do veículo, com algum acessório que lhe cobria os olhos, Namjoon não sabia direito o que era aquilo, mas viu algumas pessoas usando durante a viagem. Assim que tomou o seu lugar no banco de carona, o outro lhe estendeu um objeto parecido com o que ele usava no rosto.

“Isso são óculos de sol.”. Ele explicou quando o mais alto olhou o objeto como se fosse de outro planeta, apontando para o que usava também. “Coloque-o e os seus olhos ficarão protegidos da luz forte, iremos na direção contrária durante todo o dia.”

O clima parecia ter voltado ao normal, o infernal o imitou, colocando os óculos, a sensação de ter aquilo em seu rosto era nova, mas nem tão desagradável, então sorriu de lado, satisfeito. O anjo segurou um riso, era divertido apresentar coisas novas a ele, sendo assim, acelerou rumo à estrada, o carro sumiu entre duas colinas que comportavam a luz do Sol entre elas também.

Eles já sabiam que agora tinham pressa. Apenas para um objetivo, para Yoongi era justiça, para Namjoon, vingança.

Hoseok havia recebido uma ligação vinda de um numero estranho a princípio, mas depois de atender e ter uma breve conversa, um sorriso esperto se formou em seus lábios e era difícil se livrar dele. Do outro lado da linha Yoongi lhe disse que eles estavam voltando com informações e que haviam se lembrado de tudo, o anjo comentou com ele que era uma longa história. Por isso o seu sorriso não se desmanchava, estava certo! Havia confiado nele e o mesmo não fugiu apesar de agora saber de todo o seu passado, as acusações que antes tinham um peso agora pareciam mais leves e as dúvidas e pensamentos inquietos se acalmaram um pouco, tinha de admitir estar preocupado, afinal havia dias que não tinha notícias, nenhuma previsão, nenhum comunicado, nada... por isso essa curta ligação o fez ter uma onda de alívio imensa.

“Yoongi e Namjoon estão voltando, irão chegar aqui dentro de três horas, tenho que preparar algumas coisas para que Park Jimin venha de novo.”. Estava quase eufórico, falava com Taehyung que se encontrava sentado calmamente em uma das poltronas pequenas da sala, o caos dali já havia sido resolvido e o vidro da janela, trocado.

Os espectros em volta das mãos do anjo estavam mais flexíveis, permitindo-o fazer alguns movimentos, mas nada de perigoso, ele parecia ter se acostumado com a situação com o passar dos dias, já não mais se encontrava tão desesperado, havia pensado muito sobre o que o feiticeiro havia lhe dito e muitas dúvidas começaram a surgir em sua mente. No final ele decidiu ‘pagar para ver’, iria esperar e descobrir o que havia de tão caótico no passado daqueles dois seres que deixavam os seus superiores preocupados com a existência deles.

“Tudo bem, irei dar uma chance. Não precisa mais me prender, estou decidido a esclarecer todas as minhas dúvidas, mas se eu estiver certo quanto ao que aconteceu... ”. Não disse o resto da frase, porque de certa forma era previsível, teria que completar a sua missão de uma forma ou de outra.

“Eles irão esclarecer tudo, tenho quase certeza de que há um engano. Não sei se depois de ouvir tudo você irá ficar do nosso lado, mas espero que julgue a situação independente do seu medo de ser morto.”. Hoseok disse a última parte com um tom mais baixo, no fundo esse medo também era dele.

“E como irei julgar? Que segurança eu terei de que não serei morto se ficar ao seu lado? ”. Foram palavras afiadas. Taehyung carregava consigo muitas dúvidas e inseguranças mesmo depois de saber a verdade sobre o mal-entendido do passado dos dois. Apesar de estar ciente, algo faltava para que voltasse a confiar no feiticeiro.

“Eu irei estar com você, de verdade, estou preparado para enfrentar o que for e não é só uma promessa precipitada como da última vez, Tae.”. Como se adivinhasse o que faltava para recuperar a confiança do anjo, Hoseok proferiu tais palavras o olhando nos olhos, um momento intenso entre os dois, o tempo pareceu parar e algo crescer, como se estivesse se espalhando pela ferida que os atormentava até os dias de hoje, a acolhendo, diminuindo ao menos um pouco a dor que ela causava.

Dois passos foram dados em direção ao anjo, que pareceu se acuar por instantes, mas logo depois relaxou, vendo que aquele que vinha nunca seria capaz de lhe fazer nenhum mal, e não foram necessárias mais palavras para que ele concluísse isso, já havia concluído há muito. O garoto dos cabelos negros e olhos brilhantes se aproximou com cautela, mas ao mesmo tempo confiante, ergueu a mão e com a ponta dos dedos, tocou-o no peito, aonde foi possível sentir a elevação da pele que a cicatriz vertical no centro do tórax formava, a cicatriz de um corte profundo, a única que seu avatar sofreu até agora. E aquilo o assustou.

“Não vou deixar algo assim acontecer novamente.”. A determinação em sua voz era clara, cheia de coragem e acompanhada de uma doçura desigual, ao ouvir aquilo, Taehyung achou Hoseok inacreditável.